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METODOLOGIA DO ENSINO DE

HISTÓRIA
Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

graduação
PEDAGOGIA

MARINGÁ-pr
2012
Reitor: Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho
Presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância

Diretoria do NEAD: Willian Victor Kendrick de Matos Silva


Coordenação Pedagógica: Gislene Miotto Catolino Raymundo
Coordenação de Marketing: Bruno Jorge
Coordenação Comercial: Helder Machado
Coordenação de Tecnologia: Fabrício Ricardo Lazilha
Coordenação de Curso: Márcia Maria Previato de Souza
Supervisora do Núcleo de Produção de Materiais: Nalva Aparecida da Rosa Moura
Capa e Editoração: Daniel Fuverki Hey, Fernando Henrique Mendes, Jaime de Marchi Junior, Luiz Fernando Rokubuiti e
Thayla Daiany Guimarães Cripaldi
Supervisão de Materiais: Nádila de Almeida Toledo
Revisão Textual e Normas: Cristiane de Oliveira Alves, Gabriela Fonseca Tofanelo, Janaína Bicudo Kikuchi, Jaquelina
Kutsunugi e Maria Fernanda Canova Vasconcelos.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - CESUMAR


CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação
a distância:

C397 Metodologia do ensino de história/ Priscilla Campiolo Ma-


nesco Paixão - Maringá - PR, 2012.
228 p.

“Graduação em Pedagogia - EaD”.




1. Metodologia de ensino. 2. Ensino superior. 3. História.
4.EaD. I. Título.

CDD - 22 ed. 372.89
CIP - NBR 12899 - AACR/2

“As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites PHOTOS.COM e SHUTTERSTOCK.COM”.

v. Guedner, 1610 - Jd. Aclimação - (44) 3027-6360 - CEP 87050-390 - Maringá - Paraná - www.cesumar.br
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METODOLOGIA DO ENSINO DE
HISTÓRIA

Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão


APRESENTAÇÃO DO REITOR

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos.
A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para
liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no
mundo do trabalho.

Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos
nossos fará grande diferença no futuro.

Com essa visão, o Cesumar – Centro Universitário de Maringá – assume o compromisso


de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos
brasileiros.

No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas


do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária” –, o Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-ex-
tensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que
contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade.

Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de referên-
cia regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de compe-
tências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão
universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação
da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social
de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também
pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação
continuada.

Professor Wilson de Matos Silva


Reitor

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Caro aluno, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). Tenho a certeza de que no Núcleo de
Educação a Distância do Cesumar, você terá à sua disposição todas as condições para se
fazer um competente profissional e, assim, colaborar efetivamente para o desenvolvimento da
realidade social em que está inserido.

Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o
seu processo de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação,
determinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas
necessidades, dispomos de uma equipe de profissionais multidisciplinares para que,
independente da distância geográfica que você esteja, possamos interagir e, assim, fazer-se
presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.

Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente,
você construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada
especialmente no ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do
material produzido em linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de
estudo, enfim, um mundo de linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para
a sua aprendizagem. Assim sendo, todas as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu
processo de formação, têm por intuito possibilitar o desenvolvimento de novas competências
necessárias para que você se aproprie do conhecimento de forma colaborativa.

Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os
textos, fazer anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos
fóruns, ver as indicações de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados,
pois tais atividades lhe possibilitarão organizar o seu processo educativo e, assim, superar os
desafios na construção de conhecimentos. Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe
estendo o convite para que caminhe conosco na Comunidade do Conhecimento e vivencie
a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de aprendizagem e membro de uma
comunidade mais universal e igualitária.

Um grande abraço e ótimos momentos de construção de aprendizagem!

Professora Gislene Miotto Catolino Raymundo

Coordenadora Pedagógica do NEAD- CESUMAR

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APRESENTAÇÃO

Livro: METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA


Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Prezado aluno,

Acredito que uma breve apresentação da minha pessoa se faça necessário para que você
possa compreender o motivo que me levou a escrever este material que faz parte da disciplina
de METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA.

Desde criança sempre gostei muito de crianças e de ensinar. Minha primeira experiência foi
com meus próprios irmãos. Ajudei-os a descobrir o mundo letrado, ensinando-lhes a ler e
escrever por meio dos gibis que tínhamos em casa, quando ainda cursava o 1° grau como
chamávamos. Pela manhã estudava e a tarde ajudava as “tias” como eram denominadas as
professoras nas turmas do pré-escolar.

Quando então cheguei ao 2° grau, não pensei duas vezes, fui logo cursar o Magistério. A
experiência foi fantástica e depois disso nunca mais saí da escola. Da Educação Infantil ao
Ensino Superior, pude experimentar de tudo um pouco.

Sou apaixonada pela educação e isto não é um discurso barato desses que a “gente” compra
em qualquer lugar. Tenho orgulho em dizer que SOU PROFESSORA. E mais ainda, a História,
especificamente, me fascina.

Nesta perspectiva, este material foi desenvolvido especialmente para você. É destinado
a estudar o Ensino de História enquadrado na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental.

Cabe lembrar que na Educação Infantil não temos a disciplina específica de História, a
disciplina faz parte do eixo NATUREZA E SOCIEDADE. E com as mudanças ocasionadas
pelo Ensino Fundamental de 9 anos, também passamos a entender os anos iniciais de uma
forma mais abrangente.

O ponto de partida de qualquer trabalho voltado para o ensino-aprendizagem de História


envolve considerar o repertório dos alunos, ou seja, todo o conhecimento que eles trazem
consigo que denominamos conhecimento prévio, senso comum ou mesmo conhecimento
METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 7
cotidiano. Isto porque as crianças participam de inúmeros espaços de convívio, em que se
socializam, produzem e reproduzem uma infinidade de regras, valores, hábitos e costumes.

Além do convívio familiar, do bairro, da escola, das festas, da Igreja, ainda contam com os
meios de comunicação e informação como a televisão, o rádio, o jornal, o cinema e o mais
adorado de todos, a internet.

Em outras palavras, devemos considerar nossos alunos como sujeitos que possuem um
repertório cultural enorme e que exercem a cidadania constantemente. Assim, é fundamental
que, nós professores, possamos desenvolver o interesse destas pessoas pelo conhecimento
histórico por meio dos mais variados recursos, cada qual exigindo as diversas habilidades
cognitivas: da observação à análise, passando pela identificação, interpretação e compreensão.

É fundamental, ainda, desenvolver o interesse pelas várias formas de acesso ao conhecimento


histórico pelas diferentes fontes e linguagens. Cada um deles exigindo dos alunos diversas
habilidades.

Aqui não vamos apresentar cada uma das unidades, pois isto você descobrirá ao longo de sua
leitura e estudo. Procuramos sim, dar uma visão geral da disciplina e, como costumava dizer
aos alunos do Esnino Fundamental, lançar um desafio: ao final de sua leitura, quero que você,
asism como eu, possa se sentir apaixonado pela História.

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Sumário

UNIDADE I

O ENSINO DE HISTÓRIA

A HISTÓRIA TEM “HISTÓRIA” 16

A PÓS-MODERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES 27

EIS AÍ UM TEMA PARA NOSSA REFLEXÃO 39

A HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR 40

QUAL HISTÓRIA DEVE SER ENSINADA? 45

UNIDADE II

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NOS MÉTODOS DA HISTÓRIA ESCOLAR 56

CONCEPÇÕES DE CONTEÚDOS ESCOLARES E DE APRENDIZAGEM 62

A FORMAÇÃO DE CONCEITOS 74

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA E O COTIDIANO DE SALA DE AULA 82

UNIDADE III

A UTILIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS HISTÓRICOS EM SALA DE AULA

HISTORIADORES E PROFESSORES: DIFERENTES USOS DAS FONTES HISTÓRICAS


 100
A ANÁLISE DIDÁTICA DE UMA FONTE HISTÓRICA 103

DOCUMENTOS ESCRITOS E NÃO ESCRITOS 107

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO POR INTERMÉDIO DAS FONTES HISTÓRICAS


 118

UNIDADE IV

A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O ENSINO DE HISTÓRIA

EFETIVANDO A APRENDIZAGEM: O PLANEJAMENTO COMO O PONTO DE PARTIDA

 130

CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA 152

AVALIAÇÃO COMO PROCESSO DE MELHORIAS DA AÇÃO DOCENTE E DISCENTE 172

UNIDADE V

HISTÓRIA: A CIÊNCIA DO HOMEM NO TEMPO

O TEMPO: CATEGORIA ESSENCIAL PARA PENSAR A HISTÓRIA 194

O tempo como aprendizagem social 195

IDENTIFICANDO OS DIFERENTES TIPOS DE TEMPO 201

AS NOÇÕES TEMPORAIS DA CRIANÇA 203

O TRABALHO COM LINHAS DO TEMPO 212


CONCLUSÃO 221

REFERÊNCIAS 223
UNIDADE I

O ENSINO DE HISTÓRIA
Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Buscar pelas origens da palavra História, compreendendo seus diversos sentidos.

• Discutir o ensino de História num momento de crise de paradigmas que hora atra-
vessamos.

• Entender questões epistemológicas do conhecimento histórico e a problemática do


conhecimento no ensino de História.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• A História tem “história”

• A pós-modernidade e suas implicações

• A História como disciplina escolar

• Qual História deve ser ensinada?


INTRODUÇÃO

Para iniciarmos nossas discussões, teremos que nos remeter à origem da palavra História, isto
porque tudo tem uma história, um começo, uma origem. A História não poderia ser diferente.
É por isso que dizemos que a História tem história.

Partiremos da definição da palavra História, buscando suas origens e definições. Depois, nos
remeteremos à História enquanto disciplina escolar.

Talvez neste momento você já esteja pensando que estudar tal disciplina seja um tanto
monótono. Mas, tenho certeza que ao final deste material você se dará conta do quanto é
prazeroso estudar uma disciplina que por muito tempo ficou relegada a um segundo plano.

A História é uma disciplina que faz parte das chamadas “humanidades”, termo pelo qual os
franceses designam estudos humanos superiores. Mas, por muito tempo teve negado os seus
foros de ciência, sendo considerada uma disciplina de segunda categoria.

Lembremo-nos que no Brasil dos séculos XIX e XX, a educação escolar se limitou a ensinar
a “ler, escrever e contar”. A ênfase do trabalho docente restringia-se à “alfabetização”, na
maioria das vezes compreendida como aquisição da leitura, da escrita e do domínio das quatro
operações matemáticas. Assim, raramente havia lugar para o Ensino de História. Dessa forma,
os resultados nesta área do conhecimento têm sido pouco significativos ou, quando não, nulos.

No entanto, compreendemos a alfabetização como a capacidade de leitura não só do texto,


mas também da experiência humana vivida por todos, e como construção da própria história.
Nesta perspectiva, entendemos leitura\escrita não somente como a habilidade mecânica, mas
como uma manifestação de cidadania. Estudar as informações históricas a partir da realidade
social com o objetivo de desenvolver o raciocínio histórico deve constituir o objeto das aulas de
História. Há vários encaminhamentos na defesa da disciplina.

Paul Valéry (1871-1945) considerava tal disciplina um dos produtos mais perigosos do cérebro

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 15


humano, saber indigno de ser valorizado.

A partir da filosofia histórica de Karl Marx (1818-1883), a História recebeu o seu devido valor,
sendo considerada uma ciência que se inicia onde as outras terminam e que possui um valor
intrínseco, em si mesma, capaz de oferecer um repertório de reflexão às outras ciências,
exatas ou biológicas. E, ainda, comunicar-se e interagir com as outras ciências humanas e
sociais, num processo de enriquecimento recíproco. Isto porque, não desmerecendo as
demais disciplinas, a História fascina e é capaz de transformar o sujeito, por isto dizemos que
cabe a ela “formar um cidadão crítico, reflexivo e atuante”.

Portanto, caro acadêmico de Pedagogia, podemos afirmar que a História tem história e que
sua aplicação como disciplina escolar passa por uma revisão que lhe confere um grande valor
na atualidade.

Os escritos de Ambroise Paul Toussaint Jules Valéry nos remetem a uma crítica que fica no
passado, baseada naqueles que desconsideravam a História pelo seu método indutivo, que
partem do singular e como tal não chega a leis gerais.

A HISTÓRIA TEM “HISTÓRIA”


Fonte: PHOTOS.COM

Nas três dimensões básicas do tempo, passado, presente e futuro, a História tem seu destaque.

Marc Bloch (1886-1944), um dos fundadores da escola dos Annales francesa, definiu a história

16 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


como a ciência do homem no tempo. Este historiador, vítima dos nazistas, foi executado por
não concordar em por sua história a serviço dos ideais de seus torturadores, e merece todo
relevo por ter participado da revisão de conceitos e métodos, a chamada Nova História.

Para saber mais sobre a chamada Nova História vale a leitura da obra: A escrita da História do his-
toriador Peter BURKE (org.) São Paulo: Editora UNESP, 1992, 360p.
O livro A Escrita da História, de Peter Burke, publicado originalmente em 1991, discute as mudanças
ocorridas na historiografi a a partir do surgimento da corrente chamada Nova História. Para isso, vários
novos temas da história, entre eles, a história das mulheres, o renascimento da narrativa, a história
oral etc., merecem capítulos especiais. Os modos de escrever a História são o ponto central da obra.
O autor, tentando defi nir a História Nova, observa que a mesma se originou associada à Escola de
Annales e que, além de lutar por uma história total, opõe-se totalmente ao paradigma tradicional da
historiografi a.

Peter Burke
De acordo com Burke, a Nova História diferencia-se da tradicional em seis pontos: o paradigma tradi-
cional diz respeito somente à história política, a Nova História, como dito anteriormente, preocupa-se
com uma história total, onde tudo é histórico; a história tradicional pensa na história como narração
dos grandes fatos, a nova preocupa-se em analisar as estruturas; a tradicional olha de cima, a nova,
de cima, de baixo e de outros ângulos possíveis; documentos ofi ciais são os que interessam ao para-
digma tradicional, o paradigma da Nova História aceita qualquer espécie de documento; o historiador

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 17


tradicional explica por meio da vontade do indivíduo histórico, a Nova História preocupa-se com os
movimentos sociais, as tendências; e, finalmente, o paradigma tradicional considera a História uma
ciência objetiva, o paradigma novo não crê na possibilidade de uma objetividade total.
Peter Burke também observa que a História Nova não é assim tão nova e que já houve tentativas se-
melhantes anteriormente, também nota que a Nova História apresenta problemas relativos à definição,
posto que os historiadores estão avançando em um território não familiar, estão pouquíssimo habitua-
dos a relacionar acontecimentos e estruturas, quotidiano e mudança, visão de cima e visão de baixo.
Problemas relativos ao uso fontes também são apontados, essas novas fontes precisariam de uma
nova crítica, de um novo método de trabalho. Por fim, Burke também percebe problemas de explica-
ção e de síntese, e diz que a explicação estrutural, apesar de aumentar a interdisciplinaridade, muitas
vezes não toma conta do fluxo do tempo, o qual é uma das preocupações do historiador, além disso,
está cada vez mais difícil conseguir uma síntese, em decorrência da profusão de diferentes objetos.
O último capítulo do livro, A História dos Acontecimentos e o Renascimento da Narrativa, também
escrito por Burke, está intimamente ligado à discussão referente aos métodos de explicação histórica
propostos pelo paradigma da Nova História. Percebendo o retorno da forma narrativa à historiografia,
o autor discute o grau de narratividade na historiografia contemporânea e observa alguns debates
existentes ao redor do tema, apontando as principais tendências. Burke volta a falar sobre o debate
entre paradigma tradicional e Nova História, partindo em seguida para a discussão iniciada na década
de sessenta – principalmente estadunidense – ligada à narrativa. Destaca as idéias de Kracauer,
Hayden White entre outros.

BURKE, Peter: “A escrita da História”


O autor observa que o recurso à narrativa muitas vezes é essencial para a apreensão do fluir tem-
poral; entretanto, conclui que a narrativa tem de ser outra, não a narrativa tradicional, mas sim uma

18 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


forma de narrativa que consiga escapar da superfi cialidade do acontecimentalismo, mas que também
escapa da rigidez temporal de um discurso analítico. Para tanto, é necessário densifi car a narrati-
va, e para isso, Burke apresenta quatro soluções encontradas nas obras de outros historiadores: a
micro-narrativa, narração da história de populares no tempo e no espaço, observando a presença
das estruturas; utilizar várias vozes a fi m de captar os confl itos e as permanências; redigir de trás
para frente, mostrando o peso do passado; e, fi nalmente, encontrar o relacionamento dialético entre
acontecimento e estrutura. Burke aposta na primeira solução, não por preferência, mas por observar
que a mesma já está crescendo.
A obra de Burke mostra-se sobremaneira interessante para pensarmos os novos caminhos da história
e os novos caminhos da produção histórica. Além de apresentar novas tendências discutidas por es-
pecialistas, traz uma teoria da apresentação do trabalho histórico, uma teoria que não exclui as teorias
de longo alcance, mas que pensa a História de modo literário, sem esquecer das estruturas.
In: Renato Pignatari Pereira
renato_pignatari@klepsidra.net
Quarto Ano - História/USP
download - burke.rtf - 8KB
Fonte: <http://www.klepsidra.net/klepsidra10/burke.html>. Acesso em: 31 maio 2011.

Parece claro que se todos os homens pudessem perceber a realidade vivida e compará-la
com aquela que estão vivendo, seriam mais conhecedores de seus destinos.

Existe uma libertação potencial no conhecimento do que passamos, a informar o nosso


presente. É a nossa experiência posta a serviço de nossos “acertos” em nossas escolhas de
vida. É por isso que existe a necessidade de conhecer a “história” que a disciplina histórica nos
oferece, a sucessão de fatos passados fornecendo exemplos a serem imitados ou rejeitados.

Este resgate parcial da História como uma “mestra” da vida ainda persiste como um dos meios
mais eficazes para educar as novas gerações e a elas apresentar o que o passado humano
tem a oferecer de didático.

Gosto muito de citar a introdução da obra do historiador Leandro Karnal, “História na sala

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 19


de aula: conceitos, práticas e propostas” para pensarmos sobre os sentidos da palavra
História.

Para o historiador, podemos entender o exercício profissional da História de muitas formas.


Ele também faz opção pelo diálogo entre o passado e o presente. Isto porque não podemos
reconstruir um passado exatamente como era, tampouco podemos nos remeter ao passado
com “os olhos do presente”, ou melhor, com “pré-conceito”. Uso o termo desta maneira, porque
definimos o “pré” como sendo algo que antecipa o que está por vir, assim olhamos o passado
com a concepção que temos do presente.

O passado existe e isto é inegável. Porém, quem lança o olhar sobre ele faz o recorte, escolhe,
dimensiona e narra este passado, é um sujeito do tempo presente. Para ilustrar tal afirmação,
Karnal nos conta uma ficção.
Imaginemos uma menina de 15 anos que esteja no seu baile de debutantes (será que
ainda existem no século XXI?). Vestida de branco, emocionada, ela vive um momento
muito especial. Música, amigas, um possível namorado, comida e muitos fatos para
guardar e comentar. A festa é densamente fotografada e filmada. Passados dez anos,
nossa protagonista ficcional chegou aos 25. Ela olha os filmes e as fotos e pode
vir a considerar tudo de extremo mau gosto. Abrindo o álbum em meio a suspiros,
poderia dizer: “Por que não fiz uma viagem com esse dinheiro?”. Passado mais meio
século do baile, eis nossa personagem aos 65 anos. Já de cabelos brancos, ela abre
o álbum amarelado e comenta com seus netos: ”Olhem como eu era bonita! Que noite
maravilhosa foi aquela” (2004, p. 8).

Na ilustração, podemos verificar que houve um fato: o baile de debutantes, mas o olhar que se
lança sobre o fato muda conforme a concepção de mundo e do tempo em que o sujeito está
inserido.

Assim, podemos verificar que a palavra História pode ser entendida sob três sentidos como
afirma Glénisson (1961):

• Realidade histórica: conjunto dos fenômenos pelos quais se manifestou, se manifesta ou


se manifestará a vida da humanidade; a realidade objetiva do movimento do mundo e das
coisas.

20 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


• Conhecimento histórico: a observação subjetiva da realidade pelo historiador.

• Obra histórica: o registro da observação da realidade feita pelo historiador em um relato


escrito.

Se pudéssemos, desta maneira, estabelecer um comparativo entre a ficção e os sentidos


da palavra História teríamos a realidade histórica como sendo o baile de debutantes; o
conhecimento histórico sendo o olhar subjetivo da protagonista da história e as lentes da
filmadora e da máquina fotográfica como sendo a obra histórica.
A representação do passado e do que consideramos importante representar é
um processo constante de mudança. Se a memória muda sobre fatos concretos e
protagonizados por nós, também muda para fatos mais amplos. A História está envolvida
em um fazer orgânico: é viva e mutável. Um livro sobre uma guerra escrito há cem
anos continua válido como documento, mas é muito provável que a visão de quem o
escreveu esteja superada. Por superação entendemos o que não é mais compartilhado
pela maioria (KARNAL, 2004, p. 8).

Para Karnal (2004), o “fazer histórico”, ou seja, ensinar História está submetido a duas
transformações constantes: do objeto em si e da ação pedagógica. Isto porque as novas
descobertas arqueológicas, os debates metodológicos, as novas documentações mudam
constantemente; o fazer histórico é mutável no tempo, sendo assim, mudam-se também
seus agentes e a ação pedagógica não pode ficar presa ao passado, pelo contrário, precisa
acompanhar tais mudanças sociais e de mentalidade.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 21


VOCÊ TAMBÉM PODE LER A OBRA HISTÓRIA NA SALA DE AuLA/CONCEITOS, PRÁTICAS E
PROPOSTAS, NA ÍNTEGRA.

Autor: Leandro Karnal


Formato: Brochado 216 páginas
Data de publicação: 2003/01
Editor: Contexto do Brasil
ISBN: 85-7244-216-2
EAN13: 9788572442169
Número de páginas: 216
Sinopse
A presente obra é, antes de tudo, uma declaração de amor ao ofício de ensinar História. Catorze pro-
fi ssionais reconhecidos da área unem suas experiências e concepções em um livro que lança novas
luzes sobre o trabalho do professor, tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio. O livro é,
também, um libelo em defesa das aulas de História, que, em tempos de informação instantânea e alta
competitividade profi ssional, corre o risco de perder espaço para disciplinas tidas como mais práticas e
úteis na preparação do estudante para o mercado de trabalho. Não podemos abrir mão de apresentar
nossos jovens ao patrimônio cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer
uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do aluno?
Fonte:<http://www.editoracontexto.com.br>. Acesso em: 31 maio. 2011.

22 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Exercitando a História, remetemo-nos ao passado para entender o presente. Parece que esta
é a definição mais aceita pelos historiadores. Mas, de onde e de quando vem esta origem?

Os gregos (atenienses em particular) foram os primeiros a utilizar o termo histor para representar
quem aprende pelo olhar e, mais tarde, a palavra se estendeu ao testemunho, ou seja, quem
testemunhou acontecimentos ou a realidade.

Aquele que é por muitos considerado o Pai da História - Heródoto de Halicarnasso (484 - 425)
- foi uma espécie de repórter que viajou pelo mundo conhecido, realizou pesquisas acerca das
guerras entre gregos e persas que aconteciam em seu tempo e até procurou por causas que
explicassem a vitória helênica perante um exército muito mais armado e numeroso. Os persas
contavam com um exército predominantemente mercenário, mas os gregos (atenienses,
principalmente) combatiam em causa própria, eram todos patriotas, movidos pelo fervor de
defender a sua terra dos invasores. Combater com o coração lhes deu a grande vantagem,
e além de seus generais serem grandes estrategistas, os persas tinham um excesso de
confiança em seus armamentos e poder de sua esquadra.

Fonte:<http://www.persia.templodeapolo.net>
Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Heródoto>

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 23


Com o tempo o termo História passou a significar pesquisa e os resultados dessa pesquisa
eram reunidos em uma obra histórica.

Segundo Glénisson (1961, p.13), esta maneira de encarar os estudos históricos parece ter-se
consagrado na época do historiador Políbio, no século II a.C. “com a reserva de que, como o
saber histórico daqueles tempos não conhecia o rigor atualmente exigido, associando-se ainda
a fábulas e as lendas” a precisão dos fatos cedia lugar a um termo empregado para definir a
disciplina, qual seja o de “narrativa”.

O mesmo Glénisson nos adverte que, “hoje, ao pronunciarmos a palavra História”, temos
de diferenciá-la entre “três sentidos possíveis: o de realidade histórica [...], de conhecimento
histórico e [...] de obra histórica” (1961, pp.13-14), assim como ilustramos a ficção da personagem
em seu dia do baile de debutantes (KARNAL, 2004).

Isto significa que existe um conjunto de fenômenos a ser estudado na vida passada da
humanidade, a história representando a observação deste movimento pelo historiador que,
em seguida, registra tais observações em seu relato de cunho científico numa obra histórica.

Por este ângulo, podemos definir a palavra História como sendo:

• A ciência que estuda as mudanças e as permanências.

• O processo de transformação onde todos os homens são agentes.

• A narração metódica dos fatos mais relevantes ocorridos na vida dos povos, em particular,
e na vida da humanidade, em geral.

• O conjunto de conhecimentos (cultura) adquiridos por intermédio da tradição e/ou por meio
dos documentos, relativos à evolução, ao passado da humanidade.

A História atualmente é considerada uma ciência e tem seu devido valor reconhecido nos
meios acadêmicos, escolares entre outros. Essa estuda as mudanças e as permanências dos
fatos e acontecimentos por meio de um método próprio, buscando compreender os caminhos

24 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


traçados por um povo específico ou pela humanidade em geral. E ainda, busca a cultura das
sociedades para entendê-las.

Costumo citar o antropólogo Darci Ribeiro para compreendermos o conceito de cultura. Ele
trata o assunto de um jeito divertido e de fácil compreensão por meio da literatura infantil
“Noções das Coisas”.

CuLTuRA
Chama-se cultura tudo o que é feito pelos homens, ou resultado do trabalho deles e de seus pensa-
mentos. Por exemplo, uma cadeira está na cara que é cultural porque foi feita por alguém. Mesmo um
banquinho mais vagabundo, que mal se põe em pé, é uma coisa cultural. É cultura, também, porque
feita pelos homens, uma galinha. Sem a intervenção humana, que criou os bichos domésticos, as
galinhas, as vacas, os porcos, os cabritos, as cabras não existiriam. Só haveria animais selvagens (...)
Uma casa qualquer, ainda que material, é claramente um produto cultural, porque é feita pelos ho-
mens. A mesma coisa se pode dizer de um prato de sopa, de um picolé ou de um diário. Mas estas
são coisas de cultura material, que se podem ver, medir, pesar.
Há também, para complicar, as coisas de cultura imaterial, impropriamente chamadas de espiritual
– muitíssimo mais complicadas. A fala, por exemplo, que se revela quando a gente conversa, e que
existe independente de qualquer boca falante, é criação cultural. Aliás, a mais importante. Sem a fala,
os homens seriam uns macacos, porque não poderiam se entender uns com os outros, para acumular
conhecimentos e mudar o mundo como temos mudado.
A fala está aí, onde existe gente, para qualquer um aprender. Aprende-se, geralmente, a da mãe. Se
ela é uma índia, aprende-se a falar a fala dos índios, dos Xavantes, por exemplo. Se ela é carioca,
professora, mora na Tijuca, a gente aprende aquele português lá dos tijucanos. Mas, se você trocar
a fi lhinha da índia pela fi lhinha da professora, e criar, bem ali, na praça Saens Peña, ela vai crescer
como uma menina qualquer, tijucana, dali mesmo. E vice-versa, o mesmo ocorre se a fi lha da profes-
sora for levada para a aldeia Xavante: ela vai crescer lá, como uma xavantinha perfeita – falando a
língua Xavante e xavanteando muito bem, sem nem saber que há tijucanos.
Além da fala, temos as crenças, as artes, que são criações culturais, porque inventadas pelos homens
e transmitidas uns aos outros através das gerações. Elas se tornam visíveis, se manifestam, através
das criações artísticas, ou de ritos e práticas – o batizado, o casamento, a missa -, em que a gente vê
os conceitos e as idéias religiosas ou artísticas se realizarem. Essa separação de coisas cósmicas,

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 25


coisa vivas, coisas culturais, ajuda a gente de alguma forma? Sei não. Se não ajuda, diverte. É melhor
que decorar um dicionário, ou aprender datas. Você não acha?
Trechos retirados de RIBEIRO, Darcy. Noções das Coisas. São Paulo: FTD, 1995, p.34.
Para quem já lê rapidinho

“Quem descobre uma planta nova, mesmo uma plantinha à-toa, muito sem graça e sem serventia,
pode pôr seu nome nela. Mas precisa ser em latim, para as gentes do mundo inteiro fazerem de conta
que entendem.”

“Infelizmente, os povos do mundo ainda guerreiam demais. Tudo guerra suja. Não há guerra limpa.
Sempre quem guerreia está querendo tirar alguma coisa do outro, que não quer entregar.”

NOçÕES DE COISAS
De Darcy Ribeiro
Ilustrações: Ziraldo
O livro “Noções de Coisas” tem o título certo. Fala de tudo que existe no mundo com todo o humor
e sabedoria de Darcy Ribeiro. E com as ilustrações sempre geniais do Ziraldo. É difícil resumir aqui,
em poucas linhas, este livrão em todos os sentidos, mas para você ter uma idéia, veja só os nomes
de alguns capítulos: números, micróbios, planetas, cocô e ovos, eletricidade, caretas, seres, matéria,
poluição, unhas e barbas... e por aí vai. Ficou curioso? Ainda bem. Este é um livro ótimo até para
adultos. Você pode ler muitas vezes. E tem tantas frases engraçadas e interessantes, que deu um
trabalhão para escolher. Daí escolhi duas!
Editora: FTD
Fonte: <http://www.divertudo.com.br/dicas3.htm>. Acesso em: 01 jun. 2011.

26 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Na relação entre a visão do geral e o saber do singular está a pedra angular dos conhecimentos
históricos promovidos pelo historiador. A relação racional então obtida pelo método indutivo,
segundo Lakatos (1990), vai da conexão ascendente do particular para o geral, e é o produto
visado por aquele que, segundo Marc Bloch (1976), se dedica ao “ofício” de historiar e sempre
começa pelo “ídolo” das origens, partindo do passado para o presente e, depois, em relação
inversa, do presente para o passado.

Finalmente temos de lembrar alguns comentários que dão o valor aos conhecimentos
históricos: “o proveito que se poderá tirar do conhecimento certo do passado, para prejulgar
acontecimentos análogos ou idênticos, a brotar futuramente no fundo comum da natureza
humana” (GLÉNISSON, 1961, p. 17) ou: “a história é o estudo da ação humana ao longo do
tempo, concomitantemente ao estudo dos processos e dos eventos ocorridos no passado”.

A aula de História “nasce da própria História”, pois a “análise da dimensão temporal das
reflexões sociais” é o grande objetivo da disciplina. Isto equivale a considerar a história uma
“construção coletiva”. É para essa direção que Nemi e Martins (1996) apontam quando fazem
um comentário didático: “as aulas de história para crianças das séries iniciais do Ensino
Fundamental têm por base essa concepção de vida”, qual seja a “busca” de uma transformação
“constante e possível” (1996, p.25). E esse aprimoramento do saber oferecido pela história
como um instrumento de cidadania só pode ser obtido se confrontarmos as experiências do
passado com as do presente, sempre visando a um futuro melhor e de maior qualidade de vida
para todos.

A PÓS-MODERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES

A julgar pelas reflexões de estudiosos atuais, cientistas humanos distribuídos entre


filósofos (SERRES, 1999), historiadores (HOBSBAWM, 1995), sociólogos (DE MASI, 2001),
administradores (DRUCKER, 1993) entre outros, estamos em transição entre duas sociedades,
duas épocas.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 27


Aquela que estamos ultrapassando se convencionou chamar, segundo alguns, de Sociedade
Industrial, oriunda da Revolução Industrial de 1760 na Inglaterra.

A sociedade do século XXI, que estará plenamente configurada só daqui a algumas décadas,
segundo Drucker (1993), terá novos nomes: Pedagógica para Serres (1999), Pós-industrial
para De Masi (2001), Pós-capitalista para Drucker (1993), ou do Conhecimento segundo a
maioria dos educadores. Será uma nova sociedade formada sob a base de novos valores
e visando a um novo tipo de intelectual de ação profissional, qual seja o “trabalhador do
conhecimento”.

Essa pós-modernidade é considerada a condição sociocultural e estética do capitalismo


contemporâneo, também denominado pós-industrial ou financeiro.

Fonte: PHOTOS.COM

Embora o uso do termo pós-moderno tenha se tornado corrente, há controvérsias quanto ao


seu significado e pertinência. Essas controvérsias resultam da dificuldade de se examinarem
processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com
clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos.

Esse termo apresentado por Peter Drucker em sua obra sobre a sociedade pós-capitalista por
(1993) diz respeito a um novo tipo de trabalhador que será necessário e mesmo líder, nesse
novo tipo de sociedade que está em gestação.

28 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


O que diferenciará esta nova categoria da antiga, quais serão seus atributos, competências e
valores necessários? José Esteve (2004), diante de tantas mudanças, constata que está em
curso uma terceira revolução educacional.

O ponto de partida dessa nova sociedade pedagógica e da revolução educacional nela


embutida começou com a chamada revolução tecnológica, iniciada em 1945 com invenções
como o computador, e ampliada em 1970, irradiando-se para o mundo.

A tecnologia mudou o mundo e trouxe a necessidade de um novo tipo de educação adequada


à formação de um novo trabalhador, sob novas exigências vindas do Estado como aquele que
dita as políticas educacionais.

A História como instrumento de preparo dos futuros cidadãos, visava principalmente que estes
educandos fossem engajados na sociedade para o exercício de uma profissão.

Nas chamadas operações mentais (da leitura, memorização à análise e síntese) a ênfase era
para a segunda etapa, a decorativa. Talvez por isso, a História guarda até hoje esse ranço
que alguns ainda consideram válido, de ser uma disciplina que depende exclusivamente da
memória.

Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Graciliano_Ramos>

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 29


Podemos lembrar a obra “Infância” de Graciliano Ramos. Publicada em 1945, “Infância” é
uma autobiografia de Graciliano Ramos que prova ser possível uma obra somar os elementos
pessoais com os sociais. Muito do que o autor confessa em suas memórias são problemas que
afetaram não só a ele mesmo, mas também o seu meio. “Sua dor é também a dor do nosso
mundo”.

O primeiro aspecto que nos chama a atenção é a descrição de Graciliano Ramos como uma
criança oprimida e humilhada, pois é um ser fraco diante dos adultos, mais fortes. Este é um
dos temas centrais de sua visão de mundo: a opressão. Constatamos tal afirmação quando
retrata que em determinado tempo de sua vida escolar os personagens históricos começaram
a fazer parte de seu dia a dia, ele não compreendia o motivo de tal ênfase, mas quem era ele
para questionar o “mestre”, então fingia que aprendia e o professor fingia que ensinava.

“O conteúdo cívico era intencionalmente funcional e pouco reflexivo, mais prático do que teórico”,
com isso intentando “adaptar o aluno a uma sociedade em vez de ajudá-lo a compreender e
questionar o meio social em que vive” (NEMI; MARTINS,1996, p.22). Era importante “estudar”
e reproduzir o que foi ensinado, “criticar” (no sentido da reflexão) nunca, como fazem notar os
autores estudados.

Hoje, a Sociedade dita do conhecimento, pretende que ocorram invenções, fruto da criatividade
provocada no aluno pelo professor e na sociedade como um todo em virtude do saber.

Para isto é preciso que se ultrapasse a fase da memorização e se desenvolvam as habilidades


cognitivas como bem nos lembra Bloom. Este estudioso liderou um grupo formado pela
American Psychological Association para criar uma “classificação de objetivos de processos
educacionais”.

O primeiro passo para a definição dessa taxonomia foi a divisão do campo de trabalho em três
áreas a saber:

• A cognitiva, ligada ao saber;

30 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


• A afetiva, ligada a sentimentos e posturas e

• A psicomotora, ligadas a ações físicas.

Aqui remetemo-nos, exclusivamente, à primeira área, a cognitiva e usamos como referência


sua obra “Taxonomia e Objetivos no Domínio Cognitivo”, publicada pela primeira vez em
1956. Nessa obra, Bloom classifica os objetivos do domínio cognitivo em seis níveis, que,
usualmente, são apresentados numa sequência que vai do mais simples (conhecimento) ao
mais complexo (avaliação); cada nível utiliza as capacidades adquiridas nos níveis anteriores.
As capacidades e conhecimentos adquiridos por meio de um processo de aprendizagem são
descritos por verbos. Para entender melhor, observe o quadro abaixo organizado por Marcos
Telles e encontrado no site:

<http://www.dynamiclab.com/moodle/mod/forum/discuss.php?d=436>.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 31


Tal Taxonomia difundida no Brasil, e divulgada principalmente na década de 1970 ganhou
novo vigor em 2001, quando Anderson and Krathwohl publicou uma revisão na qual foram
combinados o tipo de conhecimento a ser adquirido (dimensão do conhecimento) e o processo
utilizado para a aquisição desse conhecimento (dimensão do processo cognitivo).

O quadro apresentado abaixo torna mais fácil tanto a tarefa de definir com clareza objetivos de
aprendizagem quanto aquela de alinhar esses objetivos com as atividades de avaliação. Como
na taxonomia original, a versão revisada apresenta verbos que definem objetivos:
Nível Verbos
Lembrar Reconhecer, recordar
Compreender Classificar, comparar, exemplificar, explicar, inferir, interpretar, resumir
Aplicar Executar, realizar
Analisar Atribuir, diferenciar, organizar
Avaliar Criticar, verificar
Criar Gerar, planejar, produzir

Fonte: <http://www.dynamiclab.com/moodle/mod/forum/discuss.php?d=436>.

Note-se que a versão revisada dá nomes diferentes aos 6 níveis da hierarquia e inverte as
posições de “síntese” (agora “criar”) e “avaliação” (agora “avaliar”).

Convém lembrar que nem todos educadores concordam com tal concepção de conhecimento
e aprendizagem, porém outros tantos educadores entendem que seu uso pode ser muito útil
para o planejamento e desenvolvimento de processo de ensino-aprendizagem. Ademais, ela
oferece um bom apoio ao esforço de compatibilizar testes de avaliação com conteúdo de
ensino. De fato, estudos mostram uma forte tendência, em certos níveis de ensino, de propor
testes com questões concentradas nas faixas de “conhecimento” e “compreensão” o que
poderia levar os alunos a distorcer o processo de aprendizagem, focando mais aquilo pelo que
julgam que vão ser avaliados.

Mas, é preciso que a escola deixe de ser aquilo que os crítico-reprodutivistas como Bourdieu

32 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


(1930-2002) assinalam, e caminhe, além disso, porque os novos tempos exigem um melhor
uso para os conhecimentos acumulados ao longo do tempo. Por meio do uso da noção de
violência simbólica, ele tenta desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam
como “naturais” as representações ou as ideias sociais dominantes. A violência simbólica é
desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que as animam e sobre a qual se apoia o
exercício da autoridade. Bourdieu (1997) considera que a transmissão pela escola da cultura
escolar (conteúdos, programas, métodos de trabalho e de avaliação, relações pedagógicas,
práticas linguísticas), própria à classe dominante, revela uma violência simbólica exercida
sobre os alunos de classes populares.

Bourdieu (1997) partia de um conceito central: que a dominação recobria formas variadas
de relações de poder, sendo a mais insidiosa a “violência simbólica”. No livro “Les héritiers”
(Os herdeiros) ele releva que o sucesso escolar é condicionado à origem social dos alunos e,
assim, torna-se o primeiro a revelar os mecanismos cognitivos ligados às condições sociais.
O termo violência simbólica aparece como eficaz para explicar a adesão dos dominados: à
dominação imposta pela aceitação das regras, das sanções, à incapacidade de conhecer as
regras de direito ou morais, às práticas linguísticas e outras.

Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Bourdieu>

Pierre Bourdieu (1997) elabora, assim, um sistema teórico que não cessará de desenvolver:

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 33


as condições de participação social baseiam-se na herança social. O acúmulo de bens
simbólicos e outros estão inscritos nas estruturas do pensamento (mas também no corpo)
e são constitutivos do habitus por meio do qual os indivíduos elaboram suas trajetórias e
asseguram a reprodução social. Esta não pode se realizar sem a ação sutil dos agentes e
das instituições, preservando as funções sociais pela violência simbólica exercida sobre os
indivíduos e com a adesão deles.

A crítica de Bourdieu (1997) permanece atual como um alerta, ainda que outras tendências
e explicações sobre o fenômeno escolar a ela se acrescentem. Sua posição contrária ao
neoliberalismo e ao poder da mídia é, ainda hoje, muito comentada.

Construir o conhecimento junto com os nossos alunos parece ser uma urgência de nossos
tempos. Isto inclui saber o que vem do cotidiano para elevá-lo ao nível da ciência. Tal
postura se faz necessária por parte do docente, seja qual for a corrente por ele adotada,
do construtivismo de Piaget ao sociointeracionismo de Vygotsky, ou mesmo, a pedagogia
Histórico-crítica, ressalvado que a História exige uma metodologia diferenciada daquela que
foi característica da escola “positivista” no século XIX. Para que possamos compreender
melhor a escola “Positivista”, passamos a analisá-la.

Remetemo-nos ao século XIX, quando a Europa presenciou amplo desenvolvimento


tecnológico e industrial, permitindo sua evolução econômica e a afirmação como o continente
mais poderoso do mundo até a Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo em que crescia
internamente, o continente se expandia para fora de seus domínios, conquistando terras,
pessoas e novas riquezas na África e Ásia, numa reedição do colonialismo do Antigo Regime.
No entanto, não bastava conquistar tais territórios e impor uma dominação à força em suas
populações: era preciso justificar a razão daquele domínio e gerar um argumento incontestável.
Para tal fim, os pensadores e intelectuais europeus utilizaram-se do conceito de ciência,
entendida como conhecimento superior e acessível a poucas pessoas.

Nesta perspectiva, os europeus, donos da ciência e do desenvolvimento, se dirigiam àquelas

34 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


novas terras para “salvar” suas populações do estado de barbárie e abandono em que
estavam. Justificava-se, assim o Imperialismo por meio de argumentos científicos, baseados
na superioridade técnica e racial do europeu branco sobre o negro africano e o asiático:
cientificamente falando, o europeu tinha o direito de dominar os novos colonos porque era
de uma civilização mais avançada, dado o desenvolvimento que mostrava e o poder de seu
conhecimento. Esta forma de se compreender o mundo, isto é, baseada no cientificismo,
tornou-se em pouco tempo a tônica de todo o pensamento do Velho Continente, espalhando-
se para diversos campos do saber. Renasceu a importância da Física e da Química como
disciplinas exatas, por exemplo. Mas o caso mais destacado desse processo de construção de
conhecimento é a transformação que ocorre nas chamadas disciplinas humanistas, a História
e a Sociologia. Elas também incorporaram a tendência cientificista, auxiliando a explicar o
domínio europeu nas novas colônias e impondo novos métodos de se estudar as relações
sociais e ao andamento da História dos povos.

Duas correntes dominaram o pensamento europeu a essa respeito. Tratava-se do Racionalismo


surgido no final do século XVIII, com a Revolução Francesa, e do Conservadorismo, presente no
pensamento do continente desde o final da Idade Média e durante a Idade Moderna. Contudo,
Nisbet não aprovava a visão individualista presente na fase pós-Revolução Francesa, a qual
pregava a autossuficiência e a individualidade de cada ser humano e que servia de base para
a cientifização do conhecimento e do estudo social. Esta negava, pois, a própria existência
da sociedade como organização e como meio de influência de comportamentos humanos.
O homem seria um ser de livre-arbítrio sobre seus atos, sem a necessidade de estabelecer
relações com seus semelhantes. Ele se bastaria por si mesmo. Com isso, surgiram correntes
de pensamento relacionadas a essa forma de pensar e que se opunham a seus princípios,
como o próprio Positivismo.

O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo humano, visando à


obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse
movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 35


autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria
de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar. Os
positivistas creem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu
estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Não foram poucos os que seguiram a corrente
positivista: Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de Coulanges,
na História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização do saber um
posicionamento poderoso no século XIX.

Pode-se inclusive dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser pensante,
crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos, capazes de
fazer-se entender por sua conta. “Os fatos históricos falam por si mesmos”, dizia Coulanges,
historiador francês (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.99). Assim, para os positivistas que estudaram
a História, esta assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que
realmente significam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua
formação (que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a
ação do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los,
constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não. O
saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm, e assume um valor tal qual uma
lei da Física ou da Química, ciência exatas.

Tão objetiva é a História para os positivistas que um de seus maiores ensinamentos é a


busca incessante de fatos históricos e sua comprovação empírica. Daí a necessidade, como
pregavam, de se utilizar na pesquisa e análise o máximo de documentos possíveis para se
obter a totalidade sobre os fatos e não deixar nenhuma margem de dúvida no que se refere
à sua compreensão. A busca desses fatos deve ser feita por meio da neutralidade, pois
qualquer juízo de valor na pesquisa e análise altera o sentido e a verdade própria dos fatos,
modificando, pois a própria História. Esta se tornaria uma ciência falha e totalmente fora de
seu caráter científico, e, portanto destituída de valor e validade. "Coulanges chegou a afirmar
que a “História não é arte, mas uma ciência pura [...] a busca dos fatos é feita pela observação

36 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


minuciosa dos textos, da mesma maneira que o químico encontra os seus em experiências
minuciosamente conduzidas”. (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.100)

A objetividade, a minuciosidade, o detalhe e a dedicação impessoal, portanto, são as grandes


lições da escola positivista para o estudo da História no século XIX e no início do XX. Os
historiadores que, nessa época, tentaram provar outras formas de se estudar a disciplina foram
desconsiderados e postos à margem. Numa sociedade europeia que buscava seu próprio
desenvolvimento e avançava rumo a grandes descobertas na ciência e na tecnologia, a
cientifização que marcou a época também se espalhou para o campo dos estudos humanos,
reduzindo o papel do profissional desse campo para um mero coletor de informações. A
implicação de opiniões externas aos sentidos dos fatos históricos alterava a História, na
opinião positivista, e eliminava assim sua legitimidade como saber de importância social.

Para positivistas como Fustel de Coulanges


a História é uma ciência pura [...] o historiador não deve ter outra ambição que a de ver
bem os fatos e compreendê-los com exatidão. Não é em sua imaginação ou lógica que
ele os procura, mas sim na observação minuciosa dos textos, da mesma maneira que
o químico encontra os seus em experiências minuciosamente conduzidas (BOURDÉ e
MARTIN, 1984, p.102).

A História deveria, sob essa perspectiva, ser tratada como a química e a matemática, por
exemplo: sua compreensão estaria na perfeita observação dos fatos por parte do historiador, e
não em sua análise: a opinião humana mudaria o verdadeiro sentido do conhecimento histórico.
Os fatos falam por si mesmos e possuem uma verdade implícita que aparece quando postos
à tona. O trabalho e o ofício do pesquisador seria tão somente resgatá-los do esquecimento
e possibilitar sua divulgação. Mas nunca interpretá-los ou propor um entendimento para os
mesmos: este seria conhecimento falho e mentiroso, por se basear nos sentidos e na avaliação
de um ser humano passível de erros e que não possui a exatidão da verdade histórica.

Essa forma de se estudar a História nacional predominou até o início dos anos 1930, quando
a emergente Escola dos Annales francesa, que emergia na Europa desde a década anterior,

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 37


começou a influenciar os autores e pensadores brasileiros, forçando uma renovação no
pensamento histórico e social da nossa realidade. Tratava-se de um novo olhar dado ao
Humanismo, com a retomada do papel do historiador na formação do saber histórico: ele
reassumiria sua atuação na escolha do que pesquisar, como o fazer e qual a linha que daria
a seu trabalho.

Atualmente, sob influência da Nova História, além de historiar na curta duração, com aquela
orientação factual criticada por Fernand Braudel, não mais procuramos pelos heróis da pátria
nem ressaltamos apenas os acontecimentos políticos. Com tal ponto de partida, procuramos
evitar a parcialidade intencional que levou a esconder fatos que manchavam o patriotismo, por
exemplo. Foi a orientação “positivista” que levou Rui Barbosa (1849-1923) a cometer um ato
prejudicial contra o nosso patrimônio histórico, ordenando a destruição de documentos (muitos
deles) existentes sobre a escravidão em nosso país.

Para entender melhor esse segmento, recomendamos ler com muita atenção o Saiba Mais
explicitado abaixo onde fazemos a diferença entre a corrente positivista e aquela que agora
adotamos, qual seja, a Nova História. Uma consideração que se pode fazer sobre atos como
aquele ordenado por um dos luminares de nossa pátria, mas que representa um ato de
“esconder a cabeça” como o avestruz para não ser visto, é que uma simples incineração não
pode apagar os fatos daquela à qual se chamava a “mancha negra” de nosso passado e nos
fazia – e faz – envergonhados.

Por Priscilla C. M. Paixão


De uma forma não muito adequada – os historiadores preferem o termo “escola metódica”, a corrente
a que chamamos positivista que dominou nas universidades francesas até os anos 1940 e, entre nós,
algumas décadas além. O que caracteriza esta “escola” de pensamento em História é a busca de uma
objetividade absoluta (impossível) e para isto aplicava técnicas rigorosas quanto ao inventário das
fontes, à crítica dos documentos e à organização das tarefas. Mas o discurso ideológico que aparece

38 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


como conseqüência dessa corrente leva a venerar o regime republicano em detrimento dos outros,
alimentar a propaganda nacionalista e aprovar as conquistas coloniais e ignorar os meios sociais e
culturais dos outros povos. Exaltar apenas os heróis nacionais e fugir das explicações, se prendendo
aos fatos e não o contexto é outra característica positivista.

Contudo, tal vergonha não promoveu a integração do negro liberto na sociedade e levou à
formação de favelas as quais rotulamos como as grandes vilãs da violência urbana.

EIS AÍ uM TEMA PARA NOSSA REFLEXãO

“Chamamos ideologia àquele saber que falseia a realidade apresentando um conhecimento


parcial sobre ela”. Assim, ao analisar o aumento dos índices de violência na cidade do Rio de
Janeiro, por exemplo, a imprensa privilegia aspectos secundários como a má atuação dos
policiais na repressão ao banditismo, porém omite (propositalmente? Ou por ignorá-lo?) o
fundamental: “a violência relaciona-se com problemas criados pelo homem em sociedade,
como a insatisfação diante da vida material e a ausência de condições culturais mínimas para
a organização do pensamento crítico” (NEMI; MARTINS, 1996, p. 34).

Segundo Marilena Chauí, “a ideologia é um saber cheio de lacunas ou de silêncios que nunca
poderão ser preenchidos” isto porque, “se o forem, a ideologia se desfaz por dentro; ela tira
sua coerência justamente do fato de só pensar e dizer as coisas pela metade e nunca até o
fim” (SOUZA, 1989, p.8).

A necessidade de vencer a grande distância que vai da consciência ingênua, que aceita tudo
que lhe é apresentado, à consciência crítica que procura sempre avaliar e pensar por si mesma
introduz a grande exigência – e responsabilidade nova – do trabalho docente.

A História pode ser um instrumento valioso nessa direção em torno da criatividade do aluno
que faz retornar a um pensamento de Michel de Montaigne (1533-1592) que é um mote para

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 39


todos os professores que atuam do Ensino Fundamental ao Superior: o aluno não é uma
página em branco que está ali para ser preenchida.

Homogeneizar a sociedade não é mais a finalidade de uma educação que, antes de tudo,
busca pelo potencial humano e este só se encontra no diferencial que pode ser trazido à tona
pela educação.

A HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR

Ao historiar sobre a História, verificaremos que seu desempenho como disciplina teve início
na França, em um cenário presidido pelo “iluminismo” em que razão e ciência se uniam
para promover a libertação do homem e uma relativa igualdade entre eles. Esse era o ideal
da educação burguesa oferecida na França de Napoleão onde o ensino público, gratuito e
obrigatório foi a “novidade” do século XIX.

Segundo a historiadora Elza Nadai (1986, p.106), “o século XIX acrescentou, paralelamente
aos grandes movimentos que ocorreram visando construir os Estados Nacionais” a utilidade
da História como uma disciplina que atendia à necessidade de se retornar ao passado “com
o objetivo de identificar a ‘base comum’ formadora da nacionalidade”. Foi onde se começou
a falar em conceitos que ainda hoje existem em nossas histórias ensinadas: nação, pátria,
nacionalidade e cidadania.

Paralelamente a este requisito tivemos a escola metódica ou positivista sendo posta a serviço
da República Francesa pós-napoleônica quando ocorria aquela que Bourdé e Martin (1984,
p. 110) chamam de “exaltação permanente” da mãe pátria: uma propaganda “nacionalista
desenfreada” trazia em primeiro lugar o que se esperava do aluno-soldado, inflamado por
exemplos e cantos marciais:
Para ser um homem é preciso saber escrever
E em pequeno, aprender a trabalhar.
Pela Pátria, uma criança deve instruir-se

40 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


E na escola, aprender a trabalhar.
Soou a hora, marchemos a passo,
Jovens crianças sejamos soldados.
(BOURDÉ; MARTIN 1984, p. 110)

Esse canto citado ao nível da escola maternal e do atual Ensino Fundamental entrava em um
clima onde “os manuais de história” selecionavam “os feitos de armas que ilustravam a defesa
do território contra o invasor”. Foi ainda nessa época que Joana d’Arc tornou-se “heroína
nacional, o símbolo da resistência”, uma das figuras mais impressionantes que apareceram na
Terra; nenhum outro povo tinha em sua história “uma Joana d’Arc conforme trazia o Manual
Gautier-Deschamps” (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.111).

No Brasil, segundo Schmidt e Cainelli (2004), a trajetória da História como disciplina teve início
no Segundo Reinado e a partir do colégio Dom Pedro II, sempre sustentada pelas diferentes
concepções e “escolas” históricas como querem Bourdé e Martin (1990).

A República “Velha” brasileira, sob a égide de republicanos “históricos” como Rui Barbosa,
Benjamin Constant e outros, pretendia um Estado presidido pela “ordem e progresso” como
até hoje lemos em nossa bandeira. E este não é outro senão um dístico positivista, que em sua
origem com Augusto Comte (1798-1857) se acrescentava ainda da palavra “amor”.
Fonte: PHOTOS.COM

A Europa era então, principalmente no foco francês, a principal referência de nossos


historiadores como Capistrano de Abreu (1853-1927) na época positivista.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 41


É de Capistrano a tese ensinada em todas nossas escolas, até pelo menos a década de 50 do
século passado, que o Brasil foi descoberto por acaso. Segundo ele, teriam sido as calmarias
as principais responsáveis pelo afastamento da esquadra de Cabral das costas africanas
para o Atlântico Sul, na latitude da atual Bahia. Mesmo após a comprovação da experiência
náutica portuguesa e seu evidente conhecimento de terras que pensavam ser uma grande ilha,
décadas anteriores a Cabral, muitos ainda acreditavam na teoria do acaso.

Historiadores como Tito Lívio Ferreira e outros muitos discutiram até que a intencionalidade no
descobrimento português do Brasil deixasse de ser vista como obra do acaso e assumisse o
caráter de empresa de navegação planejada por uma nação mercantilista, visto o mercantilismo
como a política econômica do capitalismo em sua fase comercial.

Capistrano, como todo historiador positivista, tinha suas preferências e elegia seus ídolos ou
desafetos, como podemos comprovar em notas sobre sua obra compiladas por José Honório
Rodrigues (1979) no seu “História da História do Brasil (tomo I, fase colonial)”:

“Capistrano de Abreu, que não foi muito simpático à oratória do Padre Vieira, escreveu a
João Lúcio de Azevedo (historiador português) em 14 de abril de 1918: entre os colonos e os
jesuítas minha posição é bem definida: sou pelos jesuítas” (RODRIGUES, 1979, p.478). Essa
parcialidade, que pode ser vista como a parcialidade intencional dos positivistas para colocar
a História a serviço de uma exaltação de valores cívicos e nacionalistas, começou a ceder a
outra “escola”, desta vez a marxista quando o historiador Caio Prado Júnior fez escola entre
nós.

42 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Capistrano_de_Abreu>
João Capistrano de Abreu
(Maranguape, CE, 23 de outubro de 1853 — Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1927) foi um historiador
brasileiro.

Por meio das leituras realizadas, percebemos que Capistrano de Abreu foi um dos primeiros
grandes historiadores do Brasil, produzindo ainda nos campos da etnografia e da linguística.
A sua obra é caracterizada por uma rigorosa investigação das fontes e por uma visão crítica
dos fatos históricos.

Hoje, ao lado desta explicação e de outras, entre as quais avultam as explicações tiradas à
Nova História, herdeira da escola dos Annales de Bloch (1976) e Braudel (o historiador da
longa duração), temos historiadores que pensam em termos de descontinuidade e relação,
uma outra história que procura analisar mitos, textos e rituais, outros que como Henri Marrou,
Paul Veyne ou Michel de Certeau inserem pontos de dúvida sobre a história.

Michel Foucault mostrou, sobretudo, a intenção de “exibir os princípios” da transformação em


curso na história. A história estrutural e serial de Braudel (1965) que se esforçava por tirar
consequências teóricas dos eventos deu lugar à conhecida “Arqueologia do Saber” de 1969.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 43


Aquilo que Bourdé e Martin, comentando Foucault, chamam de mutacionismo “que privilegia
as rupturas bruscas e a emergência de estruturas novas” passou a ser a tônica (1990, p.189).

Bourdé e Martin falam de um corte que configura uma escrita “etnológica que consiste em
distinguir, por detrás da irredutível estranheza, a presença de certo número de invariantes
que se encontram ligados a uma única e mesma natureza humana”, ou ainda, a uma lógica
universal (1990, p.197).

Paul Veyne pode ser visto como um hipercrítico que procura banir da História as filosofias
totalizantes como o marxismo ainda que sua crítica não seja a de um cético do valor histórico:
“a história continua a ser capaz de elaborar um conhecimento autêntico” apesar de parcial, do
homem (BOURDÉ e MARTIN, 1990, p.201).

No nosso país, Brasil, continuamos as reflexões sobre impacto dessas escolas que trazem
o dinamismo à nossa disciplina, mas são muito importantes na medida em que norteiam os
rumos da escola em nível fundamental ou médio, seja qual for o objeto de nossa discussão e,
ainda, os rumos dos estudos universitários ligados à disciplina histórica.

Um desses momentos aconteceu durante o período de ditadura entre 1964 e 1985,


aproximadamente, quando não havia preocupação em resgatar o homem como sujeito de sua
história, mas sim reservar para ele um caráter de mero expectador, dentro da perspectiva de
que o indivíduo serve o seu Estado. Nesse sentido, foram introduzidas no currículo disciplinas
que privilegiavam o civismo em detrimento da crítica ao conhecimento advindo do passado,
como foi o caso da Educação Moral e Cívica.

44 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Fonte: PHOTOS.COM
Ditadura = Não à liberdade de Expressão

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (Lei Federal n. 9.394) procurou readequar
os conteúdos das ciências na direção da democracia e verdadeira cidadania. Sendo assim,
há alguns anos atrás tivemos a composição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s)
programados para servirem de referência em conteúdos e metodologias de ensino para a
estruturação escolar brasileira. “Na área de história, os Parâmetros Curriculares Nacionais
tiveram como proposta fundamental a modificação da estrutura dos conteúdos até então
apresentados”. Mais que isso, “a idéia básica era a transformação dos conteúdos organizados
de forma linear em eixos temáticos” (SHMIDT e CANELLI, 2004, p.14). Atentando-se a este
assunto, aguarde, pois o mesmo será retomado na próxima unidade.

QUAL HISTÓRIA DEVE SER ENSINADA?

A colocação da História como disciplina e não apenas como matéria escolar é um primeiro
passo indicado por Circe Bittencourt (2004) em que ocorre uma explanação sobre conceitos.
A História deve ir além daquela “transposição didática” que caracterizou o nosso passado e

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 45


se situar em um processo dinâmico de produção que obedece a uma finalidade e definição de
métodos que garantam a sua eficácia como “disciplina”.

Mas, afinal, o que é uma disciplina escolar e quais são suas especificidades? Qual tem sido
a participação dos professores na constituição da disciplina de História nas salas de aula?
Segundo Bittencourt (2004, p. 35), “responder à pergunta 'o que é uma disciplina escolar' não
é simples, e existe séria polêmica a respeito desse conceito”.

Para entendermos a disciplina escolar, em seu sentido amplo, é preciso situá-la em um


processo dinâmico de produção. Isto é o mesmo que dizer que toda disciplina precisa ter
estabelecida as finalidades, explicitar os conteúdos a serem ensinados e definir os métodos
que garantam tanto a apreensão de tais conteúdos como a avaliação de tal aprendizagem.

Assim, “cada disciplina formula seus objetivos no intuito de contribuir para uma formação
intelectual e cultural que desenvolva o espírito crítico e capacidades diversas de comparação,
dedução, criatividade, argumentação, lógica e habilidades técnicas, entre outras”
(BITTENCOURT, 2004, p.41).

Um constituinte fundamental da disciplina é, ainda, seu conteúdo explícito que se articula


com os outros componentes da disciplina escolar, que envolve os métodos de ensino e de
aprendizagem.

A avaliação é o momento final do ensino-aprendizagem e tem de estar relacionada a métodos


e finalidades.
Temos afirmado que a concepção de disciplina escolar está intimamente associada à de
pedagogia e à escola e, portanto, ao papel histórico de cada um desses componentes.
Ao concebermos a disciplina escolar como produção coletiva das instituições de ensino,
admitimos que a pedagogia não pode ser entendida como uma atividade limitada a
produzir métodos para melhor ‘transpor’ conteúdos externos, simplificando da maneira
mais adequada possível os saberes eruditos ou acadêmicos (BITTENCOURT, 2004,
p.49).

“Dar aula” é uma ação complexa que demanda do professor o domínio de saberes

46 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


característicos e heterogêneos: o trabalho profissional que se define como “saber docente”
traz a necessidade de liberar esses saberes do professor “e submetê-los ao reconhecimento
por parte dos grupos produtores de saberes da comunidade científica, enquanto um saber
original sobre o qual detêm o controle é um empreendimento que lhe parece condição básica
para um novo profissionalismo” (TARDIFF, 2002, p.232).

Fonte: PHOTOS.COM
Quando pensamos em qual História devemos ensinar, poderemos refletir sobre o que se escreve
a respeito dos objetivos da História no então “curso secundário” (hoje Ensino Fundamental –
nível 2), Emília Viotti da Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.93), num exemplar de 1957 da
Revista de História mas que ainda permanece atual quanto ao seu legado, ressalta:

“A História matéria tem uma finalidade a preencher [...] como a de formar a personalidade
integral do adolescente e, em segundo plano, fornecer-lhe conhecimentos básicos”. A autora
cita como matéria o que hoje tomamos como disciplina, mas à parte dessa diferença avulta a
necessidade de formar antes de informar, no melhor sentido que lhe davam os gregos antigos
quando pensavam em uma educação liberal, voltada para a formação integral do ser humano.

Viotti da Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.94) prossegue se indagando sobre como seria
possível à História preencher tal função, e aí encontramos um mote para a resposta que
buscamos em nossa pergunta-título: “Inicialmente pelo seu caráter informativo, amplia a visão
intelectual, fornece conhecimentos novos. Por outro lado, ela dá margem à expansão do aluno
– oralmente e por escrito”.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 47


A partir da informação básica e obtida por leitura em documento real ou virtual ou, também
aula expositiva, a expressão do aluno será consequente e natural e a esse respeito Viotti da
Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.94) esclarece melhor: “A exposição oral contribui para
dar segurança ao aluno, domínio e controle de si mesmo, hábito de falar em público. Diminui
inibições. Dessa forma, estamos contribuindo para a formação de sua personalidade”.

Nesse ponto, a historiadora passa da informação para a ênfase à formação. Mas encontra
outras aplicações para o conhecimento histórico que podem nos responder sobre qual a
melhor História a ser ensinada:
A História ainda pode também desenvolver o raciocínio indutivo. Educa a imaginação.
Formulando problemas, analisando os porquês, as razões, as condições que explicam
um determinado fenômeno, problemas da sociedade. Enxergar soluções. Mas tudo isto
sempre que a História ensinada permaneça num plano explicativo e não se restrinja
à fastidiosa enumeração de fatos, dados, nomes, geralmente sem significado, e
que são obrigatoriamente decorados pelos alunos (acréscimo e grifo nosso) (apud
BITTENCOURT, 2004, p.94).

Entre os métodos científicos de abordagem como o destacado por Bittencourt, encontramos


os métodos:

• Indutivo – sua aproximação dos fenômenos se encaminha do particular para o geral, ou


seja, parte das constatações mais específicas para as mais abrangentes, numa conexão
ascendente. Podemos partir da biografia do indivíduo inserido em sua sociedade e tempo
de vida para o retrato de uma época histórica, por exemplo.

• Dedutivo – parte das teorias e leis, num âmbito geral, para a ocorrência de fenômenos par-
ticulares, numa conexão descendente. Ou seja, podemos estudar a globalização e então
compreender suas características e aplicações na sociedade brasileira.

Percebemos que o pensamento de Viotti da Costa é basicamente ilustrativo para que


entendamos a História não mais como uma matéria meramente decorativa, mas sim como
uma disciplina que nos permite a apropriação de um conhecimento científico que tem um
método e atende a uma finalidade.

48 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Embutida na reflexão acima, podemos agora inferir a distância que vai de matéria à disciplina:
da centralização do conteúdo na informação à passagem para um conjunto ordenado de
conhecimentos que se relaciona a outros e com eles interage sempre em prol do aumento do
saber.

Leia trechos de um artigo retirado de <http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html> que


completa nossas discussões realizadas até aqui.

O Espírito dos Annales:


Lucien Febvre, Marc Bloch e Fernand Braudel
Angela Birardi, Gláucia Rodrigues Castelani,
Luiz Fernando B. Belatto
Fonte: <www.annales.rtf>. Acesso em: 01 jun. 2011.
Lucien Febvre
O historiador, na chamada “escola metódica”, não poderia, portanto, escolher os fatos, pois a escolha
era a própria negação da obra científi ca. Tal conceito foi amplamente criticado e recusado pelo grupo
dos Annales, personifi cado sobremaneira, na fi gura de Lucien Febvre. Para o historiador “toda história
é escolha” (FEBVRE: 1989, 19), pois o historiador cria os seus materiais, ou se se quiser, recria-os;
em outras palavras, o historiador parte para o passado com uma intenção precisa, um problema a
resolver, uma hipótese de trabalho a verifi car.
Nesse sentido, Lucien Febvre enfatiza, em seu legado intelectual, a importância e, não obstante,
a necessidade de uma história engajada que compreende e faz compreender, isto é, uma ciência
humana constituída por fatos e textos, capazes de questionar e problematizar a existência humana…
“Peço-lhes que vão para o trabalho à maneira Claude Bernard, com uma boa hipótese na cabeça. Que
nunca se façam colecionadores de fatos, ao acaso, como dantes se fazia pesquisadores no cais”. Em
outras palavras, Lucien Febvre propunha uma História não automática, mas sim problemática. Este
foi o grande ensinamento de Lucien Febvre, bem como do grupo dos Annales: formular uma história
engajada, cujo objetivo principal fosse responder às lacunas inerentes à condição humana.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 49


Marc Bloch
Marc Bloch esforçou-se por refletir sobre o método em história, tendo em conta a experiência do grupo
dos Annales. O seu manuscrito que ficou incompleto, foi ordenado e publicado posteriormente por
Lucien Febvre sob o duplo título: Apologie pour l´histoire ou Métier d´histoiren. Bloch mostra-se ligei-
ramente menos crítico do que Lucien Febvre a respeito da “história historicizante”. Aprecia a aquisição
da erudição do século XIX. Para ele a escola alemã (Fustel de Coulanges), desenvolveu a erudição a
sua categoria intelectual. “O historiador foi levado à banca de trabalho”.
Tanto Bloch como Febvre, condenam a falta de ambição dos historiadores “positivistas”. Estes, “’muito
preocupados, dada sua educação primeira, pelas dificuldades, as dúvidas, os freqüentes recomeços
da crítica documental, tiraram destas constatações, antes de tudo, uma lição de humildade desiludida.
A disciplina à qual votavam os seus talentos não lhes pereceu, afinal de contas, capaz, nem no pre-
sente, de conclusões bem seguras, nem no futuro de muitas perspectivas de progresso’”. (MARTIN:
2000, 125)
Com relação aos documentos históricos, Bloch afirma que o “stock de documentos”, de que a história
dispõe não é limitado; sugere não utilizar exclusivamente os documentos escritos e recorrer a outros
materiais: arqueológicos, artísticos, numismáticos, etc. Bloch não entende apenas explorar novos
documentos, que também descobrir novos domínios. Mais que qualquer outro responsável dos Anna-
les, orienta-se para a análise dos fatos econômicos. Neste campo, é influenciado, sem o reconhecer
explicitamente, pela obra de Karl Marx, que o incita a relacionar as estruturas econômicas e as classes
sociais; e é inspirado pelas investigações do economista F. Simiand, do historiador H. Hauser, que o
empenham na apreciação das flutuações econômicas na base das séries de preços.

Fernand Braudel
Publicado pela primeira vez em 1949, a obra O Mediterrâneo na Época de Felipe II, representou a
inovação metodológica para o estudo histórico. Tal obra, característica do espírito dos Annales, volta
às costas para a tradição da “história historicizante”.
Fernand Braudel, em certo momento na sua obra, ao dar atenção à “história batalha”, fez uma conces-
são à escola “positivista”, cuja posição continua forte na instituição universitária; todavia, como digno
representante da escola dos Annales, relega esses acontecimentos para segundo plano.
Durante mais de vinte anos, de 1946 a 1968, em primeiro lugar junto de Lucien Febvre, depois sozinho
nos comandos, dirige a revista Annales, preside a 6.ª seção da Escola Prática dos Altos Estudos, ocu-
pa uma cátedra no Colégio de França, guia as investigações de inúmeros historiadores debutantes.
Braudel, de maneira geral, permanece fiel às orientações de Lucien Febvre e de Marc Bloch: louva a
unidade das ciências humanas, tenta edificar uma “história total” e mantém a ligação entre o passado
e o presente. “’Depois da fundação dos Annales…, o historiador quis-se e fez-se economista, antropó-

50 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


logo, demógrafo, psicólogo, lingüista… A História é, se se pode dizer, um dos ofícios menos estrutura-
dos da ciência social, portanto um dos mais fl exíveis, dos mais abertos… A História continuou, dentro
desta mesma linha, a alimentar-se das outras ciências do homem… há um história econômica…, uma
maravilhosa história geográfi ca…, uma demografi a histórica…; há mesmo uma história social… Mas
se a história omnipresente põe em causa o social no seu todo, é sempre a partir deste movimento do
tempo… A História dialética da duração… é o estudo do social, de todo o social; e portanto do passado
e portando também do presente”. (MARTIN, 2000, p. 131)
Apesar de se proibir de instaurar um “historicismo” - uma espécie de imperialismo da explicação
histórica -, Fernand Braudel nem por isso deixa de colocar a sua disciplina em posição dominante, na
encruzilhada das ciências humanas.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Nesta primeira unidade, procuramos nos aproximar do universo da História, buscando pelas
suas origens e sentidos dados a palavra História. Vimos o quanto esta ciência do tempo é
necessária para o entendimento da sociedade em suas diversas nuances do passado ao
presente ou vice-versa.

Há também de considerar que a disciplina História percorreu um bom caminho para chegar
ao entendimento do que concebemos hoje. De origem tradicional apoiada no positivismo,
passou a ser concebida como uma disciplina essencial na formação do cidadão consciente e
participativo, embora entendamos que cidadania seja um direito não possível de ser formado,
mas sim uma visão de conscientização ao exercício pleno desta cidadania.

Na unidade seguinte, nos remeteremos às mudanças e permanências dos métodos do Ensino


de História, bem como à ação docente objetivando a formação global de nossos educandos.

ATIVIDADE DE AuTOESTuDO
1. Inicialmente, procuramos nesta unidade refl etir sobre a origem da palavra História e os
sentidos dados a ela, segundo o historiador Glénisson. Assim, procure explicar e dar
exemplos para os três sentidos da palavra História.

2. Ainda nesta primeira unidade, discutimos o ensino de História e suas várias perspectivas.
Neste sentido, estabeleça um contraponto entre a concepção positivista e a Nova His-
tória ressaltando aspectos como a utilização de documentos, o enfoque do estudo, a
METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 51
visão do herói e a temporalidade.

3. Leia novamente o subtítulo “Qual História deve ser ensinada?” e posicione-se criticamen-
te diante da disciplina escolar História. Lembre-se de diferenciá-la de matéria escolar.

APROFuNDANDO NOSSOS ESTuDOS:


Para aprofundamento de nossos estudos, leia as “Diretrizes Curriculares da História para a
Educação Básica” disponível na página do Portal Educacional do Estado do Paraná:
<www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>.

52 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


UNIDADE II

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO ENSINO


DE HISTÓRIA
Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender que ensinar História é criar a possibilidade de investigação, sem


separar o ensino da aprendizagem e da pesquisa.

• Reconhecer que o professor de História é um sujeito histórico inserido em um grupo


social no qual interage e, por isso mesmo, tem um papel fundamental na construção
do conhecimento histórico por parte dos alunos.

• Destacar os conhecimentos prévios dos alunos como ponto de partida e das metas
de aprendizagem.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Mudanças e permanências nos métodos da História escolar

• Concepções de conteúdos escolares de aprendizagem

• A formação de conceitos

• A formação do professor de História e o cotidiano de sala de aula


INTRODUÇÃO

Toda ciência tem seus métodos de abordagem e procedimento, e são eles que mostram a
nossa orientação ideológica.

Um historiador que seja herdeiro da escola dos Annales francesa como vimos na primeira
unidade e, portanto se inclua entre os neo-historiadores, obedece a uma linha mestra que foi
demarcada pelos “fundadores” da corrente, Marc Bloch e Lucien Fèbvre, na década de 40 do
século passado.

Estudamos que tanto Bloch (historiador) como Fèbvre (geógrafo) se insurgiram contra o
rigorismo da escola metódica (positivista) e ampliaram o sentido de documento histórico.
Trouxeram para o estudo de nossa disciplina as outras ciências coirmãs, tais como a Geografia,
a Sociologia, a Antropologia e até a Arqueologia o valor que cada uma merece.

A segunda geração da Nova História – Fernand Braudel liderando – além de incluir a Geografia,
o espaço como básico, ampliou o conceito de tempo da curta duração (fatos e datas) para a
média (conjuntura) e mais notadamente para a longa duração, os séculos onde aparecem mais
nítidas as estruturas históricas. Assim, o feudalismo tinha uma estrutura diferente do sistema
capitalista que o seguiu, tais mudanças sendo sempre marcadas por época de transição onde
coexistem o velho e o novo até que este último definitivamente se instale. Esta é a formação
que vai estabelecer o perfil do professor que está se formando para partir e formar o quadro
docente que informa e forma os alunos em sala de aula.

Assim, nesta unidade, estudaremos as concepções de conteúdos escolares e de aprendizagem,


dando ênfase às atuais propostas que colocam o conhecimento como centro de todo o
processo ensino-aprendizagem.

Discutiremos, ainda, a formação de conceitos, considerando os conhecimentos prévios dos


alunos e o papel de relevo que o professor merece. Isto porque acreditamos que ele exerce

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 55


função fundamental neste processo de ensino-aprendizagem.

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NOS MÉTODOS DA HISTÓRIA ESCOLAR

Por muito tempo, a escola denominada elementar ou escola primária como era conhecida, era
o lugar de ensinar a “ler, escrever e contar”. Para o ensino da leitura, os professores deveriam
utilizar, entre outros, a “Constituição do Império e a história Geral”. O objetivo maior era o
fortalecimento do senso moral por meio de deveres para com a Pátria e seus governantes. O
que, segundo Bittencourt (2004), se acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX.
Seguindo preceitos do Positivismo, a escolarização das classes populares incluía
ensinar a História para “inculcar determinados valores para a preservação da ordem,
da obediência à hierarquia, de modo que a Nação pudesse chegar ao progresso,
modernizando-se segundo o modelo dos países europeus” (BITTENCOURT, 2004, p.
64).

Nesta prerrogativa, aprender História significava memorizar nomes, fatos e datas, repetindo
exatamente o que estava escrito nos livros ou copiados nos cadernos. Não precisamos ir longe
para constatar tal afirmação. Ainda hoje é possível verificar professores que se recusam a
inovar e acompanhar as tendências atuais para o ensino e se gabam na sala dos professores,
por exemplo, que seus alunos já “terminaram mais um caderno” ou que “todos vão bem às
provas, afinal, faz uma revisão dando-lhes um questionário para responder e cobra tal e qual
na prova”.
A História, segundo o método catecismo, era apresentada por perguntas e respostas, e
assim os alunos deviam repetir, oralmente ou por escrito, exatamente as respostas do
livro. Como castigo, pela imprecisão dos termos ou esquecimento de algumas palavras,
recebiam a famosa palmatória ou férula. O sistema de avaliação era associado a
castigos físicos (BITTENCOURT, 2004, p. 67).

O “aprender de cor” tem sido uma constante desde fins do século XIX. O que nos chama a
atenção é a perpetuação de um sistema que por vezes sofreu críticas e continua perpetuan-
do-se, muitas vezes, em nossas escolas. Mas, precisamos ainda considerar que memorizar
conscientemente é diferente de “aprender de cor”, ou memorizar mecanicamente.

56 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Fonte: PHOTOS.COM
Se por um lado tal método nos incomoda até hoje, a situação se agravou ainda mais quando
a partir dos anos de 1930 os Estudos Sociais passaram a construir disciplina escolar nas
“escolas primárias” em substituição à História, à Geografia e ao Civismo. Tal substituição
visava à integração do indivíduo na sociedade, devendo os conteúdos auxiliar a inserção do
aluno na comunidade da qual fazia parte.
Os Estudos Sociais foram adotados em algumas escolas denominadas “experimentais”
ou “vocacionais”, no decorrer da década de 60, e depois da reforma educacional na
fase da ditadura militar, pela Lei 5.692 de agosto de 1971, a área foi introduzida em todo
o sistema de ensino – o qual então passou a se chamar de primeiro grau -, estendendo-
se para as demais séries do antigo ginásio (BITTENCOURT, 2004, p. 73).

Vale ressaltar que tal mudança provocou um esvaziamento de cada uma das disciplinas,
uma vez que agora, todas elas se diluíam, assim como as categorias e conceitos básicos
provenientes das ciências de referência. Assim, os métodos, que antes eram destinados à
memorização, passaram a se tornar vitais para o bom resultado do então chamado Estudos
Sociais, devendo destacar a observação e descrição do meio local. As crianças das escolas
primárias deveriam observar e descrever situações de trabalho, a organização das ruas e
praças, os transportes etc. O mais importante era criar uma atmosfera pedagógica, “para
formar, a partir da escola, um indivíduo socialmente eficiente para o sistema” (BITTENCOURT,
2004, p. 75).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 57


Fonte:<pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes>
Tiradentes

As datas cívicas e as comemorações dos feitos dos heróis e dos grandes acontecimentos
políticos nacionais eram, na prática, os únicos conteúdos históricos para os alunos da escola
primária.
O professor deveria manter uma atitude de neutralidade diante de todos os
acontecimentos históricos do passado ou do presente. A constante solicitação da
postura neutra do professor evidenciava, paradoxalmente, o caráter político da disciplina
(BITTENCOURT, 2004, p. 89).

É possível percebermos que todas as mudanças dos anos de 1970 para o ensino de História
estavam ligadas especificamente aos métodos e técnicas, como deixamos evidente em nossas
discussões, e visavam adequar-se a determinado e reduzido conhecimento histórico, sem que
essencialmente os conteúdos fossem alterados, mas apenas simplificados e resumidos.

Contudo, todos os esforços por reformulações que se iniciaram no fim dos anos 80 do século
passado ganharam força nos anos 1990 decorrente da nova configuração mundial, que
impunha um modelo econômico para submeter todos os países à lógica do mercado.

Vale lembrar que esta série de reformulações curriculares não foi exclusiva em âmbito nacional.
Outros tantos países também sofreram mudanças em seus currículos oficiais, e muitas

58 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


dessas propostas curriculares, como as dos países integrantes do Mercosul, a de
Portugal e a da Espanha, possuem a mesma estrutura na organização dos documentos
oficiais e a mesma terminologia pedagógica (BITTENCOURT, 2004, p. 100).

Consagrando-se como tendências atuais, a partir do fim da década de 1980, criaram-se várias
propostas curriculares de História para o Ensino Fundamental, além dos PCN’s que explicita-
remos ainda nesta unidade. Essas propostas tiveram em comum algumas características que
passamos a considerar tal como fez nossa historiadora e professora Circe Bittencourt em seu
livro intitulado “Ensino de História: fundamentos e métodos”, publicado pela primeira vez
em 2004 pela Editora Cortez em sua coleção Docência em formação: ensino fundamental (pp.
111-112).
• A alteração nas formulações técnicas dos textos curriculares, que passaram a
apresentar fundamentações sobre o conhecimento histórico e sobre os demais
tópicos da disciplina;
• A preocupação com a implementação dos currículos, buscando sua legitimidade
junto aos professores, justificando sua produção e procurando diluir formas de
resistência aos documentos oficiais;
• A redefinição do papel do professor, fornecendo-lhe maior autonomia no trabalho
pedagógico, concepção esta expressa na ausência de um rol de conteúdos
estabelecidos de forma obrigatória para cada série ou ciclo;
• A apresentação mais detalhada dos pressupostos teóricos e metodológicos do
conhecimento histórico;
• A fundamentação de maneiras diversas, mas tendo como princípio que o aluno é
sujeito ativo no processo de aprendizagem;
• A aceitação de que o aluno possui um conhecimento prévio sobre os objetos de
estudos históricos, obtido pela história de vida e pelos meios de comunicação, o
qual deve ser integrado ao processo de aprendizagem;
• A introdução dos estudos históricos a partir das séries iniciais do ensino fundamental.

A partir destas características, podemos fazer uma contraposição entre a História tradicional
e as tendências atuais.

Da preocupação do estudo dos fatos e a ênfase na história dos fatos políticos, debaixo da
tentativa irreal de “neutralidade” do historiador, passamos a uma história em que todos os

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 59


componentes da mesma são vistos como homens e suas esferas de atuação (da política à
econômica, da social à ideológica) são vistas em interação recíproca.

Fonte: PHOTOS.COM
A transdisciplinaridade é uma característica dessa nova tendência, em que história se relaciona
com a sociologia, antropologia cultural, filosofia e outras ciências do homem, até a psicologia
(ênfase ao inconsciente coletivo, por exemplo). Mas este é um assunto para tratarmos daqui
a pouco na unidade IV. Aguarde!

O estudo das origens da genealogia das nações, com o objetivo de formar o cidadão patriota
voltado para o legado europeu, cedeu lugar à integração do educando em um meio cada vez
mais amplo, que evita o estudo do passado pelo passado e tem sempre em mente o presente.
Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin>

Edgar Morin

Só o conhecimento crítico do passado permite a construção da cidadania tal como se pretende


hoje, com o desenvolvimento de um senso histórico-crítico. Na apreensão da pluralidade da

60 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


memória humana parece estar o caminho e não apenas na memória nacional. É esta uma
das preocupações de Edgar Morin (2001), quando afirma como o pensamento é complexo e
quantas lacunas estão aí embutidas sem que nos apercebamos disto.

Nesse sentido, recomendamos a leitura da obra: “Introdução ao pensamento complexo”


em que o autor aborda aqueles que consideram os atos inibidores do conhecimento em nossa
sociedade. Para ele, “o pensamento complexo é animado por um saber não parcelar, não
fechado, não redutor e pelo reconhecimento do inacabado, do incompleto, que isola todos
os objetos daquilo que os envolve” (MORIN, 2001, p.18). O autor propõe distinguir ideias sem
separar, associar, identificar ou reduzir.

Todas essas modificações deslocam o professor do papel de transmissor do saber pronto e


acabado para um professor mediador entre o aluno e a produção do próprio conhecimento que
este aluno efetua, atuando como sujeito de suas operações mentais que o levam a recuperar
a historicidade e apreender conceitos que levem às sínteses visadas como o ponto mais alto
da escalada do conhecimento.

Aliás, desde que a Revolução da Informática (1970), quando os computadores se uniram às


telecomunicações (Internet), a informação está ao alcance de todos e fica claro que o professor
não tem mais o monopólio da informação. A flexibilidade necessária à docência inclui então
ser além de um informante: um formador de consciências críticas e criativas, capazes de
pensarem por si mesmas.
Fonte: PHOTOS.COM

A avaliação passa, a partir daí, por um processo de revisão que inclui a eliminação da

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 61


“avaliação bancária” apontada por Paulo Freire e sua substituição por outra avaliação. Esta se
define agora como diagnóstica, processual e formativa e, segundo Schmidit e Cainelli, busca
“o crescimento do aluno e não sua classificação e exclusão” (2004, p.17).

Hobsbawm, na sua obra “Era dos Extremos”, lembra que a destruição do passado é um dos
fenômenos mais “lúgubres” enfrentados pelo historiador hoje (1995, p.13) e recoloca a história
no verdadeiro papel que também vem enfatizado por autores nacionais como José Murilo
Carvalho:
Nada do que é humano será agora alheio ao historiador. Daí a multiplicação de estudos
sobre a cultura, os sentimentos, as idéias, as mentalidades, o imaginário, o cotidiano.
E também sobre instituições e fenômenos sociais antes considerados de pequena
importância, se não irrelevantes, como o casamento, a família, organizações políticas
e profissionais, igreja, etnias, a doença, a velhice, a infância, a educação, as festas e
rituais, os movimentos populares (1998, p.454).

Portanto, a construção de uma memória social exclusivamente nacional cederá lugar a


uma memória que fale da identidade humana e considere a simetria entre as culturas para
erradicar os preconceitos que fortalecem os inimigos da democracia, como acontece com os
totalitarismos de toda espécie.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. Ensaios. Bauru: Edusc,
2005. (Coletânea de ensaios em que o autor discute questões pertinentes ao ofício do historiador).

CONCEPçÕES DE CONTEÚDOS ESCOLARES E DE APRENDIZAGEM

Quando nos anos 80 do século XIX houve uma tentativa oficial, no campo da legislação, de
descaracterizar a História e a Geografia e uni-las pelo nome comum de Estudos Sociais, a

62 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


questão do conteúdo da disciplina histórica se fez mais aguda.

Além disso, ao longo de muitas décadas do século passado e mesmo deste que se inicia, a
questão do conteúdo programático tem-se apresentado como um problema para a maioria
dos professores. Muitos deles sentem dificuldades de contemplar todos os itens a serem
ministrados em suas aulas e, quase sempre, os fatos mais atuais ficam por serem vistos, em
detrimento do passado que é sempre estudado quase sem ligação com o presente.

Nélio Bizzo, professor da USP, nos adverte que professores polivalentes, ou seja, que ministram
todas as disciplinas como é o caso dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
carecem de domínio dos conteúdos específicos como os de História. Isto porque a disciplina
que ora discutimos possui complexidades que vão além de “saber” os conteúdos, é preciso
dominar os eixos estruturantes da disciplina que transpassam todos os conteúdos como o
domínio da temporalidade.

Há professores que ainda hoje consideram o aprender como equivalente a memorizar,


dominar muitas informações de acontecimentos de uma história nacional, datas, episódios,
heróis e seu desempenho, a chamada História factual de curta duração que Braudel (1965),
da segunda geração de neo-historiadores franceses, criticou e propôs substituir pela longa
duração.

Ainda que admitisse que a ideia de tempo estivesse ligada ao pensamento do historiador como
a terra adere à pá do jardineiro, Braudel (1965) pensava em estruturas que duravam por um
tempo bem mais longo do que aquela ocupada por uma simples batalha.

Nas diferentes formas de produzir currículos escolares, os conteúdos são fundamentais ainda
que permitam a comparação entre os currículos ideais, os da teoria e o currículo real. Tudo
envolve, ainda, o currículo oculto ou aquele que está implícito nas formulações oficiais e que é
o resultado da orientação pedagógica, da ideologia que se pretende contemplar.

Como escreve Circe Bittencourt (2004), um debate que então se possa instalar é benéfico na

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 63


medida em que permite avanços para a seleção de conteúdos como fruto de uma concepção
que orienta o processo de ensino-aprendizagem.

Fonte: PHOTOS.COM
Portanto, a se julgar pelos currículos mais recentes, os conteúdos escolares correspondem
à integração dos vários conhecimentos adquiridos na escola. “Destarte, concebem-se
como conteúdo escolar tanto os conteúdos explícitos de cada uma das disciplinas como a
aquisição de valores, habilidades e competências que fazem parte das práticas escolares”
(BITTENCOURT, 2004, p.106).

Para a História, todos os autores são unânimes em afirmar que a apreensão do conteúdo
envolve não apenas a capacidade dos alunos de dominar informações e conceitos de um
determinado período, mas principalmente a capacidade analítica que permitirá a síntese. Sendo
assim, se faz necessária à habilidade interpretativa do texto, a leitura de tabelas, gráficos e
mapas e esses conteúdos são o “lugar” do saber histórico mais privilegiado.

Convém destacar que informação não é conhecimento. Informação é “matéria-prima”, mas só


se torna conhecimento se for transformada pelo sujeito cognoscente, se fizer sentido para este
e se relacionar com outros conhecimentos já construídos e incorporados.

Seguindo orientações dos PCN’s, mesmo que esses sofram críticas desde sua elaboração

64 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


explicitamos seus objetivos gerais para o Ensino de História (BRASIL, 1997, p.41). Assim,
espera-se que, ao longo do Ensino Fundamental, os alunos gradativamente possam ler e
compreender sua realidade, posicionar-se, fazer escolhas e agir criteriosamente. Nesse
sentido, os alunos deverão ser capazes de:
• Identificar o próprio grupo de convívio e as relações que estabelecem com outros
tempos e espaços;
• Organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permita localizar
acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações
para algumas questões do presente e do passado;
• Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos
tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas e
sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles;
• Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na sua
realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço;
• Questionar sua realidade, identificando alguns de seus problemas e refletindo sobre
algumas de suas possíveis soluções, reconhecendo formas de atuação política
institucionais e organizações coletivas da sociedade civil;
• Utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo histórico,
aprendendo a ler diferentes registros escritos, iconográficos, sonoros;
• Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a
como um direito dos povos e indivíduos e como um elemento de fortalecimento da
democracia.

Para saber mais sobre o assunto, acesse <http://www.zinder.com.br/legislacao/pcn-fund.htm#Hist2> e


conheça os parâmetros que permeiam os caminhos do Ensino de História em nossas escolas.

Se analisarmos a metodologia adotada em nossas escolas hoje, quanto aos objetivos do


ensino da História, teremos especificado para os anos iniciais do Ensino Fundamental itens

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 65


envolvidos em um conteúdo que permita, sobretudo, identificar o seu grupo de convívio e
as relações que entre eles se estabelecem com outros tempos e espaços. Como lemos no
próprio documento emanado do MEC, é necessário “organizar alguns repertórios histórico-
culturais que lhes permitam (aos estudantes) localizar acontecimentos numa multiplicidade de
tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado”
(BRASIL, PCN’s de História e Geografia, 1997, p. 50).

Fonte: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/106543>

A superação do preconceito aparece em outros itens quando se pretende formar uma base de
tolerância para a convivência entre os membros de uma mesma sociedade regional, nacional
e ampliando para a sociedade humana como querem Morin (2001) e outros.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental é importante identificar as relações sociais no


seu grupo de convívio, situar acontecimentos históricos na multiplicidade dos tempos, fazer
a relação com outras disciplinas aprendidas como a Geografia, por exemplo, e novamente,
conhecer e respeitar o modo de vida dos outros, nacionais ou não.

A grande intenção é estabelecer a harmonia, do micro ao macro, visando nossa humanidade


tão atingida pelo fenômeno do “estranhamento” entre culturas, hostilidade motivada pela

66 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


diferença que brota da especificidade de cada grupo.

A valorização do patrimônio sociocultural não escapou aos que pensaram em termos de


PCN’s conforme a orientação vinda da Europa e que foi aplicada à nossa realidade e a busca
da verdadeira cidadania e democracia finalizando, como a síntese do documento.

Muito interessante é o texto anotado por Schmidt e Cainelli que mostram uma menina anônima
de quatro anos se perguntando, como fez o filho de Marc Bloch (1976) ao pai em outra época,
“Como era isso antes de eu estar aqui?” (2004, p.25).

Eis aqui um bom ponto de partida para uma aula e situação da História como um centro de
interesse para nossos alunos, pois reflete a profundidade necessária e permite que se parta do
interesse e da curiosidade e construa um conhecimento verdadeiramente histórico.

Quando trata do ensino da História, no que diz respeito aos conteúdos em sua ligação com
conceitos, Holien Gonçalves Bezerra (apud KARNAL, 2004) não só estuda a nossa lei de
diretrizes e bases de 1996, como também se preocupa com a maneira como os conteúdos vão
capacitar ao que se pretende, em termos de articulação de conhecimentos e valores.

Uma das grandes preocupações desse autor é como tudo o que vem no bojo dos conteúdos
poderá contribuir de uma maneira “efetiva” na sempre invocada “transformação da sociedade”
(BEZERRA apud KARNAL, 2004, p. 37).

É bastante explícito com relação à seleção e organização dos conteúdos e na orientação


primeira de não atender a uma única metodologia.

Senão, vejamos: “A necessária seleção de conteúdos faz parte de um conjunto formado pela
preocupação com o saber escolar, com as capacidades e com as habilidades, e não pode ser
trabalhada independentemente” (BEZERRA apud KARNAL, 2004, p. 38).

Além de enfatizar que os conteúdos são um meio e não um fim em si mesmos, recomenda a

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 67


diversidade na apresentação dos conteúdos, não obstante se imponha sempre a linearidade e
a sequência cronológica, básicas à apreensão do fato histórico.

EXEMPLIFICANDO:

Faça a leitura das imagens abaixo e os fatos relatados:

a)

Fonte: <http://www.jornallivre.com.br/175827/quem-foi-o-imperador-nero.html>

b)

Fonte: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2003/03/10/000.htm>

68 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


c)

Fonte: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2003/03/10/000.htm>

a) “Remorso de Nero”. Nero Cláudio César Augusto Germânico ou Nero Claudius Cæsar
Augustus Germanicus (15 de dezembro 37 - 9 de junho 68) foi o quinto Imperador Roma-
no entre 54 e 68 d.C.

b) Lágrimas de um camponês georgiano por Stalin (foto S. Aizarov/AP).

c) Pôster anti-stalinista.

1. Faça uma comparação estabelecendo diferenças e semelhanças entre a imagem de Nero


e a de um camponês da Geórgia (ex-República Soviética) que chora pela morte de Joseph
Stalin (1924 -1953), que assim como o imperador romano incendiou Roma e matou milhares
de cristãos, se tornou um símbolo de crueldade, contribuindo para a morte de mais de 500 mil
pessoas e prisão e tortura de 5 milhões de cidadãos, numa das mais sangrentas ditaduras da
história.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 69


2. Examine a gravura que tenta representar a crueldade de Stalin. Depois, compare-a à figura
igualmente sanguinária de Nero César que fez tantas vítimas em Roma (lembre-se de quantos
cristãos foram martirizados - queimados vivos como tochas humanas, jogados às feras no
Coliseu e outros martírios que a maldade humana engendra).

3. Coloque as gravuras de Stalin na ordem cronológica, colocando o início da ditadura stalinista


e seu fim. Para isso, pesquise na Internet as datas para dar os limites cronológicos desse
período sangrento que custou muitas vidas humanas. Pesquise também outras informações
relevantes e acrescente na sua linha do tempo. Na Unidade V, pensaremos em termos de
Linha do Tempo e detalharemos o assunto para seu melhor entendimento.

Essas imagens obtidas pela indicação dos nomes (Nero, Stalin) no site da Google são muito
eloquentes e permitem uma reflexão em termos Históricos a envolver mentalidades e datas--
-limite que são sempre necessárias para o bom entendimento da disciplina.

A temporalidade cronológica ao lado da temática são importantes componentes daquela a


qual chamamos hoje de História integrada que atende não só ao conteúdo como fim, mas
também à necessidade de capacitação envolvida na apreensão desses conteúdos.

Bezerra (apud KARNAL, 2004, p. 40) lembra, ainda, alguns cuidados especiais com relação
aos conteúdos: “o primeiro se refere ao envolvimento do aluno com o objeto de estudo que está
sendo trabalhado” e, em seguida, jamais descuidar da preocupação com o desenvolvimento
das habilidades cognitivas que fazem parte dos horizontes dessas propostas pedagógicas.

Trabalhar historicamente os temas e objetos em pauta parece ser a prioridade que se impõe
quanto aos conteúdos de História. Neste sentido, passamos a apresentar resumidamente as
transformações do ensino de História no Brasil.

70 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


ENSINO ENSINO DE ESTUDOS TENDÊNCIAS ATUAIS
TRADICIONAL SOCIAIS
VISÃO DA Preocupação com o Interdisciplinaridade das História como história de
CIÊNCIA estudo dos fatos, ciências sociais todos os homens e não
neutralidade do (História, Geografia, somente de heróis. Inclusão
historiador e da Antropologia e de novas contribuições
explicação histórica. Sociologia). Predomínio historiográficas: história
Enfase na história do ensino de estudos economica, cultural e social.
dos fatos políticos e sociais. Estudo das Análise do fato histórico
na história como sociedades no substituída por outras
produto da ação de transcorrer do tempo possibilidades, como análise
indivíduos, de heróis. como objetivo do ensino. do processo histórico e da
História considerada experiência dos sujeitos da
como ciência que história. Incporporação dos
estuda novos temas e objetos da
exclusivamente o História, como a história das
passado. mulheres, a das crianças e a
dos movimentos sociais.
FUNÇÃO DO Estudo das origens Integração do educando Contribuição para a
ENSINO das nações. Objetivo em um meio cada vez construção da cidadania.
de formar o cidadão mais amplo. Estudo da Desenvolvimento de
para a pátria e história do presente, raciocínios historicamente
construir identidades evitando o estudo do corretos. Aquisição da
nacionais. Estudo dos passado pelo passado. capacidade de análise da
legados, Formação de cidadãos relação presente-passado.
principalmente para a sociedade em Apreensão da pluralidade de
daqueles da desenvolvimento, memórias, e não somente da
civilização européia. democrática e industrial. memória nacional.
Compreensão da Preocupação com as
nação brasileira como finalidades do ensino de
fruto da integração História no mundo
entre três raças: contemporâneo.
branca, índia e negra.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 71


72 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância
MÉTODO Formal e abstrato, Baseado no ensino por Tem como referência a
sem relação com a atividades. Ênfase na própria ciência. Recuperação
vida do aluno. pesquisa e no trabalho do método da História em
Conteúdos e métodos em grupos. sala de aula. Preocupação
sem objetivo de com a transposição didática:
desenvolver a relação entre saber
criticidade. científico, saber a ser
Predomínio do ensinado, saber ensinado,
“ponto” (texto sobre saber aprendido e prática
determinado social. Valorização do uso de
conteúdo), documento histórico em sala
questionário, testes e de aula. Incorporação de
múltipla escolha e novas linguagens e
exercícios com tecnologias no ensino da
lacunas a serem História, como análise de
completadas. filmes e uso da informática.

AVALIAÇÃO Avaliação centrada no Baseada em objetivos Diagnóstica, processual,


professor. Avaliação previamente propostos. formativa. Busca o
de resultados, do Avaliação do processo, crescimento do aluno e não
produto da e não do conteúdo. sua classificação e exclusão.
aprendizagem,
baseada na
memorização de
informações
transmitidas pelo
professor. Avaliação
classificatória.

Retirado da obra: Ensinar História, de Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli. São Paulo:
Scipione, 2004. (Pensamento e ação no magistério). (pp. 15, 16 e 17).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 73


A FORMAÇÃO DE CONCEITOS

O conhecimento histórico que aqui nos propomos a analisar não se limita a apresentar o fato
no tempo e no espaço acompanhado de documentos que comprovem e dão legitimidade a sua
existência. É preciso considerar os sujeitos que os produziram para buscar uma explicação
plausível. “E para explicar e interpretar os fatos, é preciso uma análise, que deve obedecer a
determinados princípios. Nesse procedimento são utilizados conceitos e noções que organizam
os fatos, tornando-os inteligíveis” (BITTENCOURT, 2004, p. 183).

Pensando sobre a formação de conceitos, podemos nos interrogar: como nossas crianças
aprendem conceitos? É possível a crianças de qualquer faixa etária dominar conceitos?

Tomando como referência os pensamentos do pesquisador russo L. S. Vygotsky (1896 –


1934), acreditamos que há uma proximidade entre os conceitos espontâneo e o científico.
Na passagem do conhecimento espontêno para o científico não há necessariamente o
desaparecimento do primeiro, mas modificações de esquemas intelectuais anteriormente
adquiridos. Tal teoria recai sobre a aquisição social dos conceitos.

Observando a dinâmica do processo de formação de conceitos, Vygotsky chegou a algumas


conclusões que passamos a destacar:
• A percepção e a linguagem são indispensáveis à formação de conceitos;
• A percepção das diferenças ocorre mais cedo do que as semelhanças porque existe
uma estrutura de generalizações e de conceituação mais avançada;
• O desenvolvimento dos processos que resultam na formação de conceitos começa
na infância, mas as funções intelectuais que formam a base psicológica do processo
de formação de conceitos amadurecem e se desenvolve somente na adolescência;
• A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas
as funções intelectuais básicas (atenção deliberada, memória lógica, abstração,
capacidade para comparar e diferenciar) tomam parte;
• Os conceitos novos e mais elevados transformam o significado dos conceitos
inferiores (VYGOTSKY, 1991).

74 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Neste sentido, o conhecimento prévio dos alunos é a condição necessária para a construção
de novos significados e esquemas.

Outro aspecto bastante relevante sobre a formação de conceitos, tratado por Vygotsky (1991),
diz respeito aos processos cotidianos, à experiência pessoal da criança e a instrução formal,
à aprendizagem em sala de aula, que em seu entender, desenvolvem dois tipos de conceitos
que se relacionam e se influenciam constantemente.

Nesse aspecto, contesta Piaget, por ter sobre esse assunto um ponto fraco na sua teoria,
uma vez que para Piaget os conceitos “espontâneos” que constituem as ideias da criança
acerca da realidade são independentes dos conceitos científicos, decisivamente influenciados
pelos adultos e que vão gradativamente substituindo os primeiros. Vygotsky acredita que
os conceitos espontâneos e os científicos não estão em conflitos, pois fazem parte de um
mesmo processo, ainda que se formem e se desenvolvam sob condições externas e internas
diferentes e motivadas por problemas diferentes.

Segundo ele, nas experiências cotidianas, a criança centra-se nos objetos e não tem consciência
de seus conceitos (por exemplo, usa corretamente o conceito de município, mas não é capaz
de fazê-lo numa situação experimental), ao passo que nos conceitos aprendidos na escola,
em colaboração com o adulto, consegue resolver melhor problemas que envolvem o uso
consciente do conceito. No entanto, seus estudos confirmaram a hipótese de que os conceitos
espontâneos e os conceitos científicos, inicialmente afastados porque se desenvolvem em
direções contrárias, terminam por se encontrar [...].

Pode-se dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente


(indutivo), enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente (dedutivo)
(VYGOTSKY, 1991, p.93).

Contudo, Vygotsky afirma que é necessário que o conceito espontâneo tenha alcançado certo
nível para que o conceito científico correspondente seja internalizado. Eles dependem e se

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 75


constroem a partir dos conceitos cotidianos.

Fonte: PHOTOS.COM
Vygotsky

Antes do ingresso na escola, a criança já construiu um conjunto de conhecimento informal,


produto do desenvolvimento ontogenético a partir de suas experiências e que constitui o seu
sistema de crenças sobre o mundo, a influenciar profundamente a obtenção do conhecimento
formal, que se dará de forma planejada pela aprendizagem escolar.

Considerando então que o aluno traz uma riqueza de conhecimentos sobre o mundo e seu
funcionamento que, na maioria das vezes, entram em conflito com o que é imposto pela escola
e tem de ser aprendido, como o professor pode agir para que os estudantes não rejeitem
esses conhecimentos, não tenham dificuldades em assimilá-los ou, ainda e principalmente,
não deem “repostas corretas” apenas para cumprir tarefas escolares sem sentido e inúteis?

76 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Para os professores, esta tarefa não é fácil, porque implica uma revisão tanto de conteúdos
quanto de metodologias. Para que as práticas pedagógicas sejam mais adequadas à formação
de conceitos científicos, algumas sugestões são apontadas com o intuito de primar pela busca
do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade:
• As idéias que o aluno traz para a escola são necessárias para a construção de
significados. Suas experiências culturais e familiares não podem ser negadas. Essas
idéias devem ser aceitas para progressivamente evoluírem, serem substituídas ou
transformadas;
• A resistência para substituir alguns conceitos só é superada se o conceito científico
trouxer maior satisfação: for significativo, fizer sentido e for útil. Os conceitos
científicos com maior grau de aplicabilidade, que explicam um maior número de
situações e resolve um maior número de problemas, facilitam a mudança;
• O diálogo com os alunos possibilita o diagnóstico de suas ideais em vários momentos
da aprendizagem. Da mesma forma, a interação entre parceiros e a observação dos
diálogos travados entre eles;
• Provocar conflito com contra-exemplos pode gerar dúvidas e insatisfação, levando
os alunos a testarem suas concepções;
• Resolver problemas com um plano de atividades cognitivas deve ser estimulado,
uma vez que a simples nomeação das características essenciais e a repetição
de definições não garantem a formação de conceito. Deve-se estimular o aluno a
considerar soluções alternativas para um mesmo problema;
• Deve-se possibilitar ao aluno retomar seu processo de trabalho, explicando suas
idéias e analisando a evolução das mesmas;
• No processo de formação de conceitos, é desejável desenvolver ações de inclusão
– estabelecer se um objeto dado refere-se ao conceito indicado, e de dedução –
reconhecer as características necessárias ou suficientes para incluir ou não os
objetos em um conceito dado;
• Nem todo conceito é passível de experimentação, daí o valor de meios variados:
filmes, explorações de campo, vestimentas do passado, entrevista, etc.

FORMAÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


Por Cleide Nébias (Trabalho apresentado em mesa-redonda no IX Endipe – Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino. Águas de Lindóia, 1998).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 77


É importante lembrar que o ensino sistemático e explícito na escola deve levar o aluno à
reconceitualizações e, principalmente, desenvolver formas de pensar que se estendam para
outras áreas e para situações que transcendam a sala de aula.

Em seu estudo sobre o livro didático, Maria Carolina Bovério Galzerani chegou à conclusão
que já aparece no título do artigo produzido: “belas mentiras” comentando a ideologia nos
estudos sobre o livro didático.

Comentando, assim, a ideologia com o sentido que Marilena Chauí tão bem explica, nossa
autora trata dos conceitos ainda que de maneira indireta, mas de forma a fazer a ligação com
tudo o mais que os autores têm nos apresentado.

Suas conclusões nos levam a inferir que o livro didático, em sua relação dialética (afirmações
X contradições) com a sociedade, ainda tem muito a contribuir, pois contém ainda elementos
que permitem manter a ambiguidade em aspectos vitais que dizem respeito a essa própria
sociedade. É a tentativa de manter a ordem antes do progresso, como ocorre na nossa
bandeira de lema positivista. Em seu título ela se apropria com autorização das ideias de Maria
de Lourdes D. Nosella, que se preocupa com as “belas mentiras” permitidas pela ideologia
subjacente aos livros didáticos.

Um ranço de autoritarismo em prejuízo da ciência como conhecimento é o que ela procura


diagnosticar, bem como a “sobrevalorização do conhecimento dito científico” como mais
importante do que “outros tipos de conhecimento possíveis de serem adquiridos e vivenciados
no cotidiano da vida social ou mesmo da vida escolar” (PINSKY, 2004, p.109).

Os fatos são “senhores de segredos que se deixam revelar com lentidão” (AQUINO; FRANCO;
LOPES, 1980, p.41).

Pensando desta forma, temos de nos render ao fato de que as apreensões do conteúdo e sua
consequente elaboração em conceitos ou partes do entendimento em que se definem palavras
e ideias envolvem não só a episteme ou ciência em si mesma, mas também uma determinada

78 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


forma de tratar o objeto.

Assim, a elaboração de conceitos exige um planejamento de ação e depois um método (do


grego methodo = caminho) para chegar ao que se pretende.

Nesta perspectiva, numa primeira fase teríamos a observação e a análise, e estas se fariam
seguir da formulação de conceitos. Por isso é importante lembrar que “o ponto mais importante
de qualquer processo compreensivo está justamente aí: esta ou aquela forma de tratar o objeto
está intimamente ligada à própria estrutura mental da sociedade em determinada época, ou
seja, à própria visão de mundo, à forma como o objeto é percebido pelo ser que compreende”
(AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980, p.23).

Um conceito, para ser totalmente apreendido, necessita levar em conta a concepção que se
tem da relação entre o ser que compreende e os seres compreendidos sem nunca esquecer a
outra parte importante que é a realidade apresentada.

É essa realidade que vai determinar a fixação dos conceitos teóricos, seguida a ação de
fixação dos mesmos conceitos.

Assim, como apresentam nossos autores citados com muita propriedade, é fundamental
diferenciar história e teoria. Pois “a teoria é a visão geral do que se apresenta e, portanto, é a
priori, o que vai presidir e condicionar a apreensão da realidade” (AQUINO; FRANCO; LOPES,
1980, p.24).

Fernand Braudel, responsável por tantas colocações interessantes ao nosso “ofício”, escreveu
que “a realidade do social, a realidade fundamental do Homem revela-se inteiramente nova
aos nossos olhos e, queiramos ou não, nosso velho ofício de historiador não cessa de brotar
e de reflorir em nossas mãos”.

É essa a verdade que tem de informar a nossa prática, só será importante quando a tarefa de
construir um novo homem à altura do passado e do presente, com vistas às mudanças futuras

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 79


for assumida por nós.

Da história engajada a uma história que vise mesmo à integração do cidadão, existem alguns
conceitos fundamentais.
Fonte: PHOTOS.COM

Holien Bezerra (apud KARNAL, 2004), por exemplo, menciona quais seriam esses conceitos
quando fala de escolaridade básica. Em primeiro lugar, cita a cidadania ou a formação histórica
que contribuem para a vivência do cidadão. Considera ainda o conhecimento histórico como a
compreensão dos processos e dos sujeitos históricos, o desvendamento das relações que se
estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tempos e espaços. A problematização
pode ser um bom método, bem como a prática interdisciplinar.

A ampliação das fontes históricas e a percepção da complexidade das relações sociais


presentes no testemunho individual ou dos fatos é própria da trama histórica.

Enfim, a historicidade dos conceitos históricos envolve um senso muito próprio. “Os conceitos
históricos somente podem ser entendidos na sua historicidade” escreve Bezerra (apud
KARNAL, 2004, p.46). “Isto quer dizer que os conceitos criados para explicar certas realidades
históricas têm seu significado voltado para essas realidades, não sendo possível empregá-
los indistintamente para toda e qualquer situação semelhante”. Mais que isso, “os conceitos,
quando tomados em sua acepção mais ampla, não podem ser utilizados como modelos, mas
apenas como indicadores de expectativas analíticas” e por isso mesmo quando permitem uma
compreensão geral podem receber o nome de “categoria” (BEZERRA apud KARNAL, 2004, p.

80 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


47). E o autor exemplifica: a categoria trabalho, continente, homem, revolução.

O conceito de cidadania, por exemplo, envolve o conjunto de preocupações que informam


o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola e que leva ao
aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício da cidadania dotando de
recursos para atuar e dispor dos instrumentos que a cultura põe à nossa disposição.

Fonte: PHOTOS.COM
Depois que Braudel (1965) demoliu o factual e a ênfase ao político, temos de novo a volta
do político, mas desta vez ao lado do social, do ideológico, do econômico, num todo, como
esferas. Em relação a esta nova visão, temos, sobretudo, o conceito que permite a historicidade,
mas evita o historicismo, como escreve Jaime Pinsky (2004) quando comenta a ciência que
Aristóteles considerava apenas a ciência do particular.

“Esmagado duplamente, de um lado pelo herói, do outro pelo ‘processo’ do qual era vítima
passiva, o homem começa a ser descoberto como agente real da história, como aquele que
atua para que ela possa ocorrer”, resgata de uma forma mais “nobre” a sua “particularidade
mas sem abandonar a sua universalidade enquanto ser humano” (PINSKY, 2004, p.21).

Essas são as principais diretrizes de nosso tempo para tal abordagem.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 81


A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA E O COTIDIANO DE SALA
DE AULA

Munido de conhecimento, baseado em seu próprio meio subjetivo de encarar a História em


suas individualidades, fatos, processos e visão geral possível, o professor tem perante a si o
encargo de transportar tudo isto para a prática.

Isto porque é ele quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação
fundamental no processo de produção do conhecimento (BITTENCOURT, 2004).

E o cotidiano da sala de aula é, ao mesmo tempo, laboratório e palco de sua capacidade


de levar aos seus alunos a historicidade, em conceitos e fatos, a permitir-lhes a apropriação
pessoal de um verdadeiro conhecimento histórico em seu sentido e propriedades.
Fonte: PHOTOS.COM

Circe Bittencout (2004) organizou um precioso volume sobre “O saber histórico na sala
de aula” com a colaboração de vários professores aqui já citados, como Maria Auxiliadora
Schmidt.

Nesse livro que trata dos saberes práticos necessários ao historiador, a professora doutora
Maria de Lourdes Monaco Janotti expressa suas preocupações a respeito do papel que
a história pode – ou não pode – representar a partir do cotidiano de nossas salas de aula
nacionais, amparada nas reflexões de Hobsbawm em obras como a “Era dos Extremos”

82 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


(1995).

O fenômeno indesejável a que ela se refere é “uma inimaginável alienação coletiva de


resultados imprevisíveis” (JANOTTI apud BITENCOURT, 2004, p.42) que pode ocorrer agora,
em plena sociedade dita do conhecimento prescedida pela globalização.
O esquecimento é uma arma poderosa nesse movimento que, não ingenuamente,
promove pela mídia internacional espetáculos regionais – originalmente fruto de
reações à cultura dominante – tornando-os produtos consumíveis pelo público dos talk-
shows (JANOTTI apud BITTENCOURT, 2004, p.43).

Essa é uma importante indicação para um professor fazer sua escolha dentre os temas que
considera relevantes para levar à sala de aula.

Prestigiar temas apenas do passado ou as irrelevâncias do presente são igualmente perigosos,


pois o passado visto em si mesmo não ilustra nem informa o presente. Nem, como escreve a
professora, o presente se explica a partir de si mesmo.

Do passado devem ser destacados fatos que permitam a conexão com o presente e nenhum
aspecto ou esfera deve ser desprezado, da política ao econômico, do social ao ideológico.

Isto tudo tem de ser lembrado, pois se “a História não é o terreno do ‘interessante’ e do
mundo privado enquanto tal”, ao mesmo tempo, “o perigo de ignorar o passado público pode
acarretar a perda da visão dialética da História”. Afinal, conclui a professora Janotti (apud
BITTENCOURT, 2004, p.43), é “a vontade política que leva à crítica e à construção de
projetos futuros”. Para operar a transformação a partir da consciência individual de nossos
alunos, cuja reflexão tem de ser convenientemente suscitada, temos de partir de suas
próprias experiências cotidianas e encaminhá-los à linguagem culta própria da ciência e aos
conhecimentos sistemáticos característicos da ciência, de forma planejada, paulatina, onde
os problemas sejam apresentados em forma crescente mas cuidadosa para não assustar ou
fazer desinteressar pela incapacidade de apreender.

Janotti cita Durmeval Trigueiro Mendes (apud BITTENCOURT, 2004, p.44) quando alerta aos

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 83


líderes educacionais da necessidade que vem imposta pela compreensão de que “toda ação
eficaz, sobretudo no mundo de hoje, é antes de tudo a ação que muda a consciência – a
própria e a dos outros”. Eis aí um momento de relevância, pois a professora da USP nos
alerta para a necessidade de revisarmos bem o nosso papel de intelectuais “orgânicos” como
pensava Gramsci, quando o intelectual italiano ressaltava que os professores estão sempre,
ainda que inconscientemente, engajados num processo de construção de um Estado... que o
Estado quer.

O que Janotti pretende, afinal, é que ao professor não passem desapercebidos aqueles
“segredos” que existem nas sociedades, ou que não caiam nas armadilhas postas em seu
caminho intelectual pelas ideologias vigentes.

Refletindo sobre o tema, examine o que se diz sobre o quadro-negro.

Fonte: PHOTOS.COM

O quadro-negro fez e faz parte do cotidiano de nossas salas de aula e, desde o advento da
tecnologia, tem sido preterido e substituído por máquinas, tais como o retroprojetor, o multimídia,
o data-show. Aliás, é sobre a tecnologia que podemos falar agora. Os novos recursos postos
a nosso serviço em sala de aula podem nos induzir a um outro excesso, tão prejudicial quanto
contar só com a lousa tradicional ou as aulas expositivas que se alongam por horas a fio.

84 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Quadro, Quadro-Negro ou Lousa é uma superfície reutilizável onde se escreve textos ou desenhos
que são feitos com giz ou outros marcadores apagáveis. Eram feitos originalmente lisos, folhas fi nas
de Ardósia preta ou cinza escuro.
Um quadro pode ser uma “placa” pintada em cores escuras com lustro (Geralmente Negro ou Verde
Escuro).
Os quadros são usados geralmente para ensinar como o uso da escrita, dúvidas, cálculos, atividades
e anotações diversas, pertinentes ao assunto estudado no momento. As marcas do giz podem limpar
rapidamente com um pano úmido ou um Apagador, para escrever neles é altamente recomendavel o
uso de “Giz processado” feito de uso especial para quadros negros, com várias cores como: Branco,
azul, verde etc. Estes não são feitos realmente de rocha de giz, mas de Gesso.
Como Desvantagem, o Quadro-Negro produz uma grande quantidade de poeira, dependendo da qua-
lidade do giz usado. Algumas pessoas encontram incômodo, ou podem ser alérgicas, e houve boatos
sobre a poeira do giz ligado a problemas respiratórios. Estas desvantagens podem conduzir a uma
adaptação do Quadro-Branco, que usa Canetas de Tinta e não produzem nenhuma poeira.
Ao riscar um quadro com as unhas o som pode ser extremamente irritante tanto para o professor
como para os alunos, mas isto não invalida seu papel primordial que continua inalterado entre nós:
apresentar os dados e a data da aula, os temas principais na abertura dos trabalhos e encerramento
dos mesmos em sala de aula, anotações necessárias e organização dos trabalhos.
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_negro>. Acesso em: 01 jun. 2011.

A esse respeito Karnal faz uma importante observação sobre o cotidiano de nossa prática
pedagógica. “Há algumas décadas houve um equívoco expressivo na modernização do
ensino. Julgou-se que era necessário introduzir máquinas para se ter uma aula dinâmica”. E,
nesse intuito, “multiplicaram-se os retroprojetores, os projetores de slides e, posteriormente, os
filmes em sala de aula” (KARNAL, 2004, p.9).

O autor não se insurge contra o acréscimo de recursos em prol da aprendizagem, mas quanto

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 85


a uma nova hipertrofia que demonstra um excesso.

A Revista Nova Escola apresenta uma possibilidade de usar a tecnologia, mais precisamente
a internet, a nosso favor. Traduzindo-se em um recurso que favorece a pesquisa de conteúdos
de História. Leia trechos desta reportagem.

Que tal registrar histórias locais usando tecnologia?


Saiba como é possível pesquisar conteúdos de História, utilizando recursos tecnológicos

Amanda Polato
A internet apresenta leitura quase inesgotável de fontes de pesquisa. Para que se faça bom proveito
de tanta riqueza, a classe precisa ter claros os objetivos da investigação. Em seguida, é importante
discutir onde encontrar informação confi ável. Nesse ponto, seu trabalho é ensinar que, diferentemente
do que a garotada costuma acreditar, fatos históricos não são contados de maneira neutra. Qualquer
relato traz embutido certa dose de opinião do autor (se isso já é verdade mesmo para os verbetes en-
ciclopédicos, imagine o risco de um aluno confi ar cegamente, ao pesquisar sobre a Segunda Guerra
Mundial, por exemplo, em um site que defende o revisionismo do Holocausto, argumentando que o
extermínio de judeus não ocorreu).
As tecnologias também permitem que os estudantes produzam e compartilhem com facilidade re-
gistros da história local. Um exemplo é a parceria do Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net),
uma instituição que mantém um site sobre histórias de vida, com escolas municipais de São Paulo.
Professores, estudantes e funcionários contam relatos pessoais em vídeo, áudio e texto e os colocam
em uma comunidade virtual. Narrando suas experiências e contemplando outras, os alunos aprendem
que os testemunhos são um importante ponto de partida para conhecer melhor uma realidade ou
determinada cultura. “A história de cada um importa”, explica Marcia Elias Trezza, coordenadora do
projeto.
Fonte: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/tal-registrar-historias-locais-usan-
do-tecnologia-476004.shtml>. Acesso em: 01 jun. 2011.

86 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Karnal (2004) adverte que a tecnologia não é um fim em si mesma, mas sim um meio para se
atingir uma finalidade. O caso de Barra do Chapéu comentado na Folha de São Paulo do dia
29 de abril de 2007 por Gilberto Dimenstein ilustra esse problema.

“Ninguém poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria surpreender a
todo o país”, escreve Dimenstein (FOLHA DE SÃO PAULO, C 10 cotidiano, domingo, 29 de
abril de 2007).

Como esse documento será reproduzido para leitura em nosso momento de escolher um texto
para reflexão, antecipamos apenas que esse caso anotado pelo articulista da Folha comprova
o que vem afirmado a seguir por Karnal (2004) e outros autores.

A respeito da possibilidade de dialogar com intelectuais como Dimenstein, aconselhamos


a ocasião em que jornais como a Folha de São Paulo abrem “chats” onde são vinculadas
muitas ideias proveitosas. Um destes momentos aconteceu no dia 25 de janeiro (2007), data
da fundação da cidade de São Paulo, como mostramos abaixo:

Folha Online
Confi ra abaixo parte do bate-papo com o jornalista Gilberto Dimenstein, colunista da Folha, sobre o
aniversário de São Paulo (...). O texto refl ete a forma como os participantes digitaram. Participaram
do chat 207 internautas.
Bem-vindo ao Bate-papo com Convidados do UOL. Converse agora com Gilberto Dimenstein sobre o
453º aniversário da cidade de São Paulo. Para enviar sua pergunta, selecione o nome do convidado
no menu de participantes. É o primeiro da lista.

Andre Porto/Folha Imagem


O jornalista Gilberto Dimenstein

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 87


(03:01:50) Gilberto Dimenstein: podemos começar
(03:02:37) Gilberto Dimenstein: boa tarde, é um prazer estar aqui com vocês para falar sobre nossa
cidade.
(03:03:45) Luisa fala para Gilberto Dimenstein: Gilberto, vc acha que com tanta desgraça acontecendo
em SP temos o que comemorar?
(03:05:17) Gilberto Dimenstein: Não é mesmo fácil comemorar. Mas, ao mesmo tempo em que vive-
mos nesse caos, também estamos numa cidade efervescente, cheia de possibilidades. Não existe, em
termos de possibilidade, nada igual no Brasil, apesar de todos os nossos problemas.
Acesse: <http://tc.batepapo.uol.com.br/convidados/arquivo/comportamento/gilberto-dimenstein-fala-
-sobre-os-desafi os-de-sao-paulo-no-seu-453-aniversario.jhtm> para ler o bate-papo na íntegra.

Esse “chat”, por si só, nos demonstra o que deve ser uma aula moderna, atual, que considere o
conhecimento prévio dos alunos, mas a ele acrescente algo que seja novo e capaz de suscitar
uma nova reflexão.

Com a Internet em “aula virtual” ou com o giz e a lousa, em qualquer dos casos,
independentemente da tecnologia, o que vale é a intervenção do mediador, no caso o professor
ou o intelectual que responde a questionamentos.

A produção do conhecimento se faz de maneira formal, mas também a partir do informal, do


cotidiano, da experiência do aluno.

Le Goff, por exemplo, quando discute esse tema do que é importante em História ou como a
disciplina deve ser ensinada, nos remete a uma reflexão sobre o seguinte: o que se discute
não é o ensino, mas sim a produção do conhecimento histórico no seu sentido mais restrito e
específico.

Ainda no interesse de organizar o pensamento para o docente da disciplina ele aponta “para
os imprescindíveis elementos de ordenação do conhecimento histórico”, tais como: “o que
aconteceu? Como aconteceu? Quando, em que ritmo aconteceu?” Pois sem tais questões não

88 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


se constroem os processos e as explicações gerais. E mais “que isso não se faz uma ciência
da história” (NEVES, 2003, p. 163).

Os detalhes introduzidos em nossa prática didática em sala de aula podem parecer


insignificantes à primeira vista, mas são os responsáveis pela nossa eficaz docência.

O que e como ensinar é algo que passa muito além dos temas, que envolve nossa investigação
e tratamento metodológico, mas, sobretudo põe à prova a nossa verdadeira capacidade de
comunicação do que sabemos. “A produção historiográfica busca estabelecer diálogos com o
seu tempo, reafirmando o adágio que ‘toda a história é filha do seu tempo’, mas sem ignorar
o fruto de muitas tradições de pensamento”. Assim, da mesma forma que não podemos
descartar as boas heranças do passado ou só confiar nas necessidades do presente, temos
de entender o que existe de verdade na dinâmica da inovação. Continuando com Karnal: “Que
seja dito e repetido à exaustão: uma aula pode ser extremamente conservadora e ultrapassada
contando com todos os mais modernos meios audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâmica
e inovadora utilizando giz, professor e aluno” (2004, p.9).

Isto significa que o importante é a nossa concepção de História nas opções que fazemos e
que devem sempre levar em conta o aluno, suas necessidades, sua curiosidade, indagações e
pré-requisitos ou recursos intelectuais prévios que variam de um para outro, sempre.

Le Goff, pelos comentários de Joana Neves (2002, p.166), nos permite uma conclusão: a
história como disciplina escolar não deixa nunca de ser história ciência, mas necessita partir
“de um conjunto de provocações” que encaminhem para o verdadeiro saber histórico.

O educador Frances Edgar Morin, em entrevista a Revista Nova Escola (dez. de 2003, Ed. n.
168, pp. 36-37), acredita que instigar a curiosidade da criança é a melhor forma de despertá-la
para o saber. No nosso caso, o saber histórico.

Para Morin, “se vivemos em um mundo complexo e interligado, e novas informações nos
fazem, a toda hora, mudar de planos, por que a escola ainda teima em ensinar certezas e

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 89


conhecimentos que parecem únicos e absolutos?” Diante de suas inquietações pela forma
como a educação caminha, fez um estudo sobre quais seriam os temas que não poderiam
faltar para formar o cidadão do século XXI. Assim nasceu “Os Sete Saberes Necessários
à Educação do Futuro”, texto que serviu de base para a elaboração de nossos Parâmetros
Curriculares Nacionais entre outros documentos.

Resenha: Os Sete Saberes Necessários À Educação Do Futuro (Edgar Morin)


Morin, Edgar - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3. ed. - São Paulo - Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2001.
Em 1999, a UNESCO solicitou ao fi lósofo Edgar Morin - nascido na França, em 1921 e um dos maio-
res expoentes da cultura francesa no século XX - a sistematização de um conjunto de refl exões que
servissem como ponto de partida para se repensar a educação do século XXI.
Os sete saberes indispensáveis enunciados por Morin, objeto do presente livro:
- as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
- os princípios do conhecimento pertinente;
- ensinar a condição humana;
- ensinar a identidade terrena;
- enfrentar as incertezas;
- ensinar a compreensão;
- a ética do gênero humano,
são eixos e, ao mesmo tempo, caminhos que se abrem a todos os que pensam e fazem educação e
que estão preocupados com o futuro das crianças e adolescentes.
O texto de Edgar Morin tem o mérito de introduzir uma nova e criativa refl exão no contexto das discus-
sões que estão sendo feitas sobre a educação para o Século XXI.
Aborda temas fundamentais para a educação contemporânea, por vezes ignorados ou deixados à
margem dos debates sobre a política educacional.
Sua leitura levará à revisão das práticas pedagógicas da atualidade, tendo em vista a necessidade de
situar a importância da educação na totalidade dos desafi os e incertezas dos tempos atuais.
Seus capítulos - ou eixos - expõem a genialidade, clareza e simplicidade do fi lósofo Morin, num texto

90 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


dedicado aos educadores, em particular, mas acessível a todos que se interessam pelos caminhos a
trilhar em busca de um futuro mais humano, solidário e marcado pela construção do conhecimento.
Fonte:<http://www.conteudoescola.com.br/resenhas/89-resenha-os-sete-saberes-necessarios-a-edu-
cacao-do-futuro-edgar-morin>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Mas, o que tem essa proposta de diferente? Ela coloca o ser humano e o planeta no centro do
ensino. “É preciso aprender sobre a condição humana, a compreensão e a ética, entender a
era planetária em que vivemos e saber que o conhecimento, qualquer que seja ele, está sujeito
ao erro e à ilusão”, adverte Morin.

Ainda acrescenta que é no cotidiano da sala de aula que tudo acontece. Por isto a nossa
responsabilidade, enquanto professores aumenta. Precisamos ser mais que professores como
nos lembra Rubem Alves, é preciso ser EDUCADORES.

São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007 - Folha de S.Paulo - Cotidiano


GILBERTO DIMENSTEIN
O milagre de Barra do Chapéu

Ninguém poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria surpreender todo o país

EM 2005, a Faap decidiu adotar um município para ensinar-lhe técnicas de gestão, o que, além de
ajudá-lo a se desenvolver, serviria de laboratório acadêmico.
Procurou-se o que havia de mais pobre em São Paulo para que o desafi o fosse maior. Encontraram
um lugar em que a maioria das casas não tinha banheiro, o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvi-
mento Humano) paulista.
Ninguém poderia imaginar, rigorosamente ninguém, que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira,
iria, na semana passada, surpreender todo o país. Entre várias tarefas, como melhorar o saneamento
básico, criar um plano diretor e estimular a vocação econômica, os universitários introduziram o xadrez

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 91


no currículo, ensinaram informática para professores e alunos, distribuíram computadores conectados
à internet.
Nesta semana, a escola está recebendo lousas digitais; o giz, portanto, está prestes a ser aposenta-
do. Com pouco mais de 4.000 habitantes, Barra do Chapéu entrou, na semana passada, na história,
por ser o campeão da quarta série no ranking de qualidade de ensino, elaborado pelo Ministério da
Educação.
Para chegar à nota média deles, o Brasil terá de aguardar pelo menos mais 20 anos. Isso se tudo
o que foi proposto pelo plano educacional do governo federal der certo. Os alunos e professores da
Faap foram para lá ensinar, mas aprenderam uma lição -assim como todo o país.

Como a primeira ação da Faap ocorreu em 2005, não se pode atribuir-lhe a maior responsabilidade
pelos resultados de Barra do Chapéu. Mas a receptividade com que aceitaram a colaboração externa
e o empenho de implementar mudanças dão as pistas do sucesso da cidade.
A disposição da comunidade para o estudo está simbolizada no vice-prefeito de Barra do Chapéu,
Gentil Alves, que, neste momento, está cursando a sétima série do ensino fundamental. Ele tem 67
anos e, orgulhoso, vai à escola todas as noites.
A receita deles é infalível em qualquer canto do planeta.

Se o aluno falta, a diretora manda chamar os pais; se eles não comparecerem, aciona-se o Conselho
Tutelar. Considera-se a família um elemento essencial no processo de aprendizagem.
Os estudantes não são números numa sala superlotada, mas indivíduos. São 25 alunos por classe.
São feitas avaliações de cada estudante a cada 15 dias.
Para os que não aprendem, são oferecidos reforço fora do horário regular e um serviço diário para tirar
dúvidas. Com isso, as repetições de série ocorrem apenas em casos excepcionais.
Há investimento especial em leitura e escrita, base para os demais aprendizados. Impede-se, assim, a
bola de neve. Como não se aprende a ler direito, as carências se avolumam sem parar.
Os professores não são papagaios de apostilas escolares, mas produtores de conteúdo. Sentem-se
valorizados, inclusive no bolso.
Eles recebem em média R$ 980 por mês; mais que o dobro do que ganham os trabalhadores locais.

Com essas ações, cria-se um círculo virtuoso. Os governantes valorizam as escolas, os professores
se sentem estimulados e são respeitados pela comunidade. Compreensível que, neste ambiente,
um professor local não se considere ameaçado - pelo contrário-, com a interferência de forasteiros

92 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


universitários.
E até se disponha a jogar fora o giz e usar um smartboard, permitindo a ampliação da tela do compu-
tador para que os alunos possam juntos navegar na internet -isso numa cidade em que quase todas
as ruas são de terra.

PS- Vê-se, nesse exemplo, como universitários conseguem ajudar concretamente o país. Já que pare-
ce impossível cobrar mensalidade no ensino superior público, deveria ser obrigatório que os estudan-
tes pagassem de volta com serviços comunitários. O que ajudaria também em sua empregabilidade.
Vale a pena conhecer a experiência de Minas Gerais, onde alunos de dez universidades estão dando
aulas, fora do horário regular, para estudantes da rede pública; usam-se jogos e brincadeiras, muitas
vezes em parques.
O projeto começou neste ano e, apesar do pouco tempo, já se percebem resultados. Coloquei no
meu site (www.dimenstein.com.br) as experiências dos alunos da Faap e das universidades mineiras.
gdimen@uol.com.br

Fonte: Folha de S. Paulo, 29/04/07, Seção: Cotidiano, Página C 12.


Disponível em: <http://www.faap.br/destaques/barra_chapeu/milagre_barra_chapeu.html>. Acesso
em: 01 jun. 2011.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Nesta segunda unidade, passamos a estudar as mudanças e permanências dos métodos do


ensino de História e, assim como devemos fazer com nossos alunos, nos propomos a destacar
o que mudou e o que permaneceu como concepção de História ao longo do último século e
início deste século XXI. O que merece destaque é o entendimento de que hoje todos somos
sujeitos da História e não mais somente os heróis como queriam os filhos da escola metódica.

Também estudamos que o espaço e o tempo de aprendizado é extremamente infinito


se considerarmos o ambiente virtual, e mais, que a relação entre o objeto e o sujeito do
conhecimento é fundamental para a compreensão do pensamento de determinada época e
o mediador desse processo, na escola, é sempre o professor. Portanto, tarefa complexa, mas
apaixonante. Vocês não acham?

Na próxima unidade nos restringiremos ao estudo dos documentos históricos e às possibilidades


dos seus usos em sala de aula.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 93


ATIVIDADE DE AuTOESTuDO
1. Faça a conexão entre o pensamento de Braudel e a defi nição que Marc Bloch dá para
a história, pensando em seu objeto de estudo. Tudo o que você precisa para responder
se encontra na Unidade II que acabamos de estudar.

2. Analise os objetivos apresentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


de História (1997), e discorra sobre o assunto relacionando-o com o que estudamos
nesta unidade.

3. Leia novamente o subtítulo “A formação do professor de História e o cotidiano de sala de


aula”.

a) Caracterize o papel do professor de História e suas responsabilidades.

b) Apresente uma estratégia didática a ser utilizada pelo professor que contem-
ple as exigências da sociedade atual.

Livro: Sobre História- Ensaios


Autor: HOBSBAWM, ERIC J.
Tradutor: MOREIRA, CID KNIPEL
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Assunto: HISTÓRIA GERAL

Sinopse
Nesta coleção de ensaios, muitos ainda inéditos, Eric Hobsbawm refl ete sobre prática e teoria da disci-
plina que fez sua justa fama como um dos maiores historiadores contemporâneos. Em suas refl exões

94 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


sobre o papel do historiador, Hobsbawm analisa problemas da ordem do dia, como a identifi cação
das identidades nacionais na Europa e o uso ideológico do discurso histórico naquele contexto; um
balanço dos 150 anos do Manifesto Comunista; as relações entre história e economia; o signifi cado
da redução da narrativa histórica a mera variante da narrativa; as modas e vertentes da historiografi a
contemporânea; a noção de progresso no conhecimento histórico.
Fonte:<http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha>. Acesso em: 01 jun. 2011.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 95


UNIDADE III

A UTILIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS


HISTÓRICOS EM SALA DE AULA
Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Aguçar o interesse pelas várias formas de acesso ao conhecimento histórico e


diferentes fontes e linguagens: fotografia, vídeo, pintura, textos e documentos de
época.

• Desenvolver habilidades de observação, identificação e compreensão, além da


própria linguagem (forma, estética, composição do todo), para estabelecer relação
entre forma e conteúdo das fontes históricas.

• Identificar e diferenciar um documento escrito de um não escrito, bem como sua


utilização por parte dos professores.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Historiadores e professores: diferentes usos das fontes históricas

• A análise didática de uma fonte histórica

• Documentos escritos e não escritos

• A construção do conhecimento por meio das fontes históricas


INTRODUÇÃO

Desde que o conceito de documento foi ampliado, da posição de um positivista (ou metódico)
para um neo-historiador, houve um enriquecimento quanto às fontes possíveis para um
historiador. O uso das fontes históricas passou a incluir não só o documento escrito em seu
sentido restrito como foi ampliado para outros materiais disponíveis.

Contrariamente ao que Charles Langlois ou Seignobos (positivistas) defendiam, Marc Bloch


(1886 -1944) afirmava que:
O stock de documentos de que a história dispõe não é limitado: sugere não utilizar
exclusivamente os documentos escritos e recorrer a outros materiais, arqueológicos,
artísticos, numismáticos (considerada uma ciência auxiliar da História e como ciência
trata da descrição e da história das moedas e medalhas) etc. (BOURDÉ; MARTIN,
1990, pp. 125 -126).

Portanto, aventava a hipótese de se consultar certidões de batismo e outros documentos


pessoais e oficiais que constavam nos arquivos municipais, estaduais e até nacionais, observar
imagens pintadas ou esculpidas, o mobiliário dos túmulos e inscrições das lápides, crônicas,
cartas do passado, objetos retirados de escavações arqueológicas entre outros.

O diferente uso das fontes históricas inclui a análise didática de uma fonte histórica e a
construção do conhecimento por meio dessas fontes, por isso Bloch insistia muito em que
a formação de um historiador deveria obedecer a um cuidadoso processo que o preparasse
corretamente para aquele que chamava de “ofício” de historiar.

Por isso, caro estudante de Pedagogia, nesta nova unidade você compreenderá os diferentes
usos das fontes históricas pelos historiadores e professores. Também conheceremos os
processos de análise didática de uma fonte histórica, isto porque a fonte em si não é produzida
com fins didáticos. É preciso fazê-la “falar” para ser como um recurso didático e desenvolver
a aprendizagem em nossos alunos.

Ainda, faremos a distinção entre os documentos escritos e não escritos e para isto utilizaremos

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 99


como referência os estudos da nossa historiadora Circe Bittencourt.

Tudo isto, você terá a oportunidade de estudar a partir de agora.

HISTORIADORES E PROFESSORES: DIFERENTES USOS DAS FONTES


HISTÓRICAS

Marc Bloch (1976) insistia não apenas em explorar novos documentos, mas também em
descobrir novos “domínios” para a História, ou seja, tentava alargar o campo da História para
outras direções.

Orientava seus estudos, por exemplo, para a análise dos fatos econômicos e nesse ponto
foi influenciado “sem o reconhecer explicitamente, pela obra de Karl Marx, que o incita a
relacionar as estruturas econômicas e as classes sociais”. Ou, ainda, foi inspirado por outros
historiadores como Henry Hauser com relação a estudos em que se ocupava da apreciação
das flutuações econômicas com base em séries de preços (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 226).

Aquilo que ele preconizava para todo aquele que aspirasse à ciência histórica, ele aplicou aos
seus próprios trabalhos, dos quais um dos maiores foi: “Os caracteres originais da história
rural francesa, do século XI ao século XVIII” de 1931, além do culto às origens e do correto
enquadramento no tempo que se exige de toda obra histórica, Bloch observou as formas de
ocupação do solo (espaço e produção), as técnicas produtivas e os modos de povoamento
(demografia), as práticas comunitárias (realidade/imaginário), tudo contextualizado na longa
duração e em relação ao conjunto do território nacional. Com isso deu o modelo básico para as
vias que levaram os neo-historiadores as suas pesquisas e resultados das mesmas ao longo
de todos os tempos até a atualidade.

“É bom que o historiador possua pelo menos uns laivos das principais técnicas do seu ofício”,
escreve Bloch. Saber epigrafia, paleografia, diplomática, arqueologia, estatística, história
da arte é algo necessário a “um autêntico profissional da história” que, além disso, precisa

100 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


conhecer “as ciências vizinhas” tais como “a geografia, a etnografia, a demografia, a economia,
a sociologia, a lingüística” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 227).

• A epigrafi a é outra ciência auxiliar da História, que estuda as inscrições feitas em material durável,
tais como a pedra e o metal. É particularmente útil para o conhecimento da história das civilizações
antigas, cujos documentos perecíveis em sua maioria desapareceram.

• A etnografi a se refere ao estudo descritivo das atividades de um grupo humano determinado


(técnicas materiais, crenças religiosas, modos de transmissão do conhecimento, instrumentos de
trabalho, organização social, exploração do solo, estrutura de parentesco).

• A paleografi a é a ciência que se dedica à decifração dos escritos antigos e quanto à arqueologia, se
trata de outra ciência que estuda os monumentos e vestígios de civilizações antigas.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Bloch sentindo a dificuldade de preencher tais requisitos, então, sugere:


Se não for possível conseguir a multiplicidade das competências num mesmo homem
(o historiador) pode-se encarar uma aliança das técnicas praticadas diferentes eruditos,
sendo que isto supõe a organização de um trabalho por equipes, o que reagrupa
especialistas de diversas disciplinas (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 127).

Em sua obra “Introdução à História” (1986), Bloch inicia com uma pergunta feita a um pai
historiador por seu filho: “Para que serve a História?” e esclarece que todo este trabalho se
destinará a responder esta pergunta.

A História, como um “profeta com o olhar voltado para o passado”, segundo Eduardo Galeano,
é para Bloch “uma ciência dos homens no tempo, que, sem cessar, precisa unir o estudo dos
mortos ao estudo dos vivos” (1976, p. 15).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 101


O historiador deve ter a “paixão de compreender, o que implica que renuncie, tanto quanto
possível, ao juízo de valor” ou àquilo que é dominado pelo antropocentrismo do bem e do mal.
Para ele, o parecer do historiador é o do sábio, que examina sempre os dois lados de uma
questão, com isenção de ânimo.

Para nos livrar da mania de colocar sempre uma superioridade humana (donde antropos em
grego= homem, sediar o núcleo da concepção), Bloch (1976, p. 70) lembra que, para penetrar
numa consciência alheia, é preciso que nos despojemos “de nosso próprio eu”.

O saber objetivo, ainda que não absoluto, entra no rol de metas de um historiador que procura
“compreender o passado a partir do presente” (1976, p. 11) ou, numa via de duas mãos,
“compreender o presente à luz do passado” (1976, p. 13). Aliás, enfatiza sempre que é o
perpétuo “vaivém entre passado e presente” que permite “enriquecer o conhecimento das
sociedades antigas e esclarecer sobre ela mesma e a sociedade actual” (BOURDÉ; MARTIN,
1990, p. 128).

Logo, perante manuscritos, escritos gráficos, epigráficos, materiais de toda sorte, desde moedas
até selos, o historiador tem de saber “conversar”, o que equivale a “dialogar atentamente” com
suas fontes como recomenda, em acréscimo, Marc Bloch.

A metodologia do Ensino de História inclui em seus capítulos mais importantes o uso das
fontes históricas e de suas análises didáticas.

Na perspectiva histórica da Escola dos Annales, fundada por Frebvre e Marc Bloch, propõem-
-se a utilização de diversos tipos de fontes, não se restringindo apenas à utilização da história
política, dos grandes feitos, como propunham os positivistas. Isto porque,
Diante dessas considerações configura-se a necessidade da utilização de diversas
metodologias, fontes e linguagens para a construção de uma História mais atrativa para
os jovens desinteressados e desmotivados diante de repetições, decorações e nulidade
analítica. Dentre as linguagens que podem ser abordadas no estudo da História estão a
literatura, a música, a cultura material e imaterial, o teatro, as artes plásticas e o cinema
(FERRAZ e CAVALCANTI, 2006, p.159).

102 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Mas, é importante frisar que os historiadores utilizam-se das fontes históricas para desvendar
a História dos povos, em particular, ou da sociedade, em geral, e para isto utilizam-se de
métodos científicos. No entanto, os professores transformam essas fontes em recursos
didáticos, mas para isto é preciso dominá-los.

Isto é o mesmo que dizer que todos os documentos têm uma linguagem que lhe é própria
e, para poder utilizá-la como instrumento pedagógico para a construção do conhecimento
histórico, é necessário dominar as suas especificidades enquanto produto cultural e histórico.

A ANÁLISE DIDÁTICA DE UMA FONTE HISTÓRICA

Ensinar História representa um desafio para os professores, como já se demonstrou acima,


pois há uma permanente necessidade de unir o papel de docente ao ofício de historiador, o
que nem sempre é viável. Além disto, por outro lado, existe um público estudantil nem sempre
disposto a estudar a disciplina histórica que, de forma preconceituosa e inadequada, tem sido
conotada ao caráter de matéria meramente decorativa, pouco digna do status de ciência.
Tudo isto nos leva a privilegiar, num momento inicial, conteúdos realmente significativos e que
permitam todo o suporte didático à tarefa de um professor que ministra aulas de História, com
todos os quesitos que tem de preencher, muitas vezes sem ajuda.

Os materiais didáticos são instrumentos do trabalho docente, se apresentam como suportes


fundamentais na mediação entre o ensino e a aprendizagem. Por isso mesmo, por meio do uso
de documentos oficiais e não oficiais (reportagem de jornal, fotografia, filme, monumento, arte
rupestre, carta, música, testemunhos de personagens que viveram na época) encontramos
muitos tipos de documentos históricos que podem facilitar nossa tarefa de mediadores entre o
aluno e sua aprendizagem do método indutivo que caracteriza a História.

Inovar quanto ao ensino de História, por meio de recursos pré-selecionados que proporcionem
aulas mais interessantes e atrativas, viabilizando assim a melhor aprendizagem é algo

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 103


necessário para que o aluno compreenda a História enquanto uma área do conhecimento em
construção e não apenas um rol de informações quase sem valor sobre o passado.

“O processo de conhecimento é a grande aventura e o grande desafio que o educador enfrenta


quando prepara suas aulas e quando as envolve com os seus alunos” (RUIZ, 2004, p.75).

Ultimamente, generalizou-se entre nós o uso de livros didáticos, paradidáticos, filmes, excertos
de jornais e revistas, mapas, dados estatísticos e tabelas, CDs, DVDs, e outros suportes
informativos que, produzidos (ou não) especialmente para a escola, exigem dos professores uma
análise de sua viabilidade quanto à promoção da verdadeira ciência a serviço da aprendizagem.

Bittencourt (2004) explica como fazer a análise destes suportes informativos, e pesquisadores
do ensino de História e Geografia do Institut National de Recherche Pédagogique (INRP) da
França nos indicam alguns meios para tal raciocínio que decompõe em partes o que vem
apresentado em tantos instrumentos novos a nossa disposição.

Nossa sociedade atual chamada de Sociedade ou Economia do Conhecimento, ainda


Sociedade Pedagógica, segundo pensadores como Peter Drucker (1993) ou Michel Serres
(1999), assinala ascensão do conhecimento como um componente nuclear do capital.
Fonte: PHOTOS.COM

104 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Visto como um bem que gera outro bem, renda ou produção, o capital, com todos seus
componentes (equipamento, patrimônios, títulos, propriedades...) ainda tem por centro de
convergência o dinheiro. Ainda, afirmamos porque cada vez mais se tem por máxima que
a socialização da renda se fará por meio do conhecimento. Isto fica fácil de entender se
pensarmos que sem dinheiro no bolso poucos adquirem conhecimento (donde o papel das
escolas públicas ser cada vez mais enfatizado), mas sem conhecimento o dinheiro no bolso
escasseia na mesma medida em que o conhecimento o faz recheado.

Além disso, estamos em um tempo em que as novas tecnologias propiciam o conhecimento,


tornam seu acesso possível a um grande número de pessoas e não só aos professores como
antigamente ocorria.

A informação transpôs os limites da sala de aula e após a Revolução da Informática, quando


em 1993 a Internet permitiu a “globalização” criando um ciberespaço, pôde-se falar em uma
cibercultura.

Se a cibernética signifi ca o controle através das tecnologias, das máquinas, com o surgimento das re-
des de computadores (BBS’s e Internet), a cibernética ganha outra conotação, principalmente a partir
do início dos anos 1990 com a expansão da área multimídia da Internet (WEB) que traz consigo uma
liberdade de geração e de difusão de informações pelo cidadão comum através da criação de sites e
outros meios de difusão de idéias. É nesse contexto que surge a Cibercultura, defi nida por Lévy em
seu livro sobre a Cibercultura (1999, p. 17) como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço”. Nesta obra o autor nos explica o que é cibercultura, o que se encontra
de social e cultural por trás desse fenômeno técnico implicando em uma nova relação com o saber.
Isto signifi ca explicar algo sobre as implicações culturais das novas tecnologias, da digitalização à
navegação, memória, realidade virtual, multimídia e interatividade característicos dos nossos tempos.
Fonte: <http://elearning20.net/2010/07/15/cibercultura/>. Acesso em: 01 jun. 2011.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 105


Segundo Pierry Lévy, em seu livro “Cibercultura” (1999), ciberespaço é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores, especificando não só a
infraestrutura, mas o universo de informações e os próprios seres humanos que o movimentam.

Livro: Cibercultura
Autor: Pierry Lévy
Editora: editora 34
Fonte:<http://www.4shared.com/document/1E7olM7D/Cibercultura_-_Pierre_Levy.html>.

A partir do acesso às novas tecnologias, portanto, criaram-se novos espaços do conhecimento,


tanto nas empresas, domicílios, espaços sociais quanto nas escolas. E tal conhecimento se
reflete nas múltiplas oportunidades de aprendizagem que, agora, cabe à escola selecionar e
rever criticamente sempre no sentido de melhorar, inovar e conservar o melhor do tradicional,
dos “clássicos” autores e saberes do passado.

Nesta perspectiva de inovar que enfocamos o ensino de História. Nosso objetivo centra-se em
propiciar à sociedade uma nova forma de pensar este ensino, voltada para uma aprendizagem
por excelência, oportunizando compreender o homem como um todo, dentro de uma visão
holística1 , por meio de uma abordagem mais próxima da realidade cotidiana do educando e,
1
Por holístico, da palavra grega holos, entendemos a concepção pela qual o homem é um todo. Tal pensamento nos informa
que o ser humano é um todo onde o espírito move a mente e esta move o corpo, ou seja, “somos aquilo que pensamos”.

106 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


portanto, significativa.

A abordagem holística nos permite ver o aluno como um ser anímico total e não apenas como
uma máquina de aprender.

Segundo Antunes (2001, p. 30), “a aprendizagem significativa é o processo pela qual uma
nova informação se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) à estrutura
cognitiva do aprendiz”, ou seja, é uma aprendizagem que tem significado para o aluno,
dirigindo-o à construção do conhecimento.

Bittencourt se serve dos ensinamentos de Paulo Freire para lembrar que:


Cabe ao professor, [...], reconhecer e estabelecer um diálogo com esse conhecimento,
porque os alunos estão sempre em processo de aprender mais e não são absolutamente
sujeitos acomodados; ademais, adverte-nos o grande educador, o conhecimento não
é um dado imobilizado apenas transferido de um especialista para outra pessoa que
ainda não o possui (2004, p. 190).

Portanto, a tarefa de estabelecer significados é estabelecer a ponte entre a leitura, interpretação


e correta assimilação das informações com vistas ao pensamento autônomo. É uma tarefa
nada fácil que envolve sempre levar da memorização pura e simples às análises críticas e
ao pensamento crítico, que se expressa nas conclusões ou sínteses que elaboramos por nós
mesmos com base nas informações recebidas.

É nesse sentido que a seleção de materiais, seguida de uma análise que dará o diagnóstico
sobre sua viabilidade com vistas ao melhor aproveitamento do aluno, sempre se faz necessária.

DOCUMENTOS ESCRITOS E NÃO ESCRITOS

Muitos autores contemporâneos como Bittencourt (2004) ou Cardoso (1997) defendem a ideia
de utilizar documentos históricos como um recurso inovador adequado ao ensino de História.
E Bittencourt também recorre ao Institut Nacional de Recherche Pédagogique francês para

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 107


explicar o que tal pesquisa pedagógica significa em conexão com o conceito de documento
bem de acordo ao que foi estabelecido conforme nossa visão de neo-historiadora:
todo conjunto de signos, visuais ou textuais, que são produzidos em uma perspectiva
diferente dos saberes das disciplinas escolares e posteriormente passam a ser
utilizados com finalidade didática. [...] Contos, lendas, filmes de ficção ou documentários
televisivos, músicas, poemas, cartas, romances são documentos produzidos para um
público bastante amplo que, por intermédio do professor e seu método, se transforma
em materiais didáticos (2004, p.296).

Dentro de tal categoria, portanto, podemos inserir documentos escritos e não escritos, que
podem ser utilizados pelos educadores em sala de aula desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental. Sua finalidade, já assinalada, será a de desenvolver habilidades cognitivas,
como a capacidade de observar, interpretar e extrair informações dessa “fonte”, sempre em
conexão com a realidade vivida. É, portanto, uma maneira de possibilitar o contato com o
“real”, por meio das situações concretas de um passado abstrato, tornando as aulas mais
atrativas e dinâmicas.

Para Napolitano (2004, p.149), “nos últimos anos tem sido cada vez mais freqüentes o uso de
‘novas linguagens’ não só para motivar os alunos, mas para tentar ‘atualizar’ a concepção de
documento histórico”.

Bittencourt aponta o principal objetivo,


[...] favorecer sua exploração pelos alunos de maneira prazerosa e inteligível, sem
causar muitos obstáculos iniciais. É preciso cuidado para que os documentos forneçam
informações claras, de acordo com os conceitos explorados, e não tornem difícil a
compreensão das informações (2004, p.330).

Isto e mais a possibilidade de ampliar o leque e a utilização de documentos aberta pela Nova
História facilita e moderniza o trabalho de um professor de História.

É preciso, agora, diferenciar os documentos escritos e não escritos que se apresentam para a
utilização em sala de aula, portanto, à disposição do professor que pretende dinamizar a sua
didática.

108 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Entre os documentos mais comuns estão os escritos, aqueles que tradicionalmente são os
mais empregados em aulas de História e que se utilizam do registro escrito para expressar
sentimentos, ideias e impressões do mundo. Entre eles, temos os documentos não oficiais
como jornais, literatura, revistas, poemas, letras de música.

Fonte: PHOTOS.COM
A utilização de tais documentos emanados da imprensa escrita é um dos muitos instrumentos
que podem enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. Especificamente a respeito do uso
de textos jornalísticos, Bittencourt ressalta que é importante considerar tais notícias como um
discurso que jamais é neutro ou imparcial. É isto que nos permite uma crítica mais cuidadosa
“referente aos limites do texto e aos interesses de poder implícitos nele” (2004, p. 337).
Fonte: PHOTOS.COM

Um discurso que não seja neutro pode ser visto como um produto de uma empresa capitalista
que então oculta estratégias tendentes a facilitar a recepção da mensagem por parte dos
leitores, ainda que as ideias veiculadas não expressem a realidade em suas faces possíveis.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 109


É o que Marilena Chauí (2000) nos ensina quando afirma que esse tipo de ideologia é “a arte
de dizer meias-verdades” porque se a verdade for dita inteira, a intenção de mascará-la não
se completa.

Marilena Chauí: livre-docente da USP


Fonte:<http://altamiroborges.blogspot.com/2010/10/marilena-chaui-tritura-midia-golpista.html>.

O jornal, portanto, é um material didático de fácil acesso, com conteúdos atualizados ou que
permitem retrospecto histórico, mas tudo que envolve o ato de educar pressupõe também
cuidados que resguardam a responsabilidade com a verdade.

O JORNAL COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA


Por Priscilla Campiolo Manesco Paixão
1. PASSEIO PELA HISTÓRIA
A comunicação maciça e instantânea do mundo em que vivemos atualmente torna difícil imaginar um
tempo e um lugar em que as coisas não eram assim. Por isso, causa espanto deparar com a informa-
ção de que, embora o homem tenha surgido na face da Terra por volta de 2 milhões de anos atrás, a
escrita só foi aparecer por volta de 6 mil anos atrás.
Acredita-se que tenha transcorrido toda uma história antes que o homem fosse capaz de se expressar
por meio de símbolos combinados de maneira a transmitir fatos, pensamentos, emoções. O que não
se coloca em dúvida é o avanço que a escrita representou para a humanidade.

110 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


O homem precisou lidar por 2 mil anos com símbolos e desenhos até perceber que eles poderiam
representar, também, o som das palavras. Foi assim que surgiu o alfabeto fonético, cujo desenvolvi-
mento é creditado aos fenícios.
Os egípcios desenharam seus hieróglifos no papiro, espécie de folha flexível feita com hastes de
uma planta de mesmo nome. Depois surgiu o pergaminho, feito com couro curtido de animais, o que
propiciou o aparecimento dos códices (feixes de páginas encadernadas).
Foi só no século XII que o papel foi introduzido na Europa, assemelhando-se aos livros de hoje. Na
Idade Média, a produção escrita era restrita aos monastérios, onde clérigos copistas encarregavam-se
de copiar e ilustrar livros manuscritos.
Quanto ao jornal, é difícil imaginar que ele tenha precedido o advento da tipografia, mas foi exata-
mente isso que aconteceu. Antes do alemão Johannes Gensfleisch Gutenberg (1400 – 1468) inventar
uma máquina que permitia a utilização de letras de metal móveis para compor as páginas, já existiam
as gazetas manuscritas. Surgidas na Itália, continham uma espécie de crônica dos acontecimentos,
críticas e fofocas.
Gutenberg representou um avanço notável na época, pois não era mais necessário entalhar as cha-
pas, bastava montar as páginas com letrinhas de metal e imprimir diversas cópias de uma só vez.
Foi só em 1597, na Tchecoslovávia, que surgiu o primeiro jornal impresso. Mas, como se tratava de
uma publicação mensal, há quem prefira conceder o posto de primeiro jornal impresso ao Daily Cou-
rant, uma publicação diária, editada por Elizabeth Mallet, na Inglaterra, em 1702. Neste mesmo século
dois fatores contribuíram para o desenvolvimento da imprensa: o Iluminismo e a Revolução Industrial.
Hoje em dia existem métodos de impressão muito mais sofisticados e que oferecem qualidades muito
maiores, permitindo a impressão de milhares de exemplares em apenas algumas horas.
2. PLANEJAMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA
Acreditando no jornal como uma das formas mais acessíveis de acompanharmos as mudanças verti-
ginosas dos fatos e aqui nos remetemos às aulas de História, é fundamental que professores e alunos
desenvolvam habilidades e o hábito de ler e descubram na leitura formas de ingressar no mundo do
saber e da cultura.
É importante que os educadores atentem a fatores básicos para o planejamento de atividades com o
jornal em sala de aula:
1. O tempo que se pretende dedicar ao jornal, no conjunto de atividades de seu programa anual.
2. Trabalho prévio com a criança sobre a dimensão social da escrita e da leitura (escolha das ativida-
des que se pretende desenvolver para que o aluno manifeste sobre qual seção prefere, enumerando-
-as em ordem crescente de escolha e justificando-a; opine sobre o texto lido, recortando uma notícia
e identificando-a).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 111


3. Trabalho com o jornal na sua totalidade e não desmembrando letras e palavras que só possuem
signifi cado no contexto (dentro de um contexto e não como pretexto).
4. O uso do jornal não deve fi car restrito às aulas de Língua Portuguesa, pelo contrário, nas aulas de
História, por exemplo, servem como importante recurso didático para estudar fatos vividos por grupos
sociais distintos.
Determinados esses pontos, vem o principal: estabelecer as estratégias pedagógicas a serem uti-
lizadas, atentando-se aos pontos:
1. Os objetivos que se pretende atingir com as atividades escolhidas.
2. O estabelecimento de uma progressão equilibrada entre uma atividade e outra.
3. Finalmente, estabelecidos estes pontos, será preciso ainda, reunir o material necessário à execu-
ção do trabalho e determinar previamente os locais em que as atividades serão desenvolvidas: na sala
de aula, em casa, na biblioteca...
3. REFÊRENCIAS:
FARIA, Maria Alice de Oliveria. Como usar o jornal na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1999
(Repensando o ensino).
FOUCAMBERT. Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
MAGIO, Elisabeth; SGROI, Fábio. Vamos fazer um jornal? São Paulo: Moderna, 1998 (Coleção
desafi os).
MURTA, Antonio Marcos. In: Revista do Professor, Porto Alegre, out/dez. 1996.

Outro tipo de documento escrito não oficial que pode ser trabalhado de maneira interdisciplinar
é a literatura, como romances, poemas ou contos. Tais textos cabem como consulta não
apenas nas aulas de Língua Portuguesa, mas também contribuem para o ensino de História
e outras disciplinas.
Fonte: PHOTOS.COM

112 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Os estudos de textos literários têm como objetivo não apenas desenvolver o gosto pela
leitura, mas também fornecer condições de análises mais profundas para o estabelecimento
de relações entre conteúdo e forma. Para analisar uma literatura, é necessário também
oferecer outros textos de apoio como informações sobre o autor e a obra, dicionários, enfim,
complementos para a compreensão do texto literário.

Para o ensino de História, a literatura torna-se um referencial possível de ser analisado e


estudado como documento da época, cujos autores pertencem a um contexto histórico e
fazem parte de uma cultura. Fonseca traz palavras bastante esclarecedoras:
A leitura de textos literários, reservando as especificidades artísticas, pode nos oferecer
pistas, referências do modo de ser, viver e agir das pessoas, dos valores e costumes de
uma determinada época. É uma fonte/documento/evidência que auxilia o desvendar da
realidade, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre lugares e paisagens, as
mudanças naturais, os modos de o homem relacionar-se com a natureza em diferentes
épocas (2003, pp.165-166).

Cabe aos professores uma escolha que permita não confundir história com ficção ou aventura,
ainda artigos e textos que contenham mais opiniões do que análises e sínteses científicas que
não permitam que no educando se instalem concepções fantasiosas a respeito do assunto em
discussão.

Entre os documentos oficiais, produzidos pelo poder institucional, tem-se a recordar que no
século XIX, época dos domínios da corrente metódica, era o preferido pelos “positivistas”
como os mais importantes dentre os documentos escritos. Nessa época de crítica interna e
externa minuciosa e detalhista só se consideravam fidedignos os documentos que passavam
por rigoroso exame e provinham de instituições governamentais, refletissem a atuação de
grandes personalidades, tratassem de questões de política internacional. Mas, Certidões de
Nascimento, RG’s, CIC’s e outros documentos pessoais podem emprestar autenticidade a um
outro documento, respeitadas as condições do fato e entram como matéria-prima de debates
acerca do que significa a cidadania nas sociedades contemporâneas.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 113


Entre os documentos não escritos, fotografias e imagens ocupam um lugar de destaque e
tendem a sensibilizar quem as observa com seu impacto real e multifacetado em sensações
e informações. São denominados documentos iconográficos por utilizar-se de imagens para
imprimir o mundo.

Fonte: PHOTOS.COM
A iconografia (do grego “Eikon”, imagem, e “graphia”, descrição, escrita) é, portanto, uma forma
de linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema. A iconografia
estuda a origem e a formação das imagens. Muito usada na indústria editorial, a iconografia
serve para pesquisar e selecionar imagens que serão publicadas em um livro, seja como tema
principal da obra ou como complemento de um texto.
Fonte: PHOTOS.COM

114 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Cabe lembrar que a pesquisa iconográfica pode enriquecer e muito um estudo sobre
determinado período histórico com imagens de esculturas, obras arquitetônicas, quadros ou
fotografias de pessoas. Isto dentro de uma perspectiva da Nova História que dá o devido valor
aos diferentes tipos de fontes e não exclusivamente aos documentos escritos como a escola
metódica fazia.

Fotografias, quadros, “charges”, ou filmes, vídeos, DVD’s se enquadram nessa categoria e


para todos eles existem métodos de análise que permitem avaliar as características de suas
linguagens ou a forma específica pela qual veiculam suas informações. Celso Antunes (2005,
p. 120) lembra como a “ausência da palavra aguça a imaginação e sensibiliza a mente”,
permitindo uma leitura não verbal que “dá asas à imaginação”.

É o mesmo que Leite quer nos dizer quando explica:


Os contextos em que estão inseridas as imagens que se deseja ler reservam ou
exprimem sentidos que podem ser transformados em novas mensagens, que por sua
vez podem atingir os diferentes sentidos. Assim, [...] é necessário um conhecimento
prévio e direto da realidade que a imagem representa, simboliza ou indica para não ficar
desorientado [...] (1993, p. 158).

Antunes (2005, p. 122) acrescenta que é preciso selecionar documentos que estimulem “os
alunos a enxergar as entrelinhas das fotos, os detalhes da ilustração” para aprimorar sua
acuidade visual e espacial “em aprendizagens mais estruturadas e mais significativas”.

Além disso, qual o conhecimento histórico que a fotografia permite? Bittencourt explica:
A fotografia registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo presente
que logo se torna passado. Os álbuns de família são um exemplo de como esse suporte
material de imagem serve de registro da memória. Rever fotos significa relembrar,
rememorar ou mesmo “ver” um passado desconhecido (2004, p.366).

Portanto, a imagem fotográfica pode revelar aspectos da vida material de um determinado


tempo com muita facilidade e bem menos esforço que uma descrição verbal permitiria.

A fotografia, por fim, inclui significados, permite uma comunicação instantânea que a qualifica

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 115


como um meio para aprimorar nossos conhecimentos.

O cinema pode ser visto como outra forma de registro que amplia o foco de um professor
interessado em utilizar o dinamismo de suas imagens, pois um programa de televisão ou
um filme nos despertam sensações e o conhecimento ocorre com profundidade quanto às
emoções e percepções provocadas.

Bittencourt (2004) recomenda ao professor identificar as preferências dos alunos e conciliá-las


com o tipo de imagens que permitirão o levantamento de questões e incentivarão a curiosida-
de. O fundamentalismo tal como acontece no Irã, as sempre retomadas cenas da 2ª Guerra
Mundial, o julgamento de Joana d’Arc, a história de Abelardo e Heloísa são excelentes para
remeterem nossos alunos a uma realidade em seu contexto, com cores e impressões duradou-
ras. Eles são instituições abertas ao público que conservam e exibem evidências do passado e
têm a finalidade de promover a pesquisa e a educação, valendo-se de um recurso prazeroso,
de lazer.

Ainda, entre os documentos não escritos podemos citar as peças musicais. Assim como a
literatura é comum afirmar que elas são espelhos da sociedade que as produziu.

Há mais de dois mil anos, filósofos como Platão e Aristóteles já exaltavam a sonoridade
como veículo da educação. Era comum entre os jovens gregos declamarem seus poemas
acompanhados de suas cítaras ou liras.

Anchieta, enquanto catequista dos curumins do Brasil, associava música e dança, ensinando
a esses indiozinhos com sons e passos de cateretê.

Fonseca dá seu testemunho a esse respeito lembrando que:


Ensinar história por meio de canções foi meu maior desafio e minha grande paixão
desde o início da minha carreira docente. Nos primeiros anos de magistério, procurava

116 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


auscultar os interesses dos adolescentes e, sempre que possível – muitas vezes por
sugestões deles -, incorporava uma ou mais canções históricas, especialmente nas
temáticas ligadas à história do Brasil (2003, p. 187).

Com ela concorda Bittencourt (2004) quando afirma que a música, erudita ou popular, integra
nossa cultura tão fortemente que pode ser classificada entre os mais atuantes dos documentos
não escritos que temos à disposição em nossa docência.

Porém, fazer uso da música como mera ilustração do conteúdo não conduz à reflexão e tão
pouco ao conhecimento histórico tão privilegiado atualmente como apresentamos até aqui, pois
não promove o pensamento crítico do aluno nem o leva a se interrogar sobre sua historicidade,
já que o mesmo está condicionado a olhar as canções como alegorias ilustrativas e até mesmo
desprezá-las, escutá-la e, na maioria das vezes, desvinculada de seu período histórico.

Para Bittencourt (2004, p. 379), “o uso da música é importante por situar os jovens diante
de um meio de comunicação próximo de sua vivência, mediante o qual o professor pode
identificar o gosto, a estética da nova geração”.

Bittencourt não foi a única historiadora a estudar o “poder” que a música exerce sob as
pessoas. Pelo contrário, o historiador britânico Erick Hobsbawm foi um dos pioneiros no estudo
das canções, fazendo um estudo aprofundado sobre o jazz norte-americano e observando
suas influências no mundo ocidental. Por ser materialista histórico, ele analisou as condições
sociais e também o contexto no qual este gênero estava inserido.

Podemos destacar, então, que a música é um importante instrumento de transmissão de


mensagem que consegue abranger uma gama de pessoas por todo mundo. Devido a isso,
não utilizá-la em sala de aula é o mesmo que o professor não oferecer aos alunos materiais
suficientes para seu desenvolvimento intelectual e social, pois a música é presença constante
na vida das pessoas.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 117


A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO POR INTERMÉDIO DAS FONTES
HISTÓRICAS

Está ficando cada vez mais óbvio o sentido que pretendemos dar à construção do conhecimento
por meio das fontes históricas, sem desprezar nenhuma delas, das manuscritas tais como
encontramos em arquivos antigos, mais difíceis de manusear, mas sempre interessantes como
testemunho, às escritas impressas, e não escritas de vários tipos e, ainda, os documentos
virtuais que a informática e a Internet nos proporcionam.

O uso de documentos em sala de aula, qualquer que seja o seu teor e forma, permite que
operemos a construção e reconstrução do conhecimento histórico.

Na visão positivista da História, o documento era encarado como prova do real. A aplicação
dessa visão ao livro escolar assumia um caráter teleológico2 – o documento cumpria a função
de ressaltar, exemplificar e, sobretudo, dar credibilidade à argumentação desenvolvida pelo
autor. Na sala de aula, isso se reproduzia: o documento servia para ampliar e, principalmente,
confirmar o que o professor disse durante sua exposição.

Todos nós sabemos que o passado não pode ser recuperado tal como aconteceu, e que sua
retomada só pode ser realizada a partir de problemas colocados pelo presente. Paralelamente
a isso, uma nova concepção de documento se formou, ganhando uma nova dimensão nos
estudos da História. O começo da utilização desse rico acervo à nossa disposição ainda está
começando, mas já se revela um meio útil para suscitar o interesse do alunado.

O trabalho com o documento histórico, independente da sua natureza, deve ser pautado na
interpretação. É evidente que as interpretações são relacionadas a todo o conhecimento
histórico acumulado, ou seja, às interpretações de historiadores consagrados. Nesse sentido,
docentes e alunos devem atuar não apenas como consumidores, mas como cocriadores deste
conhecimento.

2
A teleologia é a doutrina que trata das causas finais; é um conjunto de especulações que se aplica à noção de finalidade.

118 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Vale ressaltar o cuidado que devemos ter ao analisarmos um documento histórico, isto porque,
segundo Mauad (1996), ele pode “mentir”, isto é o mesmo que dizer que o documento em si
foi produzido com uma intenção, aliás, todas as ações são resultados de intenções, assim
requer por parte de professores e alunos, no caso do Ensino de História, uma apreensão da
totalidade, buscando as razões pelas quais esses foram produzidos. Vejamos um trecho da
obra da autora e o exercício que se possa verificar a partir dele.

ATRAVÉS DA IMAGEM: FOTOGRAFIA E IMAGEM


“Nunca fi camos passivos diante de uma fotografi a: ela incita nossa imaginação, nos faz pensar sobre
o passado a partir do dado de materialidade que persiste na imagem. Um indício, um fantasma, talvez
uma ilusão que, em certo momento da história, deixou sua marca registrada, numa superfície sensível,
da mesma forma que as marcas do sol no corpo bronzeado. Num determinado momento o sol existiu
sobre aquela pele, num determinado momento um certo aquilo existiu diante da objetiva fotográfi ca,
diante do olhar do fotógrafo, e isso é impossível negar.
Discute-se a possibilidade do mentir da imagem fotográfi ca. A revolução digital provocada pelos avan-
ços da informática torna cada vez maior esta possibilidade. Permitindo até que os mortos ressurjam
para tomar mais um chope, tal qual a publicidade já mostrou. Não importa se a imagem mente; o
importante é saber por que mentiu e como mentiu. O desenvolvimento dos recursos tecnológicos
demandará do historiador uma nova crítica que envolva o conhecimento das tecnologias feitas para
mentir.
Toda imagem é histórica. O marco de sua produção e o momento da sua execução estão calcados nas
superfícies da foto, do quadro, da escultura, da fachada do edifício. A história embrenha as imagens,
nas opções realizadas por quem escolhe uma expressão e um conteúdo, compondo através de signos
de natureza não verbal, objetos de civilização, signifi cados de cultura.”
Fonte: MAUAD, Ana Maira. Através da imagem: fotografi a e história – interfaces. Tempo, Rio de
Janeiro, v. 1, n. 2, pp. 73 – 98, dez. 1996.

Exercitando a História a partir da leitura do texto apresentado, procure analisar: a posição

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 119


da autora em relação aos métodos de análise das imagens tecnológicas; os diferentes tipos
de imagem que podem ser utilizados no ensino de História; o papel do professor de História
consciente de sua responsabilidade social e o aluno enquanto sujeito histórico.

O que mais se impõe é a percepção do explícito em conjunto com o implícito, os chamados


testemunhos involuntários que se revelam quando conseguimos ler um documento nas suas
entrelinhas, naquilo que escapou ao autor e revela algo de sua percepção a respeito do seu
tempo ou algo que quer ocultar daqueles que estão lendo o documento.

A sala de aula pode ser vista como um ambiente ideal para a reconstrução de tais conhecimentos
por intermédio de fontes históricas, e aqui nos referimos às que se encontram no sistema
presencial ou que caracterizam a realidade virtual de um ensino a distância.

Neste último caso, as telecomunicações unidas à informática proporcionam um veículo rápido


e que encurta distâncias para o conhecimento.

Em sua obra em que aborda os novos modelos que podem se estabelecer para o ensino
da História, Karnal (2004) parte do princípio de que a História linear está condenada ao
desaparecimento e que depois do advento do fenômeno da globalização – marcadamente
na década de 1990 – temos de olhar em múltiplas direções, atender a divergentes contextos.

“Até agora”, escreve, “a história era ensinada como se tratasse de quadros já acabados”. Hoje
já não é suficiente explicar como se chegou ao Renascimento ou à Segunda Guerra Mundial,
à construção do capitalismo ou ao desprestígio do socialismo que levou à hegemonia do
neoliberalismo como política econômica. “Ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico
significa ensinar a construir conceitos e aplicá-los diante das variadas situações e problemas”.
Isto equivale a “interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da
realidade que estiver sendo estudada” (KARNAL, 2004, pp. 77-78).

O autor parece preocupado com a retomada do humanismo em tempos dominados pela


tecnologia e, para valorizar o homem, nada melhor do que o pensamento autônomo, construído

120 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


pelo próprio indivíduo, produto de “uma percepção o mais abrangente possível da condição
humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas” (KARNAL, 2004,
p. 78).

“O nosso desafio”, finaliza, “consiste não em saber se é possível fazer isso ensinando História,
mas em responder positivamente, com um método adequado, à pergunta sobre como é
possível fazer isso, ensinando História” (KARNAL, 2004, p. 78).

E é aí que os documentos citados assumem seu lugar como uma alternativa viável e atual a
nossa disposição, com todas as tecnologias de que dispomos.

Os documentos não têm intenção didática e por isso são produzidos em diferentes linguagens, por
diversas formas de comunicação. Portanto, devem ser analisados com antecedência para serem uti-
lizados com fi ns didáticos. Como recurso didático enfocaremos dois tipos de documentos: os escritos
e não escritos.
A escrita é utilizada pelos homens a milhares de anos para expressarem suas idéias, sentimentos e
impressões do mundo. Os documentos escritos são subdivididos em ofi ciais e não ofi ciais. O primeiro
tem a fi nalidade de registrar um fato. São exemplos os registros de instituições como Secretarias e
Prefeituras. Os documentos não ofi ciais são diários, cartas, anotações pessoais, entre outros.
Quanto aos documentos não-escritos, estes podem ser subdivididos em:
• Iconográfi cos: As imagens também são utilizadas pelos homens para registrar a história de deter-
minado período histórico. Nelas podemos representar as idéias, os objetos, as pessoas, as vestimen-
tas, os acontecimentos por meio de esculturas, desenhos, pinturas e fotografi as.
• Orais: Recentemente os historiadores reconheceram os depoimentos orais como sendo fontes his-
tóricas. O historiador tem a possibilidade de entrevistar uma pessoa que conta sua versão da história.
• Sonoros: São as músicas e os ritmos em geral que também informam sobre como pensavam os
homens de determinada época.
• De cultura material: Os historiadores reconhecem, ainda, os objetos, as roupas, os brinquedos, os
monumentos, ferramentas, móveis, entre outros, como sendo fontes valiosas principalmente em se

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 121


tratando de sociedades que não deixaram registros escritos. Para estudá-los, os pesquisadores in-
vestigam com que materiais foram feitos, quem os construiu, quem fi nanciou e com quais interesses.
Fonte: CABRINI; CATELLI; MONTELLATO. História temática: tempos e culturas. 6. ano. Ensino Fun-
damental. 4. ed. reform. São Paulo: Scipione, 2009.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Ao longo desta unidade, verificamos que, para compreendermos as sociedades nos seus
aspectos mais amplos, devemos considerar todas as informações, desde as vestimentas, as
grandes construções passando por textos escritos, imagens, objetos do cotidiano entre outros.
E que é possível adquirir conhecimento histórico por meio das fontes, contudo, constatamos
que os historiadores e professores fazem uso de maneira diferente destes documentos
históricos.

É interessante ressaltar também que os documentos e as fontes históricas, por nós, foram
tomados como sinônimos. E que, hoje houve uma mudança quanto ao entendimento do que
seja um documento. Tal ênfase deve-se a herança deixada pelos historiadores da Escola dos
Annales que lançaram um novo olhar aos documentos.

Nesta perspectiva, podemos destacar os objetivos que podemos alcançar fazendo uso desses
documentos no processo ensino-aprendizagem:

• Fazer o aluno conhecer uma grande variedade de fontes e adquirir experiência na sua
leitura.

• Desenvolver no aluno a capacidade de análise e avaliação crítica das fontes, distinguindo


o que são dados de informação e o que são opiniões.

• Ensinar a “olhar historicamente” um fenômeno.

• Desenvolver no aluno a capacidade de síntese interpretativa e narrativa.

• Aprender a recolher informações sobre o passado distante e próximo.

• Desenvolver habilidades de pesquisar em arquivos e constituir os seus próprios.

Por fim, consideramos o educador como responsável pela intermediação entre o aluno e o
percurso do conhecimento histórico e que as fontes são recursos didáticos inesgotáveis de
122 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância
conhecimento, basta, para isto, dominar suas especificidades e ser um eterno pesquisador.

Na unidade seguinte, daremos continuidade as nossas discussões refletindo sobre a prática


pedagógica e as possibilidades que o professor tem para ministrar uma boa aula de História.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
1. Vimos, nesta unidade, que as pessoas fazem História participando de diferentes grupos
sociais. Esses grupos produzem documentos que nos ajudam a reconstruir e representar
essas histórias. Nesta perspectiva, a sugestão de atividade pedagógica é a constituição
de um DOSSIÊ TEMÁTICO, ou seja, selecionar documentos dos mais variados sobre um
mesmo tema. O tema proposto é FAMÍLIA. Procure pesquisar, encontrar documentos
que dizem respeito à sua família: objetos que pertenceram a familiares; fotografias,
vídeos, músicas prediletas que representem algo para seus antepassados; registros
de diversos momentos da vida ou documentos pessoais de pais, avós, bisavós etc.
De posse destes documentos, você deverá produzir um dossiê contando a HISTÓRIA
DA SUA FAMÍLIA.

2. Ainda, nesta unidade, verificamos que o historiador deve ter a “paixão de compreender,
o que implica que renuncie, tanto quanto possível ao juízo de valor” ou àquilo que é do-
minado pelo antropocentrismo do bem e do mal. Para Bloch, o parecer do historiador é
o do sábio, que examina sempre os dois lados de uma questão, com isenção de ânimo
e lembra que para penetrar numa consciência alheia, é preciso que nos despojemos “de
nosso próprio eu”. Refletindo sobre suas colocações, faça uma análise sobre o trecho
sublinhado destacando a relação com as fontes históricas.

3. Procure analisar os documentos iconográficos que seguem para fazer o que se pede:

Trabalho Infantil
a) Descreva as imagens, observando todos os detalhes que envolvem cada cena: o que os
personagens estão fazendo, sua expressão (se estão tristes, alegres, irritados etc.), suas
roupas, a paisagem, enfim, tudo o que compõe as fotografias.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 123


b) Construa uma tabela destacando as diferenças e semelhanças entre as fotografi as anali-
sadas.

c) Escolha uma das crianças das fotografi as e redija uma biografi a, imaginando como seria
sua vida cotidiana.

d) Refl ita e escreva sobre a importância de utilizar documentos históricos como estes em sala
de aula.

4. A truculência e falta de preparo, herança do modelo policial adotado pela ditadura militar
não poderia ter saído ileso às canções que a juventude da década de 1980 cantava. A
Banda Titãs expressou bem este cenário na canção abaixo. A partir da leitura de sua letra,
expresse sua opinião sobre o assunto.

Polícia
(Tony Beloto)
Dizem que ela existe
Prá ajudar!
Dizem que ela existe
Prá proteger!
Eu sei que ela pode
Te parar!
Eu sei que ela pode
Te prender!...
Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia...
Fonte: <http://letras.terra.com.br/titas/48993/>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Para finalizarmos as discussões referentes a esta unidade, fazemos uso das sugestões de
análise dos documentos apresentadas no livro didático de Cabrini, Catelli e Montellato.

1. Documentos escritos:
a) Qual o tipo de documento?
b) Em que data foi escrito?
124 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância
c) Onde e quem escreveu?
d) Que outras informações ele traz?
e) De que material é feito? Foi manuscrito ou impresso?
f) Quais suas condições de conservação?
2. Fotografi as:
a) Que pessoas aparecem na fotografi a?
b) Descreva a aparência física e o vestuário das pessoas da foto.
c) Se possível, descreva o local onde foi tirada a fotografi a.
d) O que as pessoas da foto estão fazendo?
e) Há alguma informação escrita no verso da fotografi a?
f) Em que época ou data ela foi tirada?
g) Quem a tirou? Descubra, se possível.
h) Quais as condições de preservação da fotografi a?
3. Objetos:
a) De que objeto se trata?
b) Para que servia?
c) Quem o utilizava?
d) De que material é feito?
e) É possível saber quantos anos ele tem?
f) Como foi feito? É possível saber quem o fabricou?
4. Depoimentos orais:
a) Quem contou a história?
b) Qual o assunto?
c) A que época se refere?
5. Músicas:
a) Quem é o autor da canção (letra e melodia)?
b) Quando foi composta?
c) Qual o tema?
d) Qual o ritmo da música?
e) Qual a relação da canção com a história da família?
Fonte: CABRINI, Conceição; CATELLI, Roberto Júnior; MONTELLATO, Andréa. História temática:
tempos e culturas, 5ª série. São Paulo: Scipione, 2004. (Coleção História temática).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 125


UNIDADE IV

A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O ENSINO DE


HISTÓRIA
Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Discutir o planejamento como ponto de partida de qualquer ação didática visando à


aprendizagem significativa.

• Compreender as diferentes linguagens para o ensino de História: dos projetos


interdisciplinares às pesquisas numa perspectiva holística.

• Apresentar o Parecer/Lei 10.639/04 – transformada na Lei 11.645 de 2008, que


incluiu a temática Cultura Afro-brasileira e Indígena – abrindo possibilidades à
edificação da igualdade e da repreensão às atitudes e posturas de discriminação
no ambiente escolar.

• Estudar o processo avaliativo para a disciplina de História considerando suas


características e compreendendo suas especificidades.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Efetivando a aprendizagem: o planejamento como ponto de partida

• As diferentes linguagens no Ensino de História: uma proposta interdisciplinar

• O educar pela pesquisa

• Avaliação como processo de melhorias da ação docente e discente


INTRODUÇÃO

Autores como Bernard Charlot (1990 e 1994) em suas obras nos alertam sempre sobre o
perigo de se enveredar por uma “mistificação pedagógica”.

A diferença, o abismo que muitas vezes se abre entre o que se projeta e pretende e o que
se alcança na prática, é flagrante e a se julgar pelo que afirma Charlot, nas terras francesas,
ocorre o mesmo fenômeno frustrador que sentimos entre nós brasileiros.

Uma das grandes prioridades do mundo intelectual nas últimas décadas tem sido a necessidade
de planejar.

Planejamento, ou planeamento como se escreve no português de Portugal, é a atividade


primeira sem a qual nada parece viável em uma atividade pedagógica. Ao visarmos o ensino
de História como prioridade, precisamos pressupor um método, tal como a melhor receita de
Descartes em seu combate à escolástica.

O método – entenda-se, o caminho – inclui vários passos, todos eles encaminhando para
um estado de esclarecimento, da dúvida inicial para algumas certezas. Seja pela leitura, pela
pesquisa ou outra metodologia qualquer a aula precisa sempre caminhar em uma direção
segura, visando à sistematização do conhecimento tão exigido em tempos pós-modernos.

A sala de aula é o nosso campo de provas, o nosso permanente laboratório onde são testados
os procedimentos que podem dar os resultados que pretendemos em nossa tarefa docente. Lá
é onde tudo acontece, como dizemos, e é nesse local privilegiado da relação ensino-aprendi-
zagem que pomos o melhor de nossas energias, ideias, propósitos e crenças.

É também neste espaço que temos a possibilidade de inserir um tema necessário e atual: a
Cultura Afro-brasileira e Indígena que precisaram ser transformadas em Lei para adentrar o
ambiente escolar.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 129


Por que será que vemos o outro com diferença? Por que omitimos informações sobre nossas
origens? Por que a cultura africana e indígena ainda são vistas como primitivas? Por que fal-
tam esclarecimentos de como trabalhar a temática em sala de aula? Estas e outras questões
serão respondidas nesta unidade IV, impondo-se também um estudo mais pormenorizado
desse momento de educar fazendo do ensino de História o nosso instrumento, e da prática
pedagógica, a nossa reflexão.

EFETIVANDO A APRENDIZAGEM: O PLANEJAMENTO COMO O PONTO DE


PARTIDA

Segundo Rafael Ruiz (apud KARNAL, 2004, p. 75), “o processo do conhecimento é a grande
aventura e o grande desafio que o educador enfrenta quando prepara as suas aulas e quando
as desenvolve com os seus alunos”.

Em 1996, houve uma conferência proferida pelo historiador francês François Hartog, o qual
dividia a História em três modos de entendê-la e entender o papel do historiador. Seriam eles:
a história voltada para o passado, a história teológica voltada para o futuro, e por fim, a história
do presente.

Assim, o primeiro modo seria o modelo clássico proposto por Tucídides e Cícero, os quais
entendiam a história como a magistra vita (velha mestra), onde esta educaria por meio do
passado, preparando nosso caminho para o futuro.

O segundo modelo seria o de Chateaubriand, um historiador e escritor francês que viveu no


próprio tempo em que escreveu. Chateaubriand, diferentemente dos primeiros, procurava
escrever sobre o passado, vislumbrando o futuro e, ao mesmo tempo, tentando entender a
Revolução Francesa, a qual acontecia na mesma época. Ele afirmava: “eu escrevia História
Antiga, e a História Moderna estava a bater em minha porta”.

130 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


O terceiro e último modelo surgiu ao final da Segunda Guerra Mundial, em que o presen-
te tornou-se mais importante que o futuro. Segundo Hartog, o que temos experimentado no
Ocidente ao longo do século XX, dizia ele, é uma ênfase crescente no presente enquanto tal.
Portanto, fica a pergunta: como nós, professores de História, devemos encaminhar nossas
aulas de modo que essas sejam significativas aos alunos?

Para este mesmo pesquisador, a queda do muro de Berlim, em 1989, simbolizou o momento
de mudança, pois a partir daí foi mais fácil perceber que há muitos pontos de vista sobre o
passado, os narrados de maneiras diferentes.

Segundo Rafael Ruiz (apud KARNAL, 2004, p. 77), existem dois princípios para estudar e
ensinar História:

• Edificar o próprio ponto de vista tão explicitamente quanto possível; e

• Realizar sempre uma abordagem comparativa.

Assim, não devemos ensinar o próprio edifício da História, mas sim ensinar-lhes a edificar
o edifício. Pois, até agora a História era ensinada como se já houvesse quadros acabados.
Ensinar a edificar é o mesmo que levar nossos alunos a construir conceitos e aplicá-los diante
das várias situações problema que a vida impõe-lhes. Significa, ainda, ensinar a selecionar,
relacionar, interpretar, compreender, construir argumentos; lembrem-se da Taxionomia de
Bloom apresentada na unidade II. Enfim, “ensinar a ter uma percepção mais abrangente
possível da condição humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados
problemas” (RUIZ apud KARNAL, 2004, p. 78).

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 131


Fonte: PHOTOS.COM
Portanto, o desafio do professor não é saber se isso é possível, mas sim fazê-lo ensinando
História, e o planejamento é um dos primeiros passos para a aprendizagem eficiente e eficaz.

Planejar é um processo de busca e equilíbrio entre meios e fins, envolve recursos e objetivos,
tudo convergindo para a eficácia que se traduz em resultados. O planejamento é um ato
reflexivo que vai da decisão à ação, previsão e racionalização, definindo etapas e pressupondo
uma avaliação.

Segundo Vasconcellos (1995, p. 56), o planejamento curricular é “o processo de tomada de


decisões sobre a dinâmica da ação escolar. É previsão sistemática e ordenada de toda vida
escolar do aluno”. É evidente que planejar é um dos melhores instrumentos, uma verdadeira
bússola para a ação educativa, pois as experiências de aprendizagem implícitas e explícitas
são programadas para o estudante por meio dos componentes curriculares.

Vale lembrar que não devemos entender o planejamento como uma simples tarefa burocrática,
ou seja, realizá-lo porque a equipe diretiva exige. Muito mais que isto, o planejamento é o
momento inicial de qualquer ação docente, afinal todos os dias quando acordamos planejamos
nossas ações diárias, fazemos também planos para o futuro próximo ou longínquo e na escola

132 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


não poderia ser diferente.

Esse processo de decisão sobre a atuação concreta dos docentes envolvidos no cotidiano de
seu trabalho pedagógico não deve nunca ser improvisado, e o professor deve não só conhecer
os alunos para os quais planeja tais atividades como também saber o que irá ensinar e como
ensinar.
Fonte: PHOTOS.COM

Campos e Nigro (1999, p.99) se dedicam a explicar algo sobre o planejamento de uma unidade
didática “de olho na sala de aula”. Seus exemplos são importantes para explicar o que ocorre
quando um professor desconsidera as concepções que as crianças têm sobre o assunto que
vão estudar e acaba fazendo um planejamento descuidado, que compromete seus objetivos e
torna as unidades didáticas frágeis e a aprendizagem superficial.

Existem alguns princípios que o professor deve considerar ao planejar. Por exemplo, iniciar
novos conteúdos ainda não problematizados pode não ser a melhor escolha. Conteúdos
diferentes precisam ser trabalhados por meio de várias atividades, considerando as múltiplas
inteligências3. Embora tais inteligências tenham sido um tanto criticadas, para nós, elas são
importantes para atingirmos o foco do aprendizado em cada um de nossos alunos.

E ainda, é necessário manter os conteúdos articulados, ainda que a aprendizagem não seja
possível de forma linear e exija sucessivas reorganizações do conhecimento.
3
Em 1994 Howard Gardner publicava sua obra “Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas” apresentando as
inteligências múltiplas e múltiplas linguagens nos caminhos do aprendizado.Ele retoma as linhas de ação do aluno sobre o
conhecimento. Para ele são inteligências: Linguística ou verbal; Lógico-matemática; Espacial; Sonora ou musical; Cinestésico-
corporal; Naturalista; Pessoais.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 133


O contexto no qual a aprendizagem acontece é fundamental para o planejamento. A respeito
disso, a atividade de planejar não deve ignorar alguns pressupostos fundamentais que valem
para o ensino de História, segundo nossa visão:

• Os conteúdos não devem ser desligados do mundo, pelo contrário, devem ser contínuos e
prosseguir ao longo da vida.

• Os conteúdos devem considerar os conhecimentos prévios dos alunos.

• A aula deve estar comprometida com o nível cognitivo da turma, nem tão além e nem tão
aquém do exigido para a série.

• Propor atividades que desenvolvam a autonomia dos alunos.

• O ensino de História deve ter “lugar” em outros ambientes que não a escola formal, por
intermédio de uma pesquisa de campo, nos museus etc.

Ainda, em acréscimo, podemos afirmar que a modalidade de ensino que mais tem se afirmado
ultimamente é aquela que se vale de trabalhos interdisciplinares.

Uma alternativa que vem ganhando forças entre educadores no que tange ao planejamento
é a perspectiva Histórico-crítica. João Luiz Gasparin propõe uma ação docente-discente na
qual o professor trabalha com o aluno e não pelo aluno. Essa proposta de trabalho pedagógico
consiste no uso do método dialético prática-teoria-prática.

Em sua obra “Uma didática para a pedagogia histórico-crítica” de 2002, Gasparin divide
a nova didática em cinco passos: prática social inicial; problematização; instrumentalização;
catarse e prática social final com o intuito de alcançar um único objetivo, qual seja, a
aprendizagem significativa dos conteúdos.

134 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Para saber mais sobre o assunto, caro aluno de Pedagogia, acesse o site:
<http://www2.ufpa.br/ensinof>
• Valorização do aluno e seu universo.
• Estimular a oralidade, a produção textual e analise de documentos.
• Não é possível estudar tudo, assim é preciso selecionar o que falar e como falar para que o aluno
possa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva.
• Valorização do aluno e seu universo.
• Estimular a oralidade, a produção textual e análise de documentos.
Fonte: <www2.ufpa.br/ensinofts/artigo4/metodocts.pdf> ou leia a obra na íntegra.

SINOPSE
Sumário - Parte I. Prática social - nível de desenvolvimento atual do educando - Capítulo 1. Prática
social inicial do conteúdo - o que os alunos e o professor já sabe; Parte II. Teoria - zona de desenvol-
vimento imediato do educando - Capítulo 2. Problematização - explicitação dos principais problemas
da prática social; Capítulo 3. Instrumentalização - ações didático-pedagógicas para a aprendizagem;
Capítulo 4. Catarse - expressão elaborada da nova forma de entender a prática social; Parte III. Prá-
tica social - nível de desenvolvimento atual do educando - Capítulo 5. Prática social fi nal do conteúdo
- nova proposta de ação a partir do conteúdo aprendido; Conclusão - como iniciar?
Fonte:<http://www.autoresassociados.com.br/livro/88/uma-didatica-para-a-pedagogia-historico-criti-
ca>. Acesso em: 01 jun. 2011.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 135


Livro: Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica
Autor: João Luiz Gasparin
ISBN: 8574960443
ISBN -13: 9788574960548
Brochura
1ª edição

As diferentes linguagens no Ensino de História: uma proposta interdisciplinar

Segundo José Aves de Freitas Neto (apud KARNAL, 2004, p. 57),


O ato de educar é constante! Desde os fundamentos filosóficos acerca do modo
de conhecer até os procedimentos contínuos em sala de aula é comum supor que
educadores e educandos se confrontem e questionem sobre as ações e conteúdos
trabalhados e aprendidos pelos estudantes. O mundo em contínua transformação, as
constantes alterações das diretrizes e orientações legais, o controle burocrático cada
vez mais eficiente, e alunos pouco dispostos a aceitarem o universo escolar como algo
útil e aplicável ao seu cotidiano, provocam no educador a necessidade contínua de
discussão e alteração para que a escola, em sua tarefa de educar, não se esvazie, e
com ela, sua própria profissão.

A valorização da educação traz uma ideia de redenção e grandeza, a qual se choca com o que
o aluno esperava. Logo, quando se passa os anos iniciais do Ensino Fundamental, é comum
o aluno se perguntar: por que devo estudar isso? Onde vou usar este conhecimento? Ele é
importante? Pois, muitas vezes, os argumentos dos professores de que estudar é importante,
e são fundamentos da civilização, são insuficientes e incompreensíveis para os alunos. Para
esses estudar é inútil, como afirma Içami Tiba “os jovens adoram estar na escola o que não
gostam é de estudar” (palestra proferida em Maringá/PR., 2007).

136 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Fonte: http://www.cathedral.edu.br/boavista/academico/extensao/e-jornal-06-04-10/images/02.jpg

Alguns professores falham na hora de explorar a realidade e descobrir o conhecimento


acumulado historicamente pela humanidade com o aluno. Esse fato ocorre principalmente
na disciplina de História, na escolha dos conteúdos, em que professor valoriza o passado.
Além disso, a fragmentação dos conteúdos, dos horários e da estrutura burocrática na escola
dificulta mais ainda esse aspecto.

Para alunos atualizados e modernos, que têm acesso à internet, explorar significa “navegar”.
Já para o aluno excluído desse processo, explorar a realidade significa a busca pela
sobrevivência no mundo atual, com violência e violação da dignidade e direitos. Assim, para
ambos os alunos, “a realidade é mais dinâmica e mais urgente do que a exposição de uma
aula” (NETO apud KARNAL, 2004, p. 58).

Para superar o problema, há a proposta da transversalidade, atrelada aos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN’s) que já mencionamos em outra unidade anterior.
A transversalidade apresenta uma proposta que ultrapassa a fragmentação dos
conteúdos e disciplinas, prevendo um trabalho cujo conhecimento seja construído em
função dos temas e propostas apresentados. Atrelado aos PCN’s, publicados pelo
Ministério da Educação, onde se pretende obter um referencial de conteúdos das
diversas disciplinas, são apresentados temas que devem nortear a elaboração dos
objetivos, programas e conteúdos que serão desenvolvidos por professores e alunos
nas escolas brasileiras (NETO apud KARNAL, 2004, p. 59).

A partir da análise da realidade brasileira por especialistas, foram propostos cinco temas para
a transversalidade na Educação Nacional: ética, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade
cultural e saúde. Assim, esses temas devem ser referência na prática escolar de alunos do
Ensino Fundamental, aproximando-a do cotidiano do aluno, e evitando o choque citado acima
entre conhecimentos dos professores e expectativas dos alunos.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 137


Fonte: PHOTOS.COM

Pelo fato de os temas ultrapassarem as visões disciplinares dos professores, são propostas
três situações de aplicação da transversalidade:

• Trabalho interdisciplinar: a partir de uma temática em comum, professores de duas ou


mais disciplinas trabalham por um período de tempo com o tema indicado, levando em
consideração as especificidades de cada uma delas. A dificuldade dessa situação está em
unificar o tema a partir da divisão de cada disciplina e suas particularidades. Assim, deve-
-se tentar englobar todos na busca de uma compreensão ampla sobre o determinado tema
(NOGUEIRA, 1998).

• Espaço dentro da grade horária: a escola deve reservar uma aula para discussão dos
temas da transversalidade. Porém, ao criar este instante, o tema transversal não estará
mais ligado às disciplinas tradicionais, trazendo um conhecimento repetitivo e até mesmo
descontextualizado, contrariando o princípio da transversalidade.

• As disciplinas como meios e a transversalidade como fim: apresentando temas que ultra-
passam as diferentes áreas do conhecimento, a proposta de trabalho transversal requer
uma nova concepção das disciplinas dentro da escola.

Assim, não excluiremos uma disciplina, ou criamos uma nova, mas sim mudamos a forma de
abordagem das disciplinas atuais.

Devemos capacitar nossos alunos para estarem aptos a viverem nestes tempos que se
impõem, ou seja, prepará-los para resolver situações-problemas, adquirindo autonomia. Mas,
o desenvolvimento dessas capacidades habilitará o estudante a relacionar as informações e
instrumentalizá-las na sua leitura de mundo, e esta deverá ser menos preconceituosa, mais
plural e ética, conforme os temas propostos pela transversalidade.

138 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Para chegar a essa realização, todas as áreas têm compromissos que implicam em maior
participação no processo de formação dos alunos.

No processo de formação de estudantes, alguns menosprezam os saberes tradicionais, como


se a presença de formação ética e cidadã signifique a ausência do domínio de conteúdos e
das ciências.

Outros desprezam as formulações feitas ao longo da tradição ocidental, em nome de uma


discussão atual, correndo o risco de ficar num discurso inconsciente. O professor deve lembrar
que o saber não surge espontaneamente, mas sim que é adquirido, produzido e transformado
historicamente.

Para Neto (apud KARNAL, 2004, p. 64),


os temas transversais não deverão ser vistos como opositores dos saberes clássicos,
mas necessidades e questões do presente, de grande importância, que não podem
ser ignorados pelos educadores. Se o mundo, a família, os modelos mudaram, faz-
se necessário uma nova prática escolar, que atualize e valorize a própria escola e
os que nela estão. Não permitir que os temas do cotidiano se façam presentes em
sala de aula em detrimento dos grandes feitos do passado, é ignorar a angústia dos
alunos e educar com o olho voltado para trás, com um saudosismo injustificável que
significa dizer que as questões de outras gerações foram mais importantes que as da
atualidade.

A implantação da transversalidade implica alterações no ensino de História, tanto por meio das
mudanças didático-pedagógicas quanto e conceituais tanto por meio das mudanças didático-
pedagógicas e conceituais quanto pelo ato de educar.

Os estudantes brasileiros são educados com uma disciplina de História marcada por grandes
acontecimentos sequenciais até chegarmos ao que somos hoje. Essa prática gerou um
distanciamento e indiferença ao ensino de História com relação aos estudantes, principalmente
nos anos iniciais, criando um senso comum o qual afirma que a disciplina trata apenas de
coisas antigas e que não tem nada a ver com a atualidade.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 139


Segundo Neto (apud KARNAL, 2004, p. 66),
a inserção dos temas transversais deve ser considerada nesse contexto de questionamento
aos procedimentos escolares. Alterar a compreensão de que a disciplina não é um fim em
si mesma, mas um meio de chegar a outros objetivos, refletindo e atuando na educação
de valores e atitudes dos alunos e cidadãos, é condição fundamental para renovação
do ensino. Deve-se abandonar a visão do conhecimento específico da disciplina, sem
abrir mãos dos repertórios e recursos de cada área de conhecimento, e, ao mesmo
tempo, incorporar o papel de formação exercido pelo educador, tratando de temas e
questões que ultrapassam o conteúdo programático, por meio dos temas transversais.
A busca da compreensão da realidade e a efetiva participação do indivíduo a partir de
dados e noções relativos ao seu cotidiano, ao seu universo, fazem com que a escola
passe a ser considerada como um espaço de conhecimento e reconhecimento, onde por
intermédio das diversas disciplinas e de sua nova abordagem o aluno seja capaz de ver
e vislumbrar-se como construtor de sua própria história.

Assim, o ensino de História deve ser realizado de acordo com os temas propostos pela escola,
a fim de se tornar presente e capaz de dizer sua função no processo escolar.

Dois são os procedimentos utilizados no ensino de História:

• A divisão em períodos da História: História do Brasil, História Geral ou da América.

• A divisão por temas, como a organização do trabalho, industrialização, formação de cida-


des e a vida urbana.

Em ambos os processos, pode-se trabalhar com os temas transversais. A proposta de


renovação e de visão da História que supere a divisão cronológica aponta para o segundo
procedimento como o mais adequado para o ensino transversal.

Podemos, a partir das discussões, aponta algumas primeiras conclusões sobre o tema. O
ensino é algo dinâmico e necessita se adaptar à realidade dos alunos. Assim, o professor pode
e deve renovar e modificar o ensino de História.

A seguir, são citados alguns pontos que resumem a proposta de trabalho com os temas
transversais:

140 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


• Valorização do aluno e seu universo.

• Estimular a oralidade, a produção textual e análise de documentos.

• Não é possível estudar tudo, assim é preciso selecionar o que falar e como falar para que
o aluno possa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva.

• Saber identificar o esgotamento ou a necessidade de aprofundamento de um tópico pela


maturidade, envolvimento e proximidade com o que é vivido pelos alunos, devendo estar
atento ao ritmo dos mesmos.

• Expor ao aluno o que se ensina, por que se ensina e aonde quer chegar, para que eles
reajam e discutam em torno desses mesmos objetivos.

• Dar a dimensão de que o conhecimento histórico é um meio para compreender o mundo,


as questões da atualidade, suas origens, as diversas respostas e explicações para um
determinado fato, levando o aluno a ver que há diversas explicações para uma mesma
realidade devendo abrir-se para ouvi-las e questioná-las (NETO apud KARNAL, 2004, 73).

Nilbo Ribeiro Nogueira (1998), ao discutir sobre os termos multidisciplinaridade,


pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, faz uma interessante
distinção que merece nossa atenção.

A multidisciplinariedade, segundo ele, acontece quando há integração de diferentes conteúdos


de uma mesma disciplina. O professor de História pode tratar de temas como a escola,
integrando-os ao contexto da cultura.

Na pluridisciplinaridade existem sinais de uma cooperação entre as disciplinas, ainda que


pequena. Exemplo típico, segundo Nogueira (1998), é quando trabalhamos com um mesmo
tema nas diferentes disciplinas.

Já na interdisciplinaridade, a tônica é o trabalho de integração dos diferentes áreas do


conhecimento. As diferentes disciplinas não aparecem isoladas, pois a dinâmica conduz à
unificação. Neste momento, se propõe um sistema sem fronteiras, em que a integração chega

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 141


a um nível tão alto que é impossível distinguir onde começa uma disciplina e onde outra termina.

Segundo Nogueira (1998), este nível beira a utopia. E, Ivani Fazenda (1995, p. 31),
concordando com ele, considera o nível transdisciplinar “o mais alto das relações iniciais nos
níveis multi, pluri e interdisciplinares”. Mas assinala que se trata de uma utopia por apresentar
uma incoerência básica. E explica: “a própria idéia de uma transcendência pressupõe uma
instância científica que imponha sua autoridade às demais, e esse caráter impositivo da
interdisciplinaridade negaria a possibilidade do diálogo, condição sine qua non para o exercício
efetivo da interdisciplinaridade”.

Para Nilbo (1998), é importante refletir sobre a postura do professor, pois ela norteará os
trabalhos de caráter interdisciplinar. Ele acredita que não basta ter vontade de praticar a
interdisciplinaridade, há de existir uma vontade política que supere o mero discurso e assuma
uma atitude concreta, principiando por romper com velhos paradigmas.

Isto porque há que se presumir que o aluno já é possuidor de um “espectro de competências,


ávidas por serem desenvolvidas” e que a centralização nos conteúdos não é superior
“às vivências, à interação social e todos os demais fatores essenciais à construção do
conhecimento” (RIBEIRO, 1998, p. 31).

A postura de aceitação do novo não deve, no entanto, partir de um único ou de poucos dentre
os professores que trabalham com a mesma série, isto quando não é um único docente que
trabalha com todas as disciplinas. A grande dificuldade consiste em formar uma equipe, chegar
ao consenso, superar a fase dos sujeitos isolados e terminar com uma divisão de tarefas que
permita os bons resultados como resultado dos projetos interdisciplinares.

Uma boa proposta de trabalho é a união entre o ensino de Língua Portuguesa e de História.
Nas aulas de Língua Portuguesa, o professor propõe a leitura de literatura infantil ou mesmo
de paradidáticos que tratem de temas relativos à História.

142 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Vale ressaltar que enquanto os livros de literatura infantil se preocupam apenas em contar uma
“história”, os paradidáticos visam oferecer informação ao leitor. Neste sentido, é uma ferramenta
a mais que o professor pode e deve utilizar em suas aulas para que as mesmas se tornem
atrativas e produtivas aos olhos dos alunos. Mesmo quando o autor destes paradidáticos faz
uso de uma pequena história para ilustrar o contexto, ela é sempre pretexto para facilitar a
compreensão do assunto de determinada área do conhecimento.

No entanto, o texto expositivo não deve se restringir meramente à transmissão de informações.


Isso porque, no mundo atual, ocorreu uma incrível mudança com a crescente ampliação do
campo do saber e com o avanço da tecnologia, sobretudo no setor das comunicações, o que
tornou a informação bastante acessível. Por isso mesmo, o leitor precisa ter condições de
selecionar essas informações e de lançar sobre elas um olhar crítico, o que só é possível pelo
desenvolvimento da autonomia do pensar e do agir.

A formação desse leitor autônomo supõe que a informação seja contextualizada: que parta
do que é familiar ao aluno e, ao final, retome a realidade vivida, para que não se reduza a
abstrações, mas adquira sentido vital.
Fonte: PHOTOS.COM

O conhecimento contextualizado, inserido nas situações vividas, deixa de ser passivo, como
acontece com o saber acabado e recebido de fora. De fato, quando o aluno consegue identificar
os problemas e conflitos da realidade, tudo o que aprende adquire sentido novo para sua vida.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 143


Assim, o conhecimento deixa de ser uma aventura apenas intelectual, porque se encontra
enriquecimento por contornos afetivo e valorativo.

O saber incorporado ao vivido é condição importante para a formação integral do aluno porque
estimula a atitude crítica e responsável, preparando-o para se tornar um cidadão ativo na
sociedade, membro integrante da comunidade e possível agente transformador.

Esta relação que podemos estabelecer entre literatura e História merecem destaque nos
últimos anos por meio de estudos aproximando as duas áreas. Essa aproximação, pouco
valorizada até tempo atrás, oferece novas possibilidades de trabalho aos professores
polivalentes como é o caso dos pedagogos que atuam da Educação Infantil aos anos iniciais
do Ensino Fundamental.

Para estabelecer esta relação, é preciso “quebrar” as fronteiras entre o discurso histórico e
o discurso literário, sistematizando alguns elementos e propondo novas formas de trabalho,
principalmente nas salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no momento da
“hora do conto” em que, normalmente, a professora da turma reúne seus alunos para ouvirem
contos de fadas, lendas, histórias infantis atuais ou obras de literatura infantil. Assim, propomos
que haja um trabalho conjunto, promovendo articulações entre o discurso literário e o histórico,
problematizando as características das narrativas histórica e literária.

Para Fernando Seffner e Ramiro L. Bicca Jr (apud HICKMANN, 2002, p. 65),


reconhecer que a escrita histórica toma a forma da narrativa e partilha com outras
narrativas, inclusive as ficcionais, numerosas características em comum, pode
significar ameaça ao próprio estatuto científico da narrativa histórica, trazendo a
percepção de que as fronteiras entre história e literatura apresentam contornos pouco
nítidos.

Isto porque “a história foi por longo tempo considerada um ramo da retórica - a arte de bem
dizer- modalidade esta que admitia a proximidade entre ela e as manifestações literárias em
geral” (HICKMANN, 2002, p.65).

144 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


A aparente confusão entre História e literatura, que hoje em dia parece existir, se resolve
melhor se o professor puder trabalhar ambos os discursos conjuntamente na sala de aula,
destacando proximidades e diferenças, concordâncias e discordâncias. Para que o aluno
possa perceber características do pensamento científico
Como forma de representação do mundo das relações sociais, a narrativa traz,
inevitavelmente, para o corpo da ciência, a figura ativa do sujeito. Reconhecer a história
como discurso narrativo é reconhecer a presença do sujeito no ato da formulação
científica. Negar à narrativa legitimidade de representação do mundo real é retificar
o projeto de uma ciência sem sujeito. Uma história sem sujeito, centrada no objeto,
prefiguraria o ideal científico do positivismo, do estruturalismo e quem sabe até dos
pioneiros de uma filosofia da história no sentido preciso de um “telos” que amarraria
vontades e instintos às leis gerais objetivas que determinam as relações sociais
(BOMENY, 1990, p.92 apud HICKMANN, 2002, p. 67).

Assim, tratar do problema da narrativa, abordando a figura do autor, é algo que pode ser feito
logo nos anos iniciais, na hora do conto.

A História e a literatura são formas de conhecer o mundo por meio da narrativa, e sua
apresentação desde cedo às crianças trará intimidade com elementos típicos da narrativa, tais
como: enredo, trama, personagens, ação, contexto etc., facilitando assim, a compreensão da
criança aos dramas sociais vividos, dando-lhes capacidade de interferência neles. Além de
desenvolver na criança competências de leitura, escrita e leitura histórica do mundo.
Fonte: PHOTOS.COM

Convém destacar que ambas narraram o mundo de formas diferentes, pois enquanto a
literatura trabalha com a convenção da ficcionalidade, a história trabalha com a convenção da
veracidade.

METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância 145


Se adotarmos o modo de ver as coisas “ao pé da letra” como tratavam filósofos e teóricos das
ciências sociais até o início do século XIX, que acreditavam que o fato real não se reduzia a si
mesmo para constituir a “verdade”, e esta por sua vez, seria alcançada no momento em que
se integrasse a um “conceito”, formando o “discurso”, teremos problemas ao trabalhar História
e literatura, pois ao considerarmos a ficção como “o que não é verdade”, teremos o obstáculo
da compreensão da realidade.

Devemos considerar equivocada uma pessoa que busca desqualificar uma obra de arte,
procurando nela erros históricos. A obra literária é totalmente ficcional ou artística, mas também,
totalmente histórica. Pois, segundo Fernando Seffner e Ramiro L. Bicca Jr. (apud HICKMANN,
2002, p. 68), “analisada pelos olhos da história, uma obra de ficção deixa perceber pistas e
pegadas históricas que existem dentro dela”, podendo proporcionar um debate em sala de
aula. Muitas obras literárias influenciam até hoje gerações, sendo considerados documentos
históricos de tal época.
Houve um tempo, não muito longínquo, em que a maioria dos historiadores profissionais
desconfiavam da escrita elegante como se existisse algo de imoral em tentar atrair os
leitores oferecendo-lhes mais do que ‘os fatos’, servido sem nenhum ornamento, como
a comida inglesa. Felizmente na França e em outros lugares, alguns dos melhores
historiadores em atividade hoje se destacam também como escritores – mesmo se não
encaram a história como forma de ficção (BURKE, 1998, p.3).

A hora do conto ou hora da história, como muitos professores enfatizam, é uma metodologia
que propõe atividades a partir da relação entre História e literatura. As obras literárias, em
geral, são abordadas a partir de um roteiro original, dividido em quatro tópicos que permitem
estabelecer relações entre o ficcional e o histórico.
• Descrever e analisar situações presentes na narrativa literária, aprofundando a
compreensão através de pesquisa histórica.
• Caracterizar os personagens ficcionais, como profissão, aproximando-os com
personagens históricos.
• Perceber e analisar os espaços ficcionais, como castelo, floresta.
• Perceber a crítica ideológica presente na literatura, analisando as falas tanto do
narrador quanto dos personagens (HICKMANN, 2002, p. 69).

146 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância


Ao final, deve se aprofundar uma análise mais ampla da obra, com elementos históricos e
literários.

Assim, o objetivo da metodologia não é o de corrigir as obras literárias de seus erros históricos,
mas sim estabelecer uma narrativa histórica que segue e comenta as cenas descritas na
literatura, e até mesmo apontar divergências entre o ficcional e o histórico, no intuito de
problematizar os diferentes caminhos de produção das narrativas.

Deve-se, portanto, escolher uma narrativa rica de cenas que possam ser comentadas a partir
de um ponto de vista histórico. Fazendo com que a narrativa histórica preencha algumas
lacunas que possam existir como, por exemplo, acrescentar informações a respeito de um
determinado personagem histórico, permitindo que o aluno se familiarize com conceitos como
tempo, cultura, história, identidade, memória, guerreiro, cavaleiro, dinastia, casamento, cidade,
passado, presente, futuro etc., conceitos esses que lhes serão úteis quando estudarem a
disciplina de História na sua totalidade e especificidade.