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ANOMALIAS E PARADOXOS DA TEORIA NEWTONIANA DA GRAVITACAO LOURENGO CINDRA RESUMO - Neste trabalho, procura-se, partindo de um ponto de vista histérico abordar alguns des paradoxos mais famosos da teoria da gravitagdo newtoniana, quando aplicada a um universo infinito, tais como 0 paradoxo cosmolégico ou paradoxo de Olbers, como também o paradoxo gravitacional, mais conhecido como paradoxo de Seliger. Discute-se também o problema das anomalias planetérias, destacando-se o desvio secular do periélio de Merciiio, como também as alterativas que foram propostas para éliminar estas anomalias e os paradoxos da tearia newtoniana. Finalmente, ainda no dmbito desta problemética, é feito um comentério geral sobre o problema da propagagao da interagdo gravitacional, mostrando as tentativas que foram feitas para levar em Conia este possivel aspecto da gravitagao ¢ a sua correlag&o com os paradox e anomalias ‘gravitacionais, Mostra-se, por outro lado, que todas estas tentativas, de um modo ou de ‘outro, falharam, até que com 0 surgimento da Relatividade Geral, howve uma profunda ‘mudanga conceitual, e um novo enfoque foi dado a estas questbes ABSTRACT - In this paper, an attempt is made in order to present from an historical point of view some famous paradoxes of the Newtonian theory of gravitation, when itis ‘applied to-an infinite universe, such as the cosmological paradox or Olbers' paradox and the gravitational paradox or Seeliger’s paradox. A discussion is also made presented conceming the planetary anomalies, in particular the secular shift of the perihelion of Mercury, as well asthe solutions that were proposed in order to eliminate the anomalies and overcome the paradoxes of the theory. Finally, @ general survey is presented of the question concerning the propagation ofthe gravitation. Several attempts were made to take care of this possible aspect of the gravitation, ‘modifying the Newtonian theory so that at same time the anomalies and paradoxes should be overcome. On the other hand, itis showed that all these attempts failed, until the appearance of the General Theory of Relativity: which gave another ireatment to these questions INTRODUCGAO (Oprimeiro grande triunfo da teoria newtoniana se deu com a confirmagao da periodicidade docometa de Halley. Edmond Halley (1656-1742) havia mostrado que as aparigdes dos cometas em 1531, 1607 e 1682 cram na realidade aparecimentos peridiicos de um mesmo objeto, Sendo assim, ele deveria reaparever por Revista da SBHC, n. 16, p. 53-60, 1996 volta de 1758. De fato ainda que com um pequeno atraso. 0 cometa voltou a ser visto em 1759. 0 aparecimento deste cometa j havia sido motivo de panico para as populagées da Europa medieval. No entanto, como firma Vizguin, a teoria newtoniana da gravitagdo, durante aproximadamente um séulo, permaneceu no nivel de uma hipdtese verosimil. Anomalias ao movimento de JGpiter e Saturno, como também algumas diserepancias nos movimentos da Lua, dificulavam a aceitago da teoria. Lakatos, assevera que no decorrer desse primeiro periodo de existéncia da teoria, ela se viu mergulhada num ‘oceano de anomalias. Mas, que devido &insisténcia dos newtonianos, as dificuldades acabaram sendo vencidas. Euler ¢ Lagrange conseguiram demonstrar que as variagdes observadas nas 6rbitas de Iipiter « Saturno no cram seculares. las, na realidade, eram peridicas, mas com grandes periodos de duragao. E Laplace, fazendo uso da eora das perturbagGes (1787) conseguiu apresentar uma expicagio matemtica completapara aaccleraglo andmala da Lua. Em meados do séeulo XIX, a teoria newtoniana da gravitagao demonstrava convincentemente sua efetividade, principalmente apés os trabalhos de Le Verriere Adams, levando a descoberta do planeta Netuno (1845-1846) No entanto, 0 momento de seu maior triunfo foi também quando ela comegou a mostrar uma certa vulnerabilidade. O mesmo Le Verrier acabava de descobrir um desvio secular andmalo no periétio do planeta Mereirio, ‘TENTATIVAS PARA EXPLICAR O DESVIO ANOMALO DO PERIELIO DEMERCURIO Em 1859, Urbain Le Verrier (1811-1877) publicava novos célculos sobre a érbita de Mereiirio, nfo ‘encontrando explicagio para um excesso secular de 39” de desvio no periéliodeste planeta (ver Bergmann, 1992, p. 118). Diversas tentaivas foram feitas no sentido de explicaresta anomalia. A principio, Le Verrier propés duas explicagées alternativas: O desvio seria causado pela existéncia de um planeta entre a 6rbita, de Mercirio, e 0 Sol. Este planeta hipotético chegou a ser chamado por ele de Vulcano, nao sendo, contudo, observado pelos astrSnomos.Outra hipstese seria um anel de asterdides também entre a érbita, de Mercirioe o Sol, Outros astrOnomos chegaram a propor a hip6tese da nio esfericidade do Sol. Por um ‘motivo ou outro, todas essas tentativas falhavam (ver Roseveare, 1982. Will, 1987). Segundo Roseveare, em 1872, Felix Tisserand torna-se sucessor de Le Verrier, no observat6rio de Paris, e em 1882, publica um longo trabalho sobre o de Mercifrio, dando preferéncia pela hipétese dos asterdides. Outraalternativa apresentada consistia na possibilidade de alterar a tcoria newtoniana, Tisserand (1872) supSs que a lei da gravitagdo tivesse a mesma forma da lei de Weber anteriormente proposta para acletrodinamica: F=GmMfr'(t - (Ish? (arid) + 2uh? Pride}, sendo Ga constante gravitacional, m a massa do planeta, M a massa do sol, ra distancia do planeta até 0 Sola velocidade de propagagdo da gravitacio (ver Whittaker, op. cit . 201-208, 1989). Esta lei de forga pode ser obtida a partir do potencial U=GMir(1 - Undid, ‘Tisserand, supondo h igual & velocidade da luz, encontrou apenas 14°, para o desvio andmalo do periglio de Mercsirio. A. Hall (1894) diz que Le Verrier havia achado um valor de 38" no periliode Merctrio, mas que mediges posteriores mais precisas feitas por Newcomb mostraram ser o desvio de 43” por século, Neste artigo, ele discute a questio das ir hipsteses alternativas para a explicaglo do fendmeno. explicagao planetaria, hipstese de Tisserand (lei de Weber) e hipétese da nio esfericidade do sol. No caso dda hip6tese de um planeta intramercurial, ele cita as supostas descobertas de Dt. Lescarbault - 1859 Revista da SBHC, n. 16, p. 53-60, 1996 84 (perfodo de 20 dias). planetas previa descobertos pelo Prof. Watson e Swift (1878). Nenhuma delas foi confirmada. Quanto 4 hipstese de Tisserand (lei de Weber), ela $6 dé conta de uma parte do desvio observado, Por outro lado, as observagbes astronémicas pareciam comprovar que o Sol é praticamente esférico. Considerando todos estes fatos, Hall mostrou estar propenso a aceitar a sugestio de Bertrand (1873) de modificar a lei de Newton, do inverso do quadrado da distancia: F=G m,mJt. Introduzir uma expresso mais geral, da forma EGmmy No caso de pequena excentricidade da 6rbita do planeta, 0 Angulo entre 0 raio minimo eo maximo seria =n. ara n-=-2, correspondendo lei de Newton, teriamos| Hall diz que, tomando o valor do desvio do perelio igual a 43°, encontrariamos n = -2,00000016. E que ‘2 questdo seria examinar o efeito desta mudanga da lei da gravitagao nos outros elementos da drbita, ‘Simon Newcomb (1895) alirmava que o periglio de Mercifrio nao era o nico elemento, cuja variago secular no podia ser satisfatoriamente representado pela teoria existente. © movimento dos nds de ‘Venus também se inclufa na categoria de efeitos que ndo podiam ser explicados pela teoria, E que nem planeta intramercurial, nem luz zodiacal, nem 0 desvio da gravitagao de sua lei usual poderia explicar 0 desvio secular do periélio de Merctrio. Ele entio dizia ser favoravel & existéncia de um anel de asterdides, entre as Grbitas de Merciirio e de Venus. Segundo Roseveare, a principio Newcomb chegou ase interessar pela hipotese de Hall, mas foi forgado a abandoné-la, devido a sua incapacidade de fornecer o movimento correto da Lua. E que 0 astrOnomo que mais convenceu os cientistas da época foi Seeliger com sua hipétese de luz zodiacal. O astrdnome italiano J. D. Cassini, comentou sobre a chamada luz zodiacal em 1683. Para explicaco do fendmeno, ele sugeriu em 1730 a existéncia de um grande nimero de pequenas particulas em volta do Sol. A hipétese de luz zodiacal foi apresentada por Seeliger em 1906. Anteriormente (1895), Seeliger havia proposto uma alteragao da lei de Newton, que seria capaz de explicar o avango do periélio de Mercirio. Esta altemnativa proposta por Secliger sera discutida na proxima segaio deste artigo. PARADOXOS COSMOLOGICOS DA TEORIA NEWTONIANA. ‘© modelo de universo predominante ao longo do século XIX era um modelo baseado na idéia de um tuniverso infinito e homogéneo no espace e invarkével no tempo (modelo estacionério). A geometria deste universo era suposta ser a geometria euclidiana. Vamos chamar este modelo cosmol6gico de modelo estacionério homogéneo euclidiano (EHE). A primeira vista, parecia ser este modelo do universo um. modelo razodvel e compativel com as observagées astrondmicas, que vinham sendo realizadas desde os dias de Galileu. A infinitude do universo, embora ndo estivesse de acordo com o bom senso da astronomia antiga, passou a tornar-se de acordo com 0 bom senso dos tempos modernos, visto que 0 senso comum, depois de Copérnico foi sendo reeducado, Quanto & invariancia temporal do universo, ela jé era aceita desde Aristoteles, Como escreveram Misner et ali. (1973, p. 707): “A permanéncia do Universo era uma (questo de fé da filosofia ocidental. Os céus duram de uma eternidade a outra”, No entanto, este modelo de universo passou a deparar com uma série de dificuldades. Uma delas era ‘ochamado paradoxo de Olbers-Cheseaux, Este paradoxo foi formulado em 1744 pelo astrénomo suigo JP. LL. Cheseaux ¢ independentemente em 1826,pelo astrOnomo alemao Heinrich Wilhelm Matthias Otbers (1758-1840) Ele é atualmente conhecido como paradoxo de Olbers-Cheseaux. O paradoxo resultava da contradigo aparente entre 0 modelo EHE e o fato astrondmico mais antigo jé observado: o céu se torna escuro quando 0 Sol se pe. A infinitude do universo e a homogeneidade da distribuigdo espacial das, estrelas levaria a supor que o céu noturno fosse to iluminado quanto a superficie do Sol. Exatamente 0 contrario do que comumente se observa, De fata, representando por L a luminosidade absoluta de uma estrela © por I= Lime, a sua Revista da SBHC, n. 16, p. $3-60, 1996 55

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