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RESUMO
Este artigo, é parte de uma pesquisa realizada no grupo de pesquisa GEPECS e para o
doutorado em educação da Universidade Tiradentes, busca percorrer a construção do
conceito de mulher em nossa sociedade, baseado nos preceitos e juízos moderno, ocidental e
cristão estabelecidos também nas teorias educacionais que fundamentaram a modernidade e
que estão presentes na educação contemporânea. Seu objetivo é analisar a partir da obra da
filósofa Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo (1949), como o conceito de mulher foi
construído histórica e culturalmente através da educação, seja formal ou não. Nessas obras a
autora dedicou-se a estudar, como o conceito de mulher se apresenta, com suas mais diversas
nuances, partindo do pressuposto que o conceito de ser mulher e homem são construídos
culturalmente, assim como verificou em seus estudos.
RESUMEN
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Doutoranda em Educação pela Universidade Tiradentes. É pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa
Educação, Cultura e Subjetividade, desde 2011(GPECS/UNIT/CNPq). Email: aldenisecs@yahoo.com.br
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Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora do Doutorado e do Mestrado em Educação
do PPED/ UNIT e do Curso de Pedagogia da UNIT. Líder do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Gestão
Socioeducacional e Formação de Professores (GPGFOP/UNIT/CNPq). Coordenadora do Observatório de
Educação da UNIT/CAPES. E-mail: adaaugustaeduc@gmail.com
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INTRODUÇÃO
Este é um trecho do livro O segundo sexo de Simone de Beauvoir, que tem sua
primeira edição em 1949. Nessa passagem há um questionamento do lugar da mulher na
sociedade e o estabelecimento dela como outro neste lugar. Inicialmente, no texto, a filósofa
francesa conta de sua hesitação em escrever um livro sobre a mulher, que seria algo chato.
Compreendia que o tema já havia sido intensamente debatido, que sua escrita poderia ser
enfadonha.
Contudo, recentemente ouvimos um professor, um educador, dizer a seguinte
frase: quem é Simone de Beauvoir? Pois é, por conta da comoção e discussões geradas pela
citação feita da autora em questão do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (2015). A
frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” permeou as redes sociais e rodas de
conversas de professoras. Muitos formados com uma concepção de ciência que excluiu as
contribuições das mulheres nos diversos campos científicos questionaram a utilização da
citação. Suas formações, concepções e fazeres docentes não permitiram o trabalho com uma
filósofa que pensou a condição da mulher em seu tempo. As discussões voltaram à voga com
toda a força dos estudos acerca do gênero. Pergunto-me o que diria Simone de Beauvoir se
tivesse que reescrever sua introdução? Como as mulheres ainda não permeiam as páginas das
ciências?
Analisando nossa sociedade contemporânea e as diversas compreensões e
construções acerca do conceito mulher, passamos a entender o quanto os argumentos de
Beauvoir ainda a tornam necessária. O livro O segundo sexo é composto por dois volumes: o
número 1, intitulado fatos e mitos, e o número 2, com o título experiência vivida. Juntos
formam uma das obras mais importantes para o feminismo, que irá influenciar a crítica do
movimento ao papel da mulher nas sociedades ocidentais. Este estudo também traz indicações
de quais caminhos de aprendizados são traçados pelas mulheres na construção de um conceito
mulher.
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FATOS E MITOS DE SER MULHER
No volume fatos e mitos, a autora recai sobre a questão: o que é ser mulher?
Como nos tornamos mulheres? Como foi legado esse papel secundário a mulher na
sociedade? O conceito mulher, para Beauvoir, foi atrelado a uma condição de apêndice do
homem em diversas construções sejam elas científicas ou morais. Mulher passou a ser um
termo atrelado ao outro, ou até mesmo a condição de fêmea, com uma relação pejorativa e em
detrimento a condição de macho. Como afirma no trecho,
Destino é outro tema tratado pela filósofa em sua obra, em que são questionadas
as construções da biologia, psicanálise e da história acerca da mulher. Como foi feita, o que
Foucault mais tarde, chamaria de produção discursiva que legitimou que a mulher fosse
colocada numa condição inferior. Anteriormente, já tratamos dessa condição de destino
fadário, como algo que deveria ser naturalizado para a mulher por sua inferioridade.
Beauvoir faz uma argumentação de como esse lugar inferior para a mulher, na
sociedade, foi construído pelas ciências de forma geral, em especial pela biologia. Sendo
assim, foi uma longa composição, de diversas camadas, para construir os atrelamentos e
enquadramentos que carregam o conceito mulher.
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Nessa direção biológica há diversas construções que estão atreladas e são
questionadas por Beauvoir como: o termo fêmea, como algo pejorativo e inferior; outro
elemento seria uma repressão sexual feminina por ter vagina e não pênis, as mulheres
sofreriam com sua genital desprovida de algo; e ainda, a concepção de sexo feminino como
frágil. Para estas questões a autora vai demonstrando como foram construídas cientificamente
e reinteradas por diversos autores da área.
Na psicologia há uma construção de mulher dependente emocionalmente,
sentimental e propensa as influências hormonais. Há neste ponto, de sua obra, um forte
questionamento à psicanálise, de como os estudos sobre o feminino relegou ao segundo plano
à libido feminina em detrimento da libido masculina. Isso demandou a mulher uma relação
quando ao desejo de forma frustrada atrelada a uma concepção de complexo de castração.
É portanto, à luz de um contexto ontológico, econômico, social e psicológico que
teremos de esclarecer os dados da biologia. A sujeição da mulher à espécie, os limites de suas
capacidades individuais são fatos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos
elementos essenciais da situação que ela ocupa neste mundo. Mas não é ele tampouco que
basta para a definir. Ele só tem realidade vivida enquanto assumido pela consciência através
das ações e no seio de uma sociedade; a biologia não basta para fornecer uma resposta à
pergunta que nos preocupa: por que a mulher é o Outro? Trata-se de saber como a natureza foi
nela revista através da história; trata-se de saber o que a humanidade fez da fêmea humana.
Junto às construções biológicas e da psicanálise estão as do materialismo
histórico, que construíram uma relação da mulher com a capacidade para o trabalho. Para
Simone, a humanidade é uma construção histórica, e o lugar da mulher na sociedade tem
influência desse processo. Uma condição que está atrelada é a questão do trabalho, como
durante a Segunda Guerra Mundial, em que foi feita forte propaganda para a mulher ocupar os
postos de trabalho que eram de homens, mas após o término da guerra os discursos de
fragilidade voltam às discussões, porque a mulher não poderia chegar à condição de igualdade
com os homens. Como também argumenta Rocha-Coutinho,
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para se transformar em um produto da cultura. Afinal, gênero é uma
aquisição cultural. Ele é a forma social que adquire cada sexo, o que se
obtém através do processo de socialização que prepara os sujeitos para que
cumpram adequadamente seu papel, enfim, para que sejam o que se diz que
são por natureza. Assim, ‘ser mulher’ equivale a cumprir com o estereótipo
de gênero, mais além das particularidades e potencialidades individuais e de
sexo. (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 40-41).
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Na terceira parte, do volume um, a autora centra-se na construção do mito atrelado
à mulher. Apresentando como as crenças se perpetuam sobre o conceito mulher, partindo da
ideia de que as argumentações foram construídas dentro de um patriarcado, que é reforçado
pelos cristãos, com seu criador supremo masculino.
O patriarcado não se estabeleceu por toda parte sob essa forma radical. Na
Babilônia, as leis de Hamurábi reconheciam certos direitos à mulher: ela
recebe uma parte da herança paterna e, quando se casa, o pai dá-lhe um dote.
Na Pérsia, a poligamia é comum; a mulher é adstrita a uma obediência
absoluta ao marido que o pai lhe escolhe logo que ela se torna núbil. Porém é
mais respeitada do que entre a maioria dos povos orientais: o incesto não é
proibido e houve frequentes casamentos entre irmão e irmã. A mulher é
encarregada da educação dos filhos até a idade de sete anos, quando se trata
de meninos, e até o casamento em sendo meninas. A mulher pode receber
uma parte da herança do marido no caso de o filho não se mostrar digno
dela. Se ela é "a esposa privilegiada", no caso de lhe morrer o marido sem
deixar filho adulto, confiam-lhe a tutela dos filhos menores e a
administração dos negócios. As regras do casamento mostram claramente a
importância que tem para o chefe da família a existência de uma posteridade.
(BEAUVOIR, 1970, p. 106).
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Mulher também foi atrelada a condição de objeto, quando decorre a ideia de ter
uma mulher, com o casamento a mulher se tornaria uma propriedade, subordinada a existência
do homem. A mulher que questionava ou queria seguir para outro destino era considerada
uma mulher perdida ou aquela que não é mulher.
Ao final deste primeiro volume, Beauvoir (1967) argumenta acerca de que as
mulheres precisam assumir um destino autônomo, que precisam ocupar os postos de trabalho
para com isso buscar outras condições para a existência da mulher. É um volume que
preocupa-se em apresentar como foram construídos os argumentos acerca da mulher, que
estão entranhados na sociedade que foi contemporânea a autora.
EXPERIÊNCIAS VIVIDAS
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odaliscas, as cortesãs, entre as mulheres mais deliberadamente
"femininas"; inversamente, numerosas mulheres "masculinas" são
heterossexuais. Sexólogos e psiquiatras confirmam o que sugere a
observação corrente: em sua imensa maioria, as mulheres "danadas"
são constituídas exatamente como as outras mulheres. Nenhum
"destino anatômico" determina sua sexualidade. (BEAUVOIR, 1967,
p.144)
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soubessem apreciá-la não seriam mais tentados a disputar-se privilégios
falazes; e a fraternidade poderia então nascer entre ambos. (BEAUVOIR,
1967, p. 497).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia
do Livro, 1967.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1970.
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas
relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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