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Introdução
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Notas
Siglas
Bibliografia
Sobre o autor
I’ve found you got to look back at the old things and see them in a new light.
John Coltrane
A veces es necesario alejarse de Ias cosas, poner un mar de por medio, para
ver Ias cosas de cerca.
Alejo Carpentier
Foram várias as pessoas que me apoiaram ou me auxiliaram, de diferentes
maneiras, durante o processo de elaboração deste trabalho. Por isso, sem
querer me estender aqui mais do que o necessário, gostaria de agradecer a
meus pais e avós, Graziela Forte, Patrícia Murtinho Pericás, Paulo Ribeiro da
Cunha, João José Reis, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Fabrizio Rigout,
Werner Altmann, Osvaldo Coggiola, Antônio Rezk, Carlos Seabra, Lincoln
Secco, Marcos Del Roio, Anita Leocádia Prestes, Marly de Almeida Gomes
Vianna, Virgínia Fontes, Maria do Rosário Caetano, Kydelmir Dantas, José
Menezes Gomes, Seth Garfield, Lúcio Villar, Jennifer Potter-Andreu, Jennifer
Mailloux, Alexandre Linares, Bernardo Ricupero, Alexandre de Freitas
Barbosa, Antonio Rodrigues Ibarra, Herbert Amaral, Paulo Barsotti, Ivana
Jinkings, Clemencia Pericás, Ahmet Savas Gurkan, Expedito Correia, José
Vieira Camelo Filho, Hugo Rodas, Antônio Abujamra, Gregório Bacic,
Edgard Telles Ribeiro, Adélia Paiva, Mauro Azeredo, André Martins, José
Sepulveda, José Carlos Pacini, Geraldo Ferraz de Sá Torres Filho, Raúl
Antelo, Michael Lõwy, Ayrton Fausto, Marco Fernandes Brige, Heloísa
Fernandes, Ana Paula Sousa, João Alexandre Peschanski, Luiz Sérgio
Henriques, Rodrigo Nobile, Ana Maria Straube, Brasília Carlos Ferreira,
Michel Zaidan, Hugo Cortez, José Arbex, João Pedro Stedile, Jorge Pereira
Filho, Roberto Massari, Antônio Amaury Correa de Araújo, Alberto da Costa
e Silva, Marcelo Ridenti, Rubens Ricupero, Mansa Ricupero, Sérgio Augusto
de Souza Dantas, Diogo Valença, Antonio Melis e Frederico Pernambucano
de Mello.
Muito já foi escrito sobre o cangaço, tema extensamente discutido e analisado
por uma grande quantidade de autores. Boa parte das obras sobre o assunto,
contudo, é de caráter basicamente narrativo. Escritas em linguagem quase
literária (e, por vezes, preconceituosa) ou então para justificar certos
posicionamentos políticos, nem sempre poderiam ser caracterizadas como
“estudos” ou investigações mais sofisticadas. Ou seja, alguns desses textos -
muitos dos quais biografias ou esboços biográficos -, ainda que, sem dúvida,
interessantes do ponto de vista histórico, não citam fontes e utilizam
determinados termos para descrever os cangaceiros que, em grande medida,
seriam inaceitáveis na atualidade.
Mas existe também o caso inverso. Sempre houve aqueles que fizeram
apologias desmesuradas ao criminoso. Entre eles, Eduardo Barbosa, em
Lampião, rei do cangaço, uma narrativa romanceada, igualmente tendenciosa,
mais próxima da fábula que da realidades. O cronista, de modo diferente dos
autores supracitados (baseado quase por completo em “causos”, histórias
populares, supostas conversas com bandoleiros e apenas sete livros), excede-
se nas louvações e não se cansa de insistir nas qualidades do salteador. Diz ele
que:
Todos nós temos o nosso lado bom e nosso lado mau. No Rei do
Cangaço, triunfou o lado bom, depois de conhecer Maria Bonita. Assim,
podemos afirmar que Lampião foi nosso Robin Hood ou o Dick Turpin
das picadas do sertão. Contra todas as afirmações contrárias, aí estão as
inúmeras canções, poemas e lendas sertanejas que imortalizam Lampião
como o protetor dos humildes e desamparados.6
O que se pode perceber é que livros como esses, certamente escritos num
contexto muito específico e que representam, de certa forma, “documentos de
época”, não obstante, devem ser lidos com bastante distanciamento.
O campo literário, por seu lado, também foi um ambiente fértil para o tema
do cangaceirismo. Romancistas, contistas e memorialistas como Franklin
Távora, Ulysses Lins de Albuquerque, Graciliano Ramos, José Lins do Rego,
Maximiano Campos, Rodolfo Teófilo, Carlos Dias Fernandes e até mesmo o
pintor Di Cavalcanti, como tantos outros, retrataram o fenômeno ou
iluminaram alguns de seus aspectos por meio de narrativas ficcionais ou
biográficas (mesmo que apenas em capítulos ou trechos isolados de suas
obras), e mesmo não produzindo análises necessariamente precisas do
brigandage nordestino, ainda assim ajudaram a compreender a importância
daqueles elementos não só em termos sociais como também no imaginário da
população sertaneja de sua época.
Mesmo assim, pode-se dizer que ainda há um campo bastante amplo para
novos estudos e enfoques sobre o tema. Afinal de contas, como dizia Roland
Barthes,
O médico austríaco João Emanuel Pohl, que esteve em viagem pelo país na
década de 1820, disse que
Continuava:
O tronco, portanto, nas palavras de José Alípio Goulart, seria uma espécie
de “primo-irmão” da canga chinesa. Foi usado principalmente em escravos
africanos, mas também, em alguns momentos, em trabalhadores livres. Isso
explica a associação popular do aparelho com a ideia de subjugação e
opressão. Ditos como “nesse pescoço não se bota canga’, assim, eram usados
por indivíduos para indicar liberdade, altivez, independência e dignidade.
Foi nessa área muito extensa, abrangendo vários estados nordestinos, com
todas as diferenças, especificidades e alterações físicas, humanas e culturais
ocorridas ao longo de muitos lustros, que transitaram os bandoleiros
sertanejos do período contemporâneo.
Vale dizer aqui que a “região”71 deve ser vista como uma zona mais ampla
e complexa, um ambiente que mescla os aspectos geográficos e naturais com
os traços históricos e culturais de sua população. É nesse sentido que o
historiador Fernand Braudel comenta sobre a importância da combinação dos
aspectos geográficos e sociais na análise histórica, ao afirmar, para casos
similares, que “a geografia deixa de ser um fim em si para converter-se em
um meio; nos ajuda a recriar as mais lentas das realidades estruturais…“72.
De qualquer forma, como já afirmava Milton Santos:
Cabe aqui também fazer uma rápida referência ao termo “sertão”, ainda,
em grande medida, de origem incerta. Imprudentes são aqueles que afirmam
peremptoriamente que a palavra é necessariamente uma corruptela ou
diminutivo de “desertão”75. Para uma diversidade de léxicos, o termo, que é
usado no Brasil desde o início da colonização, significaria local afastado dos
terrenos cultos ou da costa, coração das terras, interior, região pouco habitada
ou deserta. Daí inferir que “desertão” teria como possível variante, a
abreviatura “sertão”, a partir do chamado “deserto grande”, as localidades
despovoadas da África Equatorial portuguesa. O fato é que a outra forma de
grafia da mesma palavra, inclusive mais antiga, é “certão” (ou “cercam”), o
que retira substancialmente a força da teoria citada anteriormente. O “certão”,
com a letra “c”, era termo corrente em Portugal desde o século XVI, e
designava até mesmo o interior daquele país, que não era deserto, sendo
usado constantemente dessa forma até o século XVIII, só passando a ter
maior proeminência a versão “sertão”, com “s”, mais tarde. É bem verdade
que alguns dicionaristas optam por dar um sentido distinto à palavra, ou seja,
equivaler o termo a “floresta” ou “mato distante do litoral”. Mas, na prática,
não há nenhuma sugestão de deserto, despovoado ou solidão76. Para Gustavo
Barroso, a origem mais provável da palavra (ainda que não haja garantia de
que seja essa a oficial) pode ser encontrada no Dicionário da língua bunda de
Angola, do frei Bernardo Maria de Carnecatim, de 1804. Nele está incluído o
vocábulo “muceltão”, com sua corruptela, “certão”, ou o locus mediterranus,
que, na prática, quer dizer também interior, região distante da costa. Seria,
portanto, possivelmente um termo derivado do angolano mbunda michitu ou
muchiti, modificado pelos lusitanos, por causa da variação dialetal muchitum,
para “muceltão”, na época, muito usado no interior das colônias portuguesas
da África. Por isso, “celtão” teria se tornado “certão”, e este acabou sendo
disseminado para fora daquelas colônias e começou a ser utilizado em outras
regiões, para indicar áreas distantes da costa. Essa é, talvez, a mais “provável”
origem do termo “sertão”77.
Dentre as mais conhecidas e influentes interpretações do chamado
“banditismo social” (do qual, supostamente, fazia parte o cangaço), é possível
destacar a de Eric J.Hobsbawm em seu Primitive Rebels: Studies in Archaic
Forms of Social Movements in the Nineteenth and Twentieth Centuries’, de
1959, e Bandits2 - publicado dez anos mais tarde -, dois livros importantes,
talvez mesmo “divisores de águas”3. Em Bandidos, ao discutir o cangaço, o
historiador britânico cita Virgulino Ferreira como exemplo para contrapor
outros criminosos de épocas e países distintos, quando talvez o mais correto
para exemplificar suas ideias seria ilustrar o fenômeno com o caso de Jesuíno
Brilhante, o cangaceiro do Rio Grande do Norte que atuou na década de 1870
em três estados da região e que pode ser considerado o protótipo do
bandoleiro romântico4. Mas nem mesmo Jesuíno Brilhante poderia ser
incluído em todos os pontos do esquema proposto pelo autor de Era dos
extremos.
A população do Brasil quase dobrou entre 1872 e 1900, indo de pouco mais
de 10 milhões de habitantes para mais de 18 milhões. E de 1890 até 1920
aumentou de 14.334.000 para 27.500.000 pessoas13. A população nordestina,
que era de 4.708. 160 habitantes em 1872, representando 46,6% da população
total do país, em 1890, passava a 6.002.047 (ou 41,9%); em 1900, chegava a
6.749.507 habitantes (o equivalente a 38,7% do total); e em 1920, atingia a
cifra de 11.245.921 pessoas, ou 36,7% do total14. O Nordeste, durante todo
esse período, foi a região de cunho rural mais densamente povoada, possuindo
a maior proporção de habitantes do país15. Para se ter uma ideia, entre 1920 e
1950 houve um aumento de 200% na população do Cariri, que tinha uma
densidade de 34 habitantes por quilômetro quadrado’
Mais patente ainda era o que ocorria em Escada, neste caso, na Zona da
Mata pernambucana. A oligarquia açucareira local, como em outras
localidades do Nordeste, tinha o poder econômico e político em suas mãos.
No começo da década de 1860, por exemplo, os três agentes policiais da
localidade (ou seja, o delegado e os dois subdelegados), eram relacionados
por parentesco com o principal “coronel” local, Henrique Marques Lins, e
possuíam, juntos, nove engenhos. Naquele período, dos seus dezessete juízes
de paz, doze eram donos de engenhos, com dezenove plantações. Em 1881,
dos nove membros da Câmara Municipal daquela cidade, três possuíam sete
engenhos. Dois anos mais tarde, o prefeito era dono de cinco engenhos, ao
passo que cinco conselheiros (ou seus filhos) tinham quatorze engenhos. Só o
delegado de polícia, Samuel dos Santos Pontual, era proprietário de treze
engenhos. Ainda na mesma época, dois dos três substitutos do juiz municipal
(parentes do poderoso José Pereira de Araújo e do delegado Santos Pontual)
tinham onze engenhos de açúcar. E doze dos dezesseis juízes (ou seus filhos)
eram donos de um total de dezoito engenhos31
A estrutura agrária sertaneja funciona, aqui, como um forte elo entre a base
econômica mais ampla e a superestrutura. Nela encontram-se uma série de
variáveis importantes, dentro de um diálogo polifônico, em diferentes níveis
de atuação e inter-relação, que ajudam na compreensão do banditismo rural
nordestino. Mas há ainda outros aspectos que também devem ser levados em
conta e que, agregados à base econômica, podem ajudar a produzir um painel
mais rico sobre a questão. A influência das culturas endógena e exógena (a
indígena, a portuguesa, a elaborada dentro do ambiente sertanejo em evolução
e a trazida dos grandes centros do país, e até mesmo do exterior) e o ambiente
político e institucional, com as deliberações do Estado em nível estadual e
nacional, durante todo o período da República Velha, também são elementos
que devem ser bastante considerados. Cultura que por vezes podia ser
imposta, e por outras, que se desenvolveu “naturalmente”, a partir das
referências locais ou não, constituindo discursos ocultos, maleáveis e
permeáveis em diversas camadas sociais. Assim como a participação de
níveis jurídicos e políticos forâneos à realidade local imediata que criavam
um colchão, uma base importante de relações que afetavam, em menor ou
maior grau, aquele ambiente específico.
Para completar esse painel, que poderia se estender ainda mais, podemos
mencionar Ulisses Liberato, nascido na fazenda Estrela, no município de
Pombal, Paraíba. Seu pai, Francisco de Alencar Liberato, um fazendeiro local,
conseguiu oferecer aos filhos uma educação muito além do padrão. Ulisses
cresceu em São Paulo, onde morou durante vários anos, e não só lia e escrevia
em português, mas também falava relativamente bem inglês e francês”! Nos
anos que vão de 1918 a 1922, ele foi um dos cangaceiros mais importantes
que atuaram nas divisas dos sertões da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Como de costume, recebia a proteção de um grande amigo, José Inácio de
Souza, coiteiro e figura de prestígio no sertão cearense daquela época.
Não apenas esses chefes de quadrilhas tinham uma origem social mais alta
que a maioria dos sertanejos, mas também preferiam se relacionar com as
elites locais, com quem se sentiam mais à vontade e com quem poderiam se
associar nos negócios.
Alguém poderá dizer que as brigas entre famílias se davam por questões de
terra. Em realidade, os motivos eram vários, incluindo certamente disputas
por propriedades, mas podendo ser detonadas também por motivos
aparentemente fúteis, como um suposto desrespeito verbal ou físico a algum
parente, ou o furto de uma cabra ou bode. As questões de honra muitas vezes
sobrepassavam as questões fundiárias em algumas instâncias. São muitos e
variados os exemplos de entreveros entre homens da mesma posição social,
que acabavam não “roubando” ou “anexando” as terras do rival. Em diversas
ocasiões, depois de consumada a vingança (ou seja, o assassinato do inimigo),
o executor voltava à sua rotina de antes ou se mudava da localidade e
recomeçava a vida em outra profissão, sem nenhuma glória, nem ganho
econômico. De qualquer forma, num ambiente em que pouco se poderia
esperar da justiça, que em geral era falha, lenta e tendenciosa, é
compreensível que os homens resolvessem decidir suas querelas de armas na
mão.
Por outro lado, os mais pobres podiam tentar escapar do serviço militar por
meio da influência de seus patrões. Se esses rurícolas fossem apadrinhados de
um “coronel” importante, possivelmente poderiam conseguir sua isenção.
Com isso, se reforçariam as relações clientelistas entre chefes rurais e seus
empregados, jagunços e agregados. E aumentaria a autoridade do “coronel”
na sua região.
A presença das rameiras no sertão era clara, inclusive muitos anos antes do
cangaço “moderno”. Em 5 de agosto de 1821, no município de Crato, um
grupo de “fanáticos” religiosos da Serra de São Pedro (atual Caririaçu), os
chamados “Cerca-Igrejas”, armados até os dentes, durante a celebração de um
Te Deum em tributo a instituição do regime constitucional, tentaram, pela
força, trocar a padroeira local por Úrsula, uma prostituta24
Para ele, as mulheres também não teriam a mesma resistência física dos
homens e ainda representavam um estorvo quando ficavam doentes ou
grávidas. Uma forma peculiar, sem dúvida, de encarar essa questão.
Um jornalista, certa vez, ao fazer uma descrição de Lampião, disse que ele
usava um lenço verde preso por um anel de brilhante e mais seis anéis de
pedras preciosas, ou seja, um rubi, um topázio, uma esmeralda e três
brilhantes. Seus óculos escuros tinham aro de ouro”’. A cartucheira de
Virgulino media dois palmos de largura, quatro fileiras de cartuchos e
apresentava duas fileiras de botões de ouro e prata20. E entre os pertences de
Lampião, encontrados após a tragédia de Angico, constavam um chapéu de
couro adornado com 55 peças de ouro; três anéis (um deles com uma “pedra
verde”); uma testeira com moedas e medalhas, entre elas duas libras
esterlinas, uma moeda de ouro de 1885 e outras duas feitas do mesmo metal,
de 1776 e 1802; uma medalha com um brilhante; uma moeda de prata do
Império no valor de 25 mil-réis; bornais com botões de ouro e prata; uma
aliança de ouro; e um anel de ouro; entre outras peças.
Vale a pena recordar a conversa (ou pelo menos, uma versão dela) ocorrida
no final de 1929, entre Virgulino e o padre Emílio Ferreira, vigário de Glória.
Depois da missa, o clérigo mostrou um grande mapa do Brasil ao chefe
cangaceiro e pediu que ele mostrasse o tamanho de seu “reino”. Com o dedo
indicador, foi traçando um risco imaginário nas diversas localidades onde
havia passado com suas tropas, e onde considerava sua área de comando. Era
uma área de 300 mil quilômetros aproximadamente, que percorria sete
estados. Por isso, o padre, surpreendido, teria dito que o grande “reino” de
Lampião faria inveja a muitos monarcas europeus?5! Isso é o que se pode
chamar de “aristocracia” cangaceira: Lampião era o “rei” e Maria Bonita, um
pouco mais tarde, se tornaria sua “rainha”.
É possível perceber nesse trecho que ele sabe qual é seu papel e sua
posição hierárquica dentro do bando, e também sua identificação com seu
chefe. Entre si, esses quadrilheiros de menor prestígio também se
denominavam, costumeiramente, de “meninos”30. Os líderes do cangaço,
portanto, não tinham patrão. Mas os “rapazes” bandoleiros, sim.
Para Ângelo Roque, vulgo Labareda, cada grupo possuía um chefe, os
chamados “grandes” do cangaço. Em seguida, compunham a “tropa’, em
nível inferior, os que seriam “simples” cangaceiros, que ainda tinham algum
status, já que recebiam apelidos. E então, finalmente, vinham as massas
anônimas de bandidos, os “cabras”, que tinham menos importância e nem
sequer eram conhecidos por seus nomes de guerra31
Fica claro, nesse caso, que Lampião não fazia distinção entre classe,
estamentos, categorias e camadas sociais41. E que, mesmo não possuindo
uma compreensão mais sofisticada das relações e configurações de classes ou
grupos sociais (identificando como inimigos apenas determinados “atores”
específicos, sem compreender com maior clareza que eles agiam dentro de
um sistema político e econômico mais complexo), tinha, não obstante, noção
geral do ambiente no qual transitava.
Pois não vês que um mês de trabalho teu te vale 12 mil-réis apenas;
enquanto que eu tenho por dia o dinheiro que quero, 10, 20 mil-réis, que
os meus patrões48 me dão, de medo do meu rifle?
Disseste-me que há já anos não sabes que gosto tem carne de boi! Vem
daí, meu velho, troca a tua enxada por um rifle, e assim ganharás num
dia o que jamais ganhaste num mês, e comerás carne de boi, em mesa
posta, com os teus próprios patrões …49.
Maria Josepha, tu ganhas apenas 200 réis por dia, e, por isso, nunca
tiveste um vestido de chita.
Pois bem, manda teu marido ser cangaceiro também, e andaras prompta
como ela.5o
Não sou ladrão, não, senhor, coronel. Me chame de assassino, mas não
me chame de ladrão. Eu não furto, coronel, eu tomo pelas armas! E
quando encontro um mais forte, veja o que acontece: estou preso.60
E no dia de seu julgamento, ao ser perguntado pelo juiz se ele estava ciente
das acusações, Silvino teria afirmado: “Não sei, porque não sou criminoso!
Os que me chamam de criminoso são mais criminosos do que eu”65
Salve eu, famoso Lampião. Deixo esta lembrança para os oficiá que por
aqui passá e tiver o trivimento mi persigui. Me descurpe as leras, que
sou analfabeto. Sou um bandido cumo me chamo, mas não mereço o
nome de bandido. Quem pode cê bandido é os oficiá que andava
roubando e deflorano as famia aleia. Aceite lembransa de meu irimão
Ezequé e meu cuiado Vigino.68
Isso para não falar dos títulos de nobreza em geral. Em 1882, a Gazeta de
Aracaju dizia que “aumenta a ociosidade pública, duplica-se o número de
mendigos, centuplica-se o catálogo de ladrões, quer pequenos e
insignificantes, quer grandes e possuidores de títulos e brasões de fidalguia
81. De fato, naquela época, quem quisesse comprar um título, poderia pagar,
ao governo da Província, 50$000 para ser um duque, 30$000 para marquês,
25$000 para conde, 20$000 para visconde, 15$000 para barão e 15$000 para
conselheiro. Quem desembolsasse a quantia de 35$000 poderia receber o
cumprimento de excelência. E 15$000, de senhoria82.
Como aponta Eul-Soo Pang, só a classe alta podia fornecer indivíduos para
o oficialato, que excluía explicitamente taberneiros, artesãos, donos de lojas e
pescadores. Os soldados rasos eram recrutados apenas entre os elementos do
“populacho”. Profissionais considerados “respeitáveis” (como juízes,
advogados e médicos) tinham o direito de servir na reserva. Por outro lado,
estudantes, enfermeiros, políticos, patrões com mais de vinte funcionários ou
administradores de fazenda que criassem gado que produzisse mais de
cinquenta novilhos por ano também podiam se isentar do serviço. Quem não
preenchesse os requisitos básicos para a dispensa, ainda poderia recorrer à
influência política de algum protetor. Mas, como fica claro, a maior parte dos
estratos menos favorecidos não tinha nenhuma condição de barganhar sua
isenção. Por isso, os mais pobres não tinham alternativa e eram obrigados a se
alistar na Guarda, onde eventualmente seriam maltratados, ficando distantes
de seus lares, de seus parentes e de suas pequenas propriedades, resultando,
em última instância, em problemas psicológicos e afetivos, assim como
perdas econômicas nas rendas familiares85.
Era também comum o uso dos mesmos nomes de guerra por diferentes
cangaceiros. Para homenagear os marginais tombados em combate e ao
mesmo tempo, confundir a polícia, “transferiam” a alcunha de um bandoleiro
a outro. Por isso, chegou a haver dois cangaceiros com o apelido Esperança;
três Sabiá; quatro Beija-Flor; dois Pitombeira; três Asa Branca; dois Cocada;
três Pai Velho; dois Moita Braba; três Marreca; quatro Ponto Fino; dois
Roxinho; dois Mergulhão; dois Bala Quente; dois Nevoeiro; quatro Vereda;
dois Pilão; dois Zabelê; dois Alazão; quatro Azulão; dois Açúcar; dois
Arvoredo; dois Gasolina; três Baliza; dois Bananeira; dois Besouro; três
Caixa de Fósforo; dois Chumbinho; dois Calango; três Cajarana; dois
Canjica; dois Corisco; dois Curió; dois Carrapicho; quatro Chá Preto; quatro
Cajazeira; três Coqueiro; dois Criança; três Colchete; três Mormaço; três
Gato; dois Gato Brabo; três Gavião; dois Gafanhaque; três Moreno; dois José
Pequeno; três Sereno; três Juriti; dois Vinte e Cinco; dois Passarinho; dois
Diferente; três Fiapo; dois Jandaia; dois Jurema; dois Lavandeira; três
Limoeiro; dois Laranjeira; três Pau Ferro; três Pontaria; dois Pó Corante; dois
Sabonete; dois Suspeita; dois Zepelim; dois Saracura; e três Ventania. Nomes
estes, por sinal, que, em muitos casos, já haviam sido utilizados por
cangaceiros de outras épocas. Havia, certamente, uma “continuidade” nos
elementos que inspiravam as alcunhas de vários daqueles bandidos ao longo
do tempo8.
Armas em uso no sertão dos anos 1920 e 1930, portanto, eram o revólver
Colt modelo Police Positive, calibre 38 mm; pistola Luger modelo 1908,
calibre 9 mm, parabelum, com cano de 4 polegadas; pistola Browning modelo
1910, calibre 7,65 mm, cano de 3,5 polegadas; rifle Mauser de 7,92 mm, bolt
action, com 5 balas; a carabina Manlincher austríaca de 5 tiros; os revólveres
Nagant, Girard e Royale; a pistola Comblain; fuzil metralhadora Hotchkiss
1921; submetralhadora Bergmann 1918; submetralhadora Royal 1932; e
submetralhadora Bergmann modelo 1934.
Ainda afirmava:
Essa última exigência foi fatal ao oficial. Ele iria perder a vida numa
encruzilhada, provavelmente pelas mãos de um chefete regional, justamente
por não querer a ingerência dos “coronéis” nas suas decisões, mesmo que sua
atuação ocorresse dentro das áreas daqueles caudilhos. Era muito comum,
portanto, que um sargento, cabo ou oficial em geral, comandando uma
diligência de caça a cangaceiros, desistisse da missão, por causa dos
numerosos entraves antepostos pelos “coronéis” e chefes políticos
regionais28.
convém não esquecer nunca que os oficiais de polícia, como toda gente,
estão sujeitos às contingências humanas, são pais de família pobres,
vivendo miseravelmente de seus insignificantes ordenados, eternamente
preocupados com o futuro dos seus filhos, que o Governo jamais cogitou
de amparar convenientemente. Quem dispõe, para as exigências da sua
manutenção e da família, de ordenados que vão de 300$ a 700$ não pode
estar medindo a sua vida com a de qualquer criminoso.”
É claro que havia homens que estavam longe de ter um perfil longilíneo,
como os oficiais Theophanes Torres e João Bezerra, por exemplo. Mas a
maioria dos recrutas era composta, sem dúvida, de homens delgados.
Alguns dos “contratados” iriam se tornar, mais tarde, membros das forças
regulares e até mesmo oficiais de polícia. As tropas volantes, assim, se
tornavam também uma forma de garantir um emprego e de ascensão social
para muitos sertanejos; outros se alistavam por terem recebido ameaças até
mesmo de policiais; e também para garantir sua segurança contra cangaceiros
inimigos. A ideia de se perseguir desafetos e acabar com rivais que haviam
cometido algum crime contra suas famílias, porém, era possivelmente o
principal motivo de ingresso nas fileiras policiais (um coiteiro de Lampião,
Elias Marques, de Santa Brígida, por exemplo, depois de entrar em
desavenças com o “governador do sertão”, ingressou na força policial). Por
fim, havia os que realmente eram imbuídos por um suposto senso de dever
“cívico” e pela “vocação” para a luta contra o banditismo epidêmico do
Sertão nordestino: “criavam gosto” pela “caçada’ aos salteadores86.
A falta de verbas para enviar mais tropas para lutar contra Lampião na
Bahia era um fato conhecido. A situação estava tão complicada que um
contingente que chegara em Uauá sofria de inanição. Em circunstâncias como
essas, ficava difícil combater os bandoleiros”’
Algumas cadeias, por sua vez, não tinham água nem luz. Ainda havia
aquelas que funcionavam nas casas particulares, alugadas de seus donos e que
não ofereciam nenhuma segurança, tornando-se alvos fáceis de ataques de
bandoleiros, por serem construções envelhecidas e mal conservadas, além de
serem guardadas por um número reduzido de policiais120. Em 1890, por
causa da falta de homens suficientes para proteger a cadeia de Flores, foram
intimados quinze cidadãos para trabalhar como guardas, mediante o
pagamento de 600 réis por dia, como forma de tentar resolver o problema 121
Uma correia trançada de couro cru, presa a um cabo de madeira, outro tipo
de chicote, era a arma favorita de Pedro Pilé para punir seus desafetos, em
especial os bêbados, de quem não gostava”. Isso, apesar de ele mesmo, ao que
consta, ser afeito a, costumeiramente, se embebedar’.
Depois de bem açoitado, o mandará picar com navalha ou faca que corte
bem, e dar-lhe-á com sal, sumo de limão e urina, e o meterá alguns dias
na corrente, e sendo fêmea, será açoitada à guisa de baiona dentro da
casa com o mesmo açoite, com a proibição de lhes bater com pau, pedra
ou tijolo.13
Essas práticas, portanto, continuaram sendo usadas e “desenvolvidas” em
períodos posteriores, inclusive pelos cangaceiros14. Mas não exclusivamente
por eles. Um caso de torturas e execuções, entre muitos outros, realizado pela
polícia, ilustra as práticas violentas de punição no sertão. Em 1900, na divisa
da Paraíba com Pernambuco, uma força conjunta dos dois estados (após
entreveros em Surrão contra os homens de Antônio Silvino), matou seis
bandidos e capturou outros nove, para “sangrá-los”, um a um, de forma
bárbara. Colocados em fila indiana e presos uns aos outros por cordas, como
escravos, foram degolados. Quando o comandante da chacina, o sargento José
Lopes, desistiu de cortar gargantas, por estar com o “braço cansado”,
transferiu a incumbência para outro soldado 15
Mas esses são apenas alguns exemplos. Em certa ocasião, o “rei” dos
cangaceiros “traçou” com um canivete dois cortes compridos e oblíquos nas
costas de um indivíduo, do ombro às nádegas, para então, depois de retalhar a
vítima, arrancar com as próprias mãos, meio metro de sua pele27. Gostava
também de fazer dezenas de pequenas perfurações com cutelo na cútis dos
rivais, para que esta ficasse parecida com “bexigas” no rosto e não se
importava em arrancar unhas com punhal28. Em Pedra Branca, capturou o
subdelegado da localidade, enfiou uma vela em seu ânus e deixou que ela
queimasse até o final”. Numa fazenda perto de Porto da Folha, Sergipe,
ameaçou o dono da casa de crucificá-lo na parede, com facas. A neta, que se
escondera no quarto, saiu do recinto e deu 600$000 para o chefe dos bandidos
em troca da liberdade dos familiares. Depois de pegar o dinheiro, contudo, os
cangaceiros estupraram a jovem e sua avó3o
Cabe dizer aqui que o termo “branco” é bastante relativo nesse caso. Ainda
que muitos sertanejos fossem assim caracterizados, é bom recordar que, em
sua maioria, eram mestiços com índios. Inclusive até mesmo os próprios
membros das elites rurais.
Mais tarde, Gregório Varela Barreto, num comunicado de 1690 (que deve
ser lido com bastante distanciamento, certamente), comentaria, sobre os
povos nativos sertanejos:
São esses Tapuias uns alerves criados nas eminências daqueles sertões,
sem comunicação de pessoa nenhuma, muito agrestes no seu trato e é tão
rústica a língua de que usam, que ninguém lhes entende, muito ferozes
no semblante, muito corpulentos, que se tomarem qualquer pessoas às
mãos, a hão de despedaçar.53
uma plebe rural, que fica sem posse de terra, que fica agregada aos
proprietários, nômade muitas vezes, vai esboçando essa massa inculta,
onde os tipos étnicos mais heterogêneos tendem a certa uniformidade
sobre a base de um fundo comum aborígine, nas zonas das caatingas.
Acentuemos de passagem a relativa conservação de nódulos sociais
indígenas, em certos pontos do sertão pernambucano.`
Outro que seguia por essa linha era Alcides Bezerra, afirmando que
Cruz Filho, por sua vez, também comentava que “a mestiçagem sertaneja é
a base psíquica do flagelo que nos amesquinha e avilta”63. Afinal, “afogado
em sangue e desespero, vingou-se o aborígine do seu sacrifício, inoculando
nas veias do vencedor o vírus das neuroses criminais”64
Por outro lado, temos de fazer a ressalva aqui que nem todos os
“trabalhadores livres” eram, tampouco, brancos. Havia também uma
proporção significativa de homens livres caboclos, cafuzos, negros e
indígenas85.
Por outro lado, havia indígenas de pele muita clara, alguns inclusive, com a
epiderme quase alva. A diversidade de tipos nativos era bastante grande, sem
dúvida96.
A aldeia Fulniô que restou continuou próxima a Águas Belas, quase como
um apêndice econômico daquela cidade. Até os anos 1930, seus moradores
construíam suas casas com palha de ouricuri. A partir de então, seu traçado
urbanístico e arquitetônico mudou, com pequenas e precárias casas de taipa e
ruas no mesmo estilo dos vilarejos locais (só que sem pavimentação nem
comércio), se descaracterizando ainda mais e se mesclando por completo ao
cenário sertanejo121
Antônio interfere:
E o “governador do sertão”:
-Sai-te Antônio. Tira lá essa “cor de canela” que eu não sou mulhé.
Corisco também, de acordo com alguns relatos, teria “aversão” aos negros.
Isso porque, quando jovem, teria sido agredido verbalmente por dois soldados
negros, bastante autoritários, de uma volante, que o chamaram de “coiteiro
desgraçado”, “amarelo” e “cabra sem vergonha”. Por esse motivo, teria
detestado os negros ao longo dos anos 142 Ainda assim, em seu grupo era
possível encontrar negros e mestiços143
É possível dizer que, dentro das fileiras cangaceiras, os negros eram vistos
como iguais e não considerados inferiores, nem pelas lideranças, nem pelas
“bases”. Mas os bandoleiros viam de maneira depreciativa os negros que
estavam fora do cangaço.
Esse tipo de descrição é similar àquela feita por Xavier de Oliveira a alguns
bandoleiros que atuaram antes do período lampiônico. Dizia ele de Pedro Pilé
que este tinha o aspecto de um demônio, ou seja, era um “negro alto, forte e
robusto”, com olhos amarelados e com um edema nas pálpebras, nariz chato,
“apragatado”, de asas abertas, com todos os dentes, caninos, falhos e
pequenos, em gengivas grossas, vermelhas e sanguinolentas154 Para esse
pesquisador, Pilé seria o próprio Satã vestido de fraque‘55
E quando José, membro de seu bando (seu ex-escravo, por ele alforriado),
teve interesse sexual por uma retirante muito jovem (possivelmente branca),
que estava sendo cuidada pelos quadrilheiros, Jesuíno decidiu matá-lo com
uma facada. Para ele, a ofensa de José seria imperdoável, já que iria contra
todos os seus preconceitos de casta.
O caso de Jesuíno e seu ex-escravo José é interessante e cabe bem nos
moldes da emulação de comportamento dos senhores rurais. Os escravocratas
tradicionalmente tinham de combinar, ao mesmo tempo, disciplina rígida e
tratamento “humano” aos negros. Em muitas ocasiões, escravos e patrões se
aproximavam e chegavam a criar vínculos afetivos, muitos destes, virtuais.
Afinal, o senhor sempre estava com a razão e deveria, via de regra, ser
obedecido. Caso contrário, a punição poderia ser dura. Criava-se, aí, uma
falsa relação de intimidade, onde uma das partes sempre tinha a palavra final
nas questões. O senhor era aparentemente um “amigo”, mas, na prática,
portava-se como “patrão”. As alforrias, de seu lado, estimulavam o bom
comportamento do cativo, servindo como um “prêmio” ao negro por sua
lealdade e por sua obediência, que deveriam continuar após a libertação156
Com relação aos chefes das volantes e seus comandados, tinham a cor
branca; só alguns soldados eram quase pretos ou pretos mesmo (negro,
como dizem os letrados); todos eles eram racistas; melhor falando, eles
eram contra os negros.162
O antropólogo Artur Ramos, por seu lado, tinha uma opinião “favorável”
sobre Volta-Seca, o jovem cangaceiro do bando de Virgulino Ferreira,
capturado em 1932. Numa entrevista ao diário A Tarde, de 23 de março de
1932, Ramos - que aparece, na mesma página, numa foto em que “media”,
com compasso de broca, a cabeça do bandoleiro - dizia ao repórter,
categoricamente: “Nenhuma das clássicas anomalias lombrosianas - cabeça
disforme, face prognata; malares salientes; sobrecenho carregado; olhar
“duro” e mau; orelhas malformadas”166 Continuava:
o estado intelectual do sertanejo é tão primitivo que ele não pode sentir
todas as sensações que sentimos. […] A sua vida meio selvagem
somente desenvolve certas sensibilidades, o que é peculiar aos povos
primitivos.175
Ele afirmava:
Uma conclusão bastante diferente daquela tirada por Abelardo Parreira, que
afirmava que, fisicamente, Silvino não tinha nada de anormal: tinha estatura
mediana, ótima saúde, quase gago e gordo193. Muito distinta também de uma
descrição feita pelo jornal Pequeno, anos antes, ainda que os comentários
sobre os seus asseclas não fossem tão favoráveis:
Era com efeito Antônio Silvino, aquele sertanejo moço, alvo, simpático,
de olhar penetrante, trazendo chapéu de couro, calça e blusa de algodão,
lenço encarnado ao pescoço; cartucheira, punhal e pistola à cinta, além
de rifle. Os seus companheiros eram “Cocada”, um mestiço, e “Rio
Preto”, um negro mal-encarado e taciturno.‘94
Isso tudo estava dentro das normas vigentes não só no meio “acadêmico” e
“científico”, como também no sistema jurídico e policial. Quando o Serviço
de Identificação de Pernambuco foi criado, em 18 de janeiro de 1895, pelo
presidente do Estado Alexandre José Barbosa, foi fundamentado a partir do
sistema antropométrico. Sua função seria identificar os “elementos” enviados
para a Casa de Detenção, identificação dos soldados incorporados ao corpo
policial e identificação de cidadãos que solicitassem passaportes para fora do
estado‘99.
A sugestão de uma erupção do cangaceirismo causado por “crises” também
nos parece insatisfatória, ainda que tenham ocorrido crises intermitentes
durante todo o período do cangaço, tanto no Nordeste como no Brasil em
geral. Essa, contudo, é aparentemente a interpretação de alguns
pesquisadores, quando afirmam que a partir da segunda metade do século
XIX ocorreu uma crise crônica na região, primeiro na produção de açúcar, e,
em seguida, na de algodão, havendo, na época, não só um empobrecimento
das elites agrárias como também, paralelamente, o crescimento demográfico
da população mais pobre, que no início do século XX até 1935, em especial
com o fim do boom da borracha na Amazônia, e sem maiores possibilidades
de emprego na região, teria como uma de suas principais alternativas
econômicas a entrada para o cangaço’. Isso nos dá a impressão de ser uma
tentativa clássica de se colocar de maneira forçada a realidade objetiva dentro
de um sistema teórico já pronto. O fato é que, na prática, há material
abundante para contradizer essa teoria. Só para ilustrar, é possível citar aqui
as cidades de Canhotinho, Garanhuns e Pesqueira.
Mesmo os ciclos das secas não serviriam para explicar em sua totalidade o
cangaceirismo, considerando as condições climáticas adversas como possíveis
responsáveis por uma deterioração na produção, fome, aumento de pobreza e
consequente incremento nas atividades dos bandidos`. As secas nordestinas
são caracterizadas por uma combinação de fatores climáticos, hidrológicos,
pedológicos e geológicos: chuvas predominantemente conectivas e
orográficas, concentradas num único período de três a cinco meses, com
médias que variam de 400 mm a 800 mm, distribuídas de modo irregular;
temperaturas anuais médias em torno de 23° C a 27°C; alto índice de isolação,
com média de 2.800 h/anuais; baixa umidade relativa, ou seja, o equivalente a
50% por ano; alta média de evaporação (2.000 mm/ano); terrenos cristalinos,
impermeáveis, rasos e em geral pedregosos; terrenos sedimentares alterados
por fatores erosivos; e rios que sofrem com as irregularidades dos fatores
pluviométricos e que secam em quase sua totalidade apenas um mês depois
do término das chuvas na região”. No século XX, por exemplo, ocorreram
estiagens importantes e prolongadas em 1900, 1903, 1915, 1916 e 1932, mas
foi no período em que não ocorriam secas que o cangaço se mostrou mais
robusto24
Em 1932, ano de seca intensa, uma das maiores do século XX, ocorreram a
batalha de Maranduba, a prisão de Volta-Seca e escaramuças de cangaceiros
com a polícia, por certo57. As principais atividades relacionadas com
bandoleiros, nesse caso, envolveram o grupo de Corisco e combates com o
bando de Lampião, que naquele ano realizou alguns ataques e depredações de
fazendas58. Mas é bom lembrar que estes bandos já estavam formados
anteriormente, e continuaram agindo naquele período. Portanto, não eram
“novos”. Ou seja, não foram constituídos naquela instância, por causa da
intensa estiagem.
A seca, ou seja, a “natureza’, apenas, não pode ser vista como fator
precípuo do cangaceirismo. O mundo das relações sociais é regido pelos
homens, pelos indivíduos, que podem agir de determinadas formas,
influenciados pelo meio natural. Mas, no final das contas, são os marcos
jurídicos, políticos, econômicos e culturais que irão determinar sua conduta.
As secas e o banditismo de forma geral permanecem no sertão. Mas o
fenômeno específico do cangaço acabou, ainda que a seca continue…
situada também na mesma zona sertaneja, tinha fundadas razões para ser
atacada pelos bandidos, face à sua prosperidade; tamanho foi o
desenvolvimento do município que ao cuidar-se, em 1914, da fundação
de uma diocese no sertão da Paraíba, Cajazeiras foi escolhida para o
bispado.73
E Souza,
Por outro lado, é bom também tentar evitar estereótipos sobre a seca. Nem
todos os casos de seca constituíram flagelos radicais para a população. Na
seca de 1898, em Mossoró, Rio Grande do Norte, choveu apenas 140 mm no
ano inteiro, certamente afetando bastante o povo daquela região. Mas em
1899, a natureza foi mais favorável: ocorreu um inverno adiantado, que se
prolongou até agosto, com um verão curto, com precipitações de 1.268 mm
anuais; não houve inundações; não ocorreram pragas de lagartas; tampouco
casos de doenças no gado. Esses fatores conjugados resultaram em excelentes
colheitas de cereais. Quando a seca de 1900 chegou, portanto, o sertão estava
mais preparado. Mesmo com uma precipitação pluviométrica de apenas 146
mm de chuva, o interior estava abastecido com a produção do ano anterior.
Esse fato, portanto, atenuou o sofrimento do povo da região81. Depois da
seca de 1915, o sertanejo também estava mais preparado e experiente para
enfrentar novas calamidades. A construção de vários açudes e estradas
certamente aliviou, em alguns casos, as consequências das estiagens
posteriores 12.
O PCB iria insistir nessa questão. Num informe para a 111 Conferência de
Partidos Comunistas da América Latina e Caribe, realizado em Moscou, em
1934, preparado pelo chefe da delegação brasileira Antônio Maciel Bonfim
(codinome Miranda), secretário-nacional do PCB e eleito secretário-geral da
agremiação em sua 1 Conferência Nacional, naquele mesmo ano, podia-se
perceber a posição oficial do partido em relação à situação no campo e sua
interpretação completamente distorcida da realidade. Dizia o documento:
Dos grupos citados pelo informe do PCB, só um, que tinha em torno de
quarenta pessoas, entrou em ação, de fato. Os líderes desses “bandoleiros
vermelhos” reuniam seus homens no meio da caatinga (em cenas
possivelmente surrealistas), discutiam aumentos salariais, indicavam como
cooptar trabalhadores sindicalizados para ingressar no partido e conversavam
sobre as melhores formas de convocar os “camponeses” para atacar as
principais fazendas de algodão locais e eliminar seus donos20. Tudo em nome
da revolução! Suas ações, contudo, se limitavam, em geral, a assaltos e
assassinatos, sempre sendo acoitados em fazendas de simpatizantes da ANL
no estado.
Ainda foi enviado do Rio de janeiro, o militante José Alemão, para ajudar
na organização das guerrilhas do partido. Mas aparentemente sua presença
não alterou a situação. Muitos começaram a abandonar o bando24.
Conheci e vivi no Sertão que era das “eras de setecentos” […] Chuva
vinha do céu e trovão era castigo. O Sol se escondia no mar até o outro
dia. Imperavam tabus de alimentação e os cardápios cheiravam ao Brasil
colonial. Mandava-se fazer uma roupa de casimira que durava toda a
existência. Era para o casamento, para as grandes festas, para o dia da
eleição, do casamento da filha e era-se enterrado com ela. As mães
“deixavam” roupa para as filhas. E elas usavam. Os hábitos ficavam os
mesmos, de pai para filho. Calçava-se meia branca quando se tomava
purgante de Jalapa. Mordido de cobra não podia ouvir fala de mulher.
Nome de menino era o “santo do dia”. Os velhos tinham costumes
inexplicáveis e venerandos. Tomavam banho ao sábado, davam a bênção
com os dedos unidos e quase todos sabiam dez palavras em latim.
A herança feudal pesava como uma luva de ferro. Mas defendia a mão.
Os fazendeiros perdiam o nome da família. Todos eram conhecidos pelo
nome próprio acrescido do topônimo. Coronel Zé Braz dos Inhamuns,
Chico Pedro da Serra Branca, Manoel Bazio do Arvoredo. Nomes dos
homens e da terra, como na Idade Média. Tempo bonito?
Isso para não falar da Missão abreviada, uma obra quase tão difundida
como o Lunário. Esse livro chegou ao Sertão nordestino na metade do século
XIX e logo teve enorme sucesso, ainda que sua difusão fosse restrita. Era,
talvez, a principal obra de referência de beatos, “profetas” e religiosos leigos
da região, que tinham pouca cultura e dificuldades em compreender qualquer
linguagem mais rebuscada. Por meio dela, os mais pobres e desesperados
seriam catequizados. A Missão serviria, portanto, para “formar” vários
sertanejos místicos. Escrito pelo padre português Manuel Gonçalves Couto,
seu texto dizia, logo nas primeiras páginas, que tinha como objetivo converter
os pecadores e sustentar o fruto dos missionários da Igreja; seria, por isso,
muito útil para orações e para instruir o povo (principalmente das aldeias),
assim como também para os párocos, capelães e sacerdotes18. Serviria quase
como um “guia’ eclesiástico simplificado para auxiliar o homem do interior,
com pouca instrução, que podia encontrar naquela obra as respostas que tanto
procurava.
Um exemplo interessante: depois de ocupar o arraial de Canudos, em 1897,
os soldados do governo encontraram, entre os pertences de Antônio
Conselheiro, um exemplar da Missão, bastante desgastado e todo anotado’.
As diferentes interpretações dos dogmas religiosos, como se pode imaginar,
não eram aceitas pela Igreja oficial…
Raro também será um lugar sertanejo que não tenha sido sobrevoado por
um avião. O cangaceiro conhece armas automáticas moderníssimas.
Gosta de meias de seda, perfumes. Alguns têm unhas polidas… Quase
todos usam meneios de “cowboy”, chapelão desabado, revólveres
laterais, lenço no pescoço. O lenço no pescoço, como os artistas cariocas
“representando” matutos do Nordeste, é uma influência puramente
teatral.4o
Eles, por certo, viam-se como homens de seu tempo. E como tais, nada
mais natural do que querer se integrar à “modernidade”. Mas seria possível
isso? De que forma participariam da realidade política e social brasileira, se
eram outcasts, marginalizados e incompreendidos pela maioria da população?
Nesse caso, de uma única forma: criando uma realidade paralela, que
reproduziria certos aspectos do mundo convencional, mas adaptando algumas
de suas práticas para sua forma de viver, mais fluida e livre.
É claro que isso era uma brincadeira, uma jogada mercadológica, uma
propaganda. Mas representa de certa forma o mundo “oficial” incorporando
os cangaceiros em seu imaginário social.
O mesmo pode ser dito do Padre Cícero, que teve seu nome usado em
rótulos de diferentes marcas de produtos farmacêuticos, caixas de pó de arroz,
remédios para coceira e medicamentos para a tosses
Brigas por mulheres, disputas por prestígio e acusações de roubos entre uns
e outros ocorriam. As ordens do chefe, por isso, eram sempre enérgicas e
tinham de ser invariavelmente cumpridas: a necessidade de harmonia no
grupo era fundamental. Aquela “comunidade”, portanto, tinha de funcionar da
melhor forma possível para que se mantivesse unida e fosse capaz de obter
êxitos “militares”. Os chefes, assim, não toleravam desavenças. Já a ligação
com a maioria das comunidades rurais, por outro lado, era tênue, e por vezes,
desfavorável, não tendo nunca ocorrido nem se procurado construir uma base
de apoio popular real entre os bandidos e o povo.
Art. 2° - Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a
hipótese.
Art. 1°: Todo indivíduo que fizer parte de um grupo de três ou mais
pessoas, total ou parcialmente armado, o qual, por meio de incursões,
atente contra a paz pública, os bons costumes, a ordem das famílias, a
segurança das pessoas e da propriedade: pena de 2 a 10 anos, além das
demais em que incorrer, por outros crimes cometidos.
Art. 2°: Aquele que der proteção, acolhimento ou guarda a tais grupos ou
a indivíduos que dele façam parte: pena de prisão celular de seis meses a
dois anos.
Art. 3°: Serão punidos com igual pena aqueles que lhes facilitarem
meios de escape ou de fuga à perseguição dos agentes da autoridade,
fornecer-lhes armamentos, munições, ministrar-lhes informes ou notícias
para que se previnam contra a ação da justiça.
Art. 4°: Os indivíduos passíveis de ação penal, em virtude desta lei, não
gozarão do beneficio do livramento condicional e da suspensão da pena.
Art. 5°: Os crimes de que trata a presente lei são inafiançáveis, de ação
pública e prescrevem no duplo do tempo estabelecido para a prescrição
ordinária.
SENTENÇA JUDICIAL
SÚMULA: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público
suas patifarias e seus deboches e faz coças de suas vítimas desejando a
mulher do próximo para com ele fazer suas chumbregâncias.
Vistos etc.
POSTO QUE:
Condeno o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher de Xico
Bento e por tentativa de mais outros malifícios iguais, a ser CAPADO,
capadura que deverá ser feita a MACETE.
A execução desta pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio
carrasco o carcereiro. Feita a capação depois de 30 dias o mesmo
carcereiro solte o cujo cabra para que se vá em paz.
TERMO DE POMBAL
TERMO DE CATOLÉ DA ROCHA
TERMO DE PIANCÓ
TERMO DE MISERICÓRDIA
TERMO DE SOUSA
TERMO DE CAJAZEIRAS
TERMO DE PATOS
M.D.Presidente da Província.
O PROCESSO DE IMPERATRIZ
Tais e tantos foram os tiros que a casa que servia de refúgio aos célebres
sicários ficou com as portas e paredes estragadas, em consequência das
balas e chumbos que quase sem cessar rompiam.
Ilustríssimo Sr. Dr. Manuel Cândido u fim desta carta é somente para lhe
oferecer esta criança para o Sr. criar então faça de conta que será seu
próprio filho, então foi nascido no dia 10 de outubro de 1937. Achei
mais bem acertado mandar para si assim por diante levarei o seu roteiro
já de mim de detrás que sou conhecido e muito bem informado só não
farei lhe explicar agora. Bem, o Sr. me desculpe o presente que lhe
mando se faltei com o respeito lá haja de desculpar também o papel ser
ordinário, porque na ocasião outro melhor não encontrei, nada mais do
seu amigo cincero e criado seu Manuel, eu agora que lhe darei o meu
garbouso nome Coronel Moita Brava e a mãe Sebastiana Rodrigues
Lima. Algumas lembranças à comadre. Moita Brava, filho da Bahia.
Aos vinte e cinco dias do mês de maio de 1928, nesta cidade de Vila
Bela, na Delegacia Regional da Sexta Zona Policial, presente o
respectivo Delegado Regional, Dr. Francisco Menezes de Mello, comigo
Escrivão de seu cargo, abaixo declarado, aí pelas doze horas,
compareceu Pedro Ramos de Lima (vulgo Carrapêta), com vinte anos de
idade, filho de Raimundo Ramos de Oliveira e Maria Vicência
Sacramento, casado, agricultor, nascido no lugar Cachoeira, deste
município, residente no mesmo lugar, sabendo ler e escrever; o qual, as
perguntas dirigidas pela mesma autoridade, respondeu: que entrou para o
grupo de Lampião, por causa de uma encrenca com uma moça filha de
Manoel Hilário, residente na fazenda Poços, porque a família da mesma
tencionava matá-lo; que isto se deu mais ou menos no dia vinte e cinco
de maio de 1926; que, quando entrou para o grupo, este se encontrava no
sítio dos Barrosos; que passou a primeira noite juntamente com o grupo,
aconselhado pelo velho Ângelo, morador na referida fazenda Poços; que,
no dia seguinte, recebeu do próprio Lampião, um rifle, com a respectiva
munição, próximo de São Francisco, em casa do cidadão João Mariano;
que tomou parte no fogo da fazenda Serra Vermelha, deste município,
onde morreu José Paixão, um dos rapazes defensores da fazenda e uma
filha do soldado Luiz Preto, tendo ele declarante, permanecido durante
todo o tempo do ataque, nas emboscadas da estrada de Nazaré; que, após
o ataque, roubo e incêndio nas casas de Serra Vermelha, e depois de
terem matado grande quantidade de gado, animais e criações, rumaram
para São Francisco, onde passaram o resto de um dia e a noite, indo
depois para Santa Maria, dali rumado para São João do Barro Vermelho,
e, por fim, seguiram até o Poço do Ferro, de Ângelo da Gia, lembrando-
se bem dos de nomes seguintes: Lampião; Antônio Ferreira; Zé Delfina;
Bom de Veras; João de Souza; Jurema; Capão; Criança; Sabiá; Coqueiro;
Gengibre; Bem-Te-Vi; Guindu; Beija-Flor; Antônio Romeiro; Pai-Velho;
Luiz Pedro; Jurity; Nevoeiro; Moreno; Gavião; Mormaço; Chá Preto 2°;
Barra Nova; Benedito; Félix da Mata Redonda; Gasolina; Jararaca;
Pontaria; Gato; Pinica-Pau; Cobra Verde; Moita Braba; Miúdo (soldado
que desertou de Custódia); Lavandeira e muitos outros; que de Poço do
Ferro foram obrigados a sair por causa da Força de Merim, a qual saiu
em perseguição ao grupo e, de novo subiram todos os bandidos para
Carnaúba da Serra do Umã, no mesmo lugar onde antes do fogo de Serra
Vermelha haviam entrado para o grupo, Lavandeira, Serra do Umã e
Canário ou Jatobá, Fortaleza e outros; que dali rumaram para São
Francisco e lá se juntaram com José Izidoro, Manoel Hortêncio
(Caraúna) e outros; que, em São Francisco, Lampião distribuiu a todo o
grupo, grande quantidade de munição de rifle e de fuzil, obtida aqui em
Vila Bela; que para o ataque de Serra Vermelha, o cangaceiro Emiliano
Novaes, forneceu seis “rapazes”, todos devidamente armados e
municiados pelo mesmo. Eram eles: Antônio Quelé; Candieiro; os
irmãos João e Firmo Ângelo; Laurindo de Virgulino, do lugar Brejinho,
na Serra do Arapuá e Francelino Jaqueira; que eles, Chá Preto 2°,
Canafístula e Serra do Umã foram encarregados por Lampião de ir
receber de Emiliano Novaes, o pessoal por ele destinado ao grupo; que
logo no dia seguinte ao fogo da Serra Vermelha ele, declarante, deixou o
grupo e seguiu para o Estado de Sergipe e quando dali voltava, veio
saber, por lhe haver dito um tal Fabrício (Juiz de Paz na Vila de
Chorrochó), haver tratado de quatro cangaceiros feridos, ali refugiados,
os quais eram José Benedito; Antônio Rosa 2°; e outros dois. Que, no
ataque de Serra Vermelha, todos tomaram parte saliente; foi Emiliano
Novaes quem mais animou a Lampião para realizar o ataque a Serra
Vermelha; que, em virtude da insistência de Antônio Boiadeiro e deu
uma filha de Emiliano Novaes, foi o mesmo em Santa Maria, retirado do
grupo de Lampião.
AUTUAÇÃO:
Aos vinte e dois dias do mês de dezembro de 1931, nesta cidade de Vila
Bela, Estado de Pernambuco, em meu cartório, autuo o processado que
adiante se vê, visto autuação anterior feita pelo escrivão companheiro já
se achar deteriorado, do que faço este termo. Eu, IZAÍAS FERRAZ
NOGUEIRA, Escrivão, escrevi. D.Ao 1° escrivão no dia oito de março
de 1929. Distribuidor J.Rufino da Silva. Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da
Comarca de Vila Bela. D.A.Como requer. Designo o dia quatro do
fluente, às doze horas, para se proceder a formação de culpa de
Virgulino Ferreira da Silva (vulgo Lampião); Ezequiel da Silva; Beija-
Flor; Domingos dos Anjos (vulgo Serra do Umã); Luiz Pedro do Retiro;
Hermínio Xavier (vulgo Chumbinho); José de Souza (vulgo Tenente);
Laurindo Soares (vulgo Fiapo); João Mariano (vulgo Andorinha);
Joaquim Mariano; Manoel Mariano; Antônio de Severina (vulgo
Nevoeiro); Antônio Romeiro; Sabino Gomes; Izaías Vieira (vulgo
Zabelê); Inácio de Medeiros (vulgo Jurema); Félix da Mata Redonda
(vulgo Félix Caboje); Heleno Caetano da Silva (vulgo Moreno); João
Donato (vulgo Gavião); Pedro Gomes; João Henrique; Antônio Rosa 2°;
Cornélio de Tal (vulgo Trovão); José Lopes da Silva (vulgo Mormaço);
José Delfina; João Cesário (vulgo Coqueiro); Emiliano Novaes; Manoel
Antônio de França (vulgo Recruta); Francisco da Silva (vulgo Cocada);
José André de Sá; André de Sá e Antônio de Sá (conhecidos pela
antonomásia de Marinheiros); Genézio de Souza (vulgo Genézio
Vaqueiro); Vicente Feliciano (vulgo Vicente Preto); José Benedito;
Pedro de Quelé; José de Generosa; José de Angélica; Ricardo da Silva
(vulgo Pontaria); Josias Vieira (vulgo Gato); José ou Antônio de Oliveira
(vulgo Menino); José Luiz (vulgo José Souza ou José Procópio);
Cipriano de Tal (vulgo Cipriano da Pedra); José de Alexandre (vulgo Zé
Preto); João Ângelo de Oliveira (vulgo Vereda); Firmino de Oliveira;
Pedro Ramos de Lima (vulgo Carrapêta); Antônio dos Santos (vulgo
Cobra Verde); Damião de Tal (vulgo Chá Preto ); Virgulino Fortunato;
Manoel Vieira da Silva (vulgo Lasca Bomba); Antônio Juvenal (vulgo
Mergulhão); Zé Pretinho; João Basílio; Joca Basílio; José Rachel (vulgo
Papagaio); Anísio (vulgo Cancão); Antônio de Ernestina; Camilo
Domingos (vulgo Pirulito); Laurindo Virgulino (vulgo Mangueira);
Miguel Gonçalves; José Cepaúba; José Cariri (vulgo Fortaleza);
Francelino Jaqueira; João Canfístula; Urbano Pinto; Raimundo Silva
(vulgo Aragão); Machinista; Antônio Ferreira da Silva; Manoel
Nogueira. Interrogado na Justiça, confessou o bandido João Ângelo de
Oliveira (vulgo Vereda), que vários meses andou aliado ao grupo
chefiado por Lampião, tendo participado de vários combates, levados a
efeito pelo mesmo grupo; que entrou para o grupo em agosto de 1926,
por iludimento de um tio seu, de nome Elias Freire, residente na Penha
de Serra do Umã e a insistência do cangaceiro Emiliano Novaes, quando
este teve as suas questões em São Francisco; que se encontrou com o
grupo de Lampião no povoado de Santa Maria, onde já se encontravam
Emiliano Novaes, Antônio Ferreira, Pedro Ramos de Lima (vulgo
Carrapêta) e muitos outros bandidos, tendo vindo em companhia dele
respondente e também a chamado de Emiliano os bandidos Antônio
Quelé, Fortaleza, Machinista, Gavião e outros, de cujos nomes não se
recorda; que foi Emiliano quem forneceu armamento a todo o pessoal,
fazendo a distribuição na Penha, em casa de Elias Freire; que não
assistiu à morte do soldado Cândido Ferraz, que já tinha sido feita
quando Emiliano o chamou para o grupo; que reunidos todos, seguiram
para Santa Maria e dali seguiram destino à fazenda Serra Vermelha,
pertencente à família Nogueira, sendo a mesma atacada às primeiras
horas da manhã, resultando a morte de um rapaz defensor da família
Nogueira e uma moça filha de Luiz Preto; que ele declarante, em
companhia de muitos outros bandidos, sob o comando de Lampião,
empiquetaram a estrada de Nazaré, onde permaneceu durante todo
tempo do ataque à fazenda, para evitar qualquer auxílio daquele povoado
à família Nogueira; que na estrada de São Francisco para Serra
Vermelha, existia um outro piquete, para evitar qualquer auxílio daquele
povoado aos proprietários da fazenda atacada, ignorando, porém, quem
comandava o dito piquete, pois o grupo compunha-se de sessenta
bandidos; que o ataque direto à fazenda Serra Vermelha, capitaneado
pelo bandido Antônio Ferreira, irmão de Lampião; que o grupo, após o
ataque, rumou ao povoado de São Francisco, tendo ali pernoitado,
seguindo depois em direção de Santa Maria; que dias depois, por
instigação do cangaceiro Horácio Novaes, Lampião atacou a fazenda
Tapera, pertencente à família Gilo, tendo ele declarante, permanecido,
durante todo o tempo do ataque e assassinato de quatorze pessoas da
família Gilo, na estrada, sob o comando de Félix Caboje, no intuito de
evitar auxílio aos atacados; que assistiu dias mais tarde, quando o grupo
subia para o Sertão, o ataque de Leopoldina, onde morreram vários
soldados da Força Pública, em combate aos bandidos e esteve no lugar
Tigre, perto de Itacuruba, onde houve combate com a polícia, ficando
ferido Lampião, indo tratar-se em Poço do Ferro, propriedade de Ângelo
da Gia, para onde seguiu com uma pessoa de absoluta confiança,
enviada pelo mesmo Ângelo da Gia; que ali ficou Lampião se tratando,
tendo Antônio Ferreira, vindo com muita gente, a maior parte do grupo,
até a Vila de Betânia, onde o declarante largou o grupo, juntamente com
Firmino, Lavandeira e Barra Nova, veio até Barriguda; que ele,
declarante, e seu irmão Firmino, dirigiram-se ao Cariri, tendo em viagem
resolvido permanecer na fazenda Serrote, de Antônio Lucas, município
de Belmonte, onde estiveram, perto de um mês, que procuraram ele,
declarante, e seu irmão, ficarem debaixo da proteção do cidadão Antônio
Lucas, porque desde muito criança se conheciam e foram criados por
gente dos Lucas; que ali estiveram muitos dias, até quando Antônio
Lucas, resolveu mandá-los para a fazenda do Cel. Francisco Chicote no
Cariri; que ele, respondente, foi capturado pelo cabo Manoel Monteiro,
quando se encontrava em proteção do Cel. Chico Chicote, na fazenda
Pau Branco; que, quando foi preso, isto é, teve intimação de prisão só
não resistiu porque a casa onde encontrava-se não merecia confiança e
podia resultar algum mal a sua família, porém tinha certeza que se
tivesse resistido, seria auxiliado pelas retaguardas do pessoal do Cel.
Chico Chicote, pois assim estava tudo combinado. E como nada mais
declarou, deu-se por findo o presente auto, em que, depois de lido e
achado conforme vai assinado pelas autoridades e pelo cidadão João
Batista de Magalhães, arrogo do declarante, analfabeto. Comigo
Joaquim José do Nascimento, escrivão que o escrevi: (aa) Francisco
Menezes de Mello, João Batista de Magalhães, Joaquim José do
Nascimento. Está conforme o original, ao qual me reporto e dou fé.
Delegacia Regional da 6á Zona Policial em Vila Bela. 1° de julho de
1928. 0 Escrivão Joaquim José do Nascimento.
TELEGRAMAS POLICIAIS14
Ontem chegou portador para avisar que Lampião se acha com seu grupo
lugar caiçara, distante daqui cinco léguas, arrebanhando animais. Passei
toda noite emboscando e estou em Atalaia, evitar assalto esta vila. Agora
mesmo acaba de chegar pessoa de Samambaia, dizendo bandidos
estiveram ali ontem à tarde; saqueando casa comercial. Subdelegado
Cícero Bezerra, seguindo depois direção Jeritacó. Neste momento, fiz
seguir força juntar-se destacamento Jeritacó, fim dar combate
bandoleiro. Todos bandidos andam bem montados. Saudações - Cap.
Pedro Malta -, Comandante Força Volante. Enviado pelo capitão Pedro
Malta para o coronel comandante geral em Recife, em 21 de abril de
1926.
1/11/1935
6° - Sempre que se dominar uma região, por menor que seja o tempo de
tal dominação, satisfazer as reivindicações do povo (distribuição de
víveres, de roupa, dinheiro, ferramentas etc.), queimar a papelada dos
cobradores de impostos e dos juízes e polícia e se for possível, fazer o
comitê local distribuir a terra dos grandes latifúndios.
Dezembro de 1935
A tática de guerrilhas
A guerrilha é uma tática dos que veem pela frente um inimigo superior
em armamento e equipamento técnico. É a tática que permite às
populações oprimidas levarem avante com sucesso a luta contra o
opressor ou [ilegível] tomando-lhes as próprias armas e munições de que
necessitem. Atacando sempre de surpresa, utilizando seu profundo
conhecimento do terreno (em cada grupo, pelo menos dois de seus
membros precisam conhecer o terreno de ação como as palmas das
mãos), para atacar e esquivar-se aos ataques, utilizando o apoio da
população para acoitar-se quando acossado, ter sempre informações dos
movimentos do inimigo e deixar este sempre mal informado e andando
às apalpadelas, os guerrilheiros são invencíveis.
Informações
Cada grupo deve criar a rede mais ampla possível de ligações na região
de sua atuação. Quanto mais bem informado sobre os movimentos e
intenções do inimigo (volantes de polícia e bandos de capangas) melhor
poderão esquivar seus golpes e pegá-los de surpresa.
Armamento e munições
Em geral esse problema tem que ser resolvido à custa das forças da
reação (volantes e capangas). Nem um só fuzil deve ser abandonado,
senão quando for humanamente impossível conduzi-lo. Organizar
depósitos (no máximo 10 armas e 500 balas cada um) para esconder o
que não é imediatamente necessário, tomando a precaução de engraxar
as armas e resguardar da humidade tanto estas como as munições.
Movimento, surpresa
Serviço de saúde
1Ver Ranulfo Prata, Lampião (São Paulo, Traço, [s. d.]), p. 30.
2Idem.
4Ibidem, p. 87.
6Ibidem, p. 7.
Ibidem,p. 32.
34Termo que serve para designar tanto um pedaço de corda com o qual, nos
carros de boi, se amarram os fueiros, quando a carga é pesada, quanto
também a correia de couro cru que passa embaixo do pescoço do boi,
cingindo-o, e se prende pelas extremidades aos canzis da canga.
35Peça de relho cru, de três “pernas”, enrolada, que tem como função ligar a
canga ao cambão.
36Peças de relho cru, que têm como função segurar os bois pelos chifres.
siO Agreste “é uma região intermediária entre uma umidade e outra semi-
árida ou entre o mar e a Caatinga. É sub-úmida com temperatura mais
branda à noite; às vezes essa região participa das chuvas da Mata ou das
sobras de pluviosidade da caatinga; permite as culturas de gêneros
alimentícios, cereais, mandioca e até o tomate, como acontece com a
grande lavoura industrial em Pesqueira (PE). As chuvas são pouco mais
tardias do que no Sertão e menos irregulares. Os solos podem ser rasos, de
origem arqueana, como em Pernambuco e silicosos areníticos e profundos
como existem no agreste do Piauí. O Agreste do Piauí é todo em formação
sedimentar, com solo arenito ácido, úmido e tem abundância de água
subterrânea; a topografia é bem plana, o solo carece de corretivo e de
adubação para lavouras alimentares. A vegetação é de árvores espaçadas
com capim agreste por baixo. As gramíneas para os pastos têm certamente
impedido o crescimento de arbustos. O cajueiro (Anacardium occidentale
Linn), o faveiro, o piqui (Caryocar glabrum Pers), a carnaubeira
(Copernicia cerífera Mart), o tucum (Pyrenoglyphis Maraja Burret), são as
que mais ocorrem. Recebe a influência das chuvas do Maranhão (isoietas
de 800 a 900 mm). O agreste do Ceará tem pouca importância; é uma faixa
na serra do Araripe, depois da Mata, na orla cearense da serra, quando
caminhamos para o interior da chapada. Entre a Mata, parte chuvosa e a
Caatinga interior, está o Agreste, uma gleba estreita e longa, de solo muito
arenoso, fraco, de poucas possibilidades agrícolas, pois a água se encontra a
grande profundidade. O agreste do Rio Grande do Norte ou Potiguar, inclui
onze municípios desde Torres, segundo a isoieta de chuvas de 1.000 mm até
a divisa da Paraíba, próximo a Nova Cruz. A região parte das chuvas do
Brejo da Paraíba, desviadas pelos ventos que esbarram nos contrafortes da
Borborema; também a presença do mar influi na umidade atmosférica. O
solo é arenoso, amarelo, profundo, com água subterrânea, às vezes boa,
outras vezes salobra ou calcária. A topografia é plana e ondulosa, presta-se
a lavoura de grandes áreas. Os vales úmidos ou encharcados d’água. O
agreste paraibano situa-se nos municípios de Remígio e Esperança entre o
Brejo (Mata), os Cariris Velhos e o Curimataú. O clima é o da serra da
Borborema, com temperatura agradável e o ar meio úmido, vindo do
município de Areia. O solo é silicoso, ondulado e erodido. A vegetação
primitiva foi devastada e nos seus solos foi plan- tada a batatinha e o feijão.
Atualmente predomina a lavoura do agave. O agreste de Pernambuco,
envolve 27 municípios. O solo formado pela decomposição do granito e do
gnaisse é muito raso, já está erodido e depauperado e a vegetação nativa
encontra-se muito alterada na sua composição inicial. O agreste no
Nordeste ocupa 6.276.000 hectares, excluindo o agreste da Bahia”. Ver J.
Vasconcelos Sobrinho, As regiões naturais do Nordeste, o meio e a
civilização, cit., p. 183.
52Ibidem, p. 155.
“Idem.
54Idem.
56Ibidem, p. 5.
5SIbidem, p. 27.
74Idem.
8Idem.
Idem.
1°Ibidem, p. 3.
14Ibidem, p. 251.
15Ibidem, p. 252.
17Ver Nelson Werneck Sodré, A Coluna Prestes (São Paulo, Círculo do Livro,
[s. d.]), p. 11.
19Ibidem, p. 289.
22Ibidem, p. 171.
23Idem.
24A área total era de 15.717.994 hectares, possuindo uma área média de
33,95 hectares.
25Sua área total era de 48.555.545 hectares, com uma área média de 307
hectares.
36Ibidem, p. 28-9.
3’Ibidem, p. 30.
40Ibidem, p. 28.
41Ibidem, p. 29-40.
Éclaro que nem todo dono de escravos era, via de regra, membro dos estratos
sociais mais elevados. De acordo com João José Reis, “possuir escravos
não era coisa apenas de gente rica. Só os muito pobres não tinham escravo
algum”. Ele fala da Bahia (e especialmente Salvador), na primeira metade
do século XIX. Ver João José Reis, Rebelião escrava no Brasil. - a história
do levante dos malês em 1835 (São Paulo, Companhia das Letras, 2003), p.
31. Mas no Sertão, na segunda metade do século XIX, os escravos eram
uma minoria e de interesse econômico menor do que os trabalhadores
livres. No caso específico de Jesuíno Brilhante, pode-se dizer que ele não
fazia parte dos mais pobres, mas, ao que tudo indica, era originário de uma
família de posses.
4Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros (Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1981), p. 28; e Gregg Narber, Entre a cruz e a espada: violência
e misticismo no Brasil rural (São Paulo, Terceiro Nome, 2003), p. 123.
5De acordo com o padre José Kherle, citado em Aglae Lima de Oliveira,
Lampião, cangaço e Nordeste (Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1970), p. 128.
10Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 64.
13Ainda que não fosse a regra para grande parte da população, não era de
todo incomum que membros de algumas famílias de maior prestígio
tivessem uma educação diferenciada e um nível cultural mais alto que a
maioria do povo sertanejo da época, como, por exemplo, aquelas crianças
que estudavam em escolas de missionários presbiterianos norte-americanos,
que iam ao Sertão. Por isso, alguns garotos chegavam, de fato, a ler em
inglês. Vários membros da família Cueiros tiveram esse tipo de educação.
Ver David Cueiros, História da família Gueiros, disponível em:
<http://www.geocities.com/ davidgueiros/07-Novos_Confrontos.htm>.
Acesso em 26 abr. 2006. De acordo com Gustavo Barroso, Heroes e
bandidos, cit., p. 38, “raro era o sertanejo de melhor categoria que não
soubesse, regularmente, rudimentos de latim e retórica, filosofia e história”.
18É claro que pode haver diversas motivações diferentes para o ingresso no
cangaço. Quando se examina um fenômeno como o cangaceirismo,
contudo, deve-se tentar encontrar os fatores dominantes, a regra, e não as
exceções, ainda que estas possam ser interessantes para ilustrar de forma
mais ampla essa modalidade. De qualquer forma, para se ter uma ideia mais
específica dos distintos “tipos” de cangaceiros, ver a classificação
elaborada por Frederico Pernambucano de Mello em seu Guerreiros do sol,
cit.
I’Ibidem, p. 174.
31Ibidem, p. 185.
41Idem.
42Ver Geraldo Irenêo Joffily, O quebra quilo: a revolta dos matutos contra os
doutores, 1874 (Brasília, Thesaurus, 1977), p. 31-2.
43Ibidem, p. 32.
1Ver Fontes, Lampião na Bahia (Petrópolis, Vozes, 1988), p. 248. Para mais
informações sobre as mulheres no cangaço, ver Antônio Amaury Corrêa de
Araújo, Lampião: as mulheres e o cangaço (São Paulo, Traço, 1984);
Geraldo Maia do Nascimento, Amantes guerreiras: a presença da mulher no
cangaço (Mossoró, Fundação Guimarães Duque/Fundação Vingt-Un
Rosado, 2001); e Daniel Lins, Lampião, o homem que amava as mulheres
(São Paulo, Annablume, 1997).
2Esse foi o caso do ex-oficial das volantes, Optato Cueiros, que se casou com
uma parente, de doze anos de idade, e do cangaceiro Chico Pereira, que
conheceu sua esposa quando esta também tinha doze anos; casaram-se dois
anos depois, apenas. São muitos os casos similares.
VerGilberto Freyre, Vida social no Brasil nos meados do século XIX (Recife,
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais/Ministério da Educação e
Cultura, 1964), p. 117-9.
Ibidem,p. 117.
Ibidem,p. 220.
Ibidem,p. 161.
14Idem.
16Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros (Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1981), p. 140.
19Ibidem, p. 257.
22Ver Paulo Moraes e Barros, citado em Edmar Morél, Padre Cícero, o santo
de juazeiro (Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1946), p. 103.
26Ver Ranulfo Prata, Lampião (São Paulo, Traço, [s. d]), p. 52.
27Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 181.
31Idem.
31Idem.
46Ibidem, p. 160.
47Ver Ilda Ribeiro de Souza, Sila, memórias deguerra e paz (Recife, UFRPE,
1995), p. 34-5.
2Idem.
19Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros (Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1981), p. 79.
20Ibidem, p. 132.
23Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 132-3.
Um exemplo interessante nos dá José Anderson Nascimento quando narra a
entrada de Lampião em uma fazenda, em 1927, onde havia um penico de
louça azul e branco, com decoração floral, em cujo fundo se lia “Made in
England”, anéis, brincos, pulseiras, escravas de ouro, gargantilhas, broche
de platina e brilhantes, um barrete de diamantes, um rico colar de
esmeraldas e outras joias caras, um lenço de seda chinesa, 15 libras
esterlinas e dois relógios de bolso marca Patek. Ver José Anderson
Nascimento, Cangaceiros, coiteiros e volantes (São Paulo, ícone, 1998), p.
109-10.
27Grifo nosso.
28Grifo nosso.
34Ibidem, p. 174-5.
35Ibidem, p. 175.
31Grifo nosso.
39Grifo nosso.
42Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 242.
°Idem.
46Grifo nosso.
41Grifo nosso. Fica claro aqui que o bandoleiro se refere a “patrão” àqueles
fazendeiros e “coronéis” abastados os quais extorquia. Ou seja, ele
continuava vendo aqueles homens como uma casta privilegiada, que
mesmo sendo roubada por ele, ainda era considerada como respeitável. E
seria uma honra almoçar com a elite, mesmo que esta fosse sua vítima. Era
uma forma forçada de ser aceito por aqueles que considerava serem seus
superiores.
49Grifo nosso.
57Idem.
59Ibidem, p. 367.
62Ibidem, p. 75.
66Grifo nosso.
73Idem.
76Idem.
77Idem.
79Idem.
8°Ver Nilton Freixinho, O sertão arcaico do Nordeste do Brasil (Rio de
Janeiro, Imago, 2003), p. 46.
82Idem.
87Os exemplos são muitos. O coronel Exupério, de Rio das Contas, foi
expulso da GN, em 1870, assim como o coronel José Luís de Almeida
Couto, que perdeu o comando da Guarda. 0 Barão de Cotegipe foi instigado
pelos líderes do Partido Conservador do vale do médio São Francisco, em
1884, a conseguir uma distribuição em massa de títulos da Guarda
Nacional, para que fosse formado um “exército de apoio” em ano eleitoral.
E, em 1888, o Barão de Cambuí, de Minas Gerais, solicitou a restauração
de sua patente da GN, retirada pelos liberais. Ver Eul-Soo Pang,
Coronelismo e oligarquias, 1889-1934, cit., p. 29.
90Ibidem, p. 30.
91De acordo com Eul-Soo Pang, Coronelismo e oligarquias, 1889-1934, cit.,
p. 30-1, “um relatório oficial sobre a Guarda Nacional, em 1916, mostrou
que a proliferação do título de coronel alcançara proporções ridículas. O
federalismo administrativo da Primeira República criou muitos outros
cargos eletivos, alguns dos quais eram obtidos por designação, durante o
Império. Os políticos que aspiravam a cargos estaduais e federais
precisavam do apoio eleitoral dos chefes políticos locais, e a concessão de
títulos da Guarda Nacional era freqüentemente um meio positivo de obter
apoio. O ministro da Justiça, sob cuja jurisdição a Guarda permaneceu até
1917, fazia distribuições rotineiras de cargos, a pedido de governadores,
deputados federais, senadores, e outras pessoas com poder político. Em
1916, o Brasil tinha 231.044 oficiais em 8.778 brigadas. Só a Bahia tinha
420 brigadas, das quais 247 eram de infantaria, 114 de cavalaria, 10 de
artilharia, e o restante da reserva. Entre 1902 e 1914, o governo federal
distribuiu 11.369 postos entre os baianos. Em muitos casos, as pessoas
passavam por uma série de promoções de um posto inferior para outro
superior, freqüentemente comprando a nomeação. Em número de brigadas
da Guarda, Minas liderava o país, com 477 brigadas. Dois anos depois, o
ministro da Guerra Calógeras observou que o Brasil tinha 44.242 oficiais da
Guarda Nacional `em serviço ativo’; o Rio Grande do Sul liderava, com
5.908, São Paulo tinha 5.490 e a Bahia 5.020. Felizmente, esses oficiais
`serviam’ gratuitamente, sem nenhum ônus financeiro para o governo
federal”.
1°Ibidem, p. 22.
11Algo parecido já havia sido feito por Antônio Silvino, em escala muito
menor. Após uma discussão com Rio Preto, que se recusou a obedecer uma
ordem do chefe, e sem receber o apoio de Cocada na ocasião, Silvino
decidiu dividir seu grupo. Assim, Cocada começou a liderar um subgrupo,
composto por Rio Preto, Relâmpago, Nevoeiro e Barra Nova. E Silvino
continuou comandando Tempestade, Ventania, Dois de Arroz, Baliza e mais
quatro bandoleiros. Ver Sérgio Augusto de Souza Dantas, Antônio Silvino,
o cangaceiro, o homem, o mito (Natal, Cartograf, 2006), p. 76.
23Ver Luiz Luna, Lampião e seus cabras (Rio de Janeiro, Leitura, 1963), p.
29.
24Ibidem, p. 31.
25Ibidem, p. 32.
28Ver João Bezerra, Como dei cabo de Lampeão (Recife, Fundação Joaquim
Nabuco/Massangana, 1983),p. 62.
29Ibidem, p. 64 e 90.
31Ibidem, p. 180.
31Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 100.
33Ibidem, p. 46.
34Ibidem, p. 48.
35Ibidem, p. 52.
36Ibidem, p. 66-7.
37Ibidem, p. 89.
38Ibidem, p. 95-6.
39Ibidem, p. 155.
4oIbidem, p. 156-7.
41Ibidem, p. 159.
42Ibidem, p. 198.
43Ibidem, p. 233-4.
‘Ibidem, p. 234-5.
45Ibidem, p. 236-7-
46Ibidem, p. 261.
47Ibidem, p. 271.
41Ibidem, p. 306.
49Ibidem, p. 367.
5oIbidem, p. 338.
51Ibidem, p. 462-3.
52Ibidem, p. 335-6.
59Idem.
63Ibidem, p. 223.
69Ibidem, p. 266-7.
74Idem.
75Ibidem, p. 100.
71Idem.
81Ibidem, p. 104.
82Ibidem, p. 377-8.
85Ibidem, p. 115.
88Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 186.
90Ver Maria Isaura Pereira de Queiroz, História do cangaço, cit., p. 56. Ver
também José Anderson Nascimento, “Canhões e trincheiras na Praia
Formosa”, disponível em: <http://iaracaju.infonet.
com.br/asl/artigo_down.htm>. Acesso em 28 dez. 2009.
103Ibidem, p. 142-3.
104Ibidem, p. 151-3.
112Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 153.
113Idem.
117Foi isso, por exemplo, que fez Antônio Silvino na vila de Pilar, Paraíba.
Após entrar no povoado, no ano de 1904, dirigiu-se para o quartel, deteve o
carcereiro e um praça, pegou as chaves da cadeia e soltou seis prisioneiros.
Naquela situação, ele era quem dava as ordens na cidade. Ver Sérgio
Augusto de Souza Dantas, Antônio Silvino, o cangaceiro, o homem, o mito,
cit., p. 74. Há quem diga que durante vários anos, Jesuíno Brilhante teria
soltado de cadeias e prisões centenas de assassinos já condenados pela
Justiça local. Ver o comentário de Walter Wanderley em Raimundo Nonato,
jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico (Rio de Janeiro, Pongetti;
Mossoró, Fundação Vingt-Un Rosado, 1998), p. 160. Para Raimundo
Nonato, em _ jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, cit., p. 183: “O
ano de 1894 é exatamente o momento culminante das aventuras do
Brilhante, quando atacou a cadeia de Pombal. O número dos detentos a que
deu liberdade está conforme o processo: 43. Os presos eram 55. Deles, 12
não quiseram fugir, preferindo ficar como estavam. Os 43 que ganharam o
mundo, deles nunca mais ninguém deu notícia, pois nenhum, sequer, foi
recambiado. Os seus nomes e penas por que respondiam constam da relação
da carta precatória que foi dar às mãos do sub-delegado de Caraúbas,
pedindo a recaptura dos mesmos”.
119Idem.
120Ibidem, p. 81.
121Ibidem, p. 81-2.
124Ibidem, p. 261.
125Ibidem, p. 274.
126Ibidem, p. 275.
127Ibidem, p. 276-7.
2Ainda que esse procedimento fosse proibido a partir da década de 1810, pelo
príncipe regente D. João, a prática continuou ocorrendo no Brasil, mesmo
que não fosse dentro dos parâmetros da lei. Era uma prática menos
disseminada, mas de conhecimento da população e aceita socialmente.
6Idem.
15Ibidem, p. 44.
16Ibidem, p. 57.
24Ibidem, p. 180.
25Ibidem, p. 181.
26Ibidem, p. 215.
27Ver Ranulfo Prata, Lampião (São Paulo, Traço, [s. d.]), p. 72-3-
21Ibidem, p. 73.
29Idem.
30Ibidem, p. 73 e 75-
37Ver Vilma dos Santos Monteiro, Pequena história da Paraíba (João Pessoa,
Universitária UFPB, 1980), p. 35.
39Ver Alfredo Taunay, citado em Maria Idalina da Cruz Pires, Guerra dos
Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial (Recife,
UFPE, 2002), p. 31.
41Ver um artigo que discute, de forma breve, esse assunto, de Paulo Sérgio
Barros, “Cultura e resistência indígena na historiografia da conquista”, em
Clio, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, v. 1, n. 14, 1993, p.
207-9-
41Ver Vilma dos Santos Cardoso Monteiro, Pequena história da Paraíba (João
Pessoa, Universitária UFPB, 1980), p. 36.
42Ibidem, p. 66.
‘Ibidem, p. 49.
41Ibidem, p. 35.
46Ibidem, p. 59.
53Ver Gregório Varela Barreto, citado em Maria Idalina da Cruz Pires, Guerra
dos bárbaros, cit., p. 30.
54Ver Carlos Noronha, Cinco séculos do Rio Grande do Norte, cit., p. 29-30-
56Ibidem, p. 28-9.
57Ibidem, p. 29.
51Ibidem, p. 53-4.
61Ibidem, p. 187-8.
64Idem.
72Ver Geraldo Irenêo Joffily, O quebra quilo: a revolta dos matutos contra os
doutores, 1874 (Brasília, Thesaurus, 1977), p. 17.
73Idem.
“Ibidem, p. 144.
S0Ibidem, p. 185.
81Ibidem, p. 72.
85De acordo com o censo de 1811, havia na Paraíba 73.854 negros, mas
apenas 17.854 escravos. O número de escravos diminuiria para 12.988 um
ano mais tarde. Já Southey calculava, no mesmo período, de uma população
negra de 53 mil indivíduos, 17 mil escravos. Ver Djacir Menezes, O outro
Nordeste, cit., p. 143.
91Ibidem, p. 78.
98Ibidem, p. 84.
99Ver João José Reis, Rebelião escrava no Brasil. - a história do levante dos
males em 1835 (São Paulo, Companhia das Letras, 2003), p. 25. Por outro
lado, há o caso oposto. Após 1883, só houve mais uma contagem de
escravos em Pernambuco, que representou o último registro de escravos no
estado. As estimativas da população escrava nesse período foram feitas a
partir de “deduções” de escravos já falecidos ou de saídas “legais”, a partir
do primeiro censo. As cifras da década de 1880, portanto, eram
“imprecisas” e “exageravam” a real população de escravos naquela
província. Ver Peter L.Eisenberg, Modernização sem mudança, cit., p. 180.
101Grifo nosso.
102Ibidem, p. 19.
103Grifo nosso.
104Idem.
105Idem.
106Grifo nosso.
107Idem.
109Grifo nosso.
“‘Idem.
12O sistema de classificação “racial” no Brasil, nos séculos XVIII e XIX, por
exemplo, identificava uma diversidade grande de tipos dependendo da
tonalidade da pele, dos traços faciais, do tipo de cabelo e da posição social.
Assim, os indivíduos poderiam ser “classificados” como brancos, pardos,
mulatos, cabras, crioulos, mestiços, negros, pardos disfarçados, caboclos,
índios, brancos alvos, brancos morenos, brancos bastante morenos, brancos
bastante trigueiros, brancos trigueiros, brancos morenos macilentos,
brancos alvos e rosados, brancos bastante alvos, brancos e claros, brancos
claros e macilentos, brancos cor pálida, brancos corados, cabrinhas escuros,
cabras e trigueiros, cabras de cor preta, pardos claros, pardos alvos, pardos
trigueiros, pardos bastante trigueiros, pardos e bastante alvos, pardos pouco
trigueiros, pardos escuros, pardos pouco claros, pardos e bastante claros,
pardos disfarçados e trigueiros. Ver, por exemplo, Jocélio Teles dos Santos,
“De pardos disfarçados a brancos pouco claros: classificações raciais no
Brasil dos séculos XVIII-XIX”, em Afro-Ásia, Salvador, Universidade
Federal da Bahia, n. 32, 2005.
116Ibidem, p. 17-9.
117Ibidem, p. 54.
118Ibidem, p. 71.
119Ibidem, p. 72.
126Ibidem, p. 58.
128Ibidem, p. 200.
135Grifo nosso.
136Ibidem, p. 126.
137Ibidem, p. 127.
145Ibidem, p. 146.
146Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 239-
148Ibidem, p. 261.
149Idem.
151Idem.
152Ibidem, p. 389.
153Idem.
154Ver Antonio Xavier de Oliveira, Beatos e cangaceiros, cit., p. 127.
155Ibidem, p. 131.
157Idem.
159Idem.
160Ibidem, p. 181.
162Ver José Vieira Camelo Filho, Lampião, o sertão e sua gente (Campo
Grande, Editora da UFMS, 2001), p. 116.
164Idem.
167Ibidem, p. 278-9.
169Ibidem, p. 66.
176Ibidem, p. 40.
177Ibidem, p. 67.
178Ibidem, p. 75.
179Idem.
180Idem.
181Idem.
182Ibidem, p. 81.
183Idem.
184Ibidem, p. 142.
185Idem.
186Ibidem, p. 144.
187Idem.
188Ibidem, p. 149.
189Idem.
192Idem.
195Grifo nosso.
196Grifo nosso.
197Ver laudo do Dr. Lages Filho, citado em João Bezerra, Como dei cabo de
Lampeão (Recife, Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 1983), p. 253-4.
6Ibidem, p. 36.
7Ibidem, p. 36-7.
12Ibidem, p. 47.
13Idem.
14Idem.
15Ibidem, p. 48.
16Ibidem, p. 49.
18Ibidem, p. 33.
19Idem.
23Ver Sudene, Plano integrado para o combate preventivo aos efeitos da seca
no Nordeste (Recife, Sudene, 1973), p. 21.
24Para mais informações sobre os ciclos de secas, ver José Alfredo Leite, A
sócio-economia do semiárido (João Pessoa, Governo do Estado da Paraíba,
1985), p. 15.
25Para ilustrar essa questão podemos citar vários casos de flagelados e saques
no Nordeste em épocas de secas entre 1979 e 1982. Em abril de 1979,
50.000 flagelados no Ceará fizeram o governo decretar emergência; naquela
ocasião, 300 flagelados invadiram a cidade de Mombaça; no Rio Grande do
Norte, 100 flagelados invadiram São José da Penha; em abril de 1980,
ocorreram saques às feiras e comércio de Garrotes, Itapurunga e Itaperoá,
Paraíba, enquanto 1.600 flagelados se reuniram nas ruas de Irauçuba,
Ceará, para pedir trabalho e comida; em maio do mesmo ano, 60 mulheres
comandaram saques em Diamante, Paraíba, havendo ainda invasões a mais
cinco outras cidades do estado; ainda em maio de 1980, mil flagelados
invadiram um posto de abastecimento de alimentos em Sobral, Ceará; em
junho de 1980, o prefeito de Mari informou que o comércio da cidade havia
sido invadido por flagelados e em agosto, é organizado o “Congresso da
Fome” com dois mil agricultores, na Paraíba; em março de 1981, uma
multidão de famintos saqueia todos os alimentos da feira de Uburetama,
Ceará; no mesmo mês, o município de Itapiroca é invadido três vezes,
Cratéus foi ameaçada de invasão por 800 pessoas famintas, as sedes dos
municípios de Tabosa e Independência foram saqueados por “multidões
famintas”, 4.000 flagelados saquearam a região de Inhames, Pacaembu, 700
flagelados invadiram um posto médico em Redenção e mais 11 cidades
cearenses foram invadidas; em abril de 1981, a cidade de Conceição,
Paraíba, foi invadida por 500 flagelados e 600 pessoas invadem Morada
Nova, no Ceará, saqueando completamente o mercado público; e em maio
de 1981, em torno de 1.500 indivíduos invadem a cidade de Pombal, na
Paraíba, também cometendo saques e roubos. Estes delitos, como se pode
perceber, foram cometidos por sertanejos desesperados e famintos, e não
por bandidos comuns ou cangaceiros. Ver José Alfredo Leite, A sócio-
economia do semi-árido, cit., p. 40-1. Um relato dramático sobre as secas
no Nordeste no começo dos anos 1980 pode ser encontrado em Ivo Patarra,
Fome no Nordeste brasileiro (Rio de Janeiro, Marco Zero, 1982).
27Para Marco Antonio Villa, em Vida e morte no sertão: história das secas no
Nordeste nos séculos XIX eXX (São Paulo, Ática, 2000), p. 66-7: “com a
desestruturação das famílias e dos valores sociais, a prostituição
transformou-se em moeda corrente”. De fato, separadas dos pais,
precisando sobreviver na cidade grande, muitas meninas, crianças magras e
doentes, se prostituíam ou em certos casos, eram até mesmo estupradas,
com a complacência das autoridades. Em alguns momentos, essas garotas
eram traficadas pelos pais, e em outros, as próprias esposas (estas mulheres
adultas) também vendiam o corpo nas ruas em troca de um prato de
comida.
29Idem.
31Grifo nosso.
32Idem.
34Idem.
35Ibidem, p. 21.
37Ibidem, p. 143.
41Ibidem, p. 84.
47Ibidem, p. 86.
49Ibidem, p. 285.
51Ibidem, p. 286.
52Ibidem, p. 29.
s3De acordo com Tomaz Pompeu Sobrinho, História das secas, cit., p. 30:
“somente pelo porto desta Capital saíram para o estrangeiro
aproximadamente 509.000 couros, pesando 3.439 toneladas. Em maio do
ano seguinte (1916) a exportação elevava-se já a 633.023 couros de bovinos
adultos, afora um estoque que se verificou montar a 1.619, e cerca de 25%
não aproveitados no comércio, ascendendo o total a 793.203 unidades”.
54Ibidem, p. 33.
55Ibidem, p. 34.
56Idem.
61O rio Pajeú, importante afluente do São Francisco, com uma extensão de
aproximadamente 430 km, nasce na lagoa do Freire (município de São José
do Egito) e corta diversas cidades do estado, entre as quais, Tuparetama,
Ingazeira, Afogados de Ingazeira, Serra Talhada, Pajeú e Floresta.
62Ibidem, p. 76-7.
72Ibidem, p. 81.
73Ibidem, p. 49.
74Idem.
75Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 187.
77Idem.
79Grifo nosso.
85Ibidem, p. 295.
2Rui Facó diria que “o cangaceiro e o fanático eram os pobres do campo que
saíam de uma apatia generalizada para as lutas que começavam a adquirir
caráter social, lutas, portanto, que deveriam decidir, mais cedo ou mais
tarde, de seu próprio destino. Não era uma luta diretamente pela terra, mas
era uma luta em função da terra - uma luta contra o domínio semi-feudal…
Naquela sociedade primitiva […] até mesmo uma forma de rebelião
primária, como era o cangaceirismo, representava um passo à frente para a
emancipação dos pobres do campo. Constituía um exemplo de insubmissão.
Era um estímulo às lutas”. Ver Rui Facó, Cangaceiros e fanáticos (Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1963), p. 37-8. Ver também Carlos Alberto
Dória, “O Nordeste, `problema nacional’ para a esquerdá’, em João
Quartim de Moraes e Marcos del Roio (orgs.), História do marxismo no
Brasil, Visões do Brasil (Campinas, Editora da Unicamp, 2007, v. 4), p.
271-91.
3Ver Décio Freitas, Os guerrilheiros do Imperador (Rio de Janeiro, Graal,
1978), p. 166.
4Ver Lincoln Secco, Caio Prado júnior, o sentido da revolução (São Paulo,
Boitempo, 2008), p. 34-6; e Edgard Carone, “O marxismo no Brasil, das
origens a 1964”, em Lincoln Secco e Marisa Midori Deaecto (orgs.),
Leituras marxistas e outros estudos (São Paulo, Xamã, 2004), p. 17-74.
1°Ibidem, p. 97.
12Ibidem, p. 103.
13O programa da ANL defendia a suspensão definitiva das dívidas
imperialistas do Brasil, por considerálas já pagas, e a aplicação da quantia,
assim retida, em benefício da população; a nacionalização imediata de todas
as empresas imperialistas, por considerá-las “arapucas”, para as quais os
brasileiros trabalhavam como cães, enquanto seus lucros iam para o bolso
de magnatas estrangeiros; a proteção aos pequenos e médios proprietários e
lavradores, com a entrega de terras dos grandes proprietários aos
“camponeses” e trabalhadores rurais que as cultivavam, por considerarem
que haviam sido eles os que as valorizaram com seu trabalho e que,
portanto, seriam seus únicos e legítimos proprietários; o gozo das mais
amplas liberdades populares pelo povo brasileiro, nele incluído os
estrangeiros que trabalhavam no país, e que eram explorados como os
nativos; e a constituição de um governo popular orientado somente pelos
interesses do povo brasileiro e do qual poderia participar qualquer pessoa
na medida da eficiência de sua colaboração. Ver Abguar Bastos, História da
política revolucionária no Brasil (Rio de Janeiro, Conquista, 1973, v. II), p.
47-8.
17De acordo com Marcos del Roio, “em abril de 1928 foi convocada uma
conferência regional para reorganizar a direção partidária do PCB em
Pernambuco, para discutir a formação do BOC - que no entanto manteve a
denominação de Coligação Operária - e tentar rearticular a União Geral dos
Trabalhadores, que sucumbira sob os golpes da repressão desencadeada
após a promulgação da Lei Celerada. A organização era formada pela União
de Resistência, Carvão, Moinho, Panificadores, Agulheiros e duas
representações do interior do Estado; a influência nas usinas de açúcar era
irrelevante. Concomitante ao ataque ao movimento sindical de influência
comunista e anarco-sindicalista, o Estado começou a estimular, através das
delegacias de polícia, uma corrente amarela no meio operário, que até então
não existia”. Assim, “lenta, mas firmemente, foi se formando em Recife e
em Pernambuco, em geral, um grupo dirigente adequado às condições
históricas do Nordeste, que assumiu até as últimas conseqüências a política
de amplas alianças sociais”. E então: “No Nordeste, havia ainda alguns
comunistas espalhados em Alagoas e Bahia, mas que lutavam com grandes
dificuldades para se organizarem, preferindo encaminhar, em alguns casos,
para outros estados”. Ver Marcos Del Roio, A classe operária na revolução
burguesa: a política de alianças do PCB, 1928-1935 (Belo Horizonte,
Oficina de Livros, 1990), p. 68-9. Já para mais informações sobre a
organização do PCB em Mossoró, no Rio Grande do Norte, ver Brasília
Carlos Ferreira, O sindicato do garrancho (Mossoró, Departamento
Estadual de Imprensa/Fundação Vingt-Un Rosado), 2000. E
especificamente em Pernambuco, ver Michel Zaidan Filho, “Notas sobre as
origens do PCB em Pernambuco: 1910-1930”, in Michel Zaidan Filho,
PCB (1922-1929), na busca das origens de um marxismo nacional (São
Paulo, Global, 1985), p. 31-43.
19Idem.
20Ibidem, p. 262.
21Ibidem, p. 267.
23Ibidem, p. 268.
24Ibidem, p. 270.
25Ibidem, p. 272-3.
29Idem.
32Para mais informações sobre a Coluna Prestes, ver Anita Leocádia Prestes,
A Coluna Prestes (São Paulo, Brasiliense, 1990); Nelson Werneck Sodré, A
Coluna Prestes (São Paulo, Círculo do Livro, [s. d]); Neill Macaulay, A
Coluna Prestes (Rio de Janeiro e São Paulo, Difel, 1977); e Anita Leocádia
Prestes, Uma epopéia brasileira: a Coluna Prestes (São Paulo, Moderna,
1995). Uma crítica à atuação da Coluna Prestes foi feita por Leôncio
Basbaum, em História sincera da República (São Paulo, Fulgor, 1968). De
acordo com esse autor, a Coluna deveria servir de modelo de como não
fazer uma incursão desse gênero, já que havia uma ausência de um mínimo
de unidade ideológica, ausência de objetivos políticos concretos e de um
programa mínimo, não houve ocupação de cidades, e ausência de contatos
com o povo dos sertões, que, normalmente, fugia quando a Coluna entrava
em uma região.
37Idem.
3°Ibidem, p. 232.
42Ver carta de Padre Cícero a Luiz Carlos Prestes, citada em Edmar Morél,
Padre Cícero, o santo de Juazeiro, cit., p. 131-3.
4sIdem.
12O rei de Portugal, D.Sebastião, estava convencido de que a Coroa lusa teria
de intervir na sucessão dos governantes da África. Decidiu, sem apoio
popular, invadir o Marrocos. Felipe II da Espanha ainda alertou o jovem
monarca lusitano que a empresa era arriscada, mas Sebastião não lhe deu
ouvidos. Ele desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Desde
então, criou-se uma lenda de que algum dia ele retornaria. Essa história
atravessou o Atlântico e chegou até o Sertão nordestino, onde D.Sebastião
continuou sendo visto por muitos sertanejos como uma figura quase divina,
que voltaria para “salvar” o povo e trazer justiça para as pessoas mais
pobres. Para uma discussão sobre o sebastianismo e o messianismo
sertanejo, ver Gregg Narber, Entre a cruz e a espada: violência e misticismo
no Brasil rural (São Paulo, Terceiro Nome, 2003).
19Ibidem, p. 81.
20Ver Gilberto Freyre, Vida social no Brasil nos meados do século XIX
(Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais/Ministério da
Educação e Cultura, 1964), p. 94.
26Ibidem, p. 429.
27Ver Ilda Ribeiro de Souza, Sila, memórias de guerra e paz (Recife, [s. n.],
1995), p. 33.
28Ver, por exemplo, Ilda Ribeiro de Souza e Israel Araújo Orrico, Silo, uma
cangaceira de Lampião (São Paulo, Traço, 1984), p. 50. Em realidade, os
sertanejos e cangaceiros se utilizavam de dezenas de orações, como a
oração preciosa, a oração poderosa, a oração reservada, a oração do rio
Jordão, a oração de Santa Catarina, a oração de São Jorge, a oração do anjo
Custódio, a oração das doze palavras ditas e retornadas, o creio-em-cruz, o
força-do-credo, o credo às avessas, o rosário de Santa Rita, a oração da
cabra preta, a oração da pedra cristalina, a oração das estrelas, a oração do
sonho de Santa Helena, a oração de São Silvestre, a oração de São Bento, a
oração das 34 almas, a oração das 9 almas, a oração do Salvador do mundo,
a oração de Santo Agostinho, a oração da beata Catarina, a oração de
fiança, a oração de Nosso Senhor Jesus Cristo e a oração da virgem
prodigiosa.
31Ver José Vieira Camelo Filho, Lampião, o sertão e sua gente (Campo
Grande, Editora da UFMS, 2001), p. 22. Ainda que seja mais difícil
encontrar indícios de cangaceirismo no Piauí, houve casos de banditismo
rural naquele estado. O chefe de polícia do Ceará recebia ordens do
presidente da província Silveira da Mota para que suas tropas de Ipu e São
João do Príncipe mantivessem ligação constante com as autoridades
policiais do Príncipe Imperial no Piauí, para saber a direção tomada pelos
bandidos que atravessavam as divisas. Essa resolução era comunicada a
José Antônio Saraiva, presidente do Piauí. Os bandidos eram avisados pelos
cidadãos das movimentações dos destacamentos policiais. Por isso, esses
trabalhadores rurais eram presos e enviados para servir no exército. Na
década de 1850, as forças policiais cearenses atravessavam, de comum
acordo, as divisas com o Piauí, para perseguir cangaceiros naquela
província. Ver Abelardo F.Montenegro, Fanáticos e cangaceiros (Fortaleza,
Henriqueta Galeno, 1973), p. 226-7.
31Ibidem, p. 26-8.
32Ibidem, p. 31.
36Ibidem, p. 134.
16Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros (Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1981), p. 139.
51Ibidem, p. 80-1.
53Idem.
55Ibidem, p. 132.
61Ibidem, p. 141.
62Idem.
63Ibidem, p. 143.
64Ibidem, p. 175.
68Ibidem, p. 199.
69Ibidem, p. 201.
70Ibidem, p. 286.
71Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros, cit., p. 238.
73Ibidem, p. 444.
79Idem.
Deacordo com Edmar Morél, Padre Cícero, o santo de juazeiro, cit., p. 150-1:
“toda a vida aventurosa do jovem caudilho, ele acompanha com desvelo
[…] À margem da famosa carta aberta de Sandino aos governos de quinze
repúblicas latinas, denunciando o capitalismo americano, representado por
meia dúzia de magnatas, o sacerdote escreve: `É a palavra de um homem de
tormentosa experiência patriótica’. O seu entusiasmo pelo herói da
Nicarágua não tem limites. O retrato de Sandino é visto várias vezes no
álbum e a notícia de que os mexicanos querem impedir a visita de Herbert
Hoover, presidente eleito dos Estados Unidos ao México, merece um lugar
de destaque […] Mais moço e não estivesse preso aos dogmas da Igreja, à
qual jura obediência e procura servir com dedicação, embora atrozmente
perseguido pelos seus colegas de sacerdócio, o cura, diante das sucessivas
concessões de áreas de terras brasileiras a estrangeiros, teria sido um líder
em defesa da soberania nacional”.
81Ibidem, p. 204.
82Ibidem, p. 155.
87Ibidem, p. 77.
89Ibidem, p. 76-7.
91Idem.
`Ibidem, p. 403.
94Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião: o rei dos cangaceiros, p. 109 e 135.
95Ibidem, p. 135.
97Ibidem, p. 406.
98Ibidem, p. 407.
99Ibidem, p. 408.
CONCLUSÕES
4Ver Marco Antonio Villa, Vida e morte no sertão: história das secas no
Nordeste nos séculos XIX e XX (São Paulo, Ática, 2000), p. 48.
5Ver Jorge Villela, O povo em armas (Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2004),
p. 106.
6Ibidem, p. 106-7.
8Ibidem, p. 80.
9Ibidem, p. 108.
12Ver Billy Jaynes Chandler, Lampião, o rei dos cangaceiros (Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1981), p. 134.
19Grifo nosso.
21Ibidem, p. 250.
23Idem.
DOCUMENTOS
2Ibidem, p. 138-9.
4Ibidem, p. 398-401.
sIbidem, p. 50-2.
Ibidem,p. 56-8.
“Ibidem, p. 83.
13Ibidem, p. 311-4.
14Ibidem, p. 284-5, 297, 300, 316, 321, 327-9, 331, 344-5.
16Ibidem, p. 278-95.
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