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Resumo 2 – 20/05/2019

Discente: Luis Gustavo de Paiva Faria (85488)


Texto de referência: PHILLIPS, Anne. De uma política de ideias a uma política de presença? REF,
v.9, n.1, 2001.

Em “De uma política de ideias a uma política de presença?”, publicado originalmente em


1995 e texto de referência deste resumo, Anne Phillips traça um panorama da discussão em torno da
representação política e organiza um debate com teóricos(as) políticos(as) consagrados sobre
questões referentes às ideias (interesses) e à presença na política, abordando temas como
identidades sociais e culturais múltiplas, aprofundando o modo pelo qual grupos socialmente
minoritários, organizados em torno dessas identidades, se comportam na relação com a
representação política institucional. O texto é estruturado em seis seções onde Phillips se concentra,
por um lado, em apresentar o modo pelo qual tradições do pensamento político enxergaram a
representação política (introdução, seções I, II) e, por outro, apresentar e debater como a literatura
científica discute a presença na política (seções III e IV). Por fim, na última seção a autora costura
seu argumento central sobre o tema a partir do debate realizado nas seções anteriores.

O início do texto caracteriza o modo pelo qual a democracia liberal representativa tratou a
diferença social na representação política: “A democracia liberal vê, convencionalmente, a
diferença como sendo prioritariamente uma questão de idéias; e considera a representação tanto
mais adequada quanto melhor reflete as opiniões, preferências ou crenças dos votantes” (p. 268).
Nesse cenário, os partidos políticos emergem como instituição fundamental que oferecem “os dados
necessários para fazermos nossa escolha política: olhamos para o rótulo mais do que para a pessoa e
torcemos para que não nos traia” (p. 269). Segundo Phillips, a maior parte dos trabalhos sobre
representação dos últimos 30 anos se apoia na obra de Hanna Pitkin para justificar a relação entre
ideias e presença na política, sendo que partilham especialmente a “percepção de que uma ênfase
excessiva sobre quem está presente nas assembléias legislativas desvia a atenção das questões mais
urgentes sobre o quê os representantes realmente fazem” (p. 270). Nessa chave teórica, a
democracia representativa “mudou a ênfase de quem são os políticos para o quê (políticas,
preferências, idéias) eles representam. Com isso, fez da responsabilização e prestação de contas
(accountability) ao eleitorado a preocupação radical preeminente” (p. 271). Há, portanto, uma
ênfase maior em o quê políticos representam (interesses) do que quem representa tal interesse;
importa mais as atividades do que as características; a ação do que a presença. E o mecanismo de
representatividade, mais do que a inclusão, seria a condição de reponsividade e responsabilidade.

Para Phillips, esse panorama é modificado em debates atuais, pois

muitos dos argumentos correntes a respeito da democracia giram em torno do que podemos chamar de
demandas por presença política (...). Neste importante reenquadramento dos problemas da igualdade
política, a separação entre quem e o quê é para ser representado, bem como a subordinação do primeiro
ao segundo, está em plena discussão. A política de ideias está sendo desafiada por uma política
alternativa, de presença (p. 272).

Essa “virada” teórica não se distingue necessariamente pelas questões de diferença e de


diversidade, caras às tradições liberais clássicas, mas pelo modo pelo qual se concebe a diferença.
Se tradicionalmente a diferença é enxergada pela diferença de ideias e interesses, passa-se a
conceber a diferença “em relação àquelas experiências e identidades que podem constituir
diferentes tipos de grupos, [desse modo] fica bem mais difícil satisfazer demandas por inclusão
política sem também incluir os membros de tais grupos” (p. 273). No atual panorama, onde a
demanda por inclusão está nas identidades sociais e culturais, ou seja, na presença política, a
“representação adequada é, cada vez mais, interpretada como implicando uma representação mais
correta dos diferentes grupos sociais que compõem o corpo de cidadãos, e noções de representação
“típica”, “especular” ou “descritiva”, portanto, têm retornado com força renovada” (p. 273).
Identidades de gênero, raça e classe e identidades culturais “locais” constituem grupos socialmente
minoritários que articulam e lutam por espaços a partir da presença e não apenas como
representação de ideias e interesses.

Uma das vertentes que argumenta nesse sentido, na qual a própria autora poderia ser
inserida, é a teoria política feminista. Para tal, “a inclusão de vozes previamente excluídas, e as
mudanças que isto implica nas instituições, tanto políticas como outras, permanece um tema
dominante” (p. 276). “Mais precisamente, ela reflete uma mudança na cultura e nas reivindicações
políticas” (p. 278). Nesse sentido, o debate sobre a inclusão (presença), coloca em pauta a dimensão
da igualdade política, tema clássico na teoria democrática e que avança desde a universalização do
sufrágio (p. 278). A autora menciona as diversas tradições que ofereceram respostas ao problema da
igualdade política: (1) o marxismo (democracia radical); (2) a social-democracia; e (3) o princípio
da diferença de John Rawls. Abrange desde a tradição da democracia liberal aos teóricos marxistas.
Para Phillips, essas tradições tendem “a convergir em uma análise amplamente materialista dos
problemas da igualdade política, vendo o acesso político igual como algo que depende de
transformações mais fundamentais nas condições sociais, econômicas e, às vezes, educacionais” (p.
279). Inversamente, a política de presença “igual ou proporcional reverte isto, focalizando, ao invés,
os mecanismos institucionais que podem propiciar uma mudança mais imediata” (p. 279). Assim, a
dimensão da presença “sugere que o espectro de idéias e preferências políticas é constrangido de
forma significativa pelas características das pessoas que as adotam” (p. 279).

Nas seções III e IV Phillips discute três abordagens da teoria política normativa, segundo
seus termos, para posteriormente formular sua posição: (1) democracia consociada, onde a questão
da presença envolve articulação em partidos políticos; (2) a teoria da justiça, de John Rawls, que
formula um liberalismo igualitário a partir de princípios de imparcialidade; (3) Iris Young, a “a
principal exceção à direção dominante na teoria política normativa, na qual os problemas associados
à diferença de grupo têm sido concebidos inicialmente em termos de princípios justos e imparciais,
que deveriam regular as relações entre os diferentes grupos” (p. 285). Embora divirja de pontos das
três teorias, sua posição considera sua importância e sua relevância para os debates sobre a presença
e a igualdade na política. Nesse sentido, não se trata apenas de discutir uma questão descritiva da
presença, mas também normativa na questão da justiça, bem como as implicações sobre uma
instabilidade política envolvida em avanços da política de presença.

Há, portanto, objeções à política de presença que são descritas pela autora. A primeira “é
que basear a política sobre diferenças de etnicidade, raça ou gênero favorece uma “balcanização” da
pólis, que mina a aliança ou a coesão sociais” (p. 287); “uma segunda objeção importante é que
fazer a representação depender, mesmo que parcialmente, das características pessoais ou de grupo
parece minar a bases da responsabilização e prestação de contas (accountability) política” (p. 287-
288); “uma terceira objeção parte daqueles que têm inquirido o auto-interesse sórdido de uma
política que apenas agrega votos e busca uma democracia mais deliberativa, que possa gerar
interesses genuinamente comuns” (p. 288), esquecendo-se dos modelos de democracia
comunicativa e deliberativa. Para a autora, contudo, a representação como presença não contradiz
elementos de deliberação e participação. Considerando esse amplo debate bibliográfico, Phillips
sintetiza sua posição e seu argumento na relação equilibrada entre ideias e presença:

(...) embora a política de idéias seja um veículo inadequado para tratar da exclusão políticas, há
pouco que se possa ganhar simplesmente pendendo para uma política de presença. Tomadas
isoladamente, as fraquezas de uma são tão dramáticas quanto as falhas da outra. A maior parte dos
problemas, de fato, surge quando as duas são colocadas como opostos mutuamente excludentes:
quando idéias são tratadas como totalmente separadas das pessoas que as conduzem; ou quando a
atenção é centrada nas pessoas, sem que se considerem suas políticas e idéias. É na relação entre
idéias e presença que nós podemos depositar nossas melhores esperanças de encontrar um
sistema justo de representação, não numa oposição falsa entre uma e outra (p. 289, grifo nosso).

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