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Diarreia

Introdução
• A diarreia é um sintoma/sinal caracterizado por dois componentes
principais: aumento no número de evacuações (mais de três vezes por
dia) e diminuição da consistência.
• As diarreias podem ser classificadas de duas maneiras quanto a tempo
de evolução (aguda e crônica) e quanto a etiologia (em infecciosa e não
infecciosa).
- A diarreia aguda tem duração de até 15 dias e as diarreias crônicas
quando os sintomas duram mais de 30 dias. Sendo o intervalo entre 15 a
30 dias classificado como diarreia persistente.
• Toda diarreia crônica começa com um quadro de diarreia aguda,
insidiosa ou exuberante. Dependendo essa diarreia aguda pode regredir
espontaneamente ou por resposta terapêutica, ou pode acabar
prologando caracterizando uma diarreia crônica.
• Outra forma de classificação das diarreias baseia-se no mecanismo
fisiopatológico, separando-se em quatro tipos: osmóticas, secretoras,
exsudativas e motoras.
• Outra forma de classificação da diarreia visa caracterizar se a origem é
“alta” (delgado) ou “baixa” (colón).
- Na diarreia alta os episódios de diarreia são mais volumosos.
- Na diarreia baixa as evacuações são em pouca quantidade, mas são
muito frequentes e ainda associados a tenesmo (desconforto a evacuar)
além de urgência fecal.
Fisiopatologia
• Normalmente, o intestino delgado e o cólon absorvem 99% do total de
fluidos ingeridos, uma quebra desse mecanismo afinado ocasionando
uma redução de 1% da reabsorção pode ocasionar a diarreia.
• Uma diminuição na absorção ou um aumento na secreção leva a um
fluido adicional dentro do lúmen ocasionado a diarreia.
• A diarreia resultante do transporte de eletrólitos desordenados é
conhecida como diarreia secretora.
• A ingestão de alguma substância mal absorvida osmoticamente ativa
irá reter o líquido dentro do lúmen para manter o equilíbrio osmótico,
provocando a diarreia osmótica.
➢ Diarreia osmótica
• A diarreia osmótica é causada pela ingestão de cátions (magnésio,
fosfato), açúcares e álcoois de açúcar pouco absorvidos (manitol,
sorbitol).
• Os íons são transportados ativamente por mecanismos que estão
saturados e passivamente por mecanismos lentos. Esses processos
limitam a absorção total mantendo esses solutos no lúmen.
• Os íons e outras substâncias especificas não absorvidos provocam a
retenção de água para manter a osmolaridade intraluminal igual ao
dos fluidos corporais.
• Quando dissacarídeos como sacarose e lactose são ingeridos, a ausência
de enzimas especificas para esses carboidratos impedirá a absorção do
dissacarídeo provocando o acúmulo no lúmen. Consequentemente, a
absorção será diminuída.
- A síndrome clínica mais comum da deficiência de dissacaridase
é a deficiência de lactase adquirida ou intolerância a lactose.
• A diarreia osmótica desaparece com o jejum ou a cessação da ingestão
da substância agressora. Essa característica tem sido usada
clinicamente para diferencia a diarreia osmótica da secretora.
➢ Diarreia secretora
• A diarreia secretora possui muitas causas, no entanto, o mecanismo
desse tipo de diarreia é sempre a secreção de ânions (cloreto ou
bicarbonato) ou a inibição da absorção de sódio.
• Os estímulos para a secreção surgem a partir do lúmen intestinal, espaço
subeptelial ou circulação sistêmica alterando substancialmente os
sistemas de mensageiros que regulam as vias de transporte de íons.
• Em alguns casos, a ausência congênita de um transporte específico de
molécula limita a absorção de sódio ou cloreto resultando em diarreia.
• A causa mais comum de diarreia secretora é a infecção, as
enteroxinas interagem com os receptores que modulam o transporte
intestinal e levam ao aumento da secreção de ânions. Ou podem inibir a
reabsorção de sódio, bloqueando a condução de eletrólitos e a absorção
de fluidos.
• A quantidade inadequada de íons o lúmen irá reduzir a absorção
intestinal devido ao equilíbrio da osmolaridade.
• Não ocorre melhora com o jejum e a osmolalidade fecal com “gap”
osmótico pequeno.

➢ Diarreia funcional
• Essa diarreia é provocada pela hipermotilidade intestinal, os principais
exemplos são a síndrome do intestino irritável (pseudodiarreia) e
diarreia diabética (neuropatia autonômica).
➢ Diarreia invasiva ou exsudativa
• Ocorre liberação de citocinas e mediadores inflamatórios por lesão
direta da mucosa intestinal como exsudato de inflamação e/ou
ulceração (enterite, colite ou enterocolite) o que estimulação a secreção
intestinal e o aumento da motilidade.
• O marco desse tipo de diarreia é a presença de sangue, pus e muco nas
fezes podendo ser chamada de disenteria. Isso ocorre porque há uma
liberação de muco, sangue e proteínas no lúmen,
• Pode ser de causa infecciosa ou não infecciosa.
Etiologia Infecciosa
• Vírus: inúmeros agentes virais podem desencadear quadros de diarreia,
no entanto há um grupo que há predileção pelo tubo digestivo.
Normalmente são transmitidos por água contaminada ou de uma pessoa
por outra, sendo os mais prevalentes o rotavírus e o norovírus.
- As diarreias virais manifestam-se em um contexto de
gastroenterite aguda, com fezes aquosas tendo como característica
importante a presença de vômitos. Possui uma duração de no máximo
72 horas.
- Outro agente viral, o citomegalovírus consiste também em um tipo
de infecção prevalente em indivíduos imunocomprometidos. Nessa
infecção a duração dura em torno de 15 a 30 dias e é disentérica.
• Bactérias: são a segunda causa mais frequente de diarreia aguda, após o
vírus.
- Campylobacter – o fator de risco mais importante para infecção
por essa bactéria é ingestão de água e alimentos (aves) contaminadas. A
enterite secundária a infecção tem período de incubação de 2 a 5 dias
sendo quase sempre autolimitada. Manifesta-se por febre, dores
abdominais em cólica e diarreia com duração habitual de 2 a 3 dias, o
aspecto das fezes varia de aquoso a sanguinolento.
- Clostridium difficile: responsável por 15% a 20% dos casos de
diarreia secundária ao uso de antibióticos e de praticamente todos os
casos de colite pseudomembranosa. A bactéria é ingerida na forma de
espero e caso encontre ambiente alterado (uso de antibiótico) converte-
se na forma vegetativa produzindo toxinas que provocam o aumento da
permeabilidade intestinal e destruição das células colônicas. Manifesta-
se sob forma de diarreia aquosa com história recente de uso de
antibiótico.
- Escherichia coli: a E.coli diarreiogênica inclui cinco diferentes
sorotipos com características patogênicas individuais: enteroinvasiva
(EIEC), enterotoxigênica (ETEC), enteroagregante (EAEC),
enteropatogênica (EPEC) e enterro-hemorrágica (EHEC). É transmitida
por alimentos e águas contaminados por fezes. Atuam por meio da
produção de enteroxinas, que estimulam a secreção de cloro e reduzem
a absorção de sódio e citotoxinas que agridem o epitélio intestinal,
alterando sua estrutura. As manifestações clínicas dependem do sorotipo
da E.coli, diarreia aquosa está ligada aos sorotipos EPEC, ETEC e
EAEC enquanto disenteria EIEC e EHEC.
- Salmonella: essa bactéria é transmitida por ovos, aves e leite
contaminados. A S.typhimurium está intimamente relacionado com
gastroenterites, enquanto a S.typhi está relacionado a efeitos sistêmicos
tóxicos (febre tifoide). Essa bactéria produz enterotoxinas que
estimulam a secreção de cloro, invadem a mucosa ativando eventos
inflamatórios. Incialmente provoca diarreia aquosa que culmina em
diarreia sanguinolenta.
- Shigella: transmitido por via fecal-oral, alimentos e água
contaminados. Produz uma enteroxina potente, penetra nas células do
cólon provocando degeneração do epitélio e inflamação da lâmina
própria resultando em descamação e ulceração. Os sintomas surgem
após um período de incubação de 2 dias, a fase inicial de enterite
manifesta-se por diarreia aquosa seguida de colite com diarreia
mucossanguinolenta.
• Fungos: o representante mais importante é a cândida albicans que é um
fungo comensal presente habitualmente no trato gastrointestinal. Torna-
se patogênico em situações especificas que envolvem imunodepressão,
uso de corticosteroides e antibióticos. Possivelmente a diarreia é
ocasionado por inibição da lactase, além disse produz a enzima
proteolítica que degrada a mucina. A diarreia secundária a essa
infecção é aquosa, e em alguns casos explosivas.
• Protozoários
- Cryptosporidium: transmitido por meio da ingestão de oocistos
presentes em águas e alimentos contaminados, sendo também possível
ser transmitido de uma pessoa para outra. Tem ação predominantemente
secretora, mas pode associar a atrofia das vilosidades e infiltrado
inflamatória da lâmina própria. Desencadeia diarreia aquosa que pode
ser prolongada.
- Giardia lamblia: um dos parasitais intestinais mais comuns do
mundo. Sua transmissão ocorre a partir de ingestão de cistos de água
contaminada, podendo ser transmitida de uma pessoa para outra. A
infeção causa a destruição da borda em escova das células epiteliais,
além de induzir uma resposta imune. A apresentação clínica vária de
ausência de sintomas a diarreia aquosa, podendo torna-se crônica
causando má absorção e perda de peso.
- Entamoeba histolytica: a espécie patogênica do gênero Entamoeba,
é transmitida por meio da ingestão de cistos maduros a partir de água e
alimentos contaminados. Esse protozoário produz enzimas proteolíticas
que provocam ulcerações, hemorragia e até mesmo perfuração. A
infecção pelo protozoário pode não ter nenhuma manifestação clínica,
mas pode manifestar-se como quadro de amebíase invasiva intestinal
com colite disentérica, apendicite, megacólon tóxico.
• Nematoide – o exemplo mais comum é o strongyloides stercoralis a
infestação por esse helminto acontece por meio da penetração de larvas
através da pele.

Etiologia não infecciosa


Diagnóstico
• A variedade etiológica, fisiopatológica e clínica da diarreia exige do
médico que atendo aos pacientes portadores dessa manifestação clínica
um conhecimento profundo de epidemiologia e da fisiopatologia dos
agentes desencadeantes.
• A grande maioria das diarreias agudas é autolimitada, com tendência
a regressão espontânea exigindo apenas tratamento sintomático.
- A tentativa de definição etiológica deve ser limitada à
interpretação dos dados epidemiológicos e clínicos, que permitirão
hipótese diagnósticos acuradas para medidas terapêuticas.
➢ Tempo da Evolução
• Uma evolução maior que 15 dias ou 30 dias caracterizando quadro
persistente ou crônico, mudará a abordagem diagnóstica uma vez que
esses casos necessitam de uma investigação complementar mais ampla.
• Diarreias tóxicas: surgem entre 4 a 24 horas após a ingestão do
alimento contaminado por toxinas de bactérias como Straphylococcus
aureus, Clostridium perfrigens e Baccilus cereus. A infecção regride
após a eliminação da toxina, entre 1 a 2 dias do início do processo.
• Diarreia infecciosa: ocorrem 48 horas ou mais após a contaminação.
São mais frequentemente secundárias a infecção virais, porém podem
ser causadas por bactérias ou protozoários. A duração da diarreia é de 3
a 4 dias, ao passo que as bacterianas podem evoluir por até 7 dias,
enquanto mais de 7 dias deve ser considerado protozoários.
• Diarreias funcionais: apresentam duração maior que três meses com
ausência de sintomas ou sinais de alarme como perda de peso
significativa. São intermitentes e não costumam acontecer durante a
noite.
➢ Características físicas das evacuações
• Consistência, presença de sangue ou muco, volume, número, presença
de gordura devem ser identificados.
• Diarreias secundárias a doença do delgado costuma ser aquosas e
volumosas, apresentando maior risco de desidratação.
• As diarreias secundárias a colites as fezes são de pequeno volume
podendo aproveitar muco ou sangue sendo sugestivo de infecção de
Campylobacter, E.coli, Shigella.
➢ Dados epidemiológicos
• Deve identificar os contatos do paciente, viagens, uso de medicamentos,
refeição em ambiente que não o domicílio, ingestão de alimentos crus.
• História de contato com individuo com os mesmos sintomas nas últimas
48 horas, consumo de água e alimentos contaminados na região em que
mora, práticas de higiene prejudicadas, uso de medicamentos
➢ Antecedentes patológicos pessoais e familiares
• Alergias (gastroenterite eosinofílica), diabetes melito (neuropatia
diabética), doenças pancreáticas, intolerância a lactose (diarreia
osmótica), infecção pelo HIV e cirurgias digestivas mutilantes.
• História de doença neoplásica, história de doença inflamatória intestinal
ou celíaca.
➢ Conclusão
• Os sintomas de uma gastroenterite aguda, em que as manifestações
digestivas altas como náuseas e vômitos estão presentes durante até 72
horas de quadro clínico. Não havendo sinais sugestivos de infecção
bactéria, como fezes sanguinolentas, dor abdominal severa e ausência de
evidência epidemiológicas indica infecção viral em 75% dos casos.
• O paciente com diarreia aguda deve ser abordado inicialmente com
tratamento sintomático e seguimento cuidadoso da evolução dos
sintomas.
• Em caso de não melhora, manifestação severa, agravamento progressivo
após as medidas adotadas poderá ser solicitado exames complementares.
• A presença de pelo menos um dos sinais de alarme justifica a
solicitação de exames laboratoriais.
Manejo do Paciente
Síndrome Hemolítica Urêmica
• A síndrome hemolítica urêmica (SHU) é uma doença causada por
infecção pela toxina Shiga produzida comummente por alguns tipos de
sorotipos da bactéria Escherichia Coli.
• Essa doença é caracterizada pela tríade: insuficiência renal aguda,
anemia angiopática e trombocitopenia.
• Essa doença ocorre principalmente em crianças até 5 anos de idade, os
principais sintomas são insuficiência renal aguda, palidez, formação
de petéquias, hematomas, gastroenterite e diarreia sanguinolenta. Em
alguns casos pode ocorrer febre e problemas neurológicos como
convulsões, letargia, irritabilidade e coma.
• Essa toxina é responsável por causar uma lesão vascular renal através
da ligação da holotina ao globotriaosilceramida (Gb3), um glicopeptídeo
que se encontra na superfície das células endoteliais renais. Isso faz com
que as células endoteliais dos capilares glomerulares, liberem
substâncias vasoativas e agregantes plaquetários levando a formação de
edemas e microtrombos.
• Isso irá impedir da passagem dos eritrócitos pelos glomérulos, assim
esses eritrócitos serão destruídos provocando anemia angiopática.
• O diagnóstico é realizado através de exames laboratoriais de sangue
para verificar a presença de anemia microangiopática e avaliar a taxa de
função renal.
- Além disso, pode ser realizada a identificação da bactéria por
meio da coprocultura ou a pesquisa de anticorpos-LPS dos sorotipos da
E.coli que produzem a Shiga.

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