Você está na página 1de 24

Exílio e Imaginário: As Primeiras Diásporas Judaicas em

Portugal nos Romances de Mário Cláudio

Daniel Vecchio Alves


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Resumo: A recriação histórica encetada pelos romances Oríon (2002) e Peregrinação de Barnabé das
Índias (1998) aponta para o preenchimento de vazios e lacunas deixados pela extensa tradição de
narrativas que recorreu ao tema da expansão marítima, envolvendo secundariamente o tema do
exílio judaico. Nesse vazio, a subjetividade ganha força por meio da manifestação do maravilhoso
que contribuiu para desmistificar a imagem esplendorosa de Reis e Capitães, e exaltar a figura dos
Judeus, vagamente representados nas crônicas e vítimas de diversas atribulações. Esses fatores
proporcionam originalidade à escrita de Mário Cláudio, garantindo um texto literário de grande
poder criativo e densa representação histórica, literária e sociológica sobre a cultura e,
especificamente, sobre o passado português.

Palavras-Chave: Portugal, descobrimentos, romance, maravilhoso, opressão.

Abstract: The reconstruction of history introduced by the novels Orion (2002) and Peregrinação de
Barnabé das Índias (1998) points to the filling of voids and gaps left by the long tradition of
narratives that appealed to the issue of maritime expansion, and which secondarily involves the
theme of Jewish exile. In this void, subjectivity gains strength through representation of the
marvelous, in order to help demystify the radiant image of Kings and Captains, and exalt the
silenced Jews. These aspects provide originality to Mário Cláudio’s writing, ensuring a literary text
of great creative power and dense historical, sociological, and literary representation of Portuguese
culture.

Keywords: Portugal, discoveries, romance, marvelous, oppression.

Mesmo com mais de quinhentos anos transcorridos dos infelizes e censuráveis


eventos de expulsão dos judeus da Península Ibérica em 1493 e 1497, se engana
quem acha que seja polêmica ou missionária a tendência de estudos sobre esse
tema. A sua finalidade não é outra senão manifestar a lição acerca do direito de
cada um à liberdade de consciência, de posição religiosa ou filosófica assumida
por tradição ou por vontade própria.
Através de duas obras do romancista português Mário Cláudio, pretende-
mos estudar as representações sobre os episódios acima mencionados. Esses
cenários agressivos ainda se impõem como problemas para os conceitos e

197
198 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

preocupações da atualidade vigente, cuja crítica através da história e da


literatura repensada se constitui numa preciosa lição pela qual os homens
aprendem com os seus próprios erros.
Tais estudos tornam-se mais do que necessários, visto que ainda em
nossos dias há defensores das práticas inquisitoriais que ocorreram em Portugal
antes do estabelecimento de seu tribunal no ano de 1536 1. Esforçam-se muitos
autores em comprovar a defasagem reflexiva daqueles que fazem passar o
inquisidor por monstro, difamando a instituição que desempenhava o papel
histórico de proteger a fé e de garantir a ordem pública da cristandade. No
entanto, esse julgamento anula completamente a crueza para com as vítimas
desses tristes episódios e, por isso, pergunta Elias Lipiner:

Onde ficam neste cenário as almas afligidas dos presos colhidos na sua rede, os
queimados vivos por terem resistido até ao fim sem reduzir-se, os garroteados, os
penitentes humilhados e ofendidos, os reduzidos à fome pelo confisco dos bens e
impossibilitados de recorrer à esmola dos homens, sequer, por motivo da exibição
pública obrigatória do sambenito que provocava não só os murmúrios dos
circunstantes, mas também a recusa da ajuda? Onde fica neste cenário o homem que
é a matéria primeira e objeto fundamental da atividade da inquisição? [. . .]. De que
adiantará a pura e exata pesquisa histórica, desatenta ao destino do homem? O
condicionamento teológico ou cientifico aplicado com exagero na pesquisa acerca da
inquisição, resulta em perspectivação distorcida da atividade inquisitorial e das
ocorrências negativas que a antecederam. (465–466)

Mas infelizmente, há estudiosos modernos que não viram ou não querem


ver os milhares de processos individuais, em que se constata que os réus
envolvidos eram punidos a ferro e fogo, unicamente por terem repelido uma
religião que lhes fora imposta à força, não levando em conta o sofrimento
humano, desprezando a lição histórica e sociológica que proporcionam esses
fatos. Assim se faz o verdadeiro motivo desse trabalho, que pretende analisar as
representações literárias problematizadoras dos exílios judaicos em Mário
Cláudio, não deixando de usufruir de fontes e estudos históricos condizentes
com uma percepção mais aguçada e mais humanista de tais ocorridos.

Os exílios de 1493 e 1497


Com o título Quando entrarom os judeos de castela em Portugal (1553), narra o
português quinhentista Samuel Usque (1500–1555?) as peripécias dos expulsos
da Espanha em 1492, por se terem mantido constantes na sua lei religiosa. A
maior parte deles, afirma o cronista judeu, foi para Portugal com uma autoriza-
ção temporária do rei D. João II (1455–1495), por meio do pagamento de taxas
e mediante a promessa “de os deixar viver na sua lei, e os que quisesse partir,
dar-lhes embarcação” (III / XXVII).
Segundo as informações encontradas nas crônicas de Rui de Pina (1440–
1521) e Garcia de Resende (1482–1536), os judeus admitidos provisoriamente
no reino, mas que não puderam dele sair no prazo estipulado pelo rei, foram
considerados cativos e vendidos como escravos 2. Em 1493, por punição aos
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 199

judeus infratores, seus respectivos filhos foram dados ao Capitão Álvaro de


Caminha (?–1499?) para levá-los consigo, depois de batizados, à capitania de
São Tomé, uma ilha recém-descoberta. Era, pois, esse o primeiro exílio
português dos judeus e não o de 1497, como vulgarmente se admite.
A ilha, descoberta em 1470 ou 1471, provavelmente a 21 de Dezembro,
dia em que a Igreja venera o apóstolo São Tomé, era tida por lugar impróprio à
colonização, pela insalubridade e pelo perigo das feras que a habitavam 3. Por
isso, tinham malogrado tentativas de povoá-la a partir de 1485, com seguidas
desistências.
No princípio do seu governo, em 1495, D. Manuel (1469–1521) praticara
atos de altruísmo para com os judeus, libertando generosamente os que tinham
se tornado escravos por ordem do seu antecessor, D João II, inclusive aqueles
com os filhos expatriados à força para a perigosa ilha dos lagartos, São Tomé.
Pouco tempo depois mudou de procedimento para com eles. Prova disso é o
suposto exílio de 1497, planejado para ocorrer nos seus últimos meses, na
ocasião em que se encontravam reunidos nos Estaus de Lisboa milhares de
judeus convocados enganosamente.
Quando reunidos os judeus para receber a embarcação prometida em
decreto real, dando com isso mostras de que preferiam a partida à conversão,
foram todos arrastados às igrejas para serem batizados em cerimônia feita às
pressas e à força: “e a hus pelas pernas e braços, e a outros pelos cabelos e
pelas barbas arrastando per força os levaron tee dentro as ygrejas, e aly lhe
deitarom sua aguoa [de batismo] . . .” (III / XXX). Segundo Elias Lipiner,

tal contraste fora determinado em grande parte pelo interesse particular do monarca,
o qual estava então cobiçando o casamento com a princesa Isabel, filha dos reis
católicos Fernando e Isabel, da vizinha Espanha, os quais haviam decretado
semelhante expulsão de judeus dos seus reinos em 1492. . . . D. Manuel, elevado ao
trono a 27 de Outubro do mesmo ano, viu-se atraído pelo sonho de união ibérica
sob a égide portuguesa que vislumbrava no horizonte político e familiar, como
conseqüência do casamento com a princesa de Castela. (10)

Porém, dessa vez o plano do rei português não dera certo, pois, depois da
expulsão e da conversão forçada, deu-se a morte da rainha no parto do príncipe
Miguel, morrendo também esse futuro herdeiro da coroa de Castela e Portugal
com a idade de dois anos apenas. Nem por isso esvaeceu-se o projeto de D.
Manuel de estabelecer um império ibérico sob seu reinado 4.

Exílio e imaginário
Considerando as respectivas fontes cronísticas de tais episódios, podemos
perceber que através delas apresentam-se narrativas polêmicas ora por sua
dramaticidade, como em Usque, ora por sua celebrativa memória que exalta os
reis e seus mandos, amenizando e ocultando informações detalhadas mais
realistas e denegridoras dos fatos opressivos supracitados. Essa postura elogio-
sa ocorre, sem dúvida, em Garcia de Resende e em outros cronistas reais.
200 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

Até agora não se apurou ao certo o destino dos pequenos cativos na tão
temerosa ilha de São Tomé. Muitos podem ter morrido durante a viagem, mas
alguns podem ter sobrevivido no local. Muito pouco também se sabe da
existência e do destino dos judeus que conseguiram escapar da compulsória
conversão executada por D. Manuel em 1497, seja antes, durante ou depois do
ocorrido. O que se sabe de fato é que “as correntes emigratórias para o Estado
da Índia e o Império Otomano fazem parte do fenômeno global da emigração
judaica e cristã-nova que se iniciou nos finais do século XV, a partir da
Península Ibérica, [. . .] devido à forçada conversão” (Cunha 17).
Na zona obscura desses episódios históricos é que o excelente romancista
português contemporâneo Mário Cláudio parece ter encontrado o seu campo
de trabalho 5. Na escassez de dados concretos, ele recorreu à contextualização,
sobretudo, no que diz respeito aos imaginários historicamente possíveis de tais
acontecimentos. A matéria para representar seus personagens e cobrir tais
ausências está de acordo com o que foi apontado pelas pesquisas da historio-
grafia cultural recente, verificando Mário Cláudio que, em diversas circuns-
tâncias, os hábitos mentais e as formas fantásticas reaparecem em quase todos
os domínios da vida corrente do final da Idade Média e do início do
Renascimento, especialmente no que diz respeito ao povo judeu 6.
Portanto, há nesse ponto imaginário certa coerência histórica. Não se trata
de uma invenção gratuita do escritor que muito bem pesquisou sobre a psicolo-
gia judaica e portuguesa da época:

É igualmente próprio das personagens de Mário Cláudio o embate de Adamastor do


homem contra o meio, concorrendo com todas as suas pulsões vitais para a
domesticação do ambiente, [. . .], numa espécie de balanceio entre uma acracia
individualista, em que cada um faz as suas regras, e um comunitarismo religioso de
tendência pagã, prestes a desafiar a morte em atitude nobre, mas também senhor de
um reles pensamento calculista onde, não raro, a especulação e a grandeza se
asfixiam medidas, abandonadas ao gozo dos sentidos, ao bucolismo do terrunho e à
acumulação do património próprio. (Real 154)

Adentrando nesse universo sintomático dos personagens marioclaudianos,


observamos que as manifestações de um maravilhoso com base na representa-
ção psicológica dos judeus exilados, sejam portugueses ou não, podem ser
efetivamente encontradas em duas obras que aqui serão analisadas respectiva-
mente: Oríon (2002) e Peregrinação de Barnabé das Índias (1998). Vale ressaltar que
optamos, nesse artigo, por inverter a ordem cronológica de publicação na
análise das duas obras, pela preferência de manter a ordem cronológica das
duas diásporas judaicas representadas.
Considerando esses dois romances como parte da produção literária da
nova geração de escritores surgida com mais intensidade após a Revolução dos
Cravos, em 1974, cabe inferir que, como a maioria das obras ficcionais desse
contexto, tais romances são recriados a partir de dimensões alternativas e
críticas para narrar a rica e não menos problemática história da nação lusa:
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 201

[. . .], a literatura portuguesa, em consonância com o que sucedia em outros países, e


na esteira do pensamento demolidor das vanguardas do início do século,
encaminhou-se para uma atitude de negação dos mitos, para uma suspeita cada vez
maior sobre ideologias e estéticas construídas a partir de suportes considerados como
verdades inquestionáveis [. . .]. (Calvão 16)

Com base no processo de desmistificação do elogio à tradição cristã e


expansionista na cultura portuguesa, torna-se latente, entre os principais
escritores contemporâneos de sua literatura, que “nenhum regime totalitário dá
azo a que se faça História como deve ser. Todos eles necessitam, em maior ou
menor grau, de ocultações e de mitificações” (Lepecki 388–389) que precisam
ser desconstruídas ou substituídas. Mas, é preciso deixar claro que esse
suprimento crítico mencionado por Lepecki pode ocorrer de formas diversas.
Ao se libertar do monologismo representativo de uma dada ideologia ou
de um dado discurso, o romance português contemporâneo tem ressonâncias
muito amplas, que vão além de somente apresentar uma versão paródica pronta
dessa tradição, sendo livre para investigar o fenômeno da alienação e da opres-
são em diferentes circunstâncias e formas alegóricas: “Isso significa que a ficção
contemporânea também partilha da mais arcaica ficcionalidade, a que no conto
e no mito enraízam, ou que o conto e o mito configuram” (Lourenço 95),
proporcionando à literatura múltiplas alegorias da existência imaginária de seus
personagens.
O acúmulo e a regularidade de alegorias do imaginário no texto literário
marioclaudiano permitem mostrar como as formas e os motivos ali fixados,
além de constituir concatenações de enredos psicologizantes divergentes, são
uma via privilegiada para entrarmos em contato também com o imaginário da
época histórica em discussão, época que, inclusive, viu surgir com força
imaginária o próprio gênero narrativo do relato de viagem.
Nessa perspectiva, os romances Oríon e Peregrinação de Barnabé das Índias se
circunscrevem coletivamente através de uma representação subjetiva da
história, evidenciando esse outro povo censurável, que sempre ficava à margem
das crônicas e relatos oficiais: os judeus. Os romances apresentam sucessivos
personagens que miram o horizonte do mar com base nas vagas e imaginárias
notícias sobre a existência de grupos hebraicos sobreviventes na Índia e na
Etiópia, inebriados por uma perspectiva de “traduzir em realidade terrena
lendas ultraterrestres, e de ver transladada para a esfera da geografia a sua velha
quimera messiânica” (Lipiner 28–29).
Retira-se desse contexto cultural o mito do judeu errante, que retrata um
personagem que vagabundeia mundo afora, fugindo das instituições que o
persegue e procurando qualquer resquício dos reinos antigos do seu povo de
origem. O mito do judeu errante sintetizou em um único personagem séculos
de antissemitismo arraigado na Europa. A submissão de todos os fiéis a essa
tradição, fundamentada em uma busca comum pela terra idealizada, é impulsio-
nada pelas inúmeras diásporas judaicas ocorridas desde muito antes de Jesus
Cristo, com a destruição dos reinos hebreus de Israel e de Judá.
202 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

Por isso, cientistas e mercadores judeus ibéricos de carreira e cultura itine-


rante, possuíam o mais vivo interesse no descobrimento da Índia e da Etiópia
empreendido primeiramente pelos portugueses, porque para eles isso
“significava uma surpreendente aproximação das regiões de sua geografia até
então puramente imaginária, em que se situariam reinos independentes
formados outrora por famílias exiladas da antiga terra de Israel e de Judá”
(Lipiner 17).
No final do século XV e o início do XVI, temporalidade apresentada nos
romances mencionados de Mário Cláudio, havia um grande número de judeus
na Península Ibérica. Na verdade, eles já haviam se estabelecido em terras
lusitanas muito antes da formação do reino. Por seu amplo conhecimento
geográfico e cultural, eles atuavam como cientistas, conselheiros confiáveis e
também como enviados e exploradores de reis.
No entanto, os judeus ibéricos mesmo sendo muito preparados para o
desenvolvimento da técnica, do comércio, da expansão e das trocas culturais,
nesse tempo viviam contraditoriamente imersos nesse imaginário messiânico,
intensificado pela repressão aos não cristãos peninsulares promovida pelas
Cortes Reais lusitanas e pelas autoridades clericais que, muito antes das
primeiras décadas de navegação portuguesa, começaram a persegui-los. Nesse
contexto sociocultural, intensifica-se o imaginário judaico que profetiza a vinda
do Messias que imporia um fim às perseguições religiosas e às privações de seu
povo, glorificando-o com a terra prometida. Em busca dessa profética terra,
muitos ficaram pelo caminho e outros tantos seguiram para lugares longínquos
através das viagens marítimas.
É realçada, através dessas premissas, a forma pela qual as navegações
estão enraizadas na história e cultura judaicas. Em Oríon, o segundo romance da
chamada trilogia das constelações 7, é narrado o destino das crianças judias
deportadas no mencionado exílio de 1493, rumo à ilha de São Tomé. Em
Peregrinação de Barnabé das Índias, conta-se a história de Barnabé, um judeu que
conseguiu fugir para as Índias em pleno ano de 1497, quando se dificultava a
saída de seu povo das terras portuguesas, se infiltrando em uma das naus da
esquadra de Vasco da Gama (1469?–1524). Juntos, os dois romances se
apresentam como um importantíssimo legado literário que empreende novas
perspectivas na representação dos dois primeiros exílios judaicos de Portugal.
Em Oríon, a cena inicial do exílio de 1493 merece atenção por sua carga de
realismo que desmistifica o seu cenário omisso e celebrativo apresentado nas
crônicas oficiais. Primeiramente, expõe-se a mensagem do bispo de Lisboa
proferida no evento criado para a partida das crianças: “Ide pois, ide e que a
culpa de toda uma raça sirva de exemplo a vossos irmãos . . .” (Cláudio, Oríon
20). Na sequência, descreve-se o evento, que se revela aparentemente alegre e
festivo, sendo desconstruído de forma crítica pelo narrador-personagem Abel,
uma das crianças judias deportadas que mostra o sofrimento e a opressão
suscitados por tal ocorrido, retirando o véu oficioso e a gloriosa memória de
cena:
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 203

Quem poderá descrever aquela Praça da Ribeira no dia nefasto em que ali se reuniam
as crianças? Originárias das mais distantes regiões do Reino de Portugal, juntavam-se
elas em magotes que os grandes fiscalizavam . . . Era uma manhã de Abril, tão suave
que mais parecia um agouro de acontecimentos festivos do que o limiar de um
holocausto que se preparasse. E os gritos das judias, descabeladas diante da tragédia
do furto dos seus rebentos, apegavam-se aos guinchos das gaivotas na luz da beira-
Tejo. (15)

Durante a comprida viagem limitaram-se as crianças “a roer alguma côdea


de pão, a beber água salobra, a repousar os músculos e os ossos num estrado
emporcalhado pelo vómito” (Cláudio 15). Já na dita ilha, Abel não enfrentou
maiores problemas para se habituar, aprendeu “a designar as árvores, os arbus-
tos e as ervas, [estudar] a sua utilidade e a sua reprodução, [debruçar] para a ilha
como quem se dobra para um livro, munido da lente que lhe amplia os
caracteres” (46).
Abel mostra-se na condição de um exilado maravilhado, amando a ilha
como um éden sem limites, mesmo sendo arrebatado dos braços dos pais. Mas
é principalmente através do sentimento de desterro formado no crescimento
das crianças deportadas que tal ilha servirá de palco de prodígios e lendas
várias, alimentando a índole imaginária desses hebreus que sempre imaginavam
se aproximar do reino de onde foram retirados ou mesmo da lendária terra
prometida que desejavam alcançar: “Não se extirpara a fé desvairada do povo.
A cada instante se disseminavam atoardas extraordinárias . . .” (120).
Em Oríon, degredados, fugitivos e exilados viviam presos nesse tipo de
imaginário. Distanciados da metrópole inquisitorial e conscientes das
preferências da coroa na colonização com base nas tarefas missionárias, alguns
faziam questão de, na medida do possível, retornar aos seus hábitos e suas
crenças religiosas. A existência de criptojudeus em São Tomé, observada
veementemente nessa obra literária, pode ser averiguada historicamente pelas
proibições da presença de cristãos-novos na ilha, expedidas por D. Manuel e
novamente pelo bisneto desse monarca, o Rei D. Sebastião (1554–1578):
Com efeito, por alvará de 21 de novembro de 1569, determinou D. Sebastião que
“daqui em diante não possa ir à ilha de São Tomé para nela residir, nem viver, pessoa
alguma da nação de cristãos-novos, salvo indo à dita ilha ida por vinda”. Prossegue o
alvará dizendo: “E assim hei por bem que pessoa alguma da dita nação, não possa na
dita ilha servir ofício algum de justiça”. (Lipiner 33)

No romance em questão, o criptojudaísmo está claramente exposto


através do narrador-personagem Abel, que se responsabiliza pela autoria da
narrativa presente no livro. Ele diz que originalmente sua escrita atravessa “as
páginas da Tora, com letras apertadinhas umas de encontro às outras”, e
acrescenta que se “não conservasse na memória o que lá se diz, não alcançaria
ler os versículos sagrados” (Oríon 12). Agradece ele ao franciscano que lhe
ensinou as letras na sua infância longe dos pais, relembrando o que o frade
insistia em dizer: “cuida de a exercer [a escrita] que nela é que acharás os
portões de saída do exílio” (12).
204 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

Tais circunstâncias existenciais e históricas fizeram o judeu considerar a


escrita e o livro como uma espécie de pátria que podia ser transladada para
onde quer que fosse. “Nessa pátria portátil, encontrava os legados da memória
ancestral, a razão de ser e, principalmente, de teimosamente continuar a existir
num tempo que, muitas vezes, negou-lhe dignidade humana” (Roani 76). A
leitura da Tora, bem como a própria escrita, eram para Abel a criação de um
espaço de reencontro da integridade do seu mundo, um lugar que complemen-
tava o desterro, onde um povo disperso pelos exílios encontrava a cada palavra
sua redenção.
Diante das proibições religiosas, o oculto exercício de Abel, de escrita e
leitura na e da Tora, assume o caráter de um ato socialmente simbólico,
admitindo-se, assim, no romance de Mário Cláudio em análise, uma forte
presença de criptojudaísmo, posicionando-se o escritor portuense perante as
polêmicas teses relacionadas à existência ou não desse aspecto cultural em tal
época histórica:

Um dia veio ter comigo um freizinho picado das bexigas, com o qual encetara na
travessia extensa conversação. [. . .]. Vai o santo, e interpela-me nestes termos, “Eu
bem sei, Abel, meu filho, que nunca haverás de te converter em bom cristão, e nisso,
podes crer, residia o meu anseio, mas apegaste-te às falsas doutrinas da tua raça,
julgarás tu que não percebo que lês às escondidas o livro nefando?, mas é a vontade
de Deus”. (Oríon 37)

O criptojudaísmo consiste no que exatamente faz o narrador-personagem


Abel: pratica escondido os costumes de sua religião antiga, mesmo sendo essa
prática reduzida a escrita ou a uma mera leitura usual da Tora. Para Elias
Lipiner, “à imposição violenta da nova religião, responderam os ex-judeus, ou
grande parte deles, com simulação, adotando apenas as formas externas da
crença imposta, mas conservando na intimidade o judaísmo” (395). Para ele,
esses “pseudocrístãos” não aceitaram a crença imposta senão com profunda
reserva mental.
Para António José Saraiva, em contrapartida, lhe parece inteiramente
inadequada a expressão “criptojudeus”, pois para ele judeus e cristão-novos
eram “entidades inteiramente existentes e distintas, embora haja entre elas uma
ligação histórica” (Saraiva 24). Reforça o estudioso português que, em pouco
tempo, devido à intensa pressão exercida no reino, os cristãos-novos deixaram
quase por completo sua velha lei.
No entanto, não é isso que vemos na história e mesmo na construção dos
personagens judeus de Mário Cláudio, sejam convertidos ou não, como nos
casos de Abel e Barnabé respectivamente. Suas mentalidades são embasadas
nas crenças e nos imaginários da religião de origem que, intensificados pelos
desterros, os tornam eternas crianças: “[. . .] o meu único encantamento
consistia em fixar por horas perdidas o maravilhoso de estrelas a que chamam
Oríon” (Oríon 154). Esse sintoma pode ser claramente percebido no fato de que
Abel, ao herdar o governo do engenho que antes pertencia ao seu antigo chefe
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 205

e um dos descobridores da ilha, João de Santarém, pouco dedica a vida aos


trabalhos diários:

Se dantes avaliava a alegria pelo número de fardos de açúcar produzidos e


negociados, calculava agora que só a descoberta do segredo da figura que na abóbada
se estampava me obteria a paz de que tanto carecia . . . Impossibilitada de
compreender a obsessão em que me debatia alongava-se de mim Perpétua [sua
segunda mulher], supondo-me apanhado pela loucura que deriva dos vapores dos
lodaçais. E não me cansava de tentar conceber quantos astros naquele conjunto se
incluiriam, visíveis uns, invisíveis outros, e que preciosas mensagens na posição deles
se achariam encerradas. (155)

O caso foi acentuado pelo fato de que também os demais engenhos foram
aos poucos sendo abandonados e seus escravos começaram a sofrer visões
generalizadas, conturbados pela imagem de um menino que chamavam de
Benjamin, a quem os judeus aclamavam como Salvador e que acreditavam ser o
soberano de “um reino que só ele compreendia, testemunhavam-lhe obediência
e louvor os habitantes da Fuzeta, local remoto da ilha açoriana onde
governava” (111).
Portanto, via-se diminuída a produção de açúcar da ilha pela intranqüilida-
de em que persistiam viver os escravos e seus senhores criptojudeus. E assim
esgotavam-se as semanas, e nenhuma figura divina cruzava o firmamento, mas
nem por isso se extinguira a fé desvairada do povo. “A cada instante se disse-
minavam atoardas extraordinárias, de que descortinara alguém Benjamim na
sua alimária, e de que largava ele um rasto que à luz do poente se ia dourando”
(120). A imagem do garoto se não os libertava das dificuldades do exílio e da
escravidão, concedia-lhes o alívio para os sofrimentos cotidianos que não se
revelavam poucos, nem pequenos. Andava agora inteiramente conquistada a
multidão da ilha por tal miragem que se difundia gradualmente, conforme se
cita:

[. . .] toparam com as ruínas de uma cidade mui antiga, e que se implantava entre elas
um templo que resplandecia, e que pela escadaria dele testemunharam que ia
descendo um cortejo, formado pelas crianças executadas a mando de El-Rei Dom
João II de Portugal. E mais aduziram que à frente marchava o Menino com uma bela
capa de veludo vermelho, debruada a arminho, e que à sua direita se avistava Elisa
[sua companheira], e que a ambos assistia muita freguesia de ministros e de vassalos e
de pajens. . . . Acabaram por referir que ao encontro do pai infantil veio correndo
uma récua de unicórnios . . . e que a mesma ajoelhara, a fim de que trepassem
Benjamin e Elisa para a garupa, e que em continente disparara à desfilada,
transportando os pequenos para os longes do poente. (130)

Transformava-se, desse modo, a índole dos trabalhadores hebreus, cientes


da aproximação do Reino, e mais relapsos se faziam, passando o tempo entre
rezas e benzeduras à espera da hora em que se anunciasse a chegada de seu
messias. Enquanto isso, surgiam pregações cristãs contra o Menino, concor-
dando os padres e frades da ilha em como era falsa a doutrina de Benjamin, se
doutrina existia, e como isso não passava de um “embuste grosseiro” (135).
206 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

Mas enganavam-se quem pensasse que fora por inteiro extirpada a


mensagem do Menino por causa dessas pregações. “Afirmavam e reafirmavam
que fora Benjamin o messias não reconhecido, e nesta fé interpretavam as
profecias, e em nome dele baptizavam, e realizavam milagres . . .” (135). Com
isso, pergunta o narrador: “O que acontecera então a tanta riqueza, fardos e
fardos de açúcar, carregados para os cais de Portugal, que daí subiriam às
cidades da forte Inglaterra, que se arrecadariam nas tulhas dos mercadores da
Flandres opulenta?” (138).
Observa-se com esse questionamento que a narrativa de Oríon, mesmo se
posicionando com o sentimento de tristeza pelo batismo forçado e pelo
desterro violento das crianças, não se limitou, como boa parte dos cronistas
hebreus, aos aspectos da periculosidade da ilha, ignorando o seu desenvolvi-
mento econômico e agrícola que corria paralelamente. Tal atitude unilateral
justifica-se em autores como Samuel Usque, que se restringem em citar a
ocorrência das perseguições contra os judeus de Portugal, sobrepujando as
notícias acerca da fertilidade da terra que, segundo alguns historiadores, se
mostrariam posteriormente verdadeiras através da sua produtividade, de
proveito inclusive para os colonos de origem judaica.
A esses, ademais, atribuem o mérito de terem introduzido na província
africana a lavoura da cana-de-açúcar, corroborando essa afirmação histórica o
que se retrata no romance de Mário Cláudio:

Segundo Manuel de Oliveira Lima, os feitores e operários qualificados da indústria de


açúcar trazidos da Madeira e de São Tomé para o Brasil eram “pela maior parte
judeus, que constituíam o melhor elemento econômico do tempo, que lucravam com
fugir à fúria religiosa que grassava na península” (História da colonização portuguesa no
Brasil, vol. III, p.199; apud Arnold Wiznitizer, Os judeus no Brasil colonial, São Paulo,
1966, p.9). Tal assertiva é adotada também por autores estrangeiros como Werner
Sombardt, Knapp e outros . . . Gilberto Freyre também reconhece o concurso
dinâmico do judeu para a produção de açúcar e para o movimento e expansão dessa
atividade econômica de uma área para outra. (Ver Conferências na Europa 81–82, citado
em Lipiner 27–28)

Por outro lado, mesmo com tal atividade comercial, é de se presumir


também de que os meninos e seus descendentes hebreus não permaneceram na
ilha, retirando-se como os demais colonos, para o Brasil, em períodos de
decadência, especificamente dos engenhos, que seria a principal atividade
econômica do local. Tal decadência poderia ser oriunda de causas históricas
diversas como incêndios, invasões ou ataques de corsários, ou possivelmente
por conta de uma inquietação imaginária messiânica e geográfica como registra
ficcionalmente a obra de Mário Cláudio, já que se descreve a ilha daquela época
como um lugar onde “ninguém recebia notícia. Fustigam-na os vendavais,
dardeja sobre ela o sol . . .” (Oríon 183).
Para concluir a breve exposição desse romance, vale ressaltar que a
representação do maravilhoso serve inicialmente à narrativa marioclaudiana
para dar voz aos desvalidos da história oficial, nos mostrando, posteriormente,
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 207

o imaginário de um povo levado às últimas consequências, até seu estágio


efetivo de alienação frente aos problemas do mundo sensível. Nessa
perspectiva, o fantástico, forma literária muito cultivada no século XIX,
continua inovando e redimensionando suas manifestações nos séculos XX e
XXI ao configurar a possibilidade de uma análise crítica das mentalidades no
tempo presente, permitindo um olhar crítico e paradoxalmente realista a
respeito da cultura e da história, ainda que elaborado pelo viés da construção de
uma realidade absurdamente imaginária e transgressora.
Essa é uma crítica que empreende o escritor portuense ao seu próprio
tempo, “exprimindo um desejo profundo de mudança interior, uma
necessidade de experiências novas” que rasgue o véu épico que ainda cobre o
olhar que o português tem sobre si próprio (Calvão 7). O mesmo tratamento
histórico-sociológico a partir das históricas representações imaginárias dos
descobrimentos ibéricos encontra-se no romance Peregrinação de Barnabé das
Índias, que abarca a temporalidade da segunda diáspora judaica em Portugal e
cuja análise iniciaremos a partir daqui.
Nesse romance, temos a representação da pioneira viagem de 1497 como
seu núcleo gerador. Essa empresa marítima liderada por Vasco da Gama era a
grande aposta de fuga para os judeus perseguidos. É preciso realçar que essa
obra literária não é uma mera reprodução da forma através da qual muitos
cronistas narraram tal empresa, registrando o protagonismo dos grandes vultos
da história oficial.
Diante das imagens fornecidas pela Relação de Álvaro Velho acerca da
primeira viagem à Índia, resumidas com esplendor em seu poderio militar e
com tecnicismo na exposição de novos roteiros, cálculos e práticas de
navegação, o que temos na realidade é um grande silêncio sobre as fraquezas
físicas e mentais da tripulação, bem como um silêncio sobre os pontos de vista
das comunidades orientais que receberam tal empresa.
Enquanto essa viagem descobridora é representada gloriosamente pelas
crônicas quinhentistas por ter cumprido o caminho marítimo planejado, o
romance Peregrinação de Barnabé das Índias, publicado no período das celebrações
do quinto centenário dessa viagem marítima, evidencia o espaço imaginário
onde se cumprem as aventuras da tripulação, revelando uma geografia e uma
história lendária sem aparente relação com o espaço físico oriental vivido após
o século XVI. Nessa ordem de ideias, o marinheiro inebriado é posicionado
como fermento ou doador de sentidos do relato com sua derrota face ao
encanto da imagem idealizada e pintada pela tradição épica e maravilhosa dos
relatos de viagens antigos e medievais sobre o Oriente.
O romance nos mostra que Vasco da Gama, Barnabé e os outros
marinheiros não tinham cultura suficiente para combater os fantasmas de
Ptolomeu, Plínio, Pompónio Mela, Estrabão e tantos outros que escreveram
seus Imago Mundi 8. Nesse romance, a hidra de sete cabeças é símbolo da
ansiedade descontrolada de descobrir, triunfo dos espaços imaginados, uma
busca “no subterrâneo de si mesmo é que o monstro se alojava, e que a um
208 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

sinal do exterior, raio do luar ou queda da temperatura, tornado erguido ou


maré viva, haveria de se enfurecer e de se avolumar, a fim de ir catalisando a
devastação deste Mundo” (Cláudio, Peregrinação 39).
Estamos lidando, sobretudo, com uma peregrinação imaginária, e nela
Vasco da Gama é acompanhado de perto pelo fictício cozinheiro Barnabé,
judeu português que viverá perturbadoramente a discriminação praticada contra
aqueles que possuíam raízes judaicas. Na intermediação dessa dupla de
personagens-narradores, temos o auxílio de um narrador em terceira pessoa
que revolve o passado, pontuando e reinventando através de suas memórias os
detalhes dramáticos da viagem.
É no desconhecimento comum do percurso e, sobretudo, no desconheci-
mento geral do Oriente que a narrativa ganha espaço para a representação de
uma linha opressora dos imaginários. No capítulo “As Cordas”, encontramos a
primeira parte da viagem percorrida sob plena união perceptiva entre os
tripulantes, como se a cada momento um nó fosse dado entre eles, atando-os
aos mesmos imaginários: “prendem-no as cordas que não logra romper, e
atormenta-se nas ânsias de lhes desmanchar os nós . . . (132–133).
Uniam-se os marujos pelo tato da corda que apertavam ao manejar as
velas, amarrando metaforicamente com tais nós o imaginário fabuloso na
mente de cada um dos soldados embarcados: havia “um João Lopes que de
temperamento se mostrava assomadiço, e que era calaceiro . . ., jurava e
trejurava que esbarrara no Cacheu com um gigante assustador . . .” (134–135) e
havia, também, outro rapaz que, segundo relata Barnabé, julgava ter visto uma
sereia.
Conversando com seus companheiros, alimentava-se também Barnabé de
“descrições que me povoavam o entusiasmo que não esmorecia” (93). Se
perguntassem a Barnabé “que saúde trazia da Índia, e abanaria a cabeça numa
grande dúvida, conhecedor de que autêntico se não manifesta o que nos não
sobrevive na imaginação” (248).
Sintonizados às bestas imaginárias, partiam os marinheiros, “meninos sem
defensão, naquela cegueira extremada de para Sul navegar” (149). No princípio
do romance, tanto Barnabé quanto Vasco da Gama, apesar de toda a diferença
cultural que há entre eles, percorrem ambos o caminho marinheiro dos
enganos, consumindo-se entre os símbolos, os sonhos e as fantasias que
determinavam os mares e as terras desconhecidas naquele momento. Nem a
diferença religiosa manchava de incoerência esses dois viajantes,
porque terror mais vasto aprendera ele [Barnabé] no semblante de Vasco da Gama, o
que os tornava idênticos nesse plano onde de modo único as razões da fraternidade
se exprimem . . . De nada valeria portanto ocultar a pessoa da pessoa que formamos,
já que na antecipação do limite é que nos equipararam . . . .(111)

Historicamente, sabemos que os portugueses cristãos também recorriam


às lendas ultraterrestres, como os judeus, que apontavam a existência de reinos
cristãos no Oriente. Sem dúvida os descobrimentos foram um dos meios
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 209

propícios para tal contágio cultural; entretanto, eles não fizeram desaparecer as
antigas divergências entre as duas religiões em questão: “Tanto um quanto
outro supõe ser o povo eleito e aquele com a mais importante missão, mas os
dois estavam atrás da terra prometida juntos nas mesmas caravelas, atravessan-
do os mesmos oceanos” (Cruz 10).
Através desses fatores, define-se, portanto, a singularidade cultural do
povo português como um povo de existência miraculosa, resultado de uma
predileção divina específica de que só encontraremos caso semelhante no povo
judaico. Contudo, a maneira com que os portugueses se comprazem nessa
adoração é bastante singular, apesar dos traços comuns com a cultura judaica.
A cultura portuguesa, por sua vez, tendo como referente mítico um catolicismo
assimilado à “história ideal de cruzados de Cristo durante séculos, integra em si
uma espécie de imperativo a defesa dos valores do cristianismo” (Lourenço 51).
No entanto, muitos pensadores da cultura portuguesa foram sensíveis às
analogias entre o messianismo judaico e o português. A diferença é que o
messianismo português se mostrou sempre mais universalizante: “Em nome de
Cristo, os reis desse país, então senhor dos mares, do Brasil ao Japão, ousaram
colocar-se no centro do mundo” (10). Trata-se do sonho de um Rei e a forma-
ção de um império universal, em que o messianismo inculcado na imagem do
Rei D. Sebastião é apenas uma das muitas prefigurações do intenso imaginário
português, mas “seria exagero dizer que o povo português é o único que
merece a designação de fanático, pois o fanatismo é a coisa mais bem partilhada
do mundo” (106).
Em resumo, na Peregrinação de Barnabé das Índias, portugueses judeus e
cristãos confundem-se em muitos aspectos. Isso implica na obra um
reposicionamento na descrição da viagem que é readequada também sob a
perspectiva imaginária da cultura judaica, ambientando-se a sua representação
peregrinante através de figuras ultraterrestres e messiânicas. Desse modo, o
romance de Mário Cláudio “revê o passado colocando parte da glória da
conquista do caminho para as Índias na essência do conhecimento e esforço da
cultura judaica, e não só nos cristãos-velhos, como conta a historiografia
oficial” (Cruz 12).
Afinal, Barnabé, personagem principal dessa obra escrita por Mário
Cláudio, é um judeu que conseguiu escapar à conversão forçada instaurada pelo
édito manuelino de 1496, infiltrando-se, como se cristão-novo fosse, na
primeira esquadra que em 1497 se destinava ao Oriente. A própria constituição
do seu nome disfarçado confirma essa tensão de fuga, pois, contrastando com
sua religião judaica, o nome Barnabé, apesar de ser de origem hebraica, repre-
senta um dos primeiros apóstolos cristãos mencionados no Novo Testamento.
A peregrinação que esse apóstolo realizou a Síria e a Salamina pregando o
evangelho, acabou lhe trazendo a morte, porque alguns judeus, irritados com o
seu extraordinário sucesso, o atacaram enquanto pregava na sinagoga,
arrastaram-no para fora e apedrejaram-no até lhe tirarem a vida: “os judeus
incitaram as mulheres devotas de alta posição e os principais da cidade,
210 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

suscitaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e os lançaram fora dos


seus termos” (Atos 13–50).
Sendo assim, o Barnabé da Peregrinação, de origem judaica, utiliza o nome
de um apóstolo cristão assassinado por judeus com o intuito de não lhe
desconfiarem da sua verdadeira religião. Com esse nome, ele se inscreve como
marinheiro da nau São Rafael comandada por Paulo da Gama, irmão de Vasco.
Pelo próprio título, sabemos que é Barnabé quem de fato realizará essa
peregrinação, sendo o mais importante dispositivo antiépico da obra, que
efetivará a proposta de uma ficção dedicada a personagens anônimos ignorados
pelas crônicas, pelas relações de viagem e, no geral, pela memória celebrativa
produzida sobre as navegações em Portugal ao longo dos séculos:

Barnabé é o símbolo desses anônimos, desapossando do palácio da história tronos e


cadeirões com fundo de couro, dando lugar aos rostos tisnados pelo sol, fazendo-os
passar pelos corredores da história, descalços, ou de botas gastas e enlameadas,
desrespeitando a honorabilidade de perfis solenes estáticos nos seus quadros a óleo.
Com Barnabé, a nossa gesta marítima perde a iluminação dos espelhos, onde reis,
príncipes e nobres se viam nos rostos dos outros, nas suas obras. (Matos 95–96)

A trajetória de Barnabé é narrada no livro desde sua adolescência em


Ucanha, vila próxima a Lamego, norte de Portugal. Nessa pequena vila, junto a
sua família e amigos vive Barnabé a existência comum aos pobres. Ele próprio
contará parte de sua história em muitos trechos do romance. Observamos que
Barnabé teve uma infância confusa envolta em sonhos, transes, convulsões e
perversidades. O futuro cozinheiro da nau São Rafael cresce entre os vícios, os
misticismos e as crendices populares no entorno dos templos e das romarias da
sua região. Alimentado por esses comportamentos, Barnabé aprende desde
cedo a pensar e agir por instinto e por crenças, buscando sempre a plena
harmonia de seus sentidos para com o mundo que o rodeia.
As visões do espectro de seu amigo André, as ladroagens que praticava, as
confusões que arrumou com o cafetão da prostituta “Cono de Ferro”, com
quem se envolvia, e as doenças sexuais que lhe foram, por essa, transmitidas,
revelam todas as mazelas que Barnabé carregará para as naus, um currículo
sortido de experiências de todo o tipo de trapaças e feridas que refletiam as
chagas de seu corpo e de sua alma.
Diante dessas forças malignas presentes no espírito de Barnabé, seu primo
Joseph de Lamego anuncia sua necessidade de luta para a libertação do feitiço
provocado pela “mordedura da besta” (Cláudio, Peregrinação, 83) através do
cumprimento de uma peregrinação espiritual, avisando o primo da importância
desse desígnio divino em sua vida.

Mirou-me de frente, e colheu um espelho, e dobrou-se para ele, e pôs-se a discorrer


o seguinte, “tão seguro como ser eu Joseph de Lamego e sapateiro, e venerar a arca
desaparecida onde se depositam as tábuas da Lei, te juro, Barnabé, que haverás de
copiar os nossos que se libertaram do cativeiro do Egipto, e como eles, e para além
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 211

do medo, e sem que a morte te assuste, intacto atravessarás as soerguidas vagas da


imensidão dos mares”. (80)

Barnabé e a viagem em desencanto


Durante grande parte da viagem, Barnabé, assim como Vasco da Gama e toda a
tripulação, imergia nas maravilhas de que tanto ouvia-se falar sobre o Oriente.
Contudo, nos percursos vinculados aos cinco últimos capítulos, o grumete
passa por uma espécie de fase de purificação das doenças e de expurgação dos
erros, especialmente dos pontos de vista imaginários, na qual “a descrição dos
pesadelos e do surto, que em seu início é feito em tensão crescente, termina em
tom patético . . .” (Sousa, 84).
Barnabé passa a se conscientizar de sua verdadeira ambição onírica ao
viver intensas provações provocadas pelos acidentes em que se envolvera
durante a viagem, a exemplo do que ocorre com as demais obras históricas e
apologéticas da literatura judaica do século XVI, como na obra de Samuel
Usque, em que há uma citação no fim de cada narração histórica, mostrando
uma profecia bíblica cumprida através de cada atribulação narrada:
Dentro desse plano divino preconcebido, o curso da História judaica é um contínuo
processo de calamidades e sofrimentos, em castigo e expiação por constantes
transgressões de preceitos divinos. É uma relação constante e fatal de causa e
efeito . . . Atribuir ao sofrimento valor transcendente e purificador é próprio da
psicologia do marrano. A natureza compensatória dessa atribuição é salientada por
Usque como uma das principais vias pelas quais esperava-se oferecer consolo às
tribulações de Israel. . . . Ademais, o conceito da purificação por meio de sofrimento,
apoia-se em bases tradicionalistas, tomadas de empréstimos à Bíblia. (Lipiner, 137)

Com base nesse processo, observamos que o grumete só aprende a olhar


a si mesmo quando passa, durante sua peregrinação, por acidentes navais
diversos. O choque desses acidentes o fez com que se sensibilizasse para o fato
de que toda aquela geração de marinheiros não percebia a grande moléstia
imaginária em que vivam. Temos a partir dessas cenas, evidentemente, a
substituição do enredo imaginário “por um princípio estruturante radicalmente
diferente, que é fundamentado pela abertura do texto ao diálogo” com outras
realidades (Ricoeur, 168). Essa abertura não surte no personagem, entretanto,
uma percepção meramente empírica da viagem, mas uma dimensão negadora
dos mitos, na qual o imaginário mostra-se a Barnabé não mais como uma
assimilação da realidade, mas como uma utopia em que se inscreve uma visão
do mundo política, social e moral perfeitamente ordenada e ritualizada pela
tradição do maravilhoso da época.
É a partir do capítulo “Os Peixes” que Barnabé se aproxima do
desconhecido de forma diferente já feita até então, redimensionando sua visão.
A viagem para as Índias torna-se para ele uma espécie de libertação dos
desacertos anteriores: “Uma subterrânea metamorfose fora nele trabalhando, a
irmaná-lo com os peixes do vasto oceano . . .” (150). É possível apontar que a
equiparação de Barnabé com os peixes é sustentada pelo vínculo que essa parte
212 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

do texto mantém com a simbologia desse animal manifestada no texto do


Padre António Vieira intitulado Sermão de Santo Antonio aos Peixes.
Tal sermão surge diretamente de forma reveladora no final desse capítulo:
“Mas ao pensar no taumaturgo Santo António de Lisboa, o qual afirmavam os
cristãos mostrar-se tão afeiçoado aos peixes que para eles só proferira um
magnífico sermão . . .” (178). Nesse trecho, revela-se o intertexto do capítulo
“Os Peixes” com o Sermão de Vieira que, por sua vez, constitui um documento
de surpreendente imaginação, oratória e poder satírico: “Falando dos peixes,
Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam, nem
domesticam. [. . .], vós, peixes, longe dos homens vivereis só convosco, como
peixe na água” (Vieira, 15–16). O sermão pretende louvar algumas virtudes
humanas e, principalmente, censurar com severidade os vícios humanos. Todo
esse sermão é uma alegoria, porque os peixes representam o ideal de pureza e
de não domesticação, virtuosidades essas muito desejadas pelos humanos.
A fantástica metamorfose de Barnabé em peixe ocorre conforme sua
simbologia cristã, revelando-se através do personagem certo poder de pureza
que o faz se posicionar de forma questionadora frente às crenças e às ideias
imaginárias que lhe domesticavam a mente e molestavam a viagem. Sua matura-
ção exige uma metamorfose cada vez mais inserida em um modo crítico em
relação aos imaginários que o assolavam, pois, como dizia o padre Antônio
Vieira, com base no pensamento de Aristóteles, o peixe é um dos raros animais
que não se domestica, mantendo o animal sua visão isenta de preconceitos e
demais conflitos psicológicos.
Podemos perceber com isso que “a grandeza de Barnabé, ao contrário da
de outros, como Vasco da Gama, não está no poder e na fama, mas na superio-
ridade do olhar e do espírito, que lhe darão a vitória sobre os temores que o
afligem desde quando vivia em Ucanha” (Sousa, 101). Há, desse modo, em
Barnabé, uma circularidade perfeita entre a pintura metafórica do seu texto
imaginário e o texto da aventura não imaginária que ele tem, por assim dizer,
diante dos olhos. Com efeito, Barnabé, na sua peregrinação iniciática, em busca
da cura das suas chagas mentais e corpóreas, se permitirá, aos poucos, a revela-
ção redentora que o permitirá diferenciar as realidades que cercam o Oriente
daquela fantasiada pelos portugueses.
Esse processo de desencantamento pode ser observado principalmente
pelo seu novo papel adquirido na esquadra de conselheiro muito procurado
pelos marinheiros mais inebriados:

Capitulava o de Ucanha em face do que lhe pediam, afagando a testa dos


desassossegados, tomando o sofrimento que como um vapor deles se ia
desprendendo, e eis que espontaneamente aos beiços lhe aflorava uma antiga
ladainha, [. . .], e não se cansavam os homens de render graças a Deus pelo guia com
que os contemplara. (Cláudio 250)

Essas graduais transformações, ademais, nos preparam para o episódio


central do livro: o desvanecimento dessas miragens se efetiva através da viagem
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 213

realizada pelo grumete com o Arcanjo Rafael. O contato visionário com o


Arcanjo se inicia com o salvamento de Barnabé do acidente causado pelas
tempestades do Grande Cabo. Os ritos de iniciação da metamorfose ocorrem
por meio de afogamentos e outros acidentes que quase o levam à morte, mas o
Arcanjo Rafael, imagem que figurava a proa do seu barco, intervirá sempre
nessas trágicas cenas, curando-o e alertando-o para o segredo da vida.
Seguindo esse longo rito de iniciação, sua experiência de regresso da
morte terá seu auge no Índico, onde as naus enfrentam uma fortíssima
tempestade e durante a qual uma imensa viga atingida por um raio desaba sobre
sua cabeça: “E um poderosíssimo raio deflagrou, a meio escachando a mezena,
e eis que se abateu sobre o de Ucanha o pau com as velas rasgadas e as cordas
num sarilho, e se quedou o moço como que despedido da existência, e de
fronte empapada em salsugem e sangue” (198).
O acidente o deixa todo ensanguentado e desmaiado. Mas, antes que lhe
chegue a morte, o fantástico é convocado à narrativa ao aparecer o Arcanjo,
que o recolhe e o conduz a um bíblico vôo também pelas paragens orientais,
que antes para Barnabé eram preenchidas somente por sopros de mistérios e
imaginações:

E um clarão se alçou diante dos olhos que repentinamente se lhe descerraram, e por
cima do próprio corpo estilhaçado viu ele pairar o esbelto São Rafael que de
sentinela se postava na proa da sua nau. . . . E estendeu para ele Barnabé os braços
desimpedidos, e tomou-o a visão que se ampliara até ao firmamento, e na capa
enfunada o abrigou, protegendo-o como se infante fosse o mancebo, e contra as
fúrias disparadas. E uma cintilante planície se espraiava, e não correspondia a oceano,
nem a nuvem, nem a terra, nem a estrela, mas à aragem fresquíssima do que não
alcança termo, e em si se dissolve, e na doçura de que se compõe. E pelos espaços o
arrebatava a entidade que o socorrera, arrastando-o para um futuro onde o tempo se
extinguia, e desdobrava-se a Ásia como o império sem limites, tão achegada à alma
que nela se ia engastando, tão fecunda das preciosidades que formam a coroa dos
conquistadores da glória da promissão. E voaram a par, marinheiro e arcanjo,
reunidos na máquina que o Espírito sustém, e desgrenhavam-se no azul os cabelos
de ambos, e um luzeiro se lhes incrustara nas órbitas, e em sua esteira de centelhas
flutuavam os que pelo Planeta tinham vagueado desde o princípio do Mundo, e na
unidade se congregavam, e nem lhes pertencia o rosto, porquanto lhes retirara Rafael
a máscara que os corrompera.
E num sussurro o incitava deste modo o companheiro, “agora te visito,
Barnabé, para que compreendas, e te despojes das algemas que te ferem os pulsos, e
se te desvende o que para além das dunas do medo se situa, e atravessaste a morte de
novo, e te alimpaste das chagas que te atormentavam, porque está morto o que vive,
e vivo está o que morre, e transpuseste as fronteiras que submetem as criaturas, e por
todos os quadrantes do Universo viajarás, e hás-de tocar com os dedos a refulgência
dos astros, e na harmonia das esferas te correrás o líquido das veias, . . . e às Índias
verdadeiras aportaste, pois que sempre se alojaram elas nos ocultos de ti, e de
tamanha riqueza te revestes que nenhum reino te ultrapassará . . . .(199–201)

O Arcanjo faz aportar Barnabé em terras que serão, mais tarde, alcançadas
por Vasco da Gama. Só à vista das futuras terras portuguesas do Oriente, nos
sítios onde mais tarde se ergueriam os fortes de Calicute, Cochim e Cananor, é
214 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

que Barnabé poderá relacionar-se com um espaço não evocado pelos prodígios
e seres imaginários. Esse processo de libertação dos mitos pelo personagem
Barnabé é retratado no capítulo “Os Anjos”, no qual essa viagem celestial, tão
significativa para a sua transformação mental, é narrada.
A princípio, é estranho pensarmos no fato de que uma figura mística e
religiosa como a do Arcanjo sirva de dispositivo no texto para o desvaneci-
mento desses imaginários, como se estivéssemos diante de um mito que age
contra a validade de outros mitos. No entanto, o Arcanjo Rafael não representa
qualquer figura mítica, pois na tradição religiosa ele é o responsável por
executar todos os tipos de cura, inclusive a cura mental. Enviado à Terra por
Deus para curar em Seu nome, Rafael significa “Deus cura” em hebraico, no
qual a palavra correspondente a médico é Rophe.
Levado por tal divindade, Barnabé aporta antes que toda a tripulação nas
verdadeiras Índias, descobrindo que o lugar é bem diferente daquele que se
alojara antes em sua mente. Portanto, como observado no referido texto, o
Arcanjo Rafael é um elemento chave para o desfecho do romance, ao
possibilitar que Barnabé se “despoje das algemas que lhe ferem os pulsos, e se
desvende o que para além das dunas do medo se situa” (200).
Não podemos deixar de observar que essa cena está muito interligada aos
temas referentes aos textos bíblicos posteriores ao Exílio da Babilônia (após
538), como

o aparecimento do carro divino no primeiro capítulo de Ezequiel, a tônica sobre os


seres intermediários, a figura do Angelus Interpretator, a maneira como Deus exerce sua
providência com a ajuda dos sete planetas em Zacarias. Esses temas serão retomados
e ampliados com o surgimento, no contexto do mundo helenístico, dessa nova
escritura cujo conjunto de obras formam o que se convencionou chamar de literatura
apocalíptica. Ela nasceu na época da revolta dos Macabeus contra os gregos da Síria.
Sua primeira produção é o Livro de Daniel, redigido em 165 a.C., que é a única obra
desse tipo a ser integrada posteriormente no cânone da Bíblia hebraica. Os outros
escritos apocalípticos se desdobram daquela data até o século II da era comum.
Assim, são contemporâneos de acontecimentos ao mesmo tempo trágicos e decisivos
para os destinos da nação judaica confrontada pelo desafio espiritual e intelectual do
helenismo e pelo combate político com Roma, que culminará na destruição do
Segundo Templo, em 70, e no esmagamento da revolta de Bar Kochba, em 135. A
literatura apocalíptica constitui uma das respostas da fé judaica a esse desafio da
história. É uma literatura de protesto redigida por oprimidos, mas é também uma
mensagem de esperança. Anuncia que o Deus de Israel não esquece seu povo e
proclama a inelutabilidade e a proximidade da redenção. (Goetschel 11)

Na maior parte da literatura apocalíptica também é um anjo que dirige


todos os acontecimentos que compõem a história universal 9. Como na expe-
riência de viagem de Barnabé, em tais textos apocalípticos foca-se em segredos
revelados sobre o conhecimento do mundo, as leis que regem os fenômenos
naturais ou a descrição dos céus e do trono divino em detrimento de uma carga
imaginária fundada pelos mitos provenientes da época áurea do helenismo no
império romano, cultura essa combatida intensamente pelos macabeus.
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 215

O apocalipse transgride, portanto, os limites da antiga literatura sapiencial


de base helenística. Seus viajantes, como Barnabé, se veem transportados ao
céu para ali realizar uma viagem no decorrer da qual lhes serão revelados os
segredos de cima e de baixo, desvanecendo os mitos de uma cultura não legiti-
mada pelos hebreus. A Peregrinação de Barnabé das Índias sem dúvida se
corresponde com essa literatura bíblica, adaptando-se Barnabé como o herói
combatente das mitologias que assolam atualmente a sociedade portuguesa, que
continua a conviver com seus próprio mitos constituídos de navegadores
virtuosos, descobridores de ilhas afortunadas, caçadores de monstros temíveis e
difusores da verdadeira religião.
Com essas significativas provações em que “voaram a par, marinheiro e
arcanjo, reunidos na máquina que o Espírito sustém” (Cláudio, Peregrinação 199),
considerava-se seguro Barnabé por ter atravessado como profetizara Joseph,
seu primo de Lamego, o percurso divino que lhe traria a salvação do mal que o
abrigava, não se afoitando mais “aos monstros que pelas voltas da peregrinação
se lhe avantajam. E em seu corpo tinham sarado as chagas que o afligiam,
deixando-o limpo da miséria do pus e do ferrete da culpa . . .” (202). É impor-
tante novamente salientar que tal experiência visionária e celestial proporcio-
nada pelo Arcanjo Rafael não é perspectivada através de Barnabé por uma
noção empírica do espaço e, sim, pela negação dos mitos que lhe vendavam a
viagem.
Enquanto Vasco se apresenta molestado pela sua imaginação até a velhice,
Barnabé se destaca por fazer a viagem interior, sendo essa “a maior e verdadei-
ra viagem, pois se trata do descobrimento de si mesmo” (Cruz, 6). Através do
vôo que realiza com o Arcanjo, Barnabé se conscientiza de seus excessos
imaginários e se permite à aceitação de uma nova vivência que anula “o
maravilhoso tradicional, substituindo-o por outro fator, o da miséria humana
existencial, corporal e mental, que com as suas vidas, as suas doenças e as suas
mortes são os obreiros dos grandes cometimentos” (Matos 101–102).
Barnabé, melhor do que ninguém, percebe a cegueira que todos aqueles
mitos e símbolos provocavam nos marinheiros, tanto que, adquirindo serena
sabedoria ao longo da viagem, passa a ser, como já mencionamos, uma espécie
de conselheiro do seu navio, cuja tripulação continuava física e psicológica--
mente desorientada: “. . . e na verdade, e em silêncio, dos companheiros e de
mim inquiria, e do Altíssimo . . .” (Cláudio, Peregrinação 149).
Em “As Luzes”, mostra-se o rapaz de Ucanha diante de um caminho
percorrido iluminado pelo Arcanjo, ultrapassou os obstáculos imaginários e
sobreviveu às doenças e também às guerras que surgiram ao longo das
jornadas. Retorna Barnabé a salvo ao porto de Belém, junto com somente um
terço da tripulação que partira. Ao chegar, finalmente, em sua cidade natal,
trancadas se encontravam as portas da casa paterna. Ficara sabendo pela vizi-
nhança que sua mãe havia morrido. Sem mais essa referência familiar, se
esmaecia “a prole que tinham botado ao Mundo” (272). A população
216 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

conterrânea tomou-lhe por mendigo, e ninguém sabia precisar “se arribado da


peregrinação a Compostela” (272).
Andarilho, pobre, mas sábio de muitas coisas que ali ainda eram des-
conhecidas, passou Barnabé a ser chamado, no norte de Portugal, por Santo
Zagal, porque “em objecto de maravilha se lhes convertia a visão do vagueante,
não faltando quem pelas circunvizinhanças espalhasse uma fama que, decorrida
a dúzia de anos, terminaria por atingir Bragança, Miranda do Douro e
Alfândega da Fé” (272). O Santo Zagal, como ficava conhecido, passou a
vaguear constantemente e de pregação a pregação percorria trajetos difíceis,
vivendo em peregrinação. Transformado em mendigo, santo milagreiro e
desprovido da vida material, mesmo sob essas condições ainda assim Barnabé é

mais integrado à vida do que o histórico Capitão que comandou a esquadra e que, no
livro, tem sua importância empalidecida, por não ter sido submetido às experiências
viscerais que deram a Barnabé uma espécie de domínio sobre o medo e sobre a
morte, em benefício, afinal, do tempo da vida. (Calvão 8)

No entanto, admirado como o Santo de Ucanha, Barnabé se converte em


“objeto de maravilha” da população lusa, mergulhando cada vez mais em uma
vida tomada de fantasias, realizando périplos e mais périplos espirituais entre
miragens e milagres. Com isso, fecha-se um ciclo, retornando Barnabé ao nível
dos atordoamentos imaginários de outrora, como em Oríon, cujos imaginários
levam Abel e os demais personagens até as últimas consequências destrutivas
da vida material da ilha.
Esse plano estático de percepção sugere aos romances um efeito semân-
tico que busca ir além de um insistente e não convincente movimento pendular
entre o mito e a razão, que tem a loucura e a racionalidade como pontos
extremos da percepção de mundo. Mário Cláudio ultrapassa a dicotomia entre
uma noção empírica e uma prática imaginária ao configurar nos romances aqui
analisados a inexistência de racionalidade, pois

nada como o infortúnio para nos ensinar com que linhas se cose o nosso destino.
Quando caímos num poço de atribulações, olhamos para trás, e tudo parece
corresponder à vontade de Deus. Desconhecemos o futuro, e o que importa para o
merecermos, mas achamo-nos na posse de um tesouro luminoso, capaz de nos guiar
na peregrinação. (137)

A originalidade dos romances analisados consiste justamente no fato de


que o escritor não se limita ao marxismo, ao dar voz às crianças exiladas e à
tripulação anônima e subalterna de uma nau, e nem ao freudismo, ao submeter
a construção dos personagens a partir de suas intensas psicologias. Mário
Cláudio não é dualista, não pretende opor a realidade à aparência, como faz, em
desespero de causa, o racionalismo que tem como chave mestra a volta do
recalque. O romancista, ao contrário, afasta as banalidades tranqüilizadoras, os
objetos naturais em seu horizonte de prometedora racionalidade, a fim de
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 217

devolver à realidade representada, a única, a nossa originalidade irracional tão


inquietante, histórica e, sobretudo, sociológica.
A recriação histórica encetada pelos romances aponta para o preenchi-
mento de vazios e lacunas deixados pela extensa tradição de narrativas que
recorreu ao tema da expansão marítima, envolvendo secundariamente o tema
do exílio judaico. Nesse vazio, a subjetividade ganha força por meio da
manifestação do maravilhoso que, por sua vez, com seus aspectos excessivos,
contribuiu para desmistificar a imagem esplendorosa de Reis e Capitães e
exaltar a figura dos judeus, vítimas de diversas atribulações.
Esse eixo representativo revela muito da originalidade e da genialidade de
Mário Cláudio e permite que sua obra, sem sair da essência crítica de sua
geração de escritores, não seja equivocadamente interpretada sob o funciona-
mento de estratégias narrativas em moda na pós-modernidade literária que
legitimam somente uma construção de sentenças antitéticas, formando as
tradicionais paródias e ironias em detrimento do discurso oficial. Nessa
estratégia semântica, é necessário assinalar, o maravilhoso que atua sobre o
imaginário das tripulações dos dois romances é muito significativo em três
níveis representativos: no nível histórico, no literário e no nível sociológico.
Como mencionado, tal estratégia empreende um reposicionamento
historiográfico ao retratar as respectivas viagens em patamares mais socio-
culturais, nos quais a sugestiva substituição de Capitães como Álvaro de
Caminha e Vasco da Gama por Abel e Barnabé revela todo o espaço
imaginário que se acentuam em função da representação histórica de seus
desvalidos.
Em segundo lugar, a representação do maravilhoso empreende um
reposicionamento literário pela forma complexa como sua narrativa manifesta
o imaginário épico sem deixar de compreender aspectos antitéticos e paródicos
que problematizam as narrativas míticas que celebram o tema expansionista. É
preciso entender que a alegoria do imaginário maravilhoso organiza os
múltiplos conteúdos dispersos e gera, em torno de si, um complexo metafórico
que exige, para sua leitura, a compreensão de, no mínimo, duas chaves
interpretativas: a da alegoria como parábola, na medida em que funciona como
um recurso literário-pedagógico tradicional e historicamente moralizante; mas
também como uma metáfora moderna, ampliando ou modificando outros
sistemas de imagens para representar as irregularidades identitárias entre grupos
culturais diversos.
Por último, há um importante reposicionamento sociológico, pelo fato de
que o maravilhoso revela-se como uma potencial condição alienante pelo modo
predominantemente comemorativo no qual a história e a cultura da nação lusa
se manifesta atualmente. Essa condição alimenta a ação dos personagens
marioclaudianos, que levam seus imaginários até as últimas conseqüências,
associando-se esse comportamento com o que ainda se passa no país
recentemente. Esse fator cognitivo infere que, mesmo após a Revolução dos
Cravos que pôs fim ao regime ditatorial salazarista, a maioria dos portugueses
218 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

continua indiferente ao modo de narrar o passado, acostumada ao mundo


celebrativo e comemorativo que o circunda.
Na passagem do século XX para o XXI, momento inundado pela vaga
cultural “de todas as formas de irracionalismo ou de obscurantismo
triunfalistas, recalcada ou contrariada durante séculos pela exigência de um
espírito crítico, [. . .], uma evocação do destino português em perspectiva mítica
ou mitológica seria uma afronta ao conformismo universal” (Lourenço 92).
Com base nesse “conformismo”, as maravilhosas errâncias dos
portugueses, representadas nos romances em questão, apontam para uma
situação que urge a necessidade de mudança por parte de uma sociedade em
crise, a qual se mantêm nos valores de uma tradição saudosista que a condena a
uma retrógrada dimensão do passado, resultando na sua estagnação do
presente. Ou seja, em uma alienação cada vez mais profunda diante da
realidade, visto que “o retorno não é nada mais que negação dessa mesma reali-
dade, ou ainda, a vivência de uma realidade vicária, projetada num espaço
imaginário” (Gomes 87–88).
O que mais poderia significar para a atual sociedade portuguesa as várias
esculturas públicas de heróis do ultramar e as arquiteturas manuelinas com seus
ricos ornamentos fantasistas? Nessa interação imaginária surge parte da
consciência do povo português, fundada na emoção coletiva do pertencimento
à pátria, insinuando a união da gesta com a esperança e a promessa de melho-
rias em meio à contradição de uma vida gloriosa com as experiências árduas da
recente decadência político-econômica do país.

Notas
1 Para verificar essa tendência, bastará um olhar breve pelas publicações modernas. Deparam-se,

com freqüência, ao leitor, opúsculos da autoria de pessoas que pretensamente divulgam “a


verdade sobre a inquisição”. No seu posfácio à obra A Inquisição espanhola do estadista francês José
Maistre, por exemplo, queixa-se o historiador Pinharanda Gomes da atitude dos clássicos
monografistas que se dedicam ao tema em relação ao Santo Ofício em Portugal, e considera-a
complexada, de tendência antirreligiosa, antipática para com o Tribunal e de qualidade jornalística.
2 Segundo a versão “de gloriosa memória do rei D. João II”, do cronista Garcia de Resende, o

objetivo desse rei com o desterro forçado das crianças para tal província ultramarina era mantê-los
“apartados dos pays, & suas doutrinas, & de quem lhes pudesse falar na ley de Moisés, para que
fossem bons Christãos; & tambem pera que, crecendo e casando se, pudesse com elles povoar a
dita ilha, que por esta causa dahi em diante foy em crecimento” (Resende 111).
3 “É incerta a data exata do descobrimento da ilha, que provavelmente foi realizada por João de

Santarém e Pedro Escobar, quando da sua viagem pelos anos de 1471–72 às costas da Mina, de
Benim e do Gabão. Foram aí enviados por Fernão Gomes, que obtivera, em 1469, de D. Afonso
V, o arrendamento do comércio da Guiné, com a obrigação de descobrir novas terras” (Lipiner
23).
4 Com efeito, tal projeto não se escreceu depois da morte de Isabel e do príncipe Miguel. Maria, a
sua segunda esposa, será também filha dos Reis Católicos. Isabel de Portugal, filha de D. Manuel,
casará com Carlos I de Espanha. Tudo isso irá parar à Monarquia Dualista filipina. Até o terceiro
casamento de D. Manuel foi com uma princesa espanhola visando efetivar futuramente a união
ibérica.
Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 219

5 Segundo o Dicionário de Literatura Portuguesa de Álvaro Manuel Machado, Mário Cláudio é

pseudônimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa. Nasceu no Porto em 1941. Ficcionista,
poeta e ensaísta, trata-se de um intelectual dotado de uma sólida carreira, com destaque para sua
formação em Direito pela Universidade de Coimbra, onde se diplomou também como
bibliotecário-arquivista, e para sua atividade docente na Escola Superior de Jornalismo do Porto.
6 Somente com os estudos de história dos imaginários, como O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente

medieval, de Jacques Le Goff e Monstros, Demônios e Encantamentos no Fim da Idade Média, de Claude
Kappler, por exemplo, é que foi plenamente reconhecida uma forte presença da mentalidade
maravilhosa ainda no Renascimento.
7 A trilogia das constelações é composta pelas seguintes obras: Ursamaior (2000), Oríon (2003) e

Gémeos (2004). A informação de que as três obras fazem parte da Trilogia das Constelações foi
facultada pela editora portuguesa Dom Quixote.
8 Imago Mundi é o título latino de vários livros antigos e medievais, incluindo a mais famosa

cosmografia escrita em 1410 pelo teólogo francês Pierre d'Ailly (1351–1420). Imago é uma imagem
ou representação no significado latino. Assim, o título é traduzido por Imagem do Mundo, sendo
comum nessas obras a apresentação de listas e mais listas de híbridos pavorosos que preenchiam o
orbe, segundo a mentalidade da tradição.
9 “Tem-se o exemplo de uma situação semelhante no Livro de Enoc (Enoc I), de cerca de 164 a.C.

No capítulo 14, Enoc vê-se transportado ao céu e chega a um muro de cristal que rodeia o palácio
divino, sendo este cercado por línguas de fogo. Ao se aproximar do palácio, porém, o medo e o
terror o dominam. Em seguida ele acede à visão da glória divina em seu trono: “A glória divina
estava instalada, suas vestes mais fulgurantes que o sol e mais brancas que a neve” (XIV, 21).
Enoc contempla o que nenhum anjo ou ser de carne e osso pode perceber. A sua é sem dúvida a
visão mais antiga do carro divino (Merkabah) que conhecemos fora das Escrituras” (Goetschel,
12–13).

Obras Citadas
A Bíblia Sagrada. Trad. Padre Antonio Pereira de Figueiredo. São Paulo: Editora Maltese, 1962.
Print.
Calvão, Dalva. “Viagem e Morte em Peregrinação de Barnabé das Índias, de Mário Claudio”. O
Marrare 9 (2008): 21–29. Print.
Cláudio, Mário. Peregrinação de Barnabé das Índias: Romance. 2.ª edição. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1998. Print.
---. Oríon. 2.ª edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003. Print.
Cruz, Carlos Eduardo Soares da. “Saudade do futuro da epopéia portuguesa: um caminho pela
Peregrinação de Barnabé das Índias, de Mário Cláudio”. Labirintos 4 (2008), s/p. Print.
Cunha, Ana Cannas da. A Inquisição no Estado da Índia. Origens (1539–1560). Lisboa: Divisão de
Publicações dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 1995. Print.
Goetschel, Roland. Cabala. Trad. Myriam Campello. Porto Alegre: L&PM, 2010. Print.
Gomes, Álvaro Cardoso. A Voz Itinerante: ensaio sobre o romance português contemporâneo. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1993. Print.
Kappler, Claude. Encantamentos no Fim da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Print.
Le Goff, Jacques. O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 2010. Print.
Lepecki, Maria Lúcia. “Aspectos da narrativa de preocupação histórica em Portugal, hoje”. Actas
do Primeiro Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas. Poitiers: Associação
Internacional de Lusitanistas, 1988. 387–394. Print.
Lipiner, Elias. Os baptizados em pé. Estudos acerca da origem e da luta dos cristãos novos em Portugal. Lisboa:
Editora Vega, 1998. Print.
Lourenço, Eduardo. Mitologia da saudade: seguido de Portugal como destino: dramaturgia cultural portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Print.
Machado, Álvaro Manuel. Dicionário de Literatura Portuguesa. Lisboa: Editorial Presença, 1996. Print.
Matos, Joaquim. “Uma épica virada do avesso”. Mário Cláudio: Ficção e Ideário. Ed. Joaquim Matos,
Lisboa: Caixotim, 2004. 94–105. Print.
220 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014)

Real, Miguel. O Romance Português Contemporâneo. Alfragide - Portugal: Editorial Caminho, 2012.
Print.
Resende, Garcia de. Chronica dos valerosos e insignes feitos del Rey Dom João II de gloriosa memória. Lisboa:
Antonio Alvarez Impressor, 1632. Microfilme. Web.
Ricoeur, Paul. Tempo e narrativa. Trad. Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2010. Print.
Roani, Gerson. Literatura e Judaísmo: o rosto judeu de Borges. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003.
Print.
Saraiva, António José. Inquisição e Cristãos-Novos. Porto: Editorial Inova, 1969. Print.
Sousa, Aymires de. “De mares e travessias: três romances, três viagens”. Diss. Universidade
Federal Fluminense, 2006. Print.
Usque, Samuel. Consolaçam ás Tribulaçoens de Israel. Ed. Mendes dos Remedios. Coimbra: França
Amado, 1906–1908. Print.
Velho, Álvaro. Relação de viagem de Vasco da Gama. Introdução e notas de Luís de Albuquerque.
Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 1990. Print.
Vieira, Padre António. Sermão de Sto. António aos Peixes. Lisboa: Parque EXPO’ 98, 1997. Print.

Daniel Vecchio Alves é Mestre em Literatura e Doutorando em História Cultural. Seu interesse
abrange os estudos sobre a Literatura Portuguesa de Viagens, a História e a Historiografia dos
Descobrimentos, fazendo parte de grupos de pesquisa como o NEP (Núcleo de Estudos
Portugueses da Universidade Federal de Viçosa-MG) e o Mare Liberum (Centro de Estudos e
Referências sobre a Cartografia Histórica da Unicamp).

Você também pode gostar