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ANTÔNIO VALDIR VIAN

NOVO SINDICALISMO:
Crise e perspectivas na sociedade brasileira
contemporânea

Dissertação apresentada à Universidade


Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões / Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, no Programa de Pós-Graduação em
História, como requisito para a obtenção do
Título de Mestre em Estudos de História
Latino-Americana.

Orientador: Prof. Dr. Werner Altmann.

SANTO ÂNGELO
2002
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2

ANTÔNIO VALDIR VIAN

NOVO SINDICALISMO:
Crise e perspectivas na sociedade brasileira
contemporânea

Dissertação aprovada com conceito_______________, no Programa de Pós-

Graduação em História, área de concentração Estudos de História Latino-Americana,

promovido pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI de

Santo Ângelo, e Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS de São Leopoldo.

Professor Orientador ________________________________________


Prof. Dr. Werner Altmann

_______________________________________
3

Santo Ângelo, maio/2002

À causa.
4

“ A situação da ação é o centro do mundo da vida.”


5

(Habermas, 1991)

AGRADECIMENTOS

Em especial, ao professor Dr. Werner Altmann do Programa de Pós-Graduação em


História e orientador desta dissertação de Mestrado, pelas orientações recebidas.

À direção da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e


da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pela oportunidade dos estudos oferecidos.

Aos demais docentes que contribuíram para a realização desta dissertação e Curso.

Aos companheiros cutistas/cepergianos, professores Arthur, Gilberto, Rejane,


Adelino, João e à memória de Dálcio.

Aos familiares, amigos e colegas, pelo convívio, apoio e companheirismo.

A todos àqueles que criaram esta possibilidade, os meus agradecimentos sinceros.


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SUMÁRIO

ABREVIATURAS E SIGLAS..................................................................................... ix
RESUMO......................................................................................................................... xiv
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
1 – O SINDICALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA................................. 14
1.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SINDICALISTA NA INGLATERRA.. 21
1.2 O AVANÇO DO MOVIMENTO SINDICAL NA EUROPA.............................. 30
1.2.1 As centrais sindicais e a evolução do movimento sindical - estrutura
sindical e relações sindicatos/partidos: os casos da França, Inglaterra,
Bélgica, Espanha, Suécia, Alemanha e Itália.............................................. 33
1.3 O SINDICALISMO NA AMÉRICA....................................................................... 49
2 – O CASO BRASILEIRO: A ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES 60
2.1 O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL ATÉ 1889...................................... 60
2.2 O MOVIMENTO OPERÁRIO A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA
REPÚBLICA ATÉ 1930.......................................................................................... 61
2.3 O CONTROLE SINDICAL E A RESISTÊNCIA OPERÁRIA DE 1930 A 1945 64
2.4 DE 1945 A 1964 – A ASCENSÃO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES... 72
2.5 DE 1964 A 1978 – O SINDICALISMO POPULISTA E BUROCRÁTICO........ 74
2.6 DE 1978 A 1990 – O SINDICALISMO COMBATIVO OU “AUTÊNTICO”
(NOVO SINDICALISMO)....................................................................................... 77
7

2.7 DEPOIS DE 1990 – SINDICATOS EM CRISE..................................................... 79


2.8 A ESTRUTURA SINDICAL BRASILEIRA......................................................... 80
2.9 O SINDICALISMO DE ESTADO.......................................................................... 84
2.10 O MOVIMENTO SINDICAL E OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO... 88

3 – NOVO SINDICALISMO....................................................................................... 113


3.1 ANTECEDENTES E ESTRATÉGIAS................................................................... 113
3.2 AS COMISSÕES DE FÁBRICA............................................................................. 116
3.3 FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A ESTRUT URAÇÃO DO NOVO
SINDICALISMO....................................................................................................... 118
3.4 A EMERGÊNCIA DOS TRABALHADORES...................................................... 121
3.5 A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT................................... 121
3.5.1 O processo de fundação e construção da CUT........................................... 121
3.5.2 A CUT e a nova concepção sindical........................................................... 125
3.5.3 A prática discursiva do sindicalismo cutista............................................... 127
3.5.4 Os impasses do sindicalismo cutista nos anos 80 e 90............................... 130
3.6 O PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT...................................................... 133
3.6.1 Criação e crescimento do PT na visão de Lula.......................................... 133
3.6.2 A proposta de construção do PT – construir núcleos por categoria ou
local de trabalho.......................................................................................... 136
3.7 A CONFERÊNCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA –
CONCLAT................................................................................................................. 139
3.8 CENTRO DE PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL –
CPERS........................................................................................................................ 144
3.8.1 Estrutura sindical do CPERS..................................................................... 147
3.8.2 As lutas da categoria................................................................................... 148
3.9 O RECRUDECIMENTO DAS GREVES E O NOVO SINDICALISMO........... 151
3.9.1 A onda de greves e as novas táticas de luta............................................... 151
3.9.2 A construção do novo sindicalismo e os fatores que conduziram à
intensificação das greves........................................................................... 153
3.10 O NOVO SINDICALISMO: AS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS E AS
PRÁTICAS SINDICAIS...................................................................... ................. 155
3.10.1 As características do movimento............................................................. 155
3.10.2 O novo sindicalismo enquanto idéia e proposta...................................... 156
3.10.3 A persistência de certas práticas sindicais associadas ao novo sindica-
lismo.......................................................................................................... 158
3.10.4 A reestruturação produtiva e as relações de trabalho.............................. 163
3.10.5 Negociação coletiva do Trabalho, do fordismo ao toyotismo................ 177
3.10.6 Repercussões sobre o sindicalismo brasileiro......................................... 180
8

3.10.7 Toyotismo e reestruturação produtiva..................................................... 181


3.10.8 Flexibilização e terceirização................................................................... 184
3.10.9 Impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo........................... 187
3.10.10 Posicionamento do movimento sindical frente à política neoliberal... 223
3.10.11 Como o CPERS se coloca diante dessa conjuntura............................. 244

4 – CRISE E PERSPECTIVAS................................................................................... 249


4.1 DIMENSÕES DA CRISE SINDICAL.................................................................... 251
4.2 PERSPECTIVAS DO SINDICALISMO................................................................ 268
CONCLUSÃO................................................................................................................ 291
ABSTRACT.................................................................................................................... 313
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 314
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ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC –cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano


AFL-CIO – Federação de Sindicatos – American Federation of Labor/Congress of Industrial
Organizations (Federação Americana do Trabalho + Congresso das Organizações
Industriais) – EUA
AI-5 – Ato Institucional nº 5
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
ANAMPOS – Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais
ASS – Alternativa Sindical Socialista
CAT – Central Autônoma de Trabalhadores – no Brasil e no Chile
CCL – Central Sindical canadense
CCOO – Comissões Obreiras
CCQs – Círculos de Controle de Qualidade
CDdL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro – Confederação Geral do Trabalho
CDFT – Confederação Democrática Francesa dos Trabalhadores
CE – Constituinte Escolar
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
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CEP – Controle Estatístico de Processo


CES – Confederação Européia
CFDT – Confederação Francesa Democrática de Trabalho
CFTC – Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos
CGC – Confederação Francesa de Quadros
CGIL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro – Confederação Italiana do Trabalho
CGOCM – Confederación General de Obreros y Campesinos de México
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores – Brasil; e Central Geral dos Trabalhadores
CGT – Conféderation General du Travail – Confederação Geral do Trabalho – França
CGT – Confederación General del Trabajo – Argentina
CGT – Confederación General del Trabajo – Espanha
CGTB – Confederación General del Trabajo Boliviana
CGTB – Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros
CIO – Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres
CIOSL – Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres – EUA e Europa
CISG – Comando Intersindical de Greve
CISL – Confederação Italiana de Sindicatos dos Trabalhadores
CLP – Controlador lógico programável
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CLU – Canadian Labor Union – União do Trabalho Canadense
CNC – Comando numérico computadorizado
CNT – Confederação Nacional del Trabajo – Espanha
CNTC – Confederación Católica del Trabajo
CNTE – Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação
CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores
CNV – Confederação Holandesa de Trabalhadores
COB – Central Obrera Boliviana
COB – Confederação Operária Brasileira
COBRAS – Comitês Unitários de Base
CODEFAT – Fórum tripartite, paritário, deliberativo, legal, permanente e de âmbito nacional
COM – Casa del Obrero Mundial
CONCLAT – Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras; Coordenação Nacional das
Classes Trabalhadoras
CONCUT – Congresso Nacional da CUT
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CONEDs – Conselhos Nacionais de Educação


CP – Controladores programáve is
CPERS – Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul
CROM – Confederación Regional Obrera Mexicana
CTM – Confederación de Trabajadores de México
CUT – Central Única de Trabalhadores - Brasil
DGB –Deutscher Gewerkschafts Bund – União de Sindicatos Alemães
DOPS – Departamento de Ordem Pública e Social
DS – Democracia Socialista
ENAMP – Encontro Nacional de Articulação de Movinentos Populares
ENOS – Encontro Nacional das oposições Sindicais
ENTOES – Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição a Estrutura Sindical
EUA – Estados Unidos da América do Norte
FARC – Facção Revolucionária da Colômbia
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FETAG/RS – Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Rio Grande do Sul
FGTB – União Geral de Sindicatos Belgas
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNL – Fórum Nacional de Lutas
FO – Força Operária
FS – Força Sindical
FSM – Fórum Social Mundial
G-8 – O bloco dos países altamente desenvolvidos + a Rússia
IBC – Instituto Brasileiro do Café
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPC – Indicador de Preços ao Consumidor
IOF – Imposto sobre Operações Financeiras
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
JIT – Just-in-time
JVC – Empresa japonesa eletrênicos
LO – Landsorganisationen i Sverige – Confederação Sueca de Sindicatos
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
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LSN – Lei de Segurança Nacional


MASP – Métodos e técnicas utilizados para a racionalização do trabalho
MDB –Movimento Democrático Brasileiro
MIA – Movimento Intersindical Anti-Arrocho
MST – Movimento dos Sem-Terra
MTIC – Ministério do Trabalho Indústria e Comércio
NAFTA – Tratado de Livre Comércio da América do Norte
NLRA – National Labor Relations Act – Legislação regulamentando as relações de trabalho
NLRB – Sindicatos que realizam negociação com a empresas no local de trabalho
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OGB – Central dos Sindicatos austríacos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial de Comércio
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ORIT – Organização Regional Interamericana de Trabalhadores
OVB – Organização Holanda
RSA – Representação Sindical Autônoma
RSU – Representação Sindical Unitária
PC – Partido Comunista
PCB – Partido Comunista do Brasil
PDCA – Métodos e técnicas utilizados para incrementar racionalização do trabalho
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
PL – Partido Laboralista
PLP – Participação em lucros e resultados
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileir o
PNR – Partido Nacional Revolucionário
PRI – Partido Republicano Institucional
PROEX – Projeto de Exportação
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUI – Pacto de Unidade Intersindical
SAC – Confederação dos Sindicatos Autônomos – Suécia
SDCD – sistema digital de controle distribuído
SGB – Schweizerischer Gewerkschaftsbund – União dos Sindicatos Suíços
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SEM – Sistema de Estoque Mínimo


SINFAVEA – Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores
SIVAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SME – Sindicato Mexicano
TGWU– Sindicato de Transportes e Trabalhadores Gerais
TLC – Trades and Labor Congress of Canada – Congresso das Categorias e Trabalho do
Canadá; ou Central Sindical canadense
TQC ou CQT – Programas de Qualidade Total
TUC – Trade Union Congress – Congresso de Sindicatos
UERGS – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
UGT – Union General de los Trabalhadores – Espanha
UIL – União Italiana do Trabalho
UMWA – United Mine Workers of America – Sindicato Nacional de Trabalhadores Industriais
UNE – União Nacional de Estudantes
UNICAMP/SP – Universidade de Campinas, São Paulo
UPS – United Parcel Service
USI – União Sindical Independente
U.T.G – União dos Trabalhadores Gráficos
U.T.L.J. – União dos Trabalhadores em Livros e Jornais do Rio de Janeiro
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RESUMO

O novo sindicalismo é conseqüência de uma combinação de fatores


internacionais, regionais e locais, e forças contestatórias contra a política
econômica do governo e seus reflexos negativos sobre os trabalhadores,
ocorrendo em algum grau em todos os segmentos da sociedade. Criadas as
expectativas acerca do sindicalismo e do caso brasileiro para refletir sobre a
trajetória do novo sindicalismo e os impasses vividos nas últimas décadas
propôs-se como objetivo do trabalho analisar o movimento sindical,
focalizando o novo sindicalismo brasileiro e os fatores capazes de explicar a
crise do sindicalismo moderno, as transformações a partir da reestruturação
produtiva, os avanços, os limites e os desafios, para saber quais as
perspectivas do sindicalismo no Brasil diante das novas realidades trazidas
pela globalização da economia e o desgaste do neoliberalismo. Para o
alcance deste propósito, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, criando
condições de interpretação dos fatos históricos e a afirmação da tese
sustentada, que parte do princípio de que a crise recente do novo
sindicalismo é crise do capitalismo, e, sua superação requer um sujeito
social, consciente e capaz de reconhecer -se como a força política e social
criadora de alternativas para uma nova sociedade sem explorados e
exploradores. Com este instrumental, foi empreendido o trabalho estruturado
em quatro capítulos: o primeiro apresenta a história do sindicalismo, com
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ênfase nas experiências nas quais se inscrevem os movimentos sindicais na


Europa e na América. Na seqüência foi estudado o caso brasileiro,
focalizando a luta dos operários em busca de organização, a crise dos
sindicatos depois da década de 1990, a estrutura sindical brasileira, o
sindicalismo de Estado e a ofensiva neoliberal. O terceiro capítulo focaliza a
trajetória do novo sindicalismo. Os antecedentes e estratégias montadas para
se afirmar perante o ‘velho sindicalismo’, a emergência dos trabalhadores, a
criação da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores.
O CPERS e o perfil diferenciado das reivindicações e da organização. As
orientações teóricas e as práticas sindicais no caminho do novo
sindicalismo, para esclarecer, na ab ordagem final, a crise e perspectivas do
sindicalismo, dimensionando a crise sindical, as hipóteses, as aberturas e
possibilidades de um trabalho em nível internacional, bem como as
perspectivas do sindicalismo, diante do cenário desfavorável imposto pelo
projeto neoliberal.

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO


URUGUAI E DAS MISSÕES – URI
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM ESTUDOS DE HISTÓRIA LATINO-AMERICANA

NOVO SINDICALISMO:
Crise e perspectivas na sociedade brasileira
contemporânea
16

ANTÔNIO VALDIR VIAN

SANTO ÂNGELO – 2002

INTRODUÇÃO

Esta dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado –


aborda a questão do sindicalismo, enfocando, como tema central, o novo sindicalismo, crise e
perspectivas sindicais na sociedade brasileira contemporânea.
O estudo pauta-se na importância do movimento sindical, assumido ao longo do século XX
e no direcionamento dado à sua trajetória com as questões suscitadas pela entrada em cena, no
Brasil, do “novo sindicalismo” no início da década de 1970, elemento fundamental à eclosão da
onda de greves neste período. Essa época foi marcada pelo surgimento de uma nova classe
trabalhadora no cenário político do país e trouxe para o espaço público a novidade, depois de
vários anos de regime autoritário, da participação dos trabalhadores nos enfrentamentos mais gerais
contra o autoritarismo burocrático-militar do final da década de 1970 até meados da década de
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1980. Ao mesmo tempo, marcava a entrada em cena de uma camada de trabalhadores que
defendia, em muitos aspectos, a ampliação dos direitos democráticos nos locais de trabalho.
O trabalho delineia os passos históricos do movimento sindical no Brasil, o qual, devido à
escravidão e ao modelo de monocultura agroexportador, teve um enfoque de formação do
proletariado distinto da Europa e do restante da América. Embora o surgimento do sindicalismo no
país não detenha as características do processo encetado no cenário europeu e nos demais países
americanos, é válido ter presente como o mesmo ocorreu em outros horizontes para que se tenha
uma visão mais nítida do caso brasileiro. Nessa perspectiva, impõe-se o conhecimento das
experiências históricas dos trabalhadores, levadas a efeito em diferentes países do continente
europeu e americano, as quais caminharam para a formação dos primeiros sindicatos. A discussão
inicial se depara sobre a história do sindicalismo e da análise de conjunto, evolui para o estudo do
caso brasileiro, marcado pela organização dos trabalhadores e do novo sindicalismo iniciado no
Brasil em 1978, à crise do novo sindicalismo e às perspectivas do sindicalismo no limiar do século
XXI, na tentativa de levantar conclusões e tendências sobre o movimento sindical no Brasil e
conhecer as estratégias de sobrevivência criadas pelo sindicalismo brasileiro na trajetória de
enfrentamento com a política neoliberal.
Como questão preliminar, importa fazer uma reflexão sobre a trajetória do novo
sindicalismo, apontando os impasses, desafios e problemas enfrentados pelo sindicalismo brasileiro
nos últimos anos.
Desta forma, o trabalho investiga as principais questões concernentes à atividade sindical
no Brasil. Aborda as conquistas e as retrações do movimento sindical que desafiam a compreensão
na contemporaneidade e busca situar a crise do novo sindicalismo e as perspectivas sindicais. Para
tanto, o trabalho tem como objetivo analisar o movimento sindical, mais precisamente o novo
sindicalismo brasileiro e os fatores capazes de explicar a crise do sindicalismo moderno, as
transformações a partir da reestruturação produtiva, os desafios, estratégias e limites, para saber
quais as perspectivas do sindicalismo no Brasil, diante das novas realidades trazidas pela
globalização da economia e o desgaste do neoliberalismo.
A tese aqui sustentada: 1) parte do princípio que as crises recentes do novo sindicalismo
são crises do capitalismo; mas a superação do capitalismo não será produto de suas crises, e sim da
existência de uma força política e social alternativa, capaz de impor rupturas ao capitalismo e
amadurecida para trilhar o caminho da luta pela igualdade, justiça, emprego, distribuição de renda
e poder; 2) os impasses que o sindicalismo brasileiro enfrenta nesta primeira década do século XXI
não se resumem aos problemas oriundos da coexistência pacífica com a estrutura sindical atrelada;
todavia não se construirá um autêntico sindicalismo de luta, de massas, pela base e democrático, se
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continuar a cumplicidade existente com a estrutura oficial; 3) para o cenário de liberdade e


autonomia sindical, é fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos
trabalhadores nos locais de trabalho; considerando a estratégia empresarial de expulsar o sindicato
de dentro das empresas, o principal desafio deste período, nesse terreno, é colocar o sindicato
dentro de local de trabalho; para tanto, o movimento sindical precisa manter o tom reivindicatório e
oposicionista ao capitalismo e a qualquer discurso que por ventura venha substituir o discurso
neoliberal, tendo claro que as questões e os dilemas que a classe trabalhadora tem diante de si não
são respondidas isoladamente; 4) com a liberdade e autonomia sindical, caem o “monopólio de
representação” e instituições do modelo corporativista que regem as negociações coletivas; o
modelo de negociação coletiva nesse novo cenário deve privilegiar formas que levem à unificação
dos trabalhadores para além dos limites estreitos da própria categoria; 5) o sindicalismo precisa
existir como um sujeito social, que luta, mas luta muito além da força organizativa dos sindicatos,
indo ao encontro da idéia defendida por Marx, de um centro de organização da classe operária ,
que implicava transformar os velhos sindicatos em uniões de operários que organizassem os
trabalhadores assalariados – empregados e desempregados – não apenas enquanto vendedores,
reais ou virtuais, da mercadoria -força de trabalho, mas sim como indivíduos-produtores sujeitos do
processo produtivo, potenciais criadores de uma nova sociedade, sem explorados e exploradores;
6) para enfrentar o novo cenário – reestruturação produtiva, flexibilização trabalhista –, composto
de novos discursos do capitalismo e a própria crise sindical, não se pode apenas propor mudanças
na legis lação que rege a organização sindical e as negociações coletivas mas também reforçar as
manifestações de descontentamento visando a substituir o capitalismo por outro modelo de
sociedade: uma sociedade socialista, nos moldes do que está sendo discutido nos Fóruns Sociais
Mundiais; 7) argumenta ainda que a quebra do ritmo e o resgate do sujeito social se faz através da
superação pela CUT das heranças do sindicalismo corporativo, da capacidade de luta e resistência
dos trabalhadores, da comunicação e trabalho, das relações de solidariedade, da conscientização e
da inserção no quotidiano do povo, capaz de fazê-lo avançar com fatos e palavras que criam novas
realidades e superam divisões, respeitando a diversidade, para que os sentidos compartilhados
tornem-se alimento para a ação e manifestação em defesa dos direitos e dos interesses dos
trabalhadores e de todos marginalizados e excluídos da sociedade, rumo a uma economia solidária
e a um mundo melhor.
O tema remete a uma abordagem conceitual das palavras-chave mais importantes
identificadas no conjunto das formulações, tais como sindicato, estrutura sindical,
sindicalismo de estado e organização partidária, pois essas palavras/categorias podem se
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transformar em mediações concretas de análise e intervenção da realidade em diferentes


contextos.
Neste caminho, toma-se como pressuposto da análise o fato de que um conceito sobre
sindicato não poderia ser construído com base apenas na noção simples e particularizada de
organização de pessoas. É necessário compreender e explicar o fenômeno através das
complexas relações que são determinadas no conjunto da sociedade.
Portanto construir o conceito sobre sindicato requer análise de categorias
objetivamente históricas, políticas e normativas. Assim, sindicato se define como organização
associada ao trabalho assalariado e, sobretudo, à capacidade de os trabalhadores se
organizarem em defesa de seus direitos e interesses comuns.
O sindicato é uma organização livre e autônoma de pessoas com a finalidade de
defender e promover seus direitos. Pode ser uma organização de qualquer tipo de pessoas
(tanto patrões como empregados têm o direito de se organizar), entretanto a principal
finalidade do sindicato é a defesa dos direitos dessas pessoas e a reivindicação de seus
direitos, isto é, ele está a serviço do bem comum.
O importante, de qualquer modo, é insistir nas qualidades de um verdadeiro sindicato:
independência e soberania, podendo discutir em pé de igualdade com qualquer outro sindicato
ou organização.
Os sindicatos são partes da sociedade capitalista, ou seja, expressam a sociedade
baseada na divisão de classes e, ao mesmo tempo, se opõem ao capitalismo na forma como
este distribui a renda. Representam uma organização condicionada pelo local de trabalho,
nesse sentido são um reflexo passivo da organização da força de trabalho.
De outra parte, a compreensão da expressão “estrutura sindical” requer certas
observações. Segundo Escouto (1991, p. 15), “estrutura, no sentido comum em que é
empregada a palavra, significa a dispos ição, a ordem das partes que compõem um todo. E
sindicato vem a ser um tipo de associação, contemplada no mundo jurídico trabalhista, que se
caracteriza pela união de trabalhadores com interesses comuns”. Assim, a estrutura sindical é
o sistema de relações que assegura a subordinação dos sindicatos (oficiais) às cúpulas do
aparelho de Estado – do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo. Todavia Boito Jr. (1991)
afirma que a estrutura é algo mais profundo, nem sempre fácil de se detectar, e que é implícita
e inconscientemente reafirmada pelo discurso daqueles que, ao se referirem criticamente aos
efeitos da estrutura sindical, imaginam erroneamente estar criticando a estrutura que produz
tais efeitos. Essa estrutura sindical, acompanhada dos efeitos jurídicos tutelares, de um
modelo ditatorial ou “democrático” de controle do Estado sobre os sindicatos oficiais, tem
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sido espaço onde se desenvolve um tipo particular de sindicalismo, o sindicalismo de Estado.


Esse sindicalismo se caracteriza por apresentar uma forma organizativa, métodos de ação e
objetivos característicos, possui também uma ideologia que serve como “cimento”, no
entender de Gramsci (apud Boito Jr., 1991, p. 54), da estrutura sindical.
A organização partidária, diferentemente dos sindicatos, tem outra qualidade. É uma
organização voluntária que rompe com a estrutura natural da sociedade onde se insere e que
se propõe a reestruturar a organização social existente.
Os sindicatos produzem, no limite, uma consciência setorial e corporativa na luta de
classes e sua arma maior é a greve, uma atitude absenteísta, uma ausência, frente ao
capitalismo vigente. Esse limite perante a sociedade em que existe permite ao sindicato
apenas conquistas parciais, nunca a contestação global do sistema. Mesmo a ocupação das
empresas num momento de luta é uma atitude de resistência e que não permite a ação
ofensiva que reordene as leis, que retome os investimentos e a atividade produtiva, que
avance sobre o poder do Estado (Pont e Rossetto, 1984).
Nesta perspectiva, o primeiro capítulo desta dissertação apresenta o sindicalismo em
perspectiva histórica, mergulhando nas primeiras experiências nas quais se inscrevem os
movimentos sindicais, aprofundando o conhecimento sobre as organizações sindicais na Inglaterra
e sua disseminação pela Europa e América, para situa -lo, a partir daí, no contexto do
neoliberalismo.
O segundo capítulo aborda a organização dos trabalhadores no Brasil. O caso brasileiro
apresenta uma conjuntura à parte, haja vista que o país teve um processo de formação do
proletariado distinto da Europa e do restante da América.
A história da luta dos operários no Brasil pode ser dividida em sete fases. O movimento
operário no Brasil até 1889 teve como marca maior a primeira greve de trabalhadores,
promovida pelos operários da indústria gráfica, no Rio de Janeiro, em 1858. A partir da
Proclamação da República até 1930, ocorre a segunda fase das lutas operárias no país,
podendo-se identificar a organização autônoma e independente do movimento sindical em
relação ao Estado, o surgimento dos sindicalistas “pelegos”, as condições precárias de vida do
trabalhador, a falta de leis regulamentando o trabalho, a exploração da mão-de-obra feminina
e infantil.
A terceira fase das lutas operárias vai de 1930 a 1945. Nela observamos a resistência do
movimento sindical às normas estabelecidas pelo Decreto-Lei 19.770/31 e a consolidação da
estrutura sindical brasileira, com a subordinação dos sindicatos ao Estado e a adoção de
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mecanismos perversos, como a unidade sindical e o imposto sindical, deixando os sindicatos


de ser órgãos de luta para serem órgãos de cooperação com as metas do governo.
O período de 1945 a 1964 marca a quarta fase e é caracterizado pela ascensão das lutas
dos trabalhadores, embora os “pelegos” tenham se fortificado com a ida de sindicalistas para
organizações paralelas. O sindicalismo populista, assentado sobre sindicatos de Estado,
dinamizou o movimento da classe trabalhadora através das organizações paralelas surgidas,
entre as quais se cita o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).
Na quinta fase, de 1964 a 1978, dominou o sindicalismo populista e burocrático, a greve
de adesão passiva. Mas por volta de 1973 o movimento sindical voltou a articular-se através
de greves localizadas e, em 1978 e 1979, a organização sindical dinamizou-se a partir de
intensa participação dos trabalhadores, passando os sindicatos por transformações em suas
estruturas, e tornando-os mais aparelhados para a luta.
Entre 1978 e 1990, ocorreu a sexta fase, a do sindicalismo combativo, que se caracteriza
como o novo sindicalismo brasileiro. Houve expressiva expansão do sindicalismo dos
assalariados médios e dos setores de serviços, e despontaram, neste período, duas correntes
dentro do sindicalismo brasileiro: a corrente (novo sindicalismo ou sindicalismo autêntico)
que deu origem à Central Única de Trabalhadores (CUT), em 1983; e a Unidade Sindical,
corrente que luta por mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas, liderada pela
Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT).
A sétima fase vem depois de 1990 e traz como marca a crise do sindicalismo, cujo
indicador mais expressivo é a queda relativa e absoluta do número de trabalhadores
sindicalizados. As demandas sociais começaram a vir à tona em meados da década de 1970,
na confluência da “crise do milagre” como processo de “transição conservadora”, e na década
seguinte continuou a persistir num cenário de crise econômica e política. Essa configuração
singular gerou um ambiente social altamente explosivo, mas também criou sérios obstáculos à
atividade sindical.
O contexto da crise e transição não só criou as condições para o ressurgimento dos
trabalhadores na cena política, como também propiciou que estes passassem a desempenhar
um papel central no processo de redemocratização do país. Além disso, a mobilização sindical
foi favorecida pela conjuntura da década de 1980, quando, na maior parte do tempo,
conjugaram-se altas taxas de inflação e níveis relativamente baixos de desemprego. Tal
situação acabou levando à sobrevalorização das novas práticas sindicais, obscurecendo a
importância do ciclo de crescimento que estava na raiz dessa expansão da atividade sindical,
22

cujos limites tornar-se-iam evidentes depois do esgotamento do modelo de substituição de


importações.
Evidencia-se, então, a retomada de uma política que implica, de um lado, conhecer a
política neoliberal no Brasil e as posições que o movimento sindical tem assumido diante do
neoliberalismo que aponta para a restrição e eliminação de direitos sociais, e de outro, em avançar
no desvelamento da trajetória do novo sindicalismo, gerado pelas contradições de um dado modelo
econômico e político, que firma suas propostas na desregulamentação e flexibilização do trabalho,
privatização das empresas estatais e desindustrialização. Essas considerações permitem situar o
“sindicalismo” no conjunto dos conflitos de classe, pois o movimento sindical, como parte das
relações de classe, sofre a ofensiva neoliberal, fenômeno internacional, vinculado a fatores
econômicos e políticos, que se processam também em escala internacional.
A análise do liberalismo econômico de 1888 a 1930, do surgimento posterior do
neoliberalismo, sua base teórica, a chegada ao poder e o enfrentamento do sindicalismo,
mostra que o liberalismo, em termos econômicos e sociais, não é algo novo no Brasil. É
apenas mais outra onda entre várias que já houve na história do capital. É preciso lembrar
também que neoliberalismo não é nada mais nada menos do que uma forma de capitalismo, o
liberalismo vestido com roupagens novas. Uma forma do capitalismo se organizar e que ao
longo da história do capitalismo, principalmente da história industrial e pós-industrial do
capitalismo, ele tem tomado formas diferentes de ser: uma forma predominantemente
estatística, quando o Estado toma o espaço político-econômico, toma as decisões, controla as
decisões e utiliza o seu poder para promover certas linhas de desenvolvimento da economia e
da sociedade sob seu controle. Viveu-se um pouco isso durante os vários períodos de ditadura
no Brasil. Inclusive a última ditadura de 21 anos, na qual havia entre os militares um projeto
de hegemonia do Brasil que precisava ser reforçado através de um Estado forte.
Atualmente estamos em outra etapa da história do capital, de capitalismo centralmente
neoliberal, isto é, que busca desmantelar as redes de regulação, fiscalização e controle sobre o
capital privado, permitindo uma cada vez maior liberdade do capital privado de atuar.
Essa linha de ação não é mais nacional, como era em outras épocas. Hoje é um projeto
global. A globalização em si é uma conseqüência do desenvolvimento do capitalismo que
abarca toda a sociedade e, conseqüentemente, se forma o mercado mundial.
A Ordem de Mercado não é governada por escala ou hierarquia única de fins, serve, isto sim,
a membros indeterminados e sem fins distintos. A Ordem de Mercado envolve economias inter-
relacionadas, formando um sistema. Segundo Hayek (1985), é apropriado utilizar -se como
23

sinônimo o termo catalaxia 1. É, pois, a catalaxia o tipo especial de ordem espontânea produzida
pelo mercado, mediante a ação de pessoas dentro das normas jurídicas da propriedade, da
responsabilidade civil e do contrato. A catalaxia possibilita a conciliação de propósitos divergentes,
aparentemente beneficiando a todos.
Esse projeto global foi introduzido com toda a sua força no momento em que explodiu a
crise do endividamento externo no começo da década de 1980. Esse foi um momento crítico
porque o Brasil e vários outros países do Hemisfério Sul tinham se endividado, acumulando
dívidas fantásticas. Daí veio a decisão unilateral de os Estados Unidos mudarem o patamar da
taxa de juros, multiplicando-a por 3, triplicando a dívida e os juros, que ficaram impagáveis.
Chegando a década de 1990, está dada a oportunidade de uma nova onda neo-colonial
sob uma forma modernizada, em que não há mais necessidade de ocupar fisicamente os países
com exércitos, pois o tributo chamado pagamento regular da dívida externa é instrumento de
pagamento regular. Esgotada essa etapa, surge a nova etapa, a inserção subordinada das
economias periféricas na economia globalizante que se está vivendo agora. Isso significa a
aplicação do ajuste neoliberal aos países devedores do Hemisfério Sul, inclusive o Brasil.
Esse ajuste incluiu privatizações, enfraquecimento da capacidade arrecadadora do Estado,
desregulação, superar e eliminar os vários instrumentos que o Estado tem para controlar e
regular os fluxos de capital, os investimentos, os financiamentos. Com isso, as transnacionais
espalham-se principalmente pela Ásia, articulam os pequenos produtores, transformados em
milhões pelo mundo a fora, enquanto os controladores da produção e da comercialização, são
cada vez menos.
Essa nova onda de neoliberalismo está no bojo de um grande processo de reestruturação
produtiva. É ele que tem importância fundamental no mundo de hoje. E está ocorrendo em
três linhas principais, quais sejam, a linha de evolução da informática, da informatização dos
processos produtivos; a criação de circuitos eletrônicos cada vez menores, mais compactos e
mais ricos de informação, a aplicação desses circuitos eletrônicos à produção na forma de
robôs (robótica); e a aplicação dos circuitos integrados as telecomunicações (telemática), que
permite essa globalização e até interestelarização das comunicações.
Essas três linhas de modernização têm uma dupla face: uma face negativa que é a
destruição maciça e acelerada de empregos humanos e a vantagem de reduzir cada vez mais a
necessidade do trabalho e da aplicação da energia humana na produção de bens e serviços.

1
Do verbo grego “katallattien”, significa “trocar” ou até “converter-se de inimigo em amigo”.
24

Esse que é um fator positivo e de progresso na história humana, está, no entanto,


acontecendo de forma destruidora, para os seres humanos. Sobressaem a violência e a
barbárie, onde cada um tenta liquidar o outro numa competição bruta l pela sobrevivência pelo
emprego, para poder-se manter e à sua família.
Essa realidade está na base de uma crise brutal, crise agravada pela falta de
planejamento da transição entre um processo de economia centrada na indústria e no emprego
assalariado pa ra uma economia pós-industrial, não mais centrada no emprego assalariado, mas
em outras formas de trabalho, de vínculo e de contrato social. Assim, não havendo política de
transição e já que estas políticas não virão pelo lado do poder, cabe aos trabalhadores a defesa
de seus interesses. Aí é que entra a questão do sindicalismo.
O terceiro capítulo focaliza o novo sindicalismo. Analisa desde seus antecedentes e
estratégias, detendo-se nas práticas sindicais distintas do passado pela juventude de seus
quadros, pela sua presença marcante nos setores mais modernos da economia, pela sua grande
disposição de luta, e não deixando de ser também, uma manifestação tardia. Seu
aproveitamento só foi possível graças às transformações econômicas e sociais que ocorreram
a partir da segunda metade do século XX e que foram responsáveis pelo surgimento de uma
classe trabalhadora, numerosa e diversificada, cuja trajetória política foi refreada pelo golpe
de 1964.
A partir de 1978, houve mudanças substanciais no movimento sindical brasileiro. Os
trabalhadores se apropriavam do espaço das empresas, reorganizando-se a partir dos locais de
trabalho. As primeiras greves de 1978 foram possíveis graças à organização das comissões de
fábricas.
O ressurgimento das comissões de fábrica, como parte da experiência do operariado
brasileiro, entre outros fatores que contribuíram para a estruturação do novo sindicalismo,
possibilitou a emergência dos trabalhadores e a assunção da organização de vanguarda do
verdadeiro sindicalismo, transformando a classe trabalhadora em força real, de modo que a política
sindical e a militância no interior da fábrica encontram-se articuladas na própria natureza do “novo
sindicalismo”.
Não é demais lembrar que o novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise
prolongada e aguda que, ao mesmo tempo, estimulou a ação sindical e restringiu os seus
resultados.
O novo sindicalismo, definido em oposição ao sindicalismo populista e burocrático,
apareceu, então, como uma resposta diante da crise do sindicalismo. Suas características, no final
da década de 1970, são entrevistas através de um conjunto de três proposições: a) o sindicato no
25

novo sindicalismo é mais combativo: por sua tendência a recorrer a greves; pelas formas de luta
escolhidas; b) os sindicatos do tipo novo sindicalismo são mais representativos da base que
representam porque admitem novos protagonistas como líderes, admitem e estimulam a
representação nos locais de trabalho e eleições sindicais sistemáticas realizadas em condições de
maior liberdade e competição; c) o novo sindicalismo não é apenas uma tendência sindical, mas
representa uma arena de lutas em defesa dos direitos sociais e políticos e questiona os próprios
limites do Estado corporativista, criando oportunidades de expansão da cidadania operária.
Outro acontecimento significativo na reorganização do movimento sindical foi a
realização do IX Congresso de Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material
Elétrico do Estado de São Paulo, em janeiro de 1979, em Lins, interior de São Paulo.
Realizado um pouco depois do III Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo
que, entre outras demandas, destacou a Central Única dos Trabalhadores – CUT – como um
objetivo a ser alcançado pelos trabalhadores, o congresso de Lins trouxe algumas novidades
para o sindicalismo brasileiro. Entre outros esforços no sentido de celebrar-se a unidade entre
os sindicatos representados, defendeu a criação de um Partido dos Trabalhadores.
Entre as resoluções que integravam a proposta de formação de um Partido dos
Trabalhadores (que em 1982 obteve o registro definitivo como Partido dos Trabalhadores –
PT) foram levadas ao congresso e aprovadas a total desvinculação dos sindicatos do Estado;
direito de greve, reforma agrária “efetiva e radical”; extinção gradual do imposto sindical;
ajuste governamental às pequenas empresas; reajustes salariais trimestrais. A partir daí,
observa -se uma movimentação constante dos sindicalistas que tentam organizar-se para terem
mais força no plano nacional.
Em 1980 e 1981, a atividade sindical mais combativa já era uma realidade. A começar daí,
visando a unidade mais orgânica dessas forças, multiplicam-se os encontros na busca de
organização dos setores mais combativos do movimento sindical. A reorganização sindical ocorreu
rapidamente, pois já vinha desde 1978 dando condições para que os trabalhadores pudessem ter um
lugar na nova ordem democrática que começava a ser vislumbrada.
Até o final da década de 1980, o novo sindicalismo apresenta enorme capacidade de
mobilização e um grande sucesso em forjar um novo projeto político e organizativo da classe
trabalhadora, traduzido no surgimento da Central Única dos Trabalhadores. A CUT, que
nasceu da luta pela liberdade de organização sindical combinada com a luta contra a ditadura
militar, defende um lugar para os trabalhadores na sociedade brasileira.
Desde a fundação da Central, em agosto de 1983, declarou-se guerra à estrutura sindical
oficial em todas as resoluções. Os princípios, reivindicações e o tipo de ação presentes na or igem
26

da CUT estão embricados com o novo sindicalismo de tal forma que Rodrigues (1997), analisando
a relação entre sindicalismo e política no Brasil, tendo a CUT como foco de análise, afirma que
esta surge da práxis do novo sindicalismo.
As características traçadas pela CUT são semelhantes, guardadas as singularidades
históricas, àquelas que marcaram o novo sindicalismo. Sugerem um novo conjunto de formas de
estratégias políticas e formas de organização para os sindicatos, em oposição àquelas existentes no
sindicalismo do passado. Sugerem, também, um posicionamento social e político mais radical por
parte dos sindicatos dentro do contexto do surgimento do movimento operário socialista. E a
criação de sindicatos de trabalhadores até então não organizados.
Inf luenciada por várias correntes de pensamento – sindicalismos autênticos, igreja, etc.
– em sua concepção e prática, a CUT investe em mobilizações de massa, formula propostas de
desenvolvimento econômico e social para o país, ao mesmo tempo em que se propõe a
ampliar e consolidar a esfera pública no Brasil, somando-se a outros setores da sociedade civil
organizada para gestar mecanismos de participação e controle social.
As Conferências Nacionais da Classe Trabalhadora, desde a 1ª CONCLAT, realizada
em 1981, também tiveram grande impacto diante da situação política nacional e
representaram um forte impulso para a luta dos trabalhadores. Constituindo um espaço
legítimo para divergir, discutir, tentar acordos e medir forças, essas conferências expressam a
capac idade política dos trabalhadores de influir no processo político.
Outro movimento maciço e unificado, que adquiriu peso a partir dos anos de 1980, é o
Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS. Esse sindicato do
funcionalismo público da categoria da educação, de postura combativa, evidenciada na ação
concreta, através de greves prolongadas no Estado, alinha-se à rearticulação do movimento
sindical, impulsionado pela emergência do novo sindicalismo.
Com o recrudescimento das greves e o novo sindicalismo, emergido em 1978, cresce a
movimentação dos assalariados da classe média e novas expectativas são criadas em torno da
superação do regime militar. A análise do novo sindicalismo evidencia as orientações e as
práticas sindicais, os impasses, avanços e limites do movimento sindical, seu ingresso na
década de 1990 e as sérias dificuldades trazidas pelas modificações no processo de trabalho e
de produção capitalista. As conquistas sociais e os avanços no terreno das negociações
coletivas inscritas na Constituição de 1988 logo seriam confrontados com as metas de
desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, repercutindo sobre o
sindicalismo brasileiro.
27

Desde então intensificaram-se as adversidades no plano político, sem que os setores de


esquerda tenham conseguido forjar uma alternativa real de poder; a disposição para a realização de
greves e mobilizações arrefeceu diante das baixas taxas de crescimento e do aumento do
desemprego. A prática da negociação coletiva perdeu espaço par a a defesa do emprego, por conta
do cenário econômico e da ausência de política salarial. E os problemas organizativos do
movimento sindical desdobraram-se em uma crise interna que atinge a própria identidade classista
da CUT, a mais importante organização sindical do país. Em meio a impasses e tendências de mais
concessões ao capital, catalisa no pólo defensivo a tendência majoritária, combativa e disposta a
construir um autêntico sindicalismo de luta, de massas, para fazer frente ao desafio da ofensiva
neoliberal que começava a impregnar a economia, a política e a própria cultura popular.
A partir do governo Collor, a agenda neoliberal passou a orientar as iniciativas reformadoras
do poder público e a subordinar as estratégias de sobrevivência dos setores empresariais em um
cenário econômico de crescente incerteza e competitividade. A liberalização comercial
indiscriminada, a privatização a qualquer custo e a tentativa de desregulamentação dos direitos
sociais acabaram sendo interrompidas pelo impeachment, mas foram retomadas com maior ímpeto
pelo governo de Fernando Henrique Cardoso que, por sua vez, passou a subordinar toda a política
econômica ao controle da inflação.
As mudanças na economia durante a década de 1990 afetaram ainda mais o mercado de
trabalho, provocando a perda de mais de 1 milhão de empregos na indústria, com impacto direto
sobre quase todas as categorias profissionais mais bem organizadas. Houve ainda uma migração de
empregos para setores com um menor grau de organização sindical, como é o caso do comércio,
afetando, assim, as bases tradicionais dos sindicatos.
Essas tendências foram aprofundadas pelo Plano Real, observando-se nos últimos anos dessa
década uma inflexão na agenda sindical, com a questão salarial cedendo lugar à questão do
emprego. Ao lado disso, começavam a ganhar espaço temas como a participação nos resultados e
lucros da empresa, a flexibilização da jornada de trabalho, a redução de benefícios sociais, a
formação profissional, ainda que as mudanças mais significativas estivessem ocorrendo apenas nas
categorias mais importantes, como metalúrgicos, bancários, químicos, entre outros.
A área de incidência desses temas é a empresa em que a organização sindical sempre foi
débil. A rigor, as negociações continuam a depender da configuração de cada setor.
Em um cenário tão adverso, marcado pela ofensiva neoliberal, não são poucos os
impasses, os limites e os desafios do sindicalismo. A partir de um processo de reestruturação
produtiva implantado com a abertura comercial do início da década de 1990, os sindicatos
vêm se defrontando com uma nova realidade trazida pela globalização da economia que
28

significou um aumento da concorrência entre as empresas e a exigência de mais qualidade e


eficiência no processo produtivo. A isto, se acrescenta o aumento do desemprego, assim como
investidas contra a legislação trabalhista para flexibilizar a força de trabalho, acentuando a sua
precarização.
Nesse âmbito, busca-se alterar a legislação sobre direitos individuais ou reduzir a proteção
social ao que seja politicamente possível, mantendo ou ampliando a legislação trabalhista coletiva
para restringir a ação sindical, a negociação coletiva e o direito de greve. Assim, enquanto cresce a
pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de intervenção do Estado no âmbito do
direito individual do trabalho, aumenta, também, mas em sentido contrário, a pressão pela restrição
do poder sindical.
Há também o risco de uma multiplicidade de situações refletindo a heterogeneidade e a
segmentação do próprio mercado de trabalho e do aumento da distância entre os setores
organizados e mais dinâmicos, situados nos núcleos modernos da indústria, e aqueles mais
fragilizados, com baixa capacidade de representação e pouca ou nenhuma presença nos locais de
trabalho. Esse distanciamento reforça a tendência de enfraquecimento dos sindicatos na regulação
do mercado de trabalho.
Nesta ordem de análise, evidenciam-se os desafios trazidos à CUT pela política neoliberal,
como a criação de sindicatos “cutistas” nas bases dos sindicatos e sindicalistas “pelegos”, impondo
a necessidade de saber “como fazer” isso e evidenciar “como o CPERS se coloca diante dessa
conjuntura?”.
A nova realidade trazida pela globalização da economia, visível nas suas formas de
realização na empresa (na reestruturação produtiva, flexibilização das formas de contratação,
terceirização da mão-de-obra) e os impasses, avanços, limites e desafios colocados ao sindicalismo,
orienta no quarto e último capítulo deste trabalho a análise da crise e perspectivas do novo
sindicalismo. Apresenta a dimensão da crise sindical na esteira do novo complexo de
reestruturação produtiva marcado pela passagem de um “toyotismo restrito” para um “toyotismo
sistêmico”, que tende a instaurar, pelo obscurecimento da perspectiva de classe, uma nova captura
da subjetividade operária pela lógica do capital. É uma investida do capital nas próprias relações
sociais de produção. Seu principal aspecto é a flexibilização dos contratos de trabalho. Seu objetivo
é fechar o cerco contra o sindicalismo classista.
Esta situação mostra, mais do que na década de 1980, uma acirrada luta de classes na
produção e que a hegemonia do capital na produção está tentando se recompor, principalmente
através do novo complexo de reestruturação produtiva, utilizando, para isso, o mercado. Não é
apenas a busca do consentimento operário através de programas de qualidade total, de participação
29

nos resultados, dos trabalhos em grupo. É, também, o velho uso de mecanismos coercitivos de
mercado como o desemprego estrutural, que tende levar à irracionalidade social.
Os sindicalistas e as lideranças políticas que pensam em uma perspectiva para além do
capital analisam esta nova crise para ver os caminhos para a construção, a partir da perspectiva do
trabalho de um novo projeto capaz de colocar obstáculos à sanha da valorização mundial e
destrutiva do capital.
Mas desde o final da década de 1990 e no limiar do século XXI, mesmo com grandes
dificuldades e mantendo suas diferenças políticas, o sindicalismo como um todo vem
demonstrando capacidade de reagir e buscar novas estratégias para manter sua força de negociação.
Nessa direção, sobressaem-se as perspectivas sindicais para o futuro.
30

1 – O SINDICALISMO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

A história do movimento sindical inicia na Inglaterra, na segunda metade do século


XVIII, ao mesmo tempo que o capitalismo e a sociedade industrial. As primeiras centrais
sindicais surgem na Europa um século depois. Isso não quer dizer que não tenha havido, em
épocas anteriores ou em lugares diferentes, experiências de organizações sociais buscando
melhorar as condições de trabalho ou romper com formas de relações sociais de produção
desumanas, embora ainda não se tratasse de sindicato (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).
Assim, para entender o surgimento do sindicalismo na Europa, há que se retroceder alguns
séculos e verificar como o desenvolvimento do capitalismo gerou as condições que deram
origem às lutas operárias e às práticas sindicais.
Beaud (1981) escreveu que as primeiras experiências dos camponeses e trabalhadores
urbanos foram desenvolvidas na Europa, no século XI. Nesse período, a sociedade feudal está
realizada em sua forma acabada. No âmbito do senhorio, efetua-se a organização da produção e a
extorsão do sobretrabalho, do qual se beneficia o senhor, detentor das prerrogativas políticas e
jurisdicionais. Constituída a sociedade feudal, inicia -se o processo de sua decomposição, trazida
pelas mudanças da prestação em trabalho, de gêneros ou em dinheiro, com o desenvolvimento do
trabalho livre e de formas de propriedades camponesas e a retomada do comércio através das feiras
comerciais, renascimento da vida urbana, formação da burguesia comerciante. Nessa
decomposição da ordem feudal, enraíza -se a formação do capitalismo mercantil, a qual, em vários
séculos estende a longa marcha para o capitalismo e a geração de descontentamentos.
A primeira etapa da marcha do capitalismo caracterizou-se pela pilhagem colonial levada a
efeito na América.
A pilhagem e a extração dos metais preciosos da América no correr do século XVI
constituíram as fontes de riqueza da Espanha. Ao mesmo tempo que os metais se tornaram
abundantes, os preços subiram. Os salários pagos aumentam mais devagar, no conjunto o salário
31

baixou 50%, no século XVI. Diante da desordem das moedas e dos preços, os monarcas lançaram
éditos, proibindo as coalizões operárias, na França; surgiam as leis sobre os pobres na Inglaterra
que proibiam vagabundagem e mendicância no final do século XV, às quais foi acrescentada no
fim do século XVI a criação das workhouses (casas de trabalho forçado). Paralelamente,
desenvolveu-se a reflexão e a discussão sobre as moedas e os preços.
Com o trabalho forçado na América e a baixa dos salários reais, a inflação surgia e com o
começo das enclosures2 na Inglaterra foi liberada a mão-de-obra de vagabundos, mendigos,
perseguidos e prisioneiros. As burguesias se encontram nas idéias da Reforma, na afirmação dos
direitos do indivíduo diante do soberano e nas diferentes expressões do pensamento humanista, nas
obras de Erasmo, Rabelais e Montaigne 3, enquanto o camponês continuava a cultivar e a ser
esmagado por taxas e por corvéias, o nobre a caçar e a fazer festins, o rei a reinar e a guerrear.
Nas formações sociais em que foi surgindo o capitalismo, o antigo continuava
predominando: população essencialmente rural, produção agrícola, troca restrita e a prestação foi
tirada da massa de camponeses em proveito do clero, da nobreza e do Estado real, possibilitando-se
o acúmulo de fortunas privadas de negociantes e banqueiros. O intercâmbio mercantil referia -se
mais à produção artesanal e só atingia pequena parte da produção agrícola. Surgiu a classe dos
comerciantes que atuavam como intermediários, realizando o lucro proveniente do sobretrabalho
imposto aos pequenos artesãos ou aos companheiros e aprendizes, ou de uma parte da renda
extorquida do campesinato.
Firmaram-se, então, duas formas principais de acumulação: a) uma acumulação estatal –
manufaturas reais, estradas reais, portos, b) uma acumulação burguesa – fortunas privadas,
moedas, metais preciosos, bens imobiliários. A fonte principal de acumulação era o sobretrabalho
do camponês. Na dimensão internacional, a fabulosa pilhagem da América – de tesouros e a
produção nova de valor, dos trabalhos forçados e escravidão.
O desenvolvimento das manufaturas e o início de um novo modo de produção – quando a
maioria da população da Europa vivia da agricultura –, foi levado a efeito nas Províncias Unidas,
onde o comércio desenvolvido era ativo, a agricultura moderna, a nobreza quase inexistente e a
burguesia poderosa.
A Holanda era o centro de comercialização do Ocidente. O capitalismo mercantil e
manufatureiro conheceu grande desenvolvimento nesse país, assentando-se em três pilares: a

2
Tributações (cobrança de taxas, impostos, encargos, rendas sobre a terra) (Tradução não oficial).
3
Pensadores humanistas da Renascença, período que viu o renascimento literário e das artes, se estendeu desde o
fim do século XV, e a partir dos primórdios do século XVI espalhou -se pelo mundo, com Rebelais (Hugon,
1970, p. 62).
32

Companhia (holandesa) das Índias Orientais, o Banco de Amsterdã e a frota de navios solidamente
construídos e armados para as rotas marítimas da Europa do Norte e do Oeste.
Por essa época, os holandeses empregavam estrangeiros a salários inferiores. Entre 1619 a
1663, esse povo dominava as rotas do Extremo Oriente e comercializava com a África e com a
Europa do Norte.
Grande potência comercial, a Holanda desenvolveu atividades de transformação,
indústrias, organizou “câmaras de mercadores”, criou universidades e bancos, fazendo da cidade a
grande praça financeira do século, impondo sua hegemonia ao conjunto das Províncias Unidas. Na
primeira metade do século XVII, a Holanda foi o “símbolo do capitalismo comercial e financeiro”,
mas surgiram os conflitos com a família Orange e o capitalismo e o protecionismo francês ganham
ascensão.
Aliada do monarca na base da expansão colonial e do mercantilismo, a burguesia inglesa
soube utilizar os descontentamentos contra o absolutismo na França. O comércio duplicou entre
1610 e 1640; a burguesia que promoveu o desenvolvimento comercial e manufatureiro precisou de
incentivo e proteção. As obras de Thomas Mun 4, de 1621 e de 1664, salientando a importância do
comércio exterior, que o comércio é a riqueza do soberano, a vocação dos mercadores, o emprego
dos pobres, a melhoria das terras e a escola dos marinheiros, faz do compromisso entre a burguesia
e o soberano a grande causa nacional, mas um compromisso difícil para o rei Carlos I. Cromwell5
viu a oportunidade de instaurar uma ditadura via república oligárquica, e conduzindo uma política
mercantilista ofensiva, promulgou o primeiro ato de navegação, em 1651, através do qual os
produtos da América, África e Ásia só poderiam ser transportados em navios da Inglaterra ou das
colônias. A burguesia afirmava-se. Lupton, em 1622, escreveu: “As enclosures deixam gordos os
rebanhos e magras as pessoas pobres”. Os populares descontentes faziam reivindicações
originando uma agitação multiforme. As aspirações modernas – de camponeses, comerciantes,
artesãos e pessoas eminentes locais – surgiram, então, em 1648, resumidas nas palavras
democracia parlamentar, liberdade e propriedade. Paralelamente, desenvolveu-se o novo modo de
extorsão, resultante da dominação indireta de negociantes sobre os artesãos.

4
Mercador londrino, um dos diretores da Companhia das Índias Orientais: A discourse of Trade from England
into the East Indies , 1621; England’s Treasure by Foreign Trade, 1664; as idéias contidas neste Tratado,
expostas a partir de 1622, tiveram nítida influência sobre a política econômica da Inglaterra e de outros países
europeus (Hugon, 1970, p. 74).
5
Oliver Cromwell (1599-1658) chefiou a revolução que destituiu e executou o rei Carlos I da Inglaterra, sendo
proclamado Protetor da República da Grã-Bretanha (Rossetti, 1970).
33

Os artesãos pobres reclamavam a proteção da regulamentação, tendo como objetivos a


elevação da tarifa ou do salário, a redução da jornada de trabalho, a proteção contra a concorrência
externa. A democracia e a liberdade são reclamadas pelos membros da burguesia, dos negócios e
dos bancos, os juristas e os homens da lei, que encontraram sustentação nas profissões liberais e
entre os grandes proprietários rurais estão os comerciantes e agricultores enriquecidos. Aí residia a
força social nova, cujo peso foi subestimado pela monarquia. Os descontentamentos renasceram e
o absolutismo foi derrubado. Quem beneficiou-se da política mercantilista foi a burguesia, usando
o apoio dos movimentos populares contra o absolutismo.
A burguesia encontrou em Locke a justificativa para a derrubada do soberano. Para Locke 6,
o que fundamentava a sociedade e o governo era o livre consentimento dos cidadãos. Esse mesmo
fundamento justificava o direito a insurreição. Locke concebia o governo como um remédio para
os inconvenientes do estado natural e rejeitava o absolutismo que colocava o soberano acima das
leis, isto é, fora da sociedade civil. Ele não reconhecia aos trabalhadores a capacidade de governar,
e diante dos pobres, preconizava a força.
Na França, por sua vez, o mercantilismo atingiu seu apogeu sob o reinado de Luís XIV
e com Colbert 7 nas finanças. Colbert desenvolveu a política da produção (1663), realizou
pesquisa sobre os recursos da França e instalou quatrocentas manufaturas coletivas. Através
dessa política foram desenvolvidas as produções de luxo e de exportação, as de base e de
consumo corrente. Ao mesmo tempo era brutal o aprendizado da disciplina manufatureira, os
mendigos foram encerrados em asilos e deveriam aprender uma profissão; as moças, os
ociosos, o pessoal dos conventos foram obrigados a trabalhar; as crianças deveriam ir ao
aprendizado; a jornada de trabalho era de dezesseis horas; em caso de erro, eram previstas
multas, açoites e guilhotina. Foi com essa política comercial, frente a um contexto geral de
depressão econômica dos poderosos capitalismos mercantis holandês e inglês, através do
Estado real, que a França estabeleceu as bases sólidas e modestas de um capitalismo
manufatureiro e colonial.
Colbert não percebendo que, ao querer pôr os franceses em condições de dispensarem
todos os outros povos, também os conduzia a pensarem, por seu lado, em fazer a mesma coisa.
Assim originaram-se as críticas de Boisguilbert 8 à miséria camponesa e à baixa renda nos campos;

6
John Locke (1632-1704) como filósofo concordou com a doutrina mercantilista, cujas idéias a este respeito
foram expostas em Consequences of the Lowering of Interest and Raising the Value of Money, Londres, 1692.
Em Of Civil Government, encontra-se a exposição e a defesa da teoria do valor do trabalho (Hugon, 1970, p. 75).
7
Jean B. Colbert (1619-1683), político francês, ministro de Luís XIV, fomentou o comércio e a indústria
(Rossetti, 1970).
8
Boisguilbert, escritor francês que, em linguagem pitoresca, escreveu, cem anos antes da célebre obra de Adam
Smith, Riqueza das Nações , em sua Dissertation sur la nature des richeses, de L’argent et des tributs : “Os
34

questionaram-se os impostos e as barreiras alfandegárias; tomou-se consciência da


interdependência das atividades num sistema mercantil generalizado e, em 1712, no Testamentt
politique de M. , de Vauban, ele reclamou a liberdade de preços e a liberdade do comércio exterior.
Ao fim dessa longa marcha, o capital ainda não atingira a maturidade. O principal modo de
extorsão de sobretrabalho nas formações européias era de natureza “tributária”. A isso
acrescentava-se a pilhagem da América, o tráfico de escravos e o desenvolvimento das produções
mineiras e agrícolas nas Américas, fundamentadas no trabalho escravo.
O século XVIII, apresentado como o século das luzes, do espírito francês ou do despotismo
esclarecido, era o século da expansão dos intercâmbios culturais, do comércio mundial e do
progresso da produção mercantil, agrícola ou manufatureira, responsável pela multiplicação das
riquezas e o agravamento da pobreza. Era o século do fortalecimento do capitalismo inglês, mais
colonial mercantil e manufatureiro, e mais capaz de adaptar-se à independência das colônias
americanas e de criar com a nova onda de enclosures e com a proletarização das massas o
movimento de acumulação, os progressos técnicos e as condições da grande revolução industrial
do século XIX.
Neste contexto, acentuavam-se as contradições vinculadas ao desenvolvimento das
relações mercantis e do capitalismo, ou seja, a dominação colonial de um lado e as guerras entre a
França e a Inglaterra; a independência das colônias na América e a revolução francesa de 1789; o
desenvolvimento dos intercâmbios mercantis e os limites da produção manufatureira, de onde
surgiu o início da revolução industrial na Inglaterra.
Com o esgotamento da França pelas guerras travadas por Luís XIV, a Inglaterra saiu
ganhando nos tratados de 1703 e 1713 a abertura do mercado do Brasil e do império espanhol,
além de se beneficiar da supremacia marítima. Entre 1720 e 1780, intensificou-se a pilhagem e a
exploração das colônias. A América Latina dominada tem papel decisivo na acumulação das
riquezas, pela burguesia da Europa ocidental; a África negra representava a periferia da periferia,
reduzida à fornecedora de escravos para as fazendas. A utilização dessa mão-de-obra permitiu a
apropriação de mais-valia, sob a forma monetária na América Latina, na Europa e na América do
Norte, possibilitando o enriquecimento privado na Europa e o aumento das compras na Ásia.
Nesse movimento geral, atuavam as companhias de comércio, obtendo enormes lucros. Os
mercados franceses incomodavam os ingleses, mas voltam-se primeiro contra a Espanha, em 1739.
A guerra de Sucessão da Áustria, na qual Espanha e França se opõem à Inglaterra e à Áustria,

homens procuram enganar-se e iludir-se de manhã à noite; aspiraram sempre a fundar sua opulência na ruína de
seus vizinhos e, todavia, cuidando dia e noite da riqueza – tendo em vista seus interesses particulares –
afirmaram visar ao bem geral, embora fosse aquilo em que menos pensavam” (Hugon, 1970, p. 111).
35

resultou numa paz que não solucionava questões principais. No curso da guerra dos Sete Anos
(1756/1763), os ingleses bem sucedidos tomaram várias colônias francesas e expandiram seu
império. Abria-se, então, para a Inglaterra um período de supremacia mundial, e foi sobre essa base
territorial expandida que o capitalismo inglês desenvolveu seus mercados, estendeu sua dominação
e organizou a acumulação.
As colônias da América do Norte, como todas as colônias inglesas, eram submetidas ao
regime de exclusividade com a metrópole tendo o monopólio de comprar e de vender. Em 1774, os
norte-americanos reuniram num congresso continental treze colônias; em 1775-76, realizaram um
segundo congresso e conseguiram o apoio dos canadenses e da França; e em julho de 1776
proclamaram a Declaração de Independência e de Entente. A guerra da independência durou seis
anos e os americanos beneficiaram-se da aliança com a França (1778), depois da entrada na guerra
da Espanha (1779) e da Holanda (1780), pois ajudar antigas colônias na América a conquistarem
sua independência significava enfraquecer a principal potência da Europa. A primeira colonização
inglesa, desembocando na primeira guerra de independência, abriu caminho para nova onda de
independências (Argentina, Colômbia, Peru, México, Venezuela).
Na França, quase 10% do povo estavam reduzidos à miséria, enquanto dez mil famílias
estavam em ótima situação financeira, ainda com predomínio do artesanato e da produção a
domicílio, organizado pelo mercador. Entre os operários disponíveis na cidade encontravam-se os
artesãos e os camponeses disponíveis para o trabalho esporádico e isto levantou o acirramento pela
concorrência. Nos campos, vagabundos, mendigos, homens e mulheres sem trabalho formavam a
massa instável de mão-de-obra disponível. Muitas vezes o descontentamento ganhou proporções e
explodiu em revolta, logo dominada. De um lado, uma nobreza reunida em torno do rei reservava
os cargos oficiais e disputava os privilégios e prerrogativas. De outro, a burguesia enriquecia -se e
fortalecia-se, mas ficava longe dos negócios do Estado. Nos salões germinavam as idéias dos
sábios e dos filósofos.
Era uma época de excepc ional entusiasmo pela observação da matéria e da natureza. Era
também a época da pesquisa científica e de descobertas com Lavoiser, Berthollet e Lagrange.
Nesse contexto, desenvolveram-se as idéias dos filósofos em conformidade com a razão. A soma
desse fervilhar de idéias foi a Encyclopédie (1751-1764) destinada a substituir a Summa
Theologica de São Tomás de Aquino.
Entre as idéias enciclopédicas destacavam-se “democracia, liberdade e vontade geral”,
esclarecidas pelas revoluções inglesas e pelos escritos de Hobbes 9 e de Locke, como também as

9
Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, autor de Leviatã, obra na qual desenvolveu sua tese materialista
(Hugon, 1970).
36

reflexões sobre o poder, os regimes políticos, as leis, os direitos, o interesse geral, o contrato social
e a vontade geral. Assim foram introduzidos os grandes temas da revolução burguesa: soberania do
povo, vontade geral e liberdade. Também estavam aí os grandes temas dos movimentos populares:
soberania do povo, democracia direta e liberdade. E desenvolveram-se outros debates, sobre a
riqueza, a igualdade e a propriedade com Jean Jacques Rousseau 10 que em sua obra pôs a claro o
pacto que o rico propôs ao pobre. Os ricos eram considerados por Rousseau desumanos porque
engordavam com o suor dos miseráveis esgotados de fadiga e de necessidades. Rousseau, contudo,
não preconizava a abolição da propriedade privada, pois considerava “o direito de propriedade o
mais sagrado de todos os direitos dos cidadãos”, mas desejava limitá -lo através do direito de
sucessões e pelo imposto.
Outros autores como Diderot, o abade Raynal e Linguet se preocupavam com a felicidade
do ser huma no e criticavam as desigualdades. Em Linguet, a denúncia era mais precisa, sociedade
e propriedade tinham a mesma base, a violência. Ele examinara a situação de todos os
trabalhadores braçais de seu tempo – sucessores dos escravos e dos servos – e a investigação
apontara que as condições de vida destes era infinitamente mais miserável que a vivida por seus
pais. Enquanto ele analisava e denunciava a situação proletária, Turgot 11 e os fisiocratas na França
e Adam Smith da Escola Clássica de economia da Inglaterra viam a necessidade de
“adiantamentos”, isto é, de uma parte do “produto líquido” ser utilizada para a acumulação do
capital, cada um focalizando, pois, uma face do capitalismo. Surgiram as idéias dos economistas e
François Marie Arouet Voltaire, escritor e polemista, francês questionou “como” obrigar todos os
ricos a fazerem todos os pobres trabalharem? Ele via o capitalismo como o sistema que obrigava os
ricos a fazerem os pobres trabalharem sempre mais. A esta lógica Rousseau opôs o direito dos
trabalhadores. Na segunda metade do século XVIII, debateu-se a questão da produção, como
produzir melhor? como obter maior lucratividade? o que é produtivo? O Dr. Quesnay, da Escola
Fisiocrática 12, no artigo “Fazendeiros”, da Encyclopédie (1757), mostrou a superioridade do
arrendamento sobre a parceria e no artigo “Grãos” ele estabeleceu o estado atual da pequena e da

10
Filósofo e escritor francês, autor de O Contrato Social, Emílio e outras. As idéias da Revolução Francesa
encontravam-se em sua obra (1712-1788), (Soboul, 1974).
11
Robert Jacques Turgot (1727-1781). Estadista e filósofo francês, ministro de Luís XVI, colaborou na
Enciclopaedie. Em 1776, obteve a supressão de todas as corporações de artes e ofícios. Este edito provocou viva
oposição na Corte, no Parlamento e no seio das corporações. Com a queda de Turgot, outro édito as restabeleceu
seis meses depois. Mas em 1791 dois decretos, um de 2 e outro de 17 de março, suprimiram definitivamente as
corporações, estabelecendo a liberdade de trabalho (Hugon, 1970, p. 101).
12
A Escola Fisiocrática foi a primeira “escola” econômica. “Os fisiocratas, escreveu Léon Walras, foram não
somente a primeira, mas a única escola de economistas que, na França, apresentou uma Economia Política
pura e original”. O Dr. François Quesnay, médico da Corte e do Rei da França, era o chefe da Escola
Fisiocrática, e por volta de 1758 escreveu a principal de suas obras, o Tableau Économique (Hugon, 1970, p. 92-
104).
37

grande cultura de grãos. O marquês de Mirabeau 13 escreveu que a nação estava reduzida a três
classes de cidadãos: “a classe produtiva, a classe de proprietário e a classe estéril” (Beaud, 1981).
A classe estéril era formada por todos os cidadãos ocupados em outros serviços ou trabalhos que
não a agricultura. Quesnay analisou ainda a circulação das riquezas, análise vinculada das classes e
da produção-utilização dessas riquezas, exploração econômica de um produto líquido, isto é, de um
excedente líquido”, e o papel dos “adiantamentos”.
O fervilhamento de idéias do século XVIII na França constituiu um arsenal ideológico
diversificado, ou seja, armas par a contestar a monarquia (contrato social, vontade geral,
democracia), para questionar os privilégios da nobreza (liberdade, igualdade), para unir os
camponeses e os artesãos das cidades (liberdade, igualdade, propriedade), para atender às
aspirações dos fabricantes e dos negociantes (liberdade de produzir e de comercializar). O longo
enfrentamento da nobreza com a burguesia teve como desfecho a crise do fim do século com a
burguesia apoiando-se no descontentamento do camponês e no movimento popular de tal forma
que no movimento da revolução de 1789 foram realizadas as principais aspirações da burguesia
ascendente: abolição dos privilégios, fim da ordem corporativa dos mestrados e ofícios
juramentados, supressão dos monopólios. Enquanto isso, fermento da transformação na Inglaterra
foi o comércio mundial, fundado na exploração colonial.
Através da Companhia das Índias e do Banco da Inglaterra (1694) que obteve em 1708 o
monopólio de emissão de notas para a Inglaterra e País de Gales, a expansão comercial tornou-se
poderosa. A Inglaterra inteira se transformava, pois, com o desenvolvimento das trocas
melhoraram os transportes e produziu-se mais para vender mais, e isso envolveu agricultura, minas
e atividades de transformação.

1.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SINDICALISTA NA INGLATERRA

A partir de 1760, retomava -se na Inglaterra o movimento de enclosures que recebeu forma
de leis votadas no Parlamento ( enclosure acts). A aristocracia fundiária e dos grandes proprietários
implantou métodos modernos de cultura e de criação, expulsando do campo numerosa mão-de-
obra que vai ser utilizada na produção mineira e manufatureira, e, aos poucos, desenvolveu-se na
cidade o sistema de fábricas. As melhorias e as invenções técnicas atenderam à preocupação de
aumentar a produção. Paralelamente ao aumento da produção e do consumo, foi inventada a
máquina a vapor, sendo utilizada na indústria por volta de 1775. Logo surgiram outras invenções: a

13
Victor Riqueti Mirabeau, economista francês (1715-1789), pai de Honoré G. de Riqueti Mirabeau, político e
escritor francês, tribuno da revolução de 1789 (Hugon, 1970, p. 92).
38

fiação, o tear mecânico, máquinas de bater lã, cardar, tingir. Na indústria surgiu a fábrica de papel,
serraria e trabalho em madeira. A nova forma de produção, a fábrica, repugnava aos antigos
artesãos por serem esses submetidos a um regulamento inflexível, entrar numa fábrica era como
entrar numa prisão, daí ser o proletariado expulso do campo a primeira mão-de-obra nos burgos,
nas cidades. No setor têxtil, mulheres e crianças formavam a mão-de-obra. A dominação colonial,
o comércio mundial e o capitalismo mercantil ocasionaram, com o desenvolvimento das trocas, o
crescimento do fornecimento de produtos básicos e o crescimento de mercados; as enclosures e a
primeira modernização da agricultura forneceram um proletariado desenraizado e disponível; o
espírito científico e técnico aplicado à produção originou novas invenções. A produção cresceu, o
assalariado se expandiu e as lutas operárias se multiplicaram.
As primeiras formas de reação dos trabalhadores contra a exploração brutal introduzida
pelo novo sistema foram violentas. Muitos trabalhadores quebravam as máquinas,
responsabilizando-as pe los baixos salários e as demissões. Essas manifestações de revolta não
traziam resultado prático para os trabalhadores e foram sendo substituídas pela luta revolucionária.
O Estado teve um papel importante ao adotar medidas protecionistas, os privilégios e os
monopólios da política mercantilista; a política militar a sustentar à expansão comercial e colonial;
a polícia controlando os pobres e a repressão das revoltas operárias; a instituição da pena de morte
aos culpados dos motins; e a proibição de coalizõ es operárias.
Os trabalhadores entenderam que individualmente eram frágeis para defenderem-se da
exploração capitalista. Era preciso se unir, se organizar. Mas as primeiras organizações de
trabalhadores foram muito combatidas pela burguesia e o Estado (Oliveira, 1989). Cresceu o
número dos que dispunham do direito de voto e seus interesses são refletidos pelo voto do
Parlamento (enclosures acts, leis sobre os pobres, leis antioperárias). Isso levou às associações
secretas de trabalhadores a realização de reuniões na escuridão da noite, fora das cidades, nos
bosques ou cemitérios, e os filiados jurarem fidelidade à causa proletária.
A economia política e o liberalismo progridiram. Na progressão das idéias liberais e na
tomada de consciência da nova realidade econômica, o banqueiro francês Richard Cantillon,
alargou a ruptura com o pensamento mercantilista e preparou a fisiocracia exaltando o papel
econômico dos proprietários fundiários. O filósofo David Hume, em Essais économiques (1752),
analisou em que residia “a vantagem do comércio com o estrangeiro, do ponto de vista do aumento
do poderio do Estado, bem como das riquezas e da felicidade dos súditos” (Beaud, 1981). Ele
enfatizava a lógica liberal, segundo a qual não era pela regulamentação e pelo controle, mas era
39

pelo interesse que se deveria governar o homem. Adam Smith 14 foi mais explícito em sua Théorie
des sentiments moraux (1759), pois se empenhou em justificar a ordem social fundamentada na
procura dos interesses individuais, salientando e aprofundando a noção de simpatia, justificando o
gozo da grandeza e das riquezas de alguns, expondo a tese da “mão invisível”. Em nome do
interesse dos consumidores, dez anos depois ele rejeitava o sistema mercantil e pregava o sistema
simples e fácil da liberdade natural em que “todo homem... permanece plenamente livre para seguir
a estrada apontada por seu interesse e para levar onde lhe aprouver sua indústria e seu capital,
juntamente com aqueles de qualquer outra classe de homens...” (Beaud, 1981).
Nesse sistema, o soberano só tinha três deveres a cumprir: defender a sociedade de
todo ato de violência ou de invasão; proteger todo membro da sociedade da injustiça ou
opressão; e erigir e manter certas obras públicas e certas instituições. Realizava ainda a
análise da realidade de seu tempo e descrevia a divisão do trabalho numa manufatura de
alfinetes. Seu mundo era o do capitalismo manufatureiro, suas “fábricas” reuniam operários
que tinham “habilidade”, as profissões continuavam artesanais, via os comerciantes, os
transportadores, os fazendeiros, os pastores e os lenhadores. Enfatizava a importância do
trabalho como “a medida real do valor em troca de toda mercadoria”, refletindo sobre o
trabalho produtivo e o improdutivo, associado à sua análise da acumulação do capital. Era o
capital que lhe interessava. Smith observou como funcionava o capital e ao mesmo tempo
percebeu que a lógica global desse capital era a da acumulação. Rejeitando o critério da
balança do comércio, salientou a importância do balanço entre o produto anual e o consumo e
classificou as atividades em função deste critério: depois da agricultura o capital seria
empregado em manufaturas. A maior parte do capital de uma sociedade nascente se dirigia
primeiro para a agricultura, depois para as manufaturas, e depois para o comércio exterior.
Na época em que terminava o capitalismo manufatureiro e se preparava com as fábricas o
capitalismo industrial, Smith analisou o capital cuja acumulação, com base no trabalho produtivo,
iria permitir “enriquecer ao mesmo tempo o povo e o soberano”. Opôs-se a tudo que poderia
restringir a “liberdade do trabalho”, mas entendeu que o trabalhador deveria aceitar a desigualdade
e defender, quando fosse preciso, a ordem social. A burguesia capitalista, sem prever o
perecimento do Estado, encontrou nestas idéias farto material ideológico.

14
Teórico da Escola Clássica. A Escola Clássica consistia na corrente científico-econômica iniciada em 1776,
com Adam Smith, e continuada com Thomas Robert Malthus e David Ricardo, completada, em 1848, por Stuart
Mill e seus Princípios de Economia Política . Smith nasceu na Escócia em 1723 e dedicou sua existência quase
exclusivamente ao magistério. Escreveu o livro a Riqueza das Nações (1776), marco na história da Economia
Política, criando uma ciência econômica que apresentava inúmeros pontos de semelhança com a dos fisiocratas.
Tal como estes, buscava estabelecer as leis naturais explicativas dos fenômenos econômicos e das suas relações,
e, como eles, acabava também no liberalismo (Hugon, 1970, p. 105-107).
40

Em suma, o século XVIII com a fábrica viu o capitalismo se introduzir como modo de
produção. Mas ele se fez com base na acumulação de riquezas vindas da extorsão tradicional,
de sobretrabalho camponês e da sobreexploração colonial. O desenvolvimento dos mercados,
ampliado com as trocas, depois com novas técnicas, e na fábrica utilizando uma fonte de
energia, impulsionava o capitalismo industrial. O agente principal desse movimento foi a
burgue sia. Na Inglaterra, ela estava associada aos negócios do Estado, tratava-se de liberdade
econômica, liberdade de comerciar, de produzir, de pagar mão-de-obra e de se defender das
coalizões e revoltas operárias. Na França, ela continuava afastada dos negócios do Estado, e a
tratar da liberdade política, supressão de privilégios, constituição, legalidade, estavam
também presentes aí as aspirações do liberalismo econômico (Beaud, 1981).
No século XIX, o liberalismo era a doutrina dominante e trazia na sua essência a defesa da
liberdade (do capital) e da propriedade privada (Mosna, apud Munakata, 1999). A regulamentação
do mercado se deu exclusivamente pela livre-concorrência, pela competição. Sendo assim, em
nome da liberdade, o sindicato (uma associação de trabalhadores) era uma anomalia. Para os
liberais, havia uma relação desigual entre patrão (uma pessoa) e o sindicato (associação de seus
empregados). Uma greve seria situação em que o Estado teria que intervir para evitar riscos à
liberdade. A “célebre” frase do presidente Washington Luís 15, “a questão social é um caso de
polícia”, não foi uma heresia política, estava perfeitamente em sintonia com o pensamento liberal
(Mosna, 1999).
O monopólio e a concorrência, a ação do Estado e a iniciativa privada, o mercado mundial
e o interesse nacional, sob formas diferentes, estiveram presentes ao longo da formação do
capitalismo. Essa formação era promovida pelas burguesias nacionais, sustentada ou defendida
pelos Estados nacionais, e suportada pelos trabalhadores e povos submetidos ou dominados em
todo o mundo. Entre 1790 e 1815, o que todos observavam era a Revolução Francesa e as guerras
que afligiam a Europa. Mas outra revolução fora iniciada na Inglaterra e, através dela, foi
introduzida e ampliada a lógica capitalista de produção: exploração crescente de trabalhadores e
produção de massa, acumulação de riquezas de alguns e ampliação da miséria em geral. Essas
contradições foram traduzidas em críticas e confrontos ideológicos na virada do século.
Denunciava-se a desigualdade, a exploração do trabalho e os ricos que dela se
beneficiavam. A lógica social dessa exploração foi posta a descoberto. A desigualdade invadiu o

15
Washington Luís Pereira de Sousa (1870-1957), político e historiador, foi governador do Estado de São Paulo
e Presidente da República do Brasil, no quatriênio 1926-30, sendo derrubado pelo movimento de 1930.
41

campo das idéias e dos valores. Thomas R. Malthus 16 observou a opressão, a servilidade, a fraude a
beneficiar o sistema de propriedade, mas colocou os pobres no banco dos réus, partindo de dois
postulados: primeiro, a alimentação era necessária ao homem; segundo, a paixão entre os sexos era
necessária e se manteria, com poucas diferenças. Por causa dessa lei da natureza que faz com que a
alimentação seja indispensável à vida do homem, os efeitos desses dois poderes desiguais
deveriam ser considerados por iguais. Isto implicava que a penúria de substâncias atuava como um
freio potente e constante sobre a população.
Para Malthus, o filantropo ou o legislador nada poderiam fazer porque não estava no poder
dos ricos fornecer aos pobres ocupação e pão, e, conseqüentemente, os pobres, pela própria
natureza das coisas, nenhum direito tinham a lhes solicitar. A miséria era um problema de moral
individual. Cabia a cada um, para a sua felicidade, adiar seu estabelecimento até que, à força de
trabalho e economia, ele estivesse em condições de prover as necessidades de sua família. Por
conseguinte, o pobre era culpado de não ter respeitado a lei da natureza, por isso não tinha direito
algum.
Essas foram razões suficientes para deixar a classe operária e a popular da época na mais
terrível miséria. Para os espíritos mais racionais, os economistas mostraram sua “necessidade
científica”: ela não resulta da “lei implacável dos salários”? Foi nestes termos que J. B. Say 17
descreveu como se determinava o salário.
Duas visões utópicas do futuro haviam sido formuladas no início do século XIX. Ambas
garantiam a felicidade de todos: a visão liberal e a visão fundamentada na organização da
sociedade, mais tarde qualificada de “socialista”. Turgot e Smith haviam dito laissez-faire18 diante
da organização corporativista, da política mercantilista, dos monopólios das grandes companhias e
das manufaturas que se beneficiavam de privilégios. Laissez-faire também disseram os
economistas do século XIX.
Essas foram algumas das bases ideológicas do pensamento econômico dos séculos XIX e
XX assim sintetizadas: produzir é aumentar a utilidade, dos três “fatores da produção”, trabalho,

16
Thomas Robert Malthus tal como Adam Smith era um teórico. Sua contribuição à Escola Clássica foi
considerável e os seus Principles of Political Economy, 1820, continham o essencial da doutrina inglesa (Hugon,
1970, p. 115).
17
Jean Baptiste Say (1768-1832), jornalista, industrial, parlamentar e professor, escreveu, em 1803, um Traité
d’Économie Politique, em 1815, o Cathéchisme d’Économie Politique, Lettres à Malthus, em 1820, e em 1828,
um Cours d’Économie Politique. Say conservava o traço liberal de Smith (Hugon, 1970, p. 143).
18
A filosofia do laissez -faire (liberdade de ação) defendida pelos fisiocratas e pelos clássicos consubstanciava o
liberalismo e propunha a não -intervenção do Estado no sistema econômico. Foi severamente criticada pelas
novas escolas do pensamento econômico desenvolvidas na segunda metade do século XIX (Rossetti, 1970, p.
70).
42

capital e terra; e eles são remunerados em pro rata de sua contribuição. David Ricardo19 em
desacordo com J. B. Say sobre esses dois pontos explicava em Principles de l’économie politique
et de l’impôt que “o valor de uma mercadoria, ou a quantidade de toda mercadoria com a qual ela é
trocada, depende da quantidade relativa de trabalho necessário para produzi-la e não da
remuneração maior ou menor concedida ao operário” (Beaud, 1981). O valor das mercadorias se
achava modificado pelo trabalho aplicado à produção delas e pelo trabalho consagrado às
ferramentas utilizadas para criá -las. Definido, então, o valor, cujo preço é a expressão monetária, a
distribuição das riquezas produzidas vai atuar sobre o salário. Esses e outros debates se enraizavam
nas preocupações cotidianas e nas confrontações de interesses que acompanhavam o
desenvolvimento da indústria mecânica.
O movimento operário amadureceu em face à miséria, à fome, ao abaixamento do
salário, ao alargamento da jornada de trabalho, ao endurecimento do regulamento de trabalho.
Os artesãos-operários reagiram brutalmente e esforçaram-se para manter ou reanimar as
antigas estruturas das profissões, associações de companheiros, sociedades secretas e criaram
sociedades de auxílio, mutuais, cooperativas. As idéias de Owen20 foram retomadas por Stuart
Mill 21 (que propôs o desenvolvimento de cooperativas de produção) e outros, deformadas,
mas aplicadas, dando espaço ao amadurecimento do pensamento socialista.
Não sendo as idé ias sociais monopólio dos “socialistas”, em 1830 todas as classes
estavam unidas contra a aristocracia, na França. A República foi proclamada, bem como o
sufrágio universal e o direito ao trabalho. Esse direito fora transformado em “liberdade do
trabalho”. Mas foi sob o império liberal que o direito de greve (1864) e que o sindicalismo
conheceram seu primeiro impulso.
Em 1864, sindicalistas ingleses, militares operários franceses e imigrantes alemães,
italianos, suíços e poloneses criaram em Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores

19
David Ricardo (1772-1823), banqueiro dotado de rigorosa lógica, elaborou seus Principles of Political
Economy and Taxation, 1817, a partir da crítica à Riqueza das Nações e construiu um sistema no qual as
conclusões decorriam inexoravelmente dos axiomas, um conjunto coerente de instrumentos de análise para uso
geral (Barre, 1964, p. 46).
20
Robert Owen (1772 -1858), inglês e grande industrial, oriundo de uma família de modestos artesãos, foi um
dos mais originais representantes do socialismo associacionista. Começou a pôr em prática na própria indústria
as suas concepções sociais e econômicas. Buscou criar um novo meio para a solução dos problemas sociais e
econômicos, mas ante a inércia e má vontade dos patrões e do Estado dirigiu-se diretamente aos operários e, por
intermédio da associação, sob a forma de colônias – sobretudo agrícolas –, lugar onde deveria reinar o
igualitarismo absoluto. A palavra de ordem, em toda sua vida, seria: agir! (Hugon, 1970, p. 170).
21
Johan Stuart Mill (1806-1873), filho de o economista inglês James Mill (1773-1836), ocupou um lugar
especial na história das doutrinas econômicas. Não se limitou em sua obra Princípios a expor com clareza as
teorias e doutrinas da Escola Clássica inglesa; introduziu uma nova ordem de preocupações, qual seja a da busca
de “justiça social”. A sua obra representou a transição da Escola Clássica ao socialismo e ao intervencionismo
(Hugon, 1970, p. 137).
43

que abriu e concretizou a nova dimensão do movimento operário: o internacionalismo (Beaud,


1981).
Assim, mal a burguesia britânica começava com base num capitalismo flamejante e
conquistador a se impor como classe dominante, as burguesias da França, da Alemanha e dos
Estados Unidos precisavam ainda afirmar-se, e as classes operárias, por sua vez, se impuseram e
foram reconhecidas como forças políticas e sociais. Essa relação de forças marcou profundamente
as transfor mações posteriores do capitalismo.
Marx22, observando as experiências socialistas tais como a de Owen, na Inglaterra, e tendo
contato com o socialismo francês, além de formação filosófica haurida em Hegel e Feuerbach,
realizou com Engels 23 a sua síntese na obra “O Capital” (1867). Sua importância estava em
sistematizar suas intuições profundas formadas no meio século. Na sua obra ele fez a representação
da luta das classes. Para ele, a história de toda sociedade até hoje era a história da luta de classes. A
luta de classes com o capitalismo atinge um paroxismo, toda sociedade se dividia em duas grandes
classes opostas: a burguesia e o proletariado. O aprofundamento das contradições para Marx
conduzia ao desabamento do capitalismo e ao fim das sociedades de classes.
Após analisar a mercadoria como forma elementar da riqueza das sociedades como valor
de uso e mais-valia, Marx deixou claro que não era o trabalho, mas a força de trabalho que o
proletário vendia ao capitalista. “O capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de
produção de mais-valia. Ele mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas” (Marx, apud Ianni,
1984, p. 8). Da mais-valia era tirada a base da acumulação capitalista, da reprodução ampliada, da
tendência da taxa de lucro à baixa , das crises, da proletarização e do necessário desabamento do
capitalismo. Ianni (1984, p. 9) interpretando as idéias de Marx exprimiu que “a mais -valia e a
mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do

22
Karl Marx nasceu na Prússia, em 1818. Cursou a Universidade de Berlim, onde predominava a filosofia
idealista hegeliana, mas ao fazer doutorado na Universidade de Viena, sofreu profunda influência da filosofia
materialista de L. Feuerbach. Na França, conheceu Frederich Engels e juntos entregaram -se à produção científica
e à atividade política revolucionária. Fundaram a União Alemã de Educação Operária. Aderiram à organização
comunitária intitulada Associação dos Justos e transformaram-na dando o nome de Liga dos Comunistas . Em
1848, Marx expôs seu novo programa sob a designação de Manifesto Comunista. Sua vida se dividiu entre a
ação e o estudo. Em 1864, fundou em Londres a Associação Internacional de Trabalhadores . Em suas obras,
sobretudo no Manifesto Comunista (1848) e no Capital (1867), Marx e Engels construíram uma imponente
doutrina, o marxismo, que se apresentou como formado de duas partes diferentes: uma sociológica e filosófica e
outra econômica. A parte sócio -filosófica tinha por base a concepção do materialismo histórico (constituiu para
Marx não só um método de interpretação dos fatos passados mas também um auxílio à deducação, um
instrumento exato de previsão), à qual estava intimamente ligada a noção de luta de classes: nesta dupla filosofia
econômica e social, o marxismo foi buscar o traço científico que o caracterizava. A parte econômica continha as
teses da exploração e a da evolução (Hugon, 1970, p. 212-219).
23
Frederich Engels (1820-1895), filósofo alemão e colaborador de Karl Marx, fundou com este o materialismo
dialético e o socialismo científico. Também foi fundador das sociedades operárias mais importantes à sua época
(Hugon, 1970, p. 213-216).
44

operário e do capitalista”. Para Marx, portanto, a verdadeira barreira da produção capitalista era o
próprio capital.
Segundo Oliveira (1989, p. 5), embora as contradições e a repressão, o exemplo de
luta vingou e a organização sindical espalhou-se por toda a Inglaterra, conquistando:
ã Em 1825 – a legislação dos sindicatos com a permissão dos trabalhadores agruparem-se
para a realização de contratos coletivos e para decidirem greves;
ã Em 1867 – a conquista do direito de voto pelo operariado;
ã Em 1868 – a constituição da Central Sindical Inglesa (Trade-Unions);
ã De 1885 a 1900 – a conquista da jornada diária de trabalho de 8 horas.
O exemplo inglês de organização sindical disseminou-se pela Europa e pelo mundo
inteiro, embora as datas do surgimento de organizações abrangentes apresente variações entre
os diferentes países europeus. Em países com industrialização mais tardia, a organização
sindical nasceu posteriormente, é o caso da Alemanha, Suíça, Áustria, França, Itália e Suécia.
Schutte, Castro e Jac obsen (2000, p. 15) apontam ainda outras variáveis importantes no
processo de surgimento do sindicalismo como a organização política partidária dos
trabalhadores, o papel da Igreja e a política do próprio Estado.
A organização política partidária dos trabalhadores atuava como uma força de apoio e,
conforme afirmam Pont e Rossetto (1984), a centralização no partido permitiu que os
trabalhadores enfrentassem um inimigo também altamente centralizado no aparelho estatal.
Quanto ao papel da Igreja e a política do Estado, atuavam esses no sentido de evitar o
surgimento de organizações sindicais articuladas em níveis nacionais e quando não havia
como evitá-las, buscavam absorvê-las, garantindo a reprodução do poder capitalista,
transformando o movimento sindical em sindicalismo de Estado, isto é, subordinando o
sindicato oficial à cúpula burocrática estatal (Boito Jr., 1991a).
As leis do Estado não conseguiram evitar a organização dos trabalhadores, apenas
retardá -las. Todavia só com a abolição dessas proibições foi possível as experiências
localizadas evoluírem para uma organização nacional. O exemplo estava na própria Inglaterra
onde por mais violentas que fosses as repressões houve o crescimento das associações
clandestinas, mas só com a lei votada em 1824 pelo Parlamento inglês começou o avanço dos
trabalhadores na conquista do direito de livre associação (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p.
16).
Conquistando o direito de livre associação, as trade -unions (uniões sindicais)
desenvolveram-se por todo o país, tornando-se uma força social importante na Inglaterra e nos
demais países europeus. Logo começou o processo de aglutinação das várias associações
45

regionais em uma confederação e em 1868 criou-se a TUC (Trade Union Congress –


Congresso de Sindicatos), a primeira e ainda existente confederação sindical nacional.

Em 1830, constituiu-se uma associação geral de operários ingleses, a


Associação Nacional para a Proteção do Trabalho, como embrião do que se
tornaria a central sindical. Evidentemente o patronato não ficou
passivamente assistindo ao avanço do movimento sindical. Utilizando a
poderosa arma da demissão, as empresas começaram a pressionar e obrigar
os trabalhadores a renunciar à participação sindical (Schutte, Castro e
Jacobsen, 2000, p. 16).

O que houve em 1868 foi um congresso reunindo representantes de várias associações


sindicais regionais e estruturais por profissão, as quais aprovaram uma moção expressando a
vontade de todos os presentes de se reunir a cada ano. Daí as características que marcaram até
hoje a TUC: congressos anuais como fóruns de debates e uma estrutura sindical
descentralizada, com peso nos sindicatos e nos locais de trabalho.
O predomínio quantitativo do mundo agrícola e rural continuou incontestável na França, na
Alemanha e nos EUA. Na Inglaterra, o mundo da indústria, da troca, dos serviços e dos escritórios,
representava mais de 4/5 deles em 1871. Durante esse período a população ativa empregada na
agricultura não decresceu, na Grã-Bretanha, enquanto na França a população agrícola ativa
aumentou.
A agricultura era uma fonte importante de mão-de-obra para a indústria, na Inglaterra. Com
o êxodo rural, o crescimento demográfico suscitou a formação de uma massa de mão-de-obra
miserável e disponível, indo alimentar ao mesmo tempo a constituição da classe operária britânica
e a emancipação britânica. Essa população disponível se acumulou nas cidades em que se
desenvolveram as atividades industriais e onde se amontoavam os trabalhadores da indústria. As
grandes cidades constituíram o foco do movimento operário; foi nelas que os operários começaram
a refletir na situação deles e na luta.
No início de 1840, Engels, estudando a situação da classe trabalhadora, já mostrava a
dureza das condições de trabalho e de vida e a pequenez dos salár ios, e salientava a escravidão que
a burguesia acorrentou o proletariado através do sistema industrial.
Em 1850, o sistema industrial britânico era heterogêneo. O antigo subsiste com o
artesanato, com o trabalho a domicílio, com a manufatura e as worhouses e com a fábrica.
Desenvolveu-se principalmente o factory sistem (sistema de manufaturas) com as fábricas e o
sweating system (sistema do suor), a nova forma de trabalho a domicílio. Com a união do capital e
da ciência, reduziu-se o trabalho dos operários ao simples exercício de vigilância e da destreza,
sendo por isso utilizadas em parte do trabalho crianças.
46

Testemunhos atestaram a desumana exploração que foi o desenvolvimento industrial do


século XIX. O sweating system passou a se desenvolver como prolongamento do trabalho da
fábrica. A remuneração era por peça e permitia, mediante taxas muito baixas, forçar os
trabalhadores a longas jornadas de trabalho (Beaud, 1981).
Esse desenvolvimento incluiu a miséria operária, tanto na Inglaterra como na França.
Havia longas jornadas de trabalho, insalubridade, subalimentação, trabalho de crianças,
doenças, acidentes. A subordinação dos operários era assegurada pela interdição, caderneta
operária, o Código Civil dava o direito ao patrão de pagar o que queria sem contestação.
Viver, para o operário, era não morrer. Como pode ser visto, a indústria capitalista do século
XIX, na Inglaterra e na França, desenvolveu-se com base na dura exploração das massas
operárias, o mesmo acontecendo em todos os países da Europa e da América.

1.2 O AVANÇO DO MOVIMENTO SINDICAL NA EUROPA

À semelhança do que ocorreu na Inglaterra, os avanços do movimento sindical e da


legislação social nacional se repetiram em toda a Europa, obrigados por uma pressão direta,
ou por vontade de governos social-democratas. Em outros momentos, essa implementação
mostrou ser uma estratégia de governos conservadores para neutralizar o avanço do
movimento sindical.
No Quadro 1 (página seguinte), as datas de nascimento das principais centrais
sindicais na Europa mostram que os períodos de surgimento dessas organizações foram
descontínuos e servem para evidenciar as dificuldades vividas pelas associações de
trabalhadores, locais e regionais, e as tentativas dos governos autoritários, em alguns países,
de implementar políticas anti-sindicais.
Para enfrentar a burguesia encastelada em torno do Estado e da fábrica, os sindicatos
se organizaram refletindo a organização da força de trabalho imposta pelo capitalismo. O
movimento surgiu para tentar melhorar o relacionamento capital e trabalho. O poder dos
sindicatos era setorial e vinha do controle que possuía sobre a força de trabalho. Entretanto,
no caso da Alemanha, houve por parte do governo autoritário de Bismarck a tentativa de
implementar uma política anti-sindical e ao mesmo tempo introduzir uma legislação social,
tendo em vista evitar a radicalização dos trabalhadores. As leis anti-sindicais de Bismarck24

24
Príncipe Otto von Bismarck (1815 -1898), ministro do rei Guilherme I da Prússia, esforçou-se por fundar a
unidade alemã sob o poder prussiano a partir da unificação de cerca de 40 pequenos Estados. Esteve em guerra
com a França entre 1870-1871, conseguindo aumentar sua popularidade e ampliar a esfera de influência da
47

vigoraram de 1878 até 1890, impossibilitando o funcionamento de qualquer organização


sindical em nível nacional. Com a queda do “Chanceler de Ferro” e a retirada das leis anti-
sindicais, foi criada a Central de Sindicatos Livres (Generalkomission der Freien
Gewerkschaften Deutschlands ).
Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 18) observam que “a influência dos Partidos
Socialistas foi determinante em vários países”. O resultado dessa influência foi a reunião dos
Partidos Socialistas da Suécia, Dinamarca e Noruega, em 1898, na qual se decidiu trabalhar
para a formação de centrais sindicais nacionais (socialistas) , criadas efetivamente naquele ano
e que existem ainda hoje. Na Bélgica, a Comissão Sindical nasceu como uma estrutura do
Partido Socialista, também em 1898, e só se tornou independente em 1905 (presentemente
esta sindical atua sob a sigla FGTB – União Geral de Sindicatos Belgas).
A única exceção em que a central foi criada antes do surgimento do partido socialista
foi na Inglaterra, pois a partir da TUC (Trade Union Congress – Congresso dos Sindicatos),
se formou, em 1906, o Partido Trabalhista, com o objetivo de defender os sindicatos no
parlamento contra os esforços de (re)introduzir legislação anti-sindical.

Quadro 1 – Data de nascimento das principais centrais sindicais na Europa


País Nome da Central Data de fundação
Inglaterra Trade Unions (TUC) – 1868
Congresso dos Sindicatos
Suíça SGB (Schweizerischer Gewerkschaftsbund) – 1880
União dos Sindicatos Suíços
Alemanha Generalkomission der Freien 1890
Gewerkschaften Deutschlands –
Central de Sindicatos Livres
Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB) – 1949
União de Sindicatos Alemães
Áustria Bund Freier Gewerkschaften – 1892
União de Sindicatos Livres
Osterreichische Gewerkschaftsbund – 1945
União de Sindicatos Austríacos
França Confédération Général du Travail (CGT) – 1895
Confederação Geral do Trabalho
Suécia Landsorganisationen i Sverige (LO) – 1898
Confederação Sueca de Sindicatos
Itália Confederazione Generale Italiana del Lavoro 1906
(CDdL) –
Confederação Geral do Trabalho
Confederazione Generale Italiana del Lavoro 1944
(CGIL) – Confederação Italiana do Trabalho
Fonte: Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 16-17).

Prússia. Introduziu o sufrágio universal para os homens e fez muitas reformas sociais e econômicas na tentativa
de organizar um socialismo estatal até que o kaiser o obrigou a renunciar, em 1890. A política inflexível e
agressiva de Bismarck fez com que recebesse o cognome de “Chanceler de Ferro”, seus métodos resumiam-se
numa frase: “sangue e ferro” (Reader’s Digest, 1998).
48

A formação das centrais sindicais nacionais socialistas consolidou o fim da primeira


divisão no movimento dos trabalhadores: “aquela entre as tendências anarco-sindicalistas e as
socialistas” (Schutte, Castro e Jacobsen, idem). Os autores observam que na grande maioria
dos países as associações de orientação anarco-sindicalista25 desapareceram rapidamente do
cenário, com exceção da Espanha, onde tiveram hegemonia entre os trabalhadores até a sua
derrota diante do golpe militar de Franco, na segunda metade dos anos 30.
Antes do final do século XIX, houve ainda a segunda grande divisão do movimento
dos trabalhadores, marcada pela entrada das forças católicas e protestantes na disputa com os
sindicatos socialistas, pela adesão dos trabalhadores. Observa -se, então, que as centrais cristãs
foram criadas em reação às centrais socialistas. O ponto de partida era a Encíclica Rerum
Novarum de 1891, com a qual a Igreja Católica reconheceu a existência da “questão social” e
alertou para a necessidade de se defender os trabalhadores das influências do pensamento
socialista e liberal. Em seguida houve também a criação das centrais protestantes, entre as
quais a CNV holandesa que ainda sobrevive. Foram criadas centrais sindicais cristãs em todos
os países europeus, com exceção da Inglaterra e dos países escandinavos. Entretanto, frisa-se
que essas centrais sindicais não conseguiram desafiar a hegemonia dos sindicatos socialistas,
apesar da força que adquiriram os movimentos representativos em muitos países.
Em suma, o movimento sindical tomou sua forma básica em função dos seguintes
fatores: o grau e a fase de industrialização, o grau de concentração da economia, a força das
associações patronais, o processo democrático, a influência do partido socialista e a relação
partido-sindicato, a influência de forças políticas católicas ou protestantes, o tamanho da
economia, a orientação da classe dominante, autoritária ou aberta ao diálogo, o
reconhecimento do Estado e o grau de interferência do governo nas negociações coletivas.
Esses fatores eram, convém observar, bastante diferenciados entre um país e outro.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, com o Tratado de Paz de Versalhes, a
classe trabalhadora surgiu fortalecida politicamente e viu a necessidade de uma organização
própria em torno de seus interesses, refletindo-se, também, no aumento expressivo de
trabalhadores organizados em sindicatos.

25
Havia variantes do anarco-sindicalismo, mas suas principais características foram a perspectiva de derrotar o
capitalismo atravé s da radicalização sindical e da greve geral, sem intermediação de um partido de trabalhadores.
Rejeitava-se a separação entre sindicato e partido, e enfatizava-se a participação da base e as formas alternativas
de socialização e experiências de autogestão (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 18).
49

1.2.1 As centrais sindicais e a evolução do movimento sindical – estrutura sindical e


relações sindicatos/partidos: os casos da França, Inglaterra, Bélgica, Espanha,
Suécia, Alemanha e Itália

a) Estrutura sindical - As centrais sindicais se estabeleceram como fóruns de


coordenação, muitas vezes fortemente ligados aos partidos socialistas. A forma de
organização desejada e escolhida foi a federativa, que mantém-se até hoje, apesar das várias
mudanças sofridas. Por seu lado, os sindicatos, na grande maioria dos casos, optaram por
estruturas orgânicas por setor em nível nacional, com exceção da Inglaterra e parcialmente da
Dinamarca, mas isso não aconteceu na central. A debilidade da central foi superada na
Dinamarca formando cartéis de negociação coletiva entre os sindicatos que operavam no
mesmo ramo. E na Inglaterra, mesmo persistindo a descentralização, os processos de
unificação reduziram o número de sindicatos. McIlroy (1997) fornece uma noção clara do
sindicalismo inglês ao explicar por que nos 75 anos do século XX ele era a imagem da força e
da estabilidade.

O nível de sindicalização era amplo e extensivo. Em 1920, 8 milhões de


trabalhadores representando 45% da força de trabalho eram sindicalizados.
O movimento caracterizava-se pela unidade institucional, relativa ausência
de fragmentação política e partidária, e pela descentralização. A Central
Sindical Nacional, o TUC (Trade Union Congress), foi fundada já em 1868
por entidades sindicais: elas estabeleceram limites rígidos sobre seus poderes
de coordenação e regulação, concedendo de má vontade a autonomia. O
TUC não encontrou nenhum rival importante e através do século a maioria
dos sindicalistas tornou-se membros de suas entidades filiadas. A ausência
de agitação interna garantiu padrões complexos de organização e um
plurissindicalismo com variedades de sindicatos de ofícios, industriais,
ocupacionais e gerais, competindo pela adesão. Na década de 1960, mais de
20 sindicatos representavam os trabalhadores em uma fábrica da Ford. Havia
651 sindicatos na Inglaterra, com 183 deles organ izando 80% de todos os
membros afiliados ao TUC. Na década de 1970, um número crescente de
fusões levou a uma tendência por um sindicalismo multiocupacional26
(McIlroy, 1997, p. 40-41).

Em outros países, as organizações afiliadas abriram mão de parte de sua autonomia,


mas continuaram como entidades autônomas, com estatuto e congressos próprios como
instância máxima de decisão. Em nenhum país da Europa, segundo Schutte, Castro e Jacobsen
(2000), as organizações afiliadas se transformaram em estruturas orgânicas da central, todavia
a OGB, na Áustria, é a que mais tem caminhado nesta direção. Desse modo, qualquer decisão

26
Cfr. em Coates, 1989; McIlroy, 1995; Middlemas, 1979; Savage and Miles, 1994 (McIlroy, 1997, p. 41).
50

da central passa por mecanismos de aprovação dentro das estruturas dos afiliados. Mas, apesar
de todos terem forma federativa, há grandes diferenças na posição da central, sua capacidade
de garantir a unidade interna e sua capacidade de elaborar, defender e implementar políticas
comuns. Em geral, o poder de negociação está concentrado nas mãos dos sindicatos nacionais
por setor.
Para evitar os impulsos egoístas dos sindicatos, as centrais encontraram algumas
formas de garantir o respeito por parte dos seus afiliados e a proteção através da centralização
e controle dos fundos de greve total e a consolidação de uma liderança respeitada na central,
além da obtenção de um consenso que atribui às centrais quatro papéis principais:
representação frente ao governo em órgãos tripartites e frente aos partidos políticos; prestação
de serviços para as organizações afiliadas em áreas como educação (formação, pesquisa,
assistência jurídica e outras); garantia de boas relações entre os sindicatos afiliados; e
negociação de acordos guarda -chuvas. Por exemplo, há acordos nacionais por ramo, embora
sejam bastante genéricos. Há centrais fracas em relação aos seus afiliados, como a TUC, na
Inglaterra e a DGB, na Alemanha. Neste país, os sindicatos nacionais não deixam a central
estabelecer relações diretas com o governo.
O poder dentro da estrutura sindical se concentra junto com a negociação coletiva. Na
Alemanha, as negociações setoriais são estaduais, mas coordenadas e conduzidas por fortes
estruturas nacionais. Nos países escandinavos, as centrais participam ativamente do processo
de negociação coletiva em nível setorial e assinam acordos juntos com os sindicatos
envolvidos.
Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 40) distinguem quatro situações distintas na
Europa referentes à questão da pluralidade de centrais:

1) Inglaterra, Irlanda e Áustria são países onde existe só uma central. Nos dois
primeiros, há sindicatos de trabalhadores organizados fora da central sem
que estes tenham tentado formar uma central própria. Só no caso da Áustria
todos os trabalhadores sindicalizados são organizados em sindicatos que
estão de forma quase orgânica integrados à central OGB.
2) Os países escandinavos, além de manter altos índices de sindicalização,
também se caracterizam pela existência de centrais nacionais de
trabalhadores da área administrativa. As centrais principais, na realidade,
não se propuseram a limitar -se à organização de trabalhadores manuais, mas
mesmo assim não conseguiram evitar o surgimento de centrais específicas.
Há também centrais sindicais específicas para trabalhadores do setor de
administração em vários outros países europeus. Mas em geral a maior parte
do pessoal administrativo sindicalizado ficou nas centrais gerais. Há
inclusive uma tendência à reintegração através de fusões de sindicatos do
pessoal de administração com outras entidades operando no mesmo ramo.
51

3) Similar à situação nos países escandinavos é a da Alemanha. Lá há uma


central (DGB) que domina a cena. (...).
4) Em todos os outros países, se mantém uma divisão em função de política
e/ou religião, apesar de as circunstâncias políticas que justificaram a cisão
terem deixado de existir. Além das heranças da segunda (religião x
socialistas) e terceira divisão (socialistas x comunistas) no movimento
sindical, há ainda, em alguns países, siglas de centrais que sobrevivem à
primeira divisão (anarco-sindicalistas x socialistas), como é o caso, por
exemplo, da Espanha (CGT e CNT), Suécia (SAC) e Holanda (OVB). Em
nenhum caso, porém, essas centrais representam alguma coisa de fato, e
também não são reconhecidas como interlocutoras em nível nacional. A
divisão entre comunistas e socialistas deu origem a centrais separ adas na
França, Itália, Portugal, Espanha e Finlândia.

A relação entre as centrais atravessou mudanças ao longo dos anos e possibilitou


agrupamentos através de pactos de unidade de ação (Itália e Espanha), fusão (Holanda),
relação de respeito (Bélgica) e também nos países onde as centrais minoritárias são muito
menores que a principal (Alemanha), mas ainda persiste forte conflito na França, Portugal e
Grécia. Em alguns países persiste a disputa política entre frações internas, como na CGIL
italiana, em centrais na França, na Áustria e na Espanha. Em outros países essas disputas não
existem ou elas são muito pequenas. Por exemplo, na OGB da Áustria há frações
reconhecidas dos socialistas, sempre majoritários, cristãos, liberais, comunistas e,
recentemente, dos verdes. Há ainda outro critério de agrupamento e classificação das centrais
que opera através do nível de sindicalização. Neste caso, são distinguidos três grupos: 1) alto
nível de sindicalização27, caso dos países escandinavos – Suécia, Dinamarca, Norue ga e
Finlândia –, também Áustria, Irlanda, Bélgiga, Luxemburgo, e até meados da década de 80, a
Inglaterra; 2) níveis de sindicalização médios 28, encontrados na Itália, Alemanha e agora
também na Inglaterra; 3) níveis de sindicalização baixos 29 – França, Portugal, Grécia,
Espanha e Holanda (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 41).
Ao longo dos anos, ocorreram poucas mudanças nessas posições, entretanto as
pesquisas de Schutte, Castro e Jacobsen (2000) indicam a existência de diferenciação a
respeito da orga nização no local de trabalho. Em quase todos os países, a partir das
mobilizações do final da década de 1960 e de 1970, houve uma ampliação dos direitos de
organização e representação no local de trabalho. Essas conquistas, analisadas no contexto do
avanço e aprofundamento da democracia nas respectivas sociedades, evidenciam um aumento
da participação direta da população nas gestões públicas ou nas escolas e universidades. A

27
Alto nível de sindicalização – em torno de 50% ou mais (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 41).
28
Níveis de sindicalização médios – entre 30 e 50% (Schutte, Castro e Jacobsen, idem ).
29
Níveis de sindicalização baixos – menos de 25% (ibidem ).
52

utilização desses espaços de representação no local de trabalho depende, porém, da relação de


força, e um fator determinante é a capacidade de fortalecer e respaldar as lutas no local de
trabalho com negociações e mobilizações articuladas. O resultado é basicamente a existência
de dois tipos de organização no local de trabalho: a vinculada diretamente à estrutura sindical
e a que representa o conjunto dos trabalhadores de uma empresa, sem que estes tenham
vínculo com o sindicato.
“As fortes tradições de atividades no local de trabalho, a independência em relação aos
patrões e uma complexa mistura de cooperação e de oposição em relação à empresa datam do
século XIX” (McIlroy, 1997, p. 41). Conforme esse autor, a organização sindical, quase
autônoma no local de trabalho, surgiu na Inglaterra no início de 1900, floresceu antes de
1920, camba leou nos anos do entreguerras e se reafirmou a partir do fim da década de 1930.
No fim da década de 1950, o crescimento independente da organização no local de trabalho
acompanhou o aumento do poder de negociação, freqüentemente fragmentado e informal, e o
declínio do poder regulador dos acordos com os empregadores. Na década de 1970, outros
acontecimentos vieram influenciar a crescente hierarquização e a profissionalização da
organização sindical do local de trabalho.
Os sindicatos eram dirigidos sem recursos, pois a contribuição sindical era baixa
(0,4% da média de ganhos anuais, se comparada ao 1% da Alemanha e da França). Entretanto,
a organização no local de trabalho era a base para a expansão da democracia sindical. A partir
da segunda metade do século XIX, a classe trabalhadora inglesa desenvolvera uma cultura de
associação densa e voltada para si e uma consciência de classe aguçada mas defensiva que
buscava criar espaço dentro da sociedade capitalista em vez de transformá-la. Com o
sindicalismo enraizado numa economia forte e predatória, seus líderes se viram diante de um
Estado minimalista com o qual mantinham relações por meio de partidos estabelecidos. Os
sindicatos, tendo como maior inimigo um Judiciário inundado por concepções individualistas,
foram legalizados já nos anos 1870, tirando partido a partir daí de uma crescente “tendência
corporativista” do Estado inglês e de empregadores fracos e divididos. Isso fez com que as
ofensivas contra os sindicatos de 1890 em diante não fossem duradouras. Em grande parte do
século XX, encontra-se a empresa, os sindicatos e o Estado apoiando uma regulamentação
voluntária das relações de trabalho, caracterizada pela ausência de uma legislação detalhada e
a prioridade sendo dada à negociação coletiva autônoma.
Até a década de 1970 não existia nenhum direito legal de sindicalização ou de
reconhecimento do sindicato, nenhuma obrigação por parte dos patrões de negociar, nenhuma
garantia de cumprimento de acordos coletivos por parte das cortes de Justiça, nenhum direito
53

à greve. Mas o arraigado reformismo do sindicalismo inglês ganhara um aspecto organizado


independente com a criação do Partido Trabalhista entre 1900 e 1918. Assim, novamente, de
forma diferente de outros países, a organização política operária cresceu a partir dos
sindicatos, em vez dos sindicatos serem promovidos pelo partido. Em 1979, o Partido
Trabalhista tinha estado no governo durante 11 dos 15 anos precedentes, garantindo uma
importante influência dos sindicatos nos assuntos de Estado. E por esse período o Reino
Unido havia conhecido duas décadas de atenção crescente à “questão dos sindicatos”. A
“tendência corporativa” do Estado foi intensificada, culminando no “contrato social” do
governo do Partido Trabalhista de 1974-1979, cujo objetivo era substituir o envolvimento dos
líderes sindicais nos processos estatais, a legislação favorável, as tentativas de proteger o
pleno emprego e os benefícios sociais pela aquiescência no controle dos salários.
Essas políticas, no entanto, tiveram sucesso limitado. O sindicalismo estava mais
difuso e enraizado do que em qualquer outro momento da história inglesa, mas fechado ao
Estado. E de certo modo o sindicalismo teve mais sucesso que nunca. O movimento lançava-
se além do “economicismo” com a ação sindical orga nizada contra as propostas do governo
por uma legislação sindical restritiva em 1969, com as greves contra a prisão dos portuários
que desafiaram a legislação conservadora de 1972 e com as greves dos mineiros em 1974.
Esses anos mostraram um crescimento significativo das ocupações do local de trabalho, dos
works-ins 30 e dos piquetes. Com a eleição do Partido Trabalhista, em situação econômica
decadente em 1974, os problemas da direção do sindicalismo se intensificaram. Além disso, a
subseqüente quebra do “contrato social” trabalhista culminou na atualização do setor público.
As mudanças na economia mundial tiveram influência no seu fracasso, bem como na
fragilidade do Estado inglês e na fragmentação estrutural do capital e do trabalho. Assim, no
advento do pr imeiro governo Thatcher, o avanço da organização no local de trabalho, apesar
do setorialismo, chegou a um novo pico numérico e a novas áreas; a expansão do sindicalismo
diante de tendências contrárias e a rápida transcendência da economicismo mostrou um
progresso limitado, contingente e frágil. E a partir de 1979, os sindicatos enfrentaram
mudanças qualitativas no contexto em que se organizavam. O que se vê é que o controle do
Estado por parte de forças políticas antagônicas minou sua resposta aos desdobramentos
potencialmente corrosivos da economia e do mercado de trabalho, ao mesmo tempo
municiando a oposição dos patrões na negociação coletiva. A conseqüência foi o ambiente
menos receptivo ao sindicalismo desde 1945 (McIlroy, 1997, p. 43-44).

30
Forma de protesto na qual os trabalhadores de uma fábrica ou qualquer outra empresa que vai ser fechada
ocupam o local de trabalho e assumem a direção dos negócios (N. T, apud McIlroy, 1997, p. 43).
54

Na Suécia e Inglaterra há apenas uma representação sindical no local de trabalho. Na


França, Alemanha e Holanda há o sistema duplo: existe uma estrutura de representação eleita
por todos os trabalhadores (comitê de empresa) e também a representação direta do sindicato
através de delegados sindicais que também podem estar organizados em comitês 31. No caso
da Alemanha, “os sindicatos negociam a redução de horário de trabalho geral e os comitês de
empresa acordam com a empresa como introduzir naquela realidade específica essa redução
(se por dia, por semana ou utilizando a jornada anual). Mas os comitês não podem negociar
itens contrários às cláusulas do contrato coletivo” (Schutte, Castro e Jacobson, 2000, p. 42).
Já na Itália, encontra-se um sistema no qual a organização no lugar de trabalho é
parcialmente vinculada à estrutura sindical e está integrada ao sistema de negociação coletiva,
como na Suécia e Inglaterra.
O movimento sindical nos países nórdicos (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca)
apresenta particularidades. Tomando-se como exemplo a Suécia, país que tem a maior
densidade de sindicalização do mundo, lá o movimento sindical é conhecido por sua
organização em torno das centrais sindicais. Há na Suécia três centrais sindicais
representativas 32:

• LO – a central ligada ao Partido Social-Democrata que esteve no poder


ininterruptamente de 1932 até 1976. Foi fundada no final do século XIX,
como a primeira central sindical do país, tinha uma estrutura solta, com
poucos poderes. Em 1941, seu estatuto foi mudado com o objetivo de se
tornar uma central poderosa e participar do desenvolvimento do país. É
conhecida como a Central dos trabalhadores manuais, apesar de
organizar também trabalhadores da área administrativa.
• TCO – central sem vínculo partidário que organiza trabalhadores da área
administrativa.
• SACO – Federação dos Sindicatos Profissionais. Essa Federação
organiza os trabalhadores diplomados pela Universidade (Schutte,
Castro e Jacobsen, 2000, p. 51).

As centrais sindicais suecas têm como afiliados diretos os sindicatos nacionais por
ramo. O modelo sueco de negociação coletiva se caracteriza por sua centralização e o
envolvimento direto das centrais sindicais no processo de negociação. Desde 1952 há um
Acordo Salarial Nacional respeitado pelas organizações afiliadas, apesar de elas não serem

31
Os comitês de empresa sem vínculo com o sindicato normalmente não são integrados ao sistema de
negociação coletiva, mas têm a competência de negociar a implementação ou fiscalização de acordos (Schutte,
Castro e Jacobsen, 2000, p. 42).
32
Há uma central anarco-sindicalista – SAC – com uns 30.000 afiliados, mas não tem reconhecimento como
central (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 51).
55

obrigadas legalmente a respeitá -lo. Isso levou ao desenvolvimento de um sistema de dois


níveis de negociação:
1) contratos interconfederativos33 entre centrais sindicais e as organizações patronais,
sem participação do governo.
2) Os sindicatos nacionais por ramo negociam, por sua vez, dentro desses parâmetros,
os acordos nacionais setoriais ou os acordos das grandes empresas, adaptando o
acordo geral às especificidades do setor.
A Lei da Co-Determinação de 1977 substituiu uma legislação datada do início do
século, segundo a qual era prerrogativa da Gerência da Empresa dirigir e distribuir o trabalho.
Essa alteração na legislação modificou as relações de poder no interior das empresas, no local
de trabalho. Todos os aspectos da vida empresarial passaram a ser objeto de negociação entre
direção e sindicato34.
Schutte, Castro e Jacobsen (2000, p. 53) identificam quatro aspectos da política
sindical de co-determinação: 1) a política de pessoal (tentar negociar nível de emprego,
formação dos trabalhadores, política de promoções); 2) organização de trabalho (negociar
novas formas de organização, sistemas de remuneração); 3) democracia no local de trabalho;
4) controle dos investimentos (sua localização, o tipo de investimento).
A política de co-determinação se amparou, de um lado, na legislação, e, de outro, na
ampla representação no local de trabalho. A Alemanha também adota o modelo de co-
determinação, a diferença é que na Suécia o órgão de representação no local de trabalho é
unificado e ligado organicamente ao sindicato enquanto na Alemanha o órgão de
representação, o comitê de empresa, não tem vinculação oficial com o sindicato, embora
represente o total dos trabalhadores. Na Suécia, em vez de comitês de empresa, há seções
sindicais no local de trabalho, e onde não há seção sindical há sempre delegados sindicais.
A Suécia é um dos países em que o sindicato está diretamente envolvido na
administração do Fundo de Desemprego, o que explica, em grande parte, que não tenha
sofrido queda de sindicalização frente ao aumento do desemprego.
Na Espanha, as duas principais centrais sindicais, CC.OO e UGT, têm um histórico
diferente. Enquanto as Comissões Obreiras (CC.OO) surgiram depois da queda do franquismo
na década de 1970, a UGT (Union General de los Trabalhadores), a maior central, representa

33
Este contrato estabelece o princípio da política de renda no país por três anos. Trata-se de acordo-quadro. Uma
orientação muito forte da LO nessas negociações sempre foi chamada “política de solidariedade salarial” visando
à redistribuição de renda (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 52).
34
Para a efetivação desse tipo de negociação, a empresa informa aos trabalhadores a respeito de temas como
nível de emprego, salários, orçamento e métodos de trabalho (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 52).
56

a continuidade da central fundada em 1888. Além dessas duas centrais, há também a CGT,
uma central pequena, com parte da sua composição oriunda do anarquismo, e a CNT
(Confederación Nacional del Trabajo), que tem a mesma origem e é organizada por
“nacionalidades” (equivalente aos estados brasileiros, mas com mais autonomia).
A UGT e CC.OO são hoje afiliadas à Confederação Européia (CES) e CIOSL. A
CC.OO é organizada por ramo de produção que vai desde a seção sindical no local de trabalho
até os sindicatos provinciais, as federações estaduais e 17 federações nacionais. Por outro
lado, organizam-se também em uniões, parecidas com a estrutura horizontal da CUT (Central
Única de Trabalhadores, no Brasil), as regionais, estaduais. Esses dois ramos da estrutura da
central confluem na Confederação Nacional, as comissões obreiras.
A filiação na Espanha se dá diretamente pela seção sindical – local de trabalho.
Quando o trabalhador se filia à seção ou aos comitês, ele se adequa às estruturas de cada
central sindical.
Quanto à estrutura e hierarquia, os sindicatos têm duas obrigações básicas: respeitar o
estatuto (Estatuto dos Trabalhadores, de 1980, revisado em 1984) e as orientações gerais das
instâncias superiores (congressos). A eleição dos sindicatos e das federações é realizada em
congressos. O comitê de empresa é unitário e garantido pela legislação, inclusive suas
atribuições, garantias sindicais, tempo para as atividades. Esses comitês são eleitos por todos
os trabalhadores da empresa. Quanto à disputa de diferentes concepções nas empresas, é feita
via eleição da qual participam todas as centrais e não há restrição para a participação de
sindicatos independentes. O comitê é composto proporcionalmente.
Um acordo entre a UGT e o governo, em 1986, garantiu a presença de representantes
de sindicatos nos conselhos de supervisão das empresas públicas.
Quanto às negociações, não há contrato nacional. Existem negociações nacionais feitas
pelas Centrais – CC.OO e UGT – com o governo. Essas negociações são de caráter geral,
envolvendo temas como Contrato de Trabalho, Jornada de Trabalho e Previdência Social. As
negociações não ocorrem em todas as empresas; o mais comum é que elas aconteçam nas
empresas grandes e de médio porte. Os sindicatos participam do processo de negociação, das
eleições do comitê de empresa unitário e atuam no processo da discussão da pauta de
negociação e, ainda, na definição da assinatura do acordo. As organizações que têm a
responsabilidade de encaminhar diretamente o processo de negociação elaboram propostas de
pauta e apresentam aos trabalhadores com o corpo de delegados para um processo de
discussão. Na base, no caso do acordo por empresa, fazem-se assembléias.
57

A legislação trabalhista garante direitos mínimos: os acordos regionais e por empresa


só podem melhorar a legislação. A reforma na legislação trabalhista ocorrida em 1994
eliminou parte dos direitos num processo de desregulamentação visando à flexibilização das
relações de trabalho. A Justiça de Trabalho na Espanha, como em toda a Europa, não tem
poder normativo sobre o contrato; ela só pode determinar que se cumpra a lei. Em 1997, os
debates entre as centrais sindicais UGT, Comissões Obreiras e as Organizações Patronais,
estabeleceu que o processo de negociação coletiva nas empresas terá por base acordos
nacionais setoriais.
Na França, desde 1966, por lei, existem cinco centrais sindicais com poder de
representação: a CFDT (Confederação Francesa Democrática de Trabalho), a CGT
(Confederação Geral do Trabalho), a CGT-FO (Força Operária), CFTC (Confederação
Francesa de Trabalhadores Cristãos) e a CGC (Confederação Francesa de Quadros). Os
sindicatos afiliados a uma dessas cinco centrais têm, segundo Schutte, Castro e Jacobsen
(2000, p. 64) , estes privilégios:

- direito de representação na contratação coletiva;


- direito de estabelecer dentro das empresas um local sindical, sem que
precise aprovar qualquer tipo de representação;
- direito de apresentar candidatos nas eleições para vários conselhos
públicos, em nível municipal e nacional (tipo o Conselho de
Administração da Seguridade Social);
- direito a um edifício concedido pelo Estado.

A CFDT é a maior Central Sindical da França e na sua estrutura de funcionamento


existem as Federações do ramo e as Uniões (o que equivaleria a nossa estrutura horizontal).
Entretanto só os sindicatos de base elegem delegados para os congressos da CFDT, as outras
duas instâncias (Federações e Uniões) não. Como nas CC.OO (Comissões Obreiras), também
há na CFDT uma Comissão de Garantia para resolver conflitos, a partir das decisões
administrativas ou disciplinares das instâncias maiores. A filiação é feita diretamente à
Central.
As instâncias – sindicatos ou seções sindicais – devem respeitar as decisões
hierarquicamente superiores. As estruturas de representação são formadas por Comitês de
Empresa (eleitos com a participação de todos os trabalhadores), Delegado de Pessoal (outra
forma de representação, e o número varia de 1 a 15 delegados, dependendo do tamanho da
empresa), Comissão de Higiene e Segurança (a “Cipa francesa”), Seção Sindical (formada por
indicação dos sindicatos, em uma empresa pode haver até cinco Seções Sindicais,
correspondendo às cinco Centrais).
58

Em suma, numa empresa francesa é possível ter três estruturas: a “Seção Sindical”, o
“Comitê de Empresa” e o “Comitê de Higiene e Segurança no Trabalho”. A base do sistema
de negociação é a legislação de 1950, em 1971 foi inaugurada a legislação que regulamenta a
negociação por empresa. Existem três tipos de negociações na França: 1) negociações
interprofissionais – realizadas nacionalmente pelas centrais –, são negociações sobre pontos
genéricos: sistema previdenciário, horário de trabalho, modalidade de contratação e outros; 2)
negociações feitas pelas Federações dos Ramos, são nacionais, válidas só para empresas
filiadas às organizações patronais que participam das organizações; 3) negociações feitas nas
empresas – existem os direitos assegurados no Código do Trabalho (legislação). Há os
contratos nacionais que visam a melhorar esses direitos e os acordos feitos nas empresas que
servem para aplicar os itens acordados nacionalmente.
Na Alemanha existe uma unicidade sindical oriunda de um pacto político pós-guerra.
A divisão da classe trabalhadora nos anos 30 permitiu ao nazismo chegar ao poder e liquidar
as diferentes organizações de trabalhadores, por isso os trabalhadores decidiram, em 1949,
criar uma organização unitária com composição política pluralista. Criou-se a DGB (União
Sindical Alemã), com 16 sindicatos nacionais afiliados, cada um com sua autonomia
contratual.
Os sindicatos nacionais são estruturados em seções locais e regionais. O sistema
sindical alemão está voltado à co-gestão que se expressa nas atribuições dos comitês de
empresa e na participação dos trabalhadores nos conselhos de supervisão das empresas. Uma
característica do movimento sindical na Alemanha é a existência de uma legislação detalhada
para regulamentar as relações trabalhistas que teve origem no compromisso social firmado no
pós-guerra. A Lei sobre contratação coletiva de 1949, revisada em 1952, determinou o
processo de contratação coletiva em nível setorial por Estado e, no caso dos funcionários
públicos, em nível federal. Também definiu procedimentos de conciliação e arbitragem, sendo
que o direito de greve só poderá ser executado durante o período de negociação.
A taxa de sindicalização na Alemanha é de 38%. Diferentemente dos outros países, os
sindicatos na Alemanha se federaram e formaram a DGB, que é uma Confederação de
sindicatos nacionais (federação). As federações não são orgânicas à DGB, mas é impensável a
desfiliação. No entanto, já discute-se a necessidade de fusões entre os vários sindicatos
nacionais, chegando-se a uma organização sindical dividida em três blocos: indústria,
comunicação/serviço e setor público, o que resulta no enfraquecimento do papel da DGB.
Para racionalizar sua estrutura, nos últimos anos os sindicatos alemães realizaram
várias fusões. A representação sindical está estruturada em comitês de empresa, corpo de
59

delegados sindicais e conselhos de supervisão. Os Comitês de Empresa não só têm poder de


decisão como também de co-determinação. A Lei que regula o funcionamento dos Comitês
editada em 1952 e revisada em 1972 estabeleceu uma série de regras, inclusive obrigando as
empresas a repassarem informações aos Comitês. Os comitês de empresa têm influência nas
políticas da empresa, nos próprios sindicatos e sobre a DGB. A greve é atribuição exclusiva
dos sindicatos. Na prática, são os sindicatos que indicam quem vai disputar os Comitês de
Empresa, mas o candidato é eleito pelo conjunto dos trabalhadores. Paralelamente à estrutura
dos Comitês, existe o Corpo de Delegados Sindicais, sessão sindical no local de trabalho, que
representa o braço do sindicato nacional dentro da empresa para organizar os trabalhadores e
vigiar o cumprimento do contrato coletivo. Uma característica do modelo alemão é a presença
de representantes dos trabalhadores nos Conselhos de Supervisão, indicados pelos sindicatos.
No que tange às negociações, o Estado regulamentou as relações trabalhistas através
de uma legislação complexa. A base do sistema de contratação coletiva são os contratos
estaduais setoriais. Quem negocia são os sindicatos nacionais por ramos através de Comissões
de Negociação de trabalhadores. Até o início da década de 1980, a contratação era feita
anualmente, daí em diante começaram a surgir os contratos de longa duração, e desde esse
período o movimento sindical privilegiou acordos para redução do horário de trabalho,
firmado em nível nacional por ramo e implementado no local de trabalho através de acordos
com o Comitê de Empresa.
Por fim, na Itália, existem três confederações nacionais cuja origem histórica está
ligada à guerra fria: CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho), CISL (Confederação
Italiana de Sindicatos dos Trabalhadores) e UIL (União Italiana do Trabalho), hoje afiliadas à
CIOSL. O direito à livre organização e negociação, garantido pela Constituição, foi ampliado
pelo Estatuto dos Trabalhadores, em 1970, que estabeleceu inúmeros direitos para delegados
sindicais e identificou CGIL, CISL e UIL como centrais representativas, dando-lhes o direito
de representarem os trabalhadores nos locais de trabalho e organizarem comitês de fábrica.
Quanto à organização no local de trabalho, existem atualmente dois tipos: a
Representação Sindical Unitária (RSU) e a Representação Sindical Autônoma (RSA). Ambas
são estruturas de representação dos trabalhadores num determinado local de trabalho,
desenvolvem o mesmo trabalho, mas apresentam diferenças na forma de eleição e
regulamentação legal. A RSU é prevista no Estatuto dos Trabalhadores e é a representação
das centrais sindicais no local de trabalho. Na década de 1980 surgiram os Comitês Unitários
de Base (COBAS), pa rticularmente no setor público, que desafiam a representatividade das
centrais.
60

O sistema de negociação é feito por Contrato Nacional por ramo, contrato articulado
por empresa e Acordos Nacionais. Na modalidade, Contrato Nacional por ramo, há uma
contratação nacionalmente articulada e o sistema de negociação é feito em três níveis: o
contrato principal sobre salário e condições de trabalho é feito em nível nacional por ramo de
produção e negociado pelas federações nacionais. No caso do Contrato articulado por
empresa, os comitês conduzem o processo de negociação no local de trabalho; enquanto os
Acordos Nacionais são articulados entre centrais, organizações patronais e governo sobre
temas gerais (imposto, horário de trabalho, representação sindical).
Na Itália, existe um processo unitário muito forte entre as federações e suas
confederações, de modo que o movimento sindical italiano é caracterizado por um pluralismo,
mas também por uma grande unidade. Paralelamente, existe grande vontade de autonomia das
centrais frente aos partidos políticos, apesar das vinculações históricas, no caso da CGIL, com
o Partido Comunista (hoje o Partido Democrático da Esquerda e o Partido Refundação
Comunista) e o Partido Socialista (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).

b) Relação Sindicato/Partido - Quanto às relações sindicais, na Inglaterra há uma


especificidade em comparação com os países da chamada Europa continental. Em primeiro
lugar, destaca-se a ausência de uma estrutura legal de negociações coletivas. Prevalece a
jurisprudência baseada no “costume e na prática”. Isso reflete a diferença no sistema jurídico
na Inglaterra, o “Common Law” 35, direito baseado no costume e na prática, que, em parte, se
contrapõe ao sistema de Direito desenvolvido na França revolucionária e em outros países
europeus, o “Roman Law”, direito desenvolvido a partir da produção legislativa e que dá
prevalência ao direito privado.
Os usos e costumes levaram as relações sindicais na Inglaterra a uma forte
predominância da negociação no local de trabalho. Em conseqüência, desenvolveu-se toda

35
É importante esclarecer a gênese desse sistema legal que, em parte, se contrapõe ao Roman Law (que tem
origem no Direito Romano). Não obstante a grande influência deixada na legislação européia, o Direito Romano
nunca obteve sucesso nos países anglo-saxônicos. René David em Les Grands Systéms de Droit Contemporains
afirma que o direito romano não poderia exercer grande influência na Inglaterra visto que, nesse país, considera-
se matéria pública aquelas submetidas aos tribunais ingleses. E inequívoca é a prevalência do direito privado no
sistema legal romano. Não se nega a veracidade dessa declaração. Entretanto, a rejeição é devida,
precipuamente, ao grande sentimento nacionalista que preponderou e prepondera naquele país. Há que se
ressaltar a proibição, por volta do século XIV, do ensino do direito romano em Oxford. Hoje ainda se nota clara
herança desse sentimento. Quando da formação do Mercado Comum Europeu, os ingleses demonstraram manter
esses traços patrióticos. Assim sendo, o direito na Inglaterra se desenvolveu muito mais pelos usos e costumes e
pela jurisprudência do que pela produção legislativa. A lei é fria e estática. Sua produção é extremamente
formalista e burocrática. O costume é dinâmico. O escopo precípuo do direito, qual seja regular a convivência
ordenada entre as pessoas, é alcançado mediante a observação do comportamento intuitivo dos cidadãos. De
61

uma cultura de valorização ao sindicato de base. As atenções voltam-se para a defesa da


democracia formal dentro da organização sindical e a falta de negociações nacionais é uma
conseqüência lógica da estrutura e cultura de negociação. Como resultado disso, não houve
pressão para se criar estruturas fortes em nível nacional, nem sindicatos nacionais fortes por
setor e/ou uma central sindical. O que existe é uma estrutura sindical diversificada: grandes
sindicatos nacionais representam várias categorias, com sócios em diferentes ocupações e
setores, como o TGWU (Sindicato de Transportes e Trabalhadores Gerais).
A única central sindical existente na Inglaterra, a TUC (Confederação de Sindicatos),
tem pouca representatividade política perante os sindicatos singulares e o governo. Mas como
a TUC exige respeito pelas linhas de demarcação, não há disputas entre sindicatos. Na prática,
significa que existe uma certa unicidade sindical, não imposta pelas leis governamentais, e a
dinâmica política se dá dentro de cada sindicato.
Schutte, Castro e Jacobsen (2000) explicam que há sindicatos que estão mais à
esquerda e outros mais à “direita”, sempre dentro da lógica do Partido Trabalhista. Ao
contrário da realidade em vários países da Europa continental, não há expressão sindical do
Partido Conservador. Isto é, nunca foi montado um movimento sindical para concorrer com os
sindicatos ligados ao Partido Trabalhista. Outro exemplo de divisão política se dá por região.
Há aquelas onde pr evalece uma tradição mais de esquerda, como é o caso do movimento
sindical de Liverpool, e outras com tradição moderada. Mas, ao contrário do que na Europa
continental seria considerada sintoma de um movimento fraco, na Inglaterra criou-se um
movimento sin dical forte e combativo no local de trabalho, com estruturas de delegados
sindicais. É com base nessa forte tradição sindical que a TUC continua sendo uma das
maiores centrais sindicais do mundo e a Inglaterra até o final dos anos 80 era o país com
maior número de trabalhadores sindicalizados na Europa.
Para minimizar as novas pressões, os sindicatos ingleses deram uma série de respostas
à nova situação mundial. Realizaram fusões, para tornar a organização mais ágil, garantir a
posição financeira dos sindicatos, os serviços a seus membros e possibilitar que novas
organizações estendessem sua influência para aumentar a “competência da organização
sindical” (TUC, 1993; apud McIlroy, 1997, p. 56). As fusões e a resposta à legislação também
estimularam a centralização. As estratégias de recrutamento em resposta às perdas na
sindicalização também foram conduzidas a partir do alto. Uma delas foi tornar os sindicatos
mais atraentes para grupos particulares, tendo trabalhadores negros e mulheres como alvos.

modo que, o preceito “o juiz decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei” (oriundo do Roman Law)
contrapõe-se, veementemente, ao princípio básico do Common Law: the equity” (Dias, 1996, p. 7).
62

Os sindicatos montaram campanhas públicas em escolas, dirigidas para trabalhadores jovens;


também destinaram recursos para desempregados, mas sem sucesso. Compensaram a saída de
associados criando campanhas públicas dirigidas a trabalhadores temporários e mal
remunerados, mas os resultados ainda mostravam que a ação de recrutamento sindical
continuava inadequada. Em 1996 houve sinais de uma abordagem mais séria baseada em
designar localmente os diretores do sindicato. O TUC estabeleceu um projeto de “Novo
Sindicalismo” com uma escola para treinar os funcionários da organização. Essa empreitada
não teve o sucesso esperado. A partir da década de 1980, o TUC passava do coletivismo ao
individualismo e do produtivismo ao consumismo, e adotava como forma de atrair novos
membros o fornecimento de serviços financeiros e de aconselhamento de forma individual. Os
sindicatos conseguiram novos associados, oferecendo cartões de crédito, ajuda legal e
financeira, seguros a preço menor e esquemas de descontos. Estava claro, que os filiados em
potencial priorizavam a proteção ao trabalho, melhores salários e condições de trabalho.
Na colocação de McIlroy (1997, p. 59), “a abordagem individual geralmente caminhou
lado a lado com a opinião de que a melhor chance dos sindicatos para reverter seu declínio era
superar os patrões ao oferecer seus serviços como parceiros da empresa”. Este foi um tema
corrente nos anos de 1980, focalizando inicialmente “simples acordos sindicais”. Na metade
dos anos de 1990, o TUC estava clamando por apoio ativo para a parceria sindicatos -empresa.
Uma parceria entre patrões e sindicatos no local de trabalho era vista como central para a
abordagem social do mercado e seria auxiliada por uma reafirmação dos sindicatos sob um
governo trabalhista (McIlroy, 1995; apud McIlroy, 1997, p. 60). Entretanto, os patrões
demonstram uma crescente hostilidade ao sindicalismo. Para eles os sindicatos não são
importantes para aumentar sua vantagem competitiva e o atual equilíbrio de poder demonstra
a falta de recursos dos sindicatos para convencê-los do contrário (Dunn, 1993; apud McIlroy,
1997, p. 61).
Conforme McIlroy (1997), o declínio para um sindicalismo de resultados pode ser
impedido pelo apoio político ao sindicalismo. O papel do Estado é de vital importância para a
rec uperação do sindicato. Entretanto, quando os patrões se distanciaram dos sindicatos da
década de 1990, o Partido Trabalhista fez o mesmo. Nos últimos anos, a mudança
programática e constitucional, antagônica ao sindicalismo forte, intensificou-se. Ocorreu uma
redução do poder de voto dos sindicatos no Partido Trabalhista, e, a partir de 1994, Tony Blair
começou a remodelação do trabalhismo em um Novo Trabalhismo (New Labour). O sistema
pelo qual os sindicatos apoiavam os parlamentares foi reformado, sendo vital para a
63

construção do Novo Trabalhismo a extensão da democracia plebiscitária da eleição de


representantes para a conformação de políticas.
O Novo Trabalhismo se distingue da democracia de direita anterior na Inglaterra por
diminuir a intervenção do Estado por sua falta de compromisso com o igualitarismo, com a
redistribuição de renda e com o interesse social, por privilegiar o individualismo sobre o
coletivismo e por sua falta de respeito (e raízes) pelo movimento operário 36.
As conclusões de McIlroy (1997) sobre o sindicalismo na Inglaterra desde 1979
apontam que os anos de 1980 e 1990 demonstraram a natureza reativa, frágil e contingente do
poder sindical, tendo um refluxo em todos os níveis, do local de trabalho ao Estado-nação. O
declínio da taxa de sindicalização corrigiu o aumento ocorrido entre os anos de 1960 e 1970 e
trouxe os sindicatos de volta aos anos 1930. A organização no local de trabalho retrocedeu,
pois a regulamentação autônoma do trabalho, dos sindicatos livres, da livre negociação, do
pleno emprego e de um Estado que apóia os sindicatos foram dissolvidos. Schutte, Castro e
Jacobson (2000, p. 47) observam que “a forte organização no local de trabalho através dos
delegados por seção (os shop stewards) andou se perdendo. Pesquisa realizada em 1993
mostrou que só em 38% dos locais de trabalho se manteve essa estrutura”. A influência dos
sindicatos em seu partido foi diminuída, enquanto seu líder elogia Margareth Thatcher que
remodela o Novo Trabalhismo para ser um protótipo do Partido Democrata de Clinton.
Os sindicatos ainda organizam um terço da força de trabalho, mas os patrões não
transformaram o local de trabalho e geralmente dependem da cooperação dos sindicatos. Os
sindicatos mais fortes estão mais confiantes, mas há um potencial para conflito porque não
existe no Partido Trabalhista e nos sindicatos nenhuma esquerda importante ou oposição
organizada. A grande maioria dos líderes sindicais apóia Blair, mas terão de ouvir os
membros dos sindicatos que podem estar menos pacientes, já que as disputas sobre o salário
do setor público, a legislação do trabalho e o salário mínimo são os principais terrenos que o
governo pretende intervir através da legislação.
Na Suécia, o primeiro Estatuto da LO previa que os sindicatos teriam de se afiliar
como estrutura sindical ao Partido Social-Democrata. Em 1909 acabou esta obrigatoriedade,
mas continuou a prática da afiliação das estruturas locais sindicais como um bloco ao Partido,
da mesma forma que na Inglaterra. Nos anos de 1990, devido à forte pressão do governo de
direita e dos trabalhadores-sócios, este mecanismo foi abandonado. Ainda há contribuições

36
“Tony Blair questionou o desenvolvimento histórico do movimento operário no século XX lamentando a
‘divisão da política radical, no final do século passado e início deste, entre Partido Trabalhista e Partido Liberal’
(The Observer , 24 set. 1996)” ( apud McIlroy, 1997, p. 63).
64

financeiras, permitidas por lei, ao Partido Social-Democrata por parte da LO durante as


campanhas eleitorais. O Estatuto do Partido também continua prevendo que o presidente da
LO seja membro do Comitê Central do Partido. O ex-partido comunista, hoje chamado de
Partido de Esquerda, não tem um programa próprio para o sindicato e está aproveitando as
divergências entre o discurso da LO e do Partid o Social-Democrata, que se adaptou aos novos
tempos, na mesma linha do novo realismo no Partido Trabalhista inglês (Schutte, Castro e
Jacobsen, 2000).
Na França, a característica básica das organizações sindicais é a dependência de
intervenção proveniente do Estado em combinação com as fortes rivalidades entre elas e que
correspondem em parte a orientações políticas diferentes (a CGT atrelada ao Partido
Comunista Francês e a maioria da liderança da CFDT afiliada ao Partido Socialista Francês).
E, ao contrário do que aconteceu na Espanha e mesmo na Itália, a unidade de ação é uma
coisa ainda para se conquistar.
O que se pode concluir desta visão geral do sindicalismo é que o mesmo surgiu e
ganhou expressividade no mundo, sobretudo para fazer frente à exploração capitalista e
melhorar as relações entre capital e trabalho. Em cada região onde ele se desenvolveu, está
ligado às tradições nacionais do movimento operário do país e apresenta uma diferenciação
que mergulha nas raízes objetivas da sua realidade e história.
Isso faz com que, em todos os países, o movimento sindical apareça como uma soma
de correntes ideológicas diferentes (a corrente social-democrata, reformista clássica,
anarquista ou sindicalista revolucionária, marxisto-revolucionária, por exemplo), mesmo
porque a classe operária não é inteiramente homogênea do ponto de vista das suas condições
sociais de existência. À não homogeneidade da classe operária se acresce a diversidade da
experiência de luta (trabalhadores da grande ou pequena empresa, urbanizados ao longo de
várias gerações ou somente a partir de uma data recente) e a diversidade das capacidades
individuais dos trabalhadores (trabalhadores sem especialização ou sem trabalho durante
grande parte de sua vida, outros com ocupação altamente qualificada). A experiência de cada
grupo de operário (em movimentos e greves) determina em grande parte a consciência desse
grupo e, pode -se dizer, então, que o sindicalismo produz ou assimila, de modo consciente ou
inconsciente, representações, sistemáticas ou difusas, sobre o Estado, a sociedade, os
objetivos e os meios da luta sindical.
65

1.3 O SINDICALISMO NA AMÉRICA

Os movimentos sociais na América deixaram um legado importante para os trabalhadores


do continente. A principiar pela análise do movimento sindical na América do Norte, depara-se
com semelhanças entre o sindicalismo dos Estados Unidos e o canadense, porém estes são distintos
do mexicano, mais assemelhado ao sindicalismo sul-americano, como o brasileiro e argentino,
principalmente no tocante à influência populista e corporativa (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).
O sindicalismo nos Estados Unidos tem como marco histórico a mobilização operária em
Chicago, no final do século XIX, e um acidente industrial em Nova Iorque, no início do século
XX, acontecimentos que deram origem, respectivamente, ao Dia Internacional do Trabalho em 1º
de Maio e o Dia Internacional da Mulher em 8 de Março.
A Guerra Civil americana, terminada em 1865, estimulou a indústria de armamentos e o
pós-guerra deu continuidade ao surto expansionista das ferrovias e fortalecimento da mineração, da
indústria siderúrgica e de materiais de transporte. Como conseqüência, a classe trabalhadora se
avolumou, principalmente com a vinda de emigrantes europeus, em particular irlandeses, alemães,
escandinavos, eslavos e italianos, fundando-se diversos sindicatos de carpinteiros, marceneiros e
vidreiros, na Filadélfia e em Nova Iorque. O ano de 1868 registrou a existência de mais de 30
sindicatos nacionais e esses começaram a exercer pressão sobre os patrões e o governo, e já se
falava na necessidade de leis para garantir jornadas de trabalho adequadas. A organização mais
ampla dos trabalhadores foi fundada na Filadélfia, em 1869, a Noble and Holy of the Knights of
Labor (Nobre e Sagrada Ordem dos Cavalheiros do Trabalho), se fazendo presente também em
outros países de cultura anglo-saxônica, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, com o objetivo
de valorizar o trabalho produtivo. Em 1881, foi fundada a AFL (American Federation of Labor)
visando a construir um organismo central e nacional dos sindicatos já existentes e organizados a
partir das artes e ofícios (pedreiros, mestres cervejeiros, marceneiros, encanadores, alfaiates).
A qualificação profissional e o nível cultural mais elevado dos artesãos favoreceram a
disseminação de idéias libertárias e socialistas trazidas da Europa pelos imigrantes. Os anarquistas,
sendo fortes em Chicago, organizaram seu primeiro congresso nacional em 1883. No ano seguinte,
a AFL promoveu um congresso na mesma cidade e aprovou uma greve geral, a partir de 1º de
Maio de 1886, visando a conquistar a jornada de trabalho de 8 horas diárias, que era a bandeira da I
Internacional de Trabalhadores. Ao término de um comício dos trabalhadores em Haymarket
Square, uma violenta intervenção policial causa ferimentos e mortes entre os operários, enquanto a
explosão de uma bomba mata vários policiais, sendo por este episódio acusados sete dirigentes
66

sindicais, cujo enforcamento torna o 1º de Maio um símbolo importante na luta dos trabalhadores
pela jornada de 8 horas. 37
Os últimos anos do século XIX e primeiros do novo século representaram um período de
crescimento do número de sindicatos. Em 1890, foi fundado o poderoso sindicato dos mineiros
americanos, o UMWA – United Mine Workers of America. Este já não era de artesãos e sim o
primeiro sindicato nacional de trabalhadores industriais de expressão nos EUA.
O declínio dos trabalhadores de ofício levou os socialistas atuantes no meio sindical a
investir na organização dos trabalhadores por indústria. Assim a transição de sindicatos de artesãos
para sindicatos industriais, num processo de quase meio século, veio consolidar a maioria das
características que norteiam o sindicalismo norte -americano contemporâneo, como sua estrutura,
sua relação partidária e visão de mundo. Entretanto somente em 1935 foi aprovado o Wagner Act,
estabelecendo o NLRA (National Labor Relations Act), legislação regulamentando as relações de
trabalho, a criação de sindicatos e o estabelecimento das negociações coletivas. Esta legislação
passou a ser o instrumento governamental independente para intermediar conflitos no mercado de
trabalho americano através da intervenção direta de Comitês de Representantes do Departamento
de Trabalho americano, inclusive nos locais de trabalho. 38
Em função dessa legislação, começou na década de 1930 uma separação entre organized
labor (trabalho sindicalizado) – sindicatos criados pela aprovação da maioria dos trabalhadores
levando à sindicalização de todos eles e à assinatura de contratos coletivos – e non organized labor
(trabalho não sindicalizado) – empresas onde ainda não se organizara sindicatos e
conseqüentemente não havia nenhum trabalhador sindicalizado, nem contrato coletivo de trabalho.
Por volta de 1947, fruto da Guerra Fria, foi introduzido o “Atestado de Antecedentes Políticos”,
declaração que os dirigentes sindicais deveriam assinar afirmando que não tinham filiação ao
Partido Comunista Americano. A nova legislação teve repercussão no movimento sindical pelos
empecilhos que colocou às mobilizações e pelo seu componente anticomunista, levando ao
expurgo no movimento sindical. Em 1949, iniciou-se a cooperação internacional com recursos de
fundos públicos, por iniciativa dos dirigentes da CIO (Confederação Internacional das

37
Murray (apud Schutte, Castro e Jacobsen, 2000, p. 142) lembra que o “May Day”- o 1º de Maio – não é tão
comemorado nos EUA e Canadá quanto no resto do mundo ocidental devido à menor participação destes países
nas atividades da I Internacional Socialista que tornou o 1º de Maio um símbolo importante na luta dos
trabalhadores pela jornada de 8 horas. Outro motivo está no fato de a AFL ter assumido a violência de
Haymarket como um constrangimento devido à repercussão negativa na imprensa e na opinião pública. O
sindicalismo norte-americano acabou dando preferência às comemorações do Labor Day que ocorrem sempre na
primeira segunda-feira de setembro, conforme instituição do presidente Grover Cleveland, em 1894.
38
Não definia o conteúdo das negociações coletivas. Para isto se constituíram posteriormente outros mecanismos
complexos de procedimentos e arbitragem, mas concorria para que os trabalhadores que assim o quisessem
pudessem organizar seus sindicatos e estar cobertos por um contrato coletivo de trabalho negociado (Schutte,
Castro e Jacobson, 2000, p. 146).
67

Organizações Sindicais Livres). Também na década de 1940 o sindicalismo americano sofreu o


controle ou forte influência da Máfia sobre alguns sindicatos, como os da Construção, Pedreiros,
Portuários e outros.
A luta por melhores contratos de trabalho foi simbolizada principalmente pela greve dos
Teamsters na UPS – United Parcel Service. O grande desafio atual da AFL-CIO é consolidar o
novo sindicalismo americano.
Na estrutura sindical dos EUA, são encontradas quatro instâncias: a central nacional, os
conselhos estaduais/municipais, os sindicatos nacionais e os sindicatos locais (locals).
Os sindicatos locais – locals – englobam os trabalhadores da “unidade de negociação”,
cobertos pela negociação coletiva, conforme definido através de negociação com as empresas ou
determinado pelo NLRB. Uma vez certificado, o “local” recebe um número que o identifica. Todos
os “locais” de um determinado ramo industrial ou profissional se unem dentro de um sindicato
nacional. A Central Sindical AFL-CIO, mais conhecida como “a Federação”, reúne os sindicatos
nacionais filiados, presta-lhes serviços e resolve conflitos de representação surgidos entre os
sindicatos. Existem também conselhos municipais e estaduais com a responsabilidade de manejar
as relações políticas institucionais nesses níveis, os locals decidem se querem se filiar a ele ou não.
Em síntese, o que se vê na estrutura sindical americana é a organização vertical composta
pelos “locais” e sindicatos nacionais com mais força e importância que a organização horizontal
composta pela Federação (AFL-CIO) e pelos conselhos.
No Canadá, há registros de 1830 sobre os primeiros sindicatos de artesãos, como os dos
sapateiros de Montreal e gráficos de Toronto, estabelecidos como organizações locais de auxílio
mútuo. Entre 1850 e 1879 ocorreram inúmeras greves, e em 1871 ocorreu a fundação da
Assembléia de Sindicatos de Toronto, e o Conselho de Sindicatos de Ottawa, em 1872. A
Assembléia de Toronto convocou um encontro sindical nacional que levou à fundação da primeira
organização central do país, a CLU – Canadian Labor Union (União do Trabalho Canadense), que
realizaria encontros anuais até 1877.
Com a construção da Ferrovia Canadá-Pacífico, entre 1881 e 1885, a indústria canadense
começou a crescer e com ela o movime nto sindical. Em 1883, foi extinta a CLU e organizou-se o
TLC – Trades and Labor Congress of Canada (Congresso das Categorias e Trabalho do Canadá) e
em 1886, reunindo os sindicatos de artesãos. O TLC era a contraparte canadense da AFL dos
Estados Unidos. Evoluindo o sindicalismo canadense, entre 1901 e 1921, surge uma série de
pequenos sindicatos católicos. E, ao fim de longa luta pela consolidação do movimento sindical, na
década de 1920, iniciou-se a fase de construção dos sindicatos industriais.
68

Na década de 1950, quase um terço dos trabalhadores do Canadá era sindicalizado,


cobrindo todos os setores econômicos. As duas centrais sindicais – CCL e TLC – começaram a
trabalhar pela sua unificação. Nos anos de 1970, uma forte onda de nacionalismo e a busca de
autodeterminação política envolveram o movimento sindical. Os sindicatos quebequenses, livres
da influência da Igreja (praticamente desde a década de 1940), passaram a ter importante papel na
representação dos trabalhadores frente aos governos provinciais, principalmente no confronto com
o governo repressor de Duplessis. O movimento sindical que estava dividido entre três
organizações centrais (CSN, CEQ e FTQ ou CLC) construiu uma frente pela autodeterminação da
província e também para articular lutas comuns. Juntas, conquistaram para os trabalhadores do
serviço público o direito de se organizarem livremente e negociarem coletivamente, e, em 1972,
convocaram uma greve geral por aumento salarial. O nacionalismo acabou se refletindo também
no conjunto do sindicalismo através de um movimento contra os sindicatos internacionais,
principalmente devido à absoluta hegemonia dos sindicalistas americanos na sua condução.
A partir da década de 1960, principalmente, começou a crescer a participação das mulheres
no mercado de trabalho. Essa realidade se ampliou na década seguinte, apesar de os empregos
ocupados continuarem sendo precários e em tempo parcial. O controle sobre os salários prosseguiu
durante os anos de 1980 e os empresários começaram a apresentar suas próprias demandas durante
as negociações com o intuito de rebaixar direitos assegurados nos contratos. Os anos de 1990
significaram ainda menor segurança no emprego, levando à preocupação dos sindicatos com os
setores mais vulneráveis da sociedade como os deficientes físicos, jovens, mulheres, idosos,
aborígenes, minorias visíveis e trabalhadores menos qualificados.
A CLC se destaca como a organização sindical hegemônica no país e é filiada à CIOSL e
ORIT. Os trabalhadores representados pela CLC se organizam em 80 sindicatos nacionais e
internacionais, em 12 Federações Provinciais ou Territoriais, em 130 Conselhos Trabalhistas de
Base Comunitária (municipais e intermunicipais) e realizam congressos nacionais a cada três anos
(Schutte, Castro e Jacobsen, 2000).
O México não possui um movimento sindical unitário. Ao longo do período
revolucionário (1910/1920), foi-se construindo o movimento sindical, sendo a primeira
organização criada, com caráter nacional, a Casa del Obrero Mundial (COM), em 1912, visando a
dirigir e dar um cunho ideológico de influência anarquista à luta dos trabalhadores mexicanos por
sua emancipação. Em 1916 surgiu o Sindicato Mexicano (SME). Em 1918, um grupo de
sindicalistas e lideranças trabalhistas criou a Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM)
que se preocupou principalmente com a organização sindical dos trabalhadores e a ação sindical
dos mesmos para alcançar reivindicações econômicas. Posteriormente, entre eles Luis N. Morones,
69

do SME, fundaram o partido Laboralista (PL), benefic iando os partidários do presidente Plutarco
Elías Calles (1924/1928), dando-lhes uma base mais sólida. Morones transformou-se no homem
forte do governo, mas vários de seus correligionários envolveram-se com corrupção e a CROM
entrou em decadência com a crise econômica de 1929 (ibidem).
Nesse período, surgiram alternativas de organização sindical e política, como o Partido
Socialista e o Partido Comunista Mexicano, fundado em 1919, e logo em seguida a
Confederación General de los Trabajadores (CGT), hegemonizada pelos anarquistas. Logo,
então, os comunistas fundaram a Confederación del Trabajo (CNTC). No final da década de
1920, a maior parte das organizações camponesas estava extinta. Ao longo desta década,
ocorreram também muitas greves de trabalhadores urbanos (têxteis, motorneiros, petroleiros).
Os petroleiros conquistaram o primeiro contrato coletivo de trabalho da história do México,
que foi a base para a organização sindical deste setor tão importante para a economia
mexicana.
O final da década de 1920 foi marcado pela fundação do Partido Nacional
Revolucionário (PNR), cujo mentor, o general Plutarco Elías Calles, queria dificultar a
intervenção dos militares nas deliberações governamentais. Foi o início da constituição da
poderosa máquina partidária que posteriormente (1946), se transformaria no Partido
Republicano Institucional (PRI). Os efeitos da crise de 1929, afetaram o novo Governo, mas
muito menos que nos demais países latino-americanos devido à acomodação das forças
sociais durante a revolução iniciada em 1910 (ibidem).
Em outubro de 1933, um congresso operário e camponês na cidade do México, visava
a unificar as organizações existentes e fundar uma nova central sindical, a Confederación
General de Obreros y Campesinos de México (CGOCM). Participaram as correntes político-
sindicais Lombardista, proveniente da CROM, a Velazquista, representada pela Federação
Sindical del Distrito Federal, uma fração da CGT e a corrente dos eletricistas. Seu programa
defendia a unidade dos trabalhadores, o fim do ca pitalismo, o sindicalismo revolucionário
(com greves, boicotes, manifestações), a ação direta, a educação sindical com perspectiva
socialista, a oposição a colaboração de classes, oposição ao PNR e a recusa em participar de
processos eleitorais. Também reivindicava aumento de salários, redução de jornada de
trabalho, condições de trabalho uniformes em todos o país, desapropriação de terras sem
indenização, entre outras. A CGOCM chegou ao ano de 1934 com mais de 300 Federações
Regionais de Operários e camponeses filiadas.
No final de 1934, foi indicado candidato pelo PNR, o general Lázaro Cárdenas, que obteve
2,2 milhões de votos contra 41 mil para seus três opositores juntos.
70

Altmann (1990) examinando o movimento sindical e a ascensão de Cárdenas no México,


traz importante contribuição a esta parte do trabalho.
Segundo este autor, o cardenismo, constituiu-se de 1935 a 1940, como uma resposta
nacionalista com características populistas à depressão em andamento. Sendo o cardenismo uma
resposta nacionalista, determinado pela Revolução Mexicana, “...as conseqüências econômico-
sociais da crise, são mais suaves, no México, que nos países latino-americanos, como no Brasil e
na Argentina”, assevera Altmann (idem), esclarecendo que esta relação lembra um viés de
parâmetros comparativos voltados para as nações desenvolvidas.
Detendo-se nos aspectos e efeitos singulares da Revolução Mexicana, em contraposição às
demais nações latino-americanas, o mesmo autor, aponta que:

No caso, mexicano, o ‘avanço’ da reforma agrária vai, portanto, neutralizar


ou diminuir a importância do setor agrário tradicional, já grandemente
atingido na etapa armada da Revolução. O passado terá, então, uma
superação direta e efetiva – às vezes até complementar – na reforma agrária
cardenista.
A ascensão do grupo que Cárdenas representa não se distingue, (...), da
resposta que o México pós-revolucionário dá à crise iniciada em 1929. Ela é
em essência a resposta que a vertente vitoriosa na Revolução tem condições
de dar à crise.(...).
O México se distingue (...) dos demais países latino-americanos quanto ao
sistema político e à realidade a ele subjacente. A revolução realizou a
liquidação da velha oligarquia como pólo social hegemônico, e a integração
política das classes médias e a inclusão das classes subalternas no sistema
político-social.
(...)
A Revolução havia cortado a via usual de transformação dos latifundiários
em burguesia industrial, como havia acontecido na Argentina, Brasil e outros
países da América Latina. Esta via seccionada tomou então um novo
impulso na pequena burguesia capitalista que passou a utilizar o aparelho
estatal como nova alavanca de acumulação de capital. Acumulação, como
vimos, em nível nacional. E o cardenismo é a expressão política deste
processo (Altmann, 1990, p. 102).

Cárdenas apareceu, em fins de 1935 e início de 1936, em condições de imprimir uma


política independente à frente do governo mexicano. Terminava a primeira fase do governo de
Cárdenas, com o desterro do general Calles, e começava a segunda fase, de 1936/1938, período
marcado por reformas sociais no campo agrário e da política de nacionalização das indústrias.
Posterior, de 1938/1940, a política cardenista dirigiu-se à consolidação política do regime. Neste
último período, Cárdenas pela via reformista, tornou possível a efetivação das reformas necessárias
para a estruturação definitiva do Estado mexicano. Se no início de seu governo, Cárdenas estava
cercado por seguidores de Calles, aos poucos grupos opostos de callistas e cardenistas começaram
71

a se formar no Senado e na Câmara de Deputados, e em junho de 1935 a contradição entre estas


duas forças se tornaram antagônicas. Os callistas representavam a grande burguesia dependente e o
capital estrangeiro, e os cardenistas – Ala Esquerda – representavam os setores médios ansiosos de
ascensão e reformas (Altamnn, 1990, p. 106). Segundo o mencionado autor, Francie Chassen de
López39 descreve em sua obra que:

Cárdenas representava as novas forças progressistas que se compunham


da mediana e pequena burguesia, ambas tendências nacionalistas, que
lutavam pelo poder político e as reformas necessárias para prosseguir na
modernização do país, o desenvolvimento do capitalismo mexicano e a
melhoria de sua condição de dependência frente ao imperialismo (apud
Altmann, 1990, p. 106).

Os setores médios cardenistas, necessitavam do apoio das classes trabalhadoras para levar
em frente as reformas e enfrentar a burguesia conservadora. Cárdenas que representava os
interesses destes novos burgueses, respondeu às necessidades de sua ascensão, ampliando a infra-
estrutura e modernizando o país. Por outro lado, seu governo atacou o capital estrangeiro e os
produtores atrasados, mas quando os novos interesses começaram a se consolidar, Cárdenas se
posicionou frente à nova realidade, freando seu próprio reformismo.
Cárdenas representante de grupos sociais novos em ascensão, implementava uma
política própria de acordo com a visão dos grupos que representava. Com a implementação da
política educacional socialista, os conflitos com Calles alcanç aram corpo. Muitos indivíduos,
enriquecidos nos altos postos alcançados, embora tenham se tornado inimigos dos princípios
da Revolução, continuaram sentindo-se “revolucionários”. São pois, duas ordens de conflitos,
a revelar os dois pólos antagônicos que o callismo e o cardenismo representavam: Calles,
radical, conservador; Cárdenas, reformista, não via necessidade de combater nenhum setor
social específico; reformas eram necessárias e seriam realizadas em profundidade e sem
desvios. A inquietação social que caracterizou o primeiro ano do governo de Cárdenas,
colocou em relevo a divergência entre os dois grupos quanto a forma de encará-la. Além
disso, o agravamento da luta social, colocou para o grupo de Cárdenas a visão de que a
Revolução Mexicana não havia completado seu ciclo no campo social, sendo necessária dar
um fecho à mesma.
Seguindo a análise empreendida por Altmann (1990) acerca do cardenismo, verifica-se
que, paralelamente ao aumento dos movimentos grevistas, a partir de 1933, cresceu o movimento

39
Francie R. Chassen de López. Lombardo Toledano y el Movimiento Obrero Mexicano (1917/1940). México:
Ed. Extemporáneos, 1977, p. 176 (apud Altmann, 1990, p. 106).
72

sindical. A Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM), representava a corrente


ideológica majoritária, o sindicalismo reformista. Em 1921, formara-se a Confederación General
del Trabajo (CGT), representante do anarco-sindicalismo. Tanto a CROM como a C GT, surgiram
do núcleo constituído pela Casa del Obrero Mundial (COM), fundado em 1912 e força dominante
até 1915. Depois de 1914/15, a inflexão se modificou em direção de um sindicalismo sempre mais
reformista.
A CROM resultou diretamente da COM. Surgiu em 1918, suscitando desde o início,
acirrada polêmica entre as suas facções formadoras. Os anarco-sindicalistas e socialistas pediam a
palavra “regional” para poder ingressar em alguma internacional; e os reformistas exigiam a
palavra “mexicana” para mostrar o caráter nacional da organização.
A atuação da CROM se caracterizava pela “ação múltipla” (ação econômica e política),
mas a luta ideológica entre socialistas, anarco-sindicalistas e reformistas, no entanto, continuou
dentro da CROM, embora a hegemonia pendesse para os reformistas. Em 1923, durante a V
Convenção Anual, a CROM pronunciou-se por um reformismo nacionalista. Embora, a luta
ideológica e a questão da hegemonia interna da CROM já estivesse delineada desde 1920, houve
muitos protestos dentro e fora da CROM. Desde 1918, havia a intenção de formar uma central
operária radical opositora a CROM. Além disso, a partir de 1922, os anarco-sindicalistas passaram
a dominar a CGT. Mesmo assim, o movimento operário mexicano evoluiu. Um dos resultados
diretos dessa evolução, foi o apoio do governo a CROM e a perseguição a CGT, tanto pelo
governo como pela CROM.
Dessa forma, a CROM constituiu-se, desde sua fundação até a chegada de Cárdenas ao
poder, na principal organização operária mexicana. Até os fins de 1920, o controle hegemônico
definitivo da CROM ainda não estava assegurado para nenhum grupo, mas, à medida que o
“Grupo Acción” de Luís Napoleón Morones ia crescendo, seus opositores começaram a abandonar
a organização.
De acordo com Altmann (1990, p. 114), “o início da verdadeira consolidação do
reformismo e do oportunismo dos grupos dirigentes da CROM pode ser marcado a partir da
formação da CGT em 1921”, agregando anarco-sindicalistas, socialistas, comunistas e até
reformistas, que estavam à esquerda do “Grupo Acción” e que renunciavam a atuar dentro da
CROM. Dessa data em diante, a CROM representou o triunfo do reformismo no movimento
operário mexicano.
Em 1927, quando a CROM estava no auge de seu poder, Vicente Lombardo Toledano, um
dos seus principais líderes, caracterizou a liberdade sindical no México como “um novo caminho
criado pelo Estado para a emancipação integral do proletariado e um direito limitado à defesa de
73

seus interesses materiais, tratando-se do capitalismo” (ibidem). A importância de uma aglutinação


em torno do nacionalismo econômico como freio ao imperialismo norte-americano, era a
justificativa para a aproximação da CROM com o Estado e também entre os operários e
capitalistas.
Em vista disso, Morones buscava harmonizar os interesses de trabalhadores e capitalistas,
deixando no passado, a luta da CROM por um socialismo resultante da luta de classes. A CROM
agora, identificava -se com um trabalhismo que deveria trazer harmonia às classes. Desta forma ela
ligou sua sorte a da “família revolucionária” e ao avanço do “cuadilhismo pós-revolucionário”.
Quando o “cuadilhismo pós-revolucionário” foi eliminado com a ascensão de Lázaro Cárdenas,
seu declínio já era evidente. Com a crise da CROM, a partir de 1928, Portes Gil, novo presidente
do México, e seus seguidores iniciaram uma cruzada para destruí-la, fomentando dissidências,
patrocinando convenções de agrupamentos separados da CROM, enquanto a CGT começava a
fortalecer-se. A meta de Gil era voltar a formar uma confederação operária nacional, controlada
pelo governo e o PNR (Partido Nacional Revolucionário). Este objetivo foi atingido no governo de
Cárdenas, com o desaparecimento da CGT e a assunção da Confederación de Trabajadores de
México (CTM), que constituiu a síntese da central oficial.
Portanto, a chegada de Cárdenas ao poder, ocorreu num quadro sindical e operário de
dinamismo e oscilações entre as diferentes forças representativas do operariado mexicano. A
dissolução da CROM e a decadência do “caudilhismo revolucionário” correspondeu, naquele
momento histórico, à crescente combatividade dos novos sindicatos e à ascensão dos novos setores
pequeno-burgueses que tiveram em Cárdenas seu principal porta -voz.
Altmann (1990, p. 129) apresenta o seguinte quadro, enfeixando os grandes eixos da
estruturação do Estado Nacional Cardenista:

O regime Cárdenas apresenta, (...), três grandes eixos de atuação, atuando


primacialmente em três grandes esferas:
1) no relacionamento com os sindicatos e sua conduta frente aos conflitos
trabalhistas;
2) na política de reforma agrária que conduziu a uma profunda transformação da
estrutura agrária;
3) na política de nacionalização, cuja culminância foi a nacionalização das
companhias petrolíferas estrangeiras.

Schutte, Castro e Jacobsen (2000), sintetizando o quadro sindical mexicano atual, colocam
que a base de organização dos sindicatos mexicanos, pode ser por empresa, ramo industrial,
categoria ou por região geográfica, podendo constituir federações em nível regional/estadual e
confederações ou centrais sindicais nacionais. Essas podem possuir seções regionais/estaduais
74

como parte da estrutura horizontal e, conforme usos e costumes, ter maior ou menor autonomia. Na
verdade, representa um modelo corporativo clássico no tocante à sua estrutura de unicidade
sindical e à sua relação com o Estado.
O sindicalismo oficial mexicano que se desenvolveu nas décadas de 60, 70 e
posteriormente, deixou de ser uma expressão da ação trabalhista e passou a ser um agente político
de dominação, controle e mediacão. A partir de 1986, no entanto, com a queda dos preços do
petróleo no mercado internacional, o México começou a viver o início da reestruturação produtiva
e reorganização sindical.
No caso do México e da Bolívia, o setor agrário também integrava a base de apoio político-
sindical. Em outros países, como o Brasil, o movimento camponês pressionava pela divisão da
terra e ao longo da década de 1950 foi se transformando num foco de tensão para os “governos
desenvolvimentistas”, ameaçando o histórico pacto entre burguesia industrial e oligarquia agrária,
contrária à reforma agrária (Schutte, Castro e Jacobsen, 2000). Nesse período, as lutas sindicais
eram basicamente trabalhistas (salário e legislação de proteção laboral). Nos países onde o
movimento sindical tinha maior vinculação político-partidária, adquiriu peso institucional na
gerência governamental, com perfil poli-classista. Países como o Chile e o Uruguai, durante o
período de ouro do desenvolvimentismo, ostentavam uma sociedade civil mais organizada e
tinham organizações sindicais sob a hegemonia dos partidos comunista e socialista.
No que se refere ao sindicalismo, os partidos comunistas, na década de 1950, seguindo
orientações da Internacional Comunista, orientavam os sindicatos a desenvolverem uma ação
política de colaboração com os governos desenvolvimentistas, visando ao aumento da influência
nas decisões e no próprio aparelho estatal. No Brasil, também as lideranças sindicais tinham acesso
aos gabinetes palacianos, pois o Partido Comunista Brasileiro, quando voltou à legalidade em
1946, se aliou com os “trabalhistas” para tentar influenciar a política do governo. Quando o
desenvolvimentismo entrou em colapso, com eles caiu esse modelo social e o sindicalismo não
teve condições de resistir à ofensiva conservadora e autoritária das décadas de 1960 e 1970. Nos
países onde desfrutava de maior poder político (Argentina, Uruguai e Chile), foi um dos segmentos
mais golpeados pelos regimes militares por ser foco de resistência ao novo modelo de acumulação
pretendido pelas cla sses dominantes.
Na Argentina, Uruguai e Chile, as ditaduras militares realizaram a política de abertura
comercial e a desindustrialização, sustentadas por forte repressão ao movimento sindical. A
exemplo, na Argentina o sindicalismo oficialista reconstruiu as estruturas da Confederación
General del Trabajo – CGT – e das grandes corporações nacionais, reconduzindo ao poder várias
das velhas lideranças peronistas. Porém, ao final do período dos regimes militares (início da década
75

de 1980), começaram a surgir os primeiros contatos sindicais, alimentados pelo crescimento dos
movimentos de resistência democrática no Chile, Argentina, Uruguai e Brasil, rompendo pouco a
pouco o isolamento dos anos anteriores.
O fim dos regimes militares coincidiu com o avanço do novo modelo econômico nos
países do norte. Frente a essa nova situação, os sindicatos da América Latina, principalmente dos
países do sul do continente, viram-se confrontados com problemas idênticos (redução do aparelho
do Estado, privatização de empresas e serviços estatais, flexibilização do mercado de trabalho) e o
desafio de encontrar novas formas de superar a estreita visão nacional que haviam herdado.
76

2 – O CASO BRASILEIRO: A ORGANIZAÇÃO DOS


TRABALHADORES

O sindicalismo no Brasil deve ser tratado como um caso a parte porque, devido à
escravidão e ao modelo de monocultura agro-exportador, o país teve um processo de formação do
proletariado distinto do da Europa e do restante da América. A primeira geração de proletários
brasileiros conv iveu nas fábricas e nas cidades com trabalhadores escravos durante várias décadas
(Mosna, apud Maranhão, 1999). A incipiência da industrialização, no século passado, fez com que
a maior intensidade da atividade sindical acontecesse, principalmente, no setor de serviços –
ferroviários, portuários e gráficos.
Porém as primeiras organizações operárias surgidas ainda na primeira metade do século
XIX constituíram-se na forma de associações mutualistas e tinham por finalidade o socorro e
auxílio mútuo em casos de doenças, acidentes, enterros, velhice, entre outros.
Para fins deste estudo, a luta dos operários no Brasil em busca de organização e
equilíbrio na relação capital e trabalho foi estruturada em sete fases: antes de 1889; a partir da
Proclamação da Repúbli ca até 1930; de 1930 a 1945; de 1945 a 1964; de 1964 a 1978; de
1978 a 1990; e depois de 1990.

2.1 O MOVIMENTO OPERÁRIO NO BRASIL ATÉ 1889

Essa primeira fase foi marcada pela primeira greve de trabalhadores do Brasil, em 1858,
promovida pelos operários gráficos do Rio de Janeiro.
Nessa época, os operários brasileiros trabalhavam de 12 a 15 horas por dia; as fábricas
estavam repletas de meninos de 7 e 8 anos e as mulheres faziam trabalho noturno com salários
muito inferiores aos dos homens. Somavam-se a isso os acidentes, as péssimas condições de
trabalho e a inexistência de direitos (Oliveira, 1989, p. 6).
77

Em decorrência do desemprego, doença e outras necessidades advindas da inexistência de


qualquer tipo de organização previdenciária, na segunda metade do século XIX, surgiram as
Sociedades de Socorro e Auxílio Mútuo. A partir dessa experiência, surgiram na década de 1970 as
primeiras organizações de tipo sindical no Brasil, qualitativamente superiores às associações
mutualistas – as Ligas de Resistência, os Círculos Operários – que passaram a organizar o
proletariado e a reivindicar direitos. A principal forma de luta era a greve. Esses dois tipos de
associações coexistiram até o final do século.

2.2 O MOVIMENTO OPERÁRIO A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA


ATÉ 1930

Nesse período, foram identificadas algumas características importantes de se ressaltar tais


como: a organização autônoma e independente do movimento sindical em relação ao Estado, o
nítido caráter de classe da organização sindical, a lu ta do movimento sindical pela construção de
uma central sindical (COB – 1906; CGTB – 1928), a ação do Estado e dos patrões tentando
intervir no movimento, através dos sindicalistas amarelos (pelegos) 40, o predomínio ideológico dos
anarquistas, a composição da classe operária, formada em sua maioria por imigrantes estrangeiros,
e a violenta ação repressiva do Estado sobre o movimento operário que considerava a chamada
“questão social” como “um caso de polícia”. Também constatou-se o peso reduzido da classe
operária na composição social; o papel secundário da produção industrial em uma economia
predominantemente agrário-exportadora e o controle do aparelho estatal pela oliguarquia rural,
quadro que sofreu profundas alterações a partir de 1930 (Azevedo, 1989, p. 5).
A cronologia histórica foi marcada, nessa fase, pela luta dos operários contra as condições
precárias de vida do trabalhador, falta de leis que regulamentassem o trabalho, exploração do
trabalho das mulheres e das crianças. Contra essa situação, em 18 91, os operários paulistas
deflagraram a primeira greve generalizada, em Santos, envolvendo os operários das docas e
portuários em geral, ferroviários, construção civil, operários dos matadouros e, inclusive, os
coveiros da cidade.
No início do século XX, no momento em que a indústria crescia visivelmente, a classe
trabalhadora posicionava -se contra a dura realidade em que vivia: alto custo de vida, baixos
salários, longa jornada de trabalho (os horários dependiam apenas da vontade do patrão),
desemprego, falta de liberdade e acidentes de trabalho. Em 1905, foi criada a primeira

40
Sindicalistas comprometidos com as autoridades durante a Velha República (1889-1930).
78

organização estadual de trabalhadores, a Federação Operária de São Paulo. Em 1906,


realizou-se o 1º Congresso Operário Brasileiro, um dos principais instrumentos de
organização e mobilização dos trabalhadores. Uma das suas deliberações foi a criação da
Confederação Operária Brasileira (COB), a primeira central sindical brasileira, com a
finalidade de coordenar a luta sindical.
Outros instrumentos de resistência foram criados. Visando a defender-se da situação de
usurpação incessante do capitalista e conquistar os direitos fundamentais do trabalho, a classe
trabalhadora fundou jornais, ligas operárias e sindicatos 41.
O ano de 1912 foi marcado pelo Congresso dos Pelegos, assim denominado pelos
sindicalistas combativos, porque foi realizado sob a égide do filho do então Presidente da
República, Marechal Hermes da Fonseca, e reunia os setores do movimento sindical
comprometidos com as autoridades. A tentativa dos pelegos era construir um sindicalismo atrelado
ao Estado com base no paternalismo. Entretanto, durante a República Velha (1889-1930), não era
esta a conduta das classes dominantes em relação aos trabalhadores, como expressa a célebre frase
do presidente Washington Luiz e que, por diz er tudo, vale repetir aqui: “a questão social é uma
questão de polícia”.
Os anarquistas e anarco-sindicalistas tiveram grande influência na COB e, em menor
escala, os socialistas, o que explica, segundo Antunes (1988), a predominância de uma pauta de
cunho economicista no seio da classe operária. O movimento operário anarquista no Brasil, tal
como nos países de origem, principalmente na Itália e Espanha, não lutava pela efetiva superação
do capitalismo ou pelo poder estatal. E não admitia na sua doutrina a criação da organização
político-partidária das classes subalternas, impossibilitando a formação de um bloco hegemônico
de classes subalternas, pois não buscava a política de aliança com os demais setores dominados,
especialmente o campesinato.
Durante as duas primeiras décadas do século XX a hegemonia foi dos anarquistas. Eles
lutavam por acordos coletivos e contra a ação parlamentar, não aceitando, portanto, a legislação
trabalhista. Repudiavam o assistencialismo, a burocracia – as decisões eram sempre de todo grupo.
Seus métodos eram a ação direta, a luta imediata e o trabalho militante. Desenvolveram um intenso
trabalho de politização classista não só dos trabalhadores mas também envolvendo as famílias
(Mosna, 1999).

41
Os sindicatos foram “associações criadas pelos operários para sua própria segurança, para a defesa contra a
usurpação incessante do capitalista, para a manutenção de um salário digno, de uma jornada de trabalho menos
extenuante...” (Antunes, apud Cattani, 1985, p. 11).
79

Para os anarquistas, a principal arma dos operários deveria ser a greve, transformando-se-a
em revolta armada. Combatiam o capitalismo através de greves e sabotagens. Não aceitavam a
existência do Estado. Dele nada esperavam. A ação parlamentar era, também, desacreditada. No
entanto, embora ao movimento operário anarquista faltasse organização partidária, estratégia para a
ação e um sistema de alianças que criasse as bases para a sua influência política e social (Vianna,
apud Antunes, 1988, p. 65), sua luta puramente econômica não esteve distante na atuação concreta
do movimento sindical reformista (dos marítimos e ferroviários do Rio de Janeiro), o qual se
pautava por reivindicações também exclusivamente economicistas (Silva, apud Antunes, 1988, p.
64). Isso deu origem a uma intensa movimentação operária, sendo expressivo o número de greves
durante esse período, destacando-se, principalmente, as ocorridas em 1917 e 1919, que, inclusive,
se alastraram por todo o país. A greve de 1917 irrompeu em São Paulo e teve a duração de seis
dias, mas não alcançou as reivindicações principais (a principal era o aumento de salários,
conseguido um aumento de 20%, a greve acabou). Foi o marco inicial do declínio da liderança
anarquista no movimento sindical brasileiro.
A partir do início da década de 1920 desenvolveu-se a indústria, alterando a estrutura da
economia e da sociedade brasileira. Embora prevalecesse o caráter agrário-exportador da economia
e a hegemonia política e social das oligarquias rurais, o crescimento ocorrido durante o período da
1ª Guerra Mundial (1914-1918) duplicando a produção industrial do país, reforçou o processo de
concentração urbana e produziu novos atores sociais que começaram a lutar na busca de espaços
políticos para defesa de seus interesses (Azevedo, 1989). Assim, a classe oper ária cresceu
reforçada por novos contingentes de origem camponesa que, praticamente, diluíram a força de
trabalho anteriormente existente, ao mesmo tempo que impulsionavam o crescimento dos setores
médios e do empresariado industrial.
Essa nova configuração social pressionou o Estado oligárquico da República Velha
promovendo conflitos sociais que desaguaram na Revolução de 1930. A fundação do Partido
Comunista do Brasil (PCB), em 1922, deu lugar a uma nova concepção sindical que entendeu a
necessidade de associar a luta economicista à luta política institucional causando apreensão ao
Estado. A criação da Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB), em 1929
(Oliveira, 1989), do bloco Operário e Camponês que concorreu às eleições de 1930, ilustrou as
principais ações políticas da classe operária na década de 1920. A organização dos trabalhadores
construída no período anterior não teve condições de incorporar ao sindicalismo combativo o novo
contingente despolitizado e sem experiência sindical, mais as divergências profundas de concepção
e métodos de luta entre anarquistas e comunistas promovendo intensas disputas entre eles,
80

enfraqueceu o sindicalismo e contribuiu para a aniquilação dos anarquistas face à repressão policial
e às medidas governamentais após 1930.
Enquanto isso, os segmentos médios tiveram seus anseios políticos expressos em
acontecimentos como a Semana da Arte Moderna, em 1922, e no movimento Tenentista que
desencadeou a revolta dos militares. Entre as mais importantes estão a Revolta do Forte de
Copacabana (1922) e a Coluna Prestes (1927). A Aliança Liberal, liderada por Getúlio
Vargas, embora constituída por parcelas dissidentes da oligarquia rural, contemplou em seu
programa reivindicações dos segmentos médios, mas, sobretudo, representou uma visão
modernizante de setores da classe dominante brasileira (Azevedo, 1989, p. 5), caracterizada
pela intervenção do Estado na economia.
Em suma, até as duas primeiras décadas do século XX a intervenção do Estado era apenas
de caráter repressivo – a questão social era caso de polícia. As greves e outras manifestações
operárias eram violentamente reprimidas pela polícia, provocando prisões, feridos e mortes; os
sindicatos eram invadidos e fechados; as redações dos jornais operários eram empastela das; e
militantes estrangeiros eram expulsos do país (Mosna, apud Munakata, 1999).

2 3 O CONTROLE SINDICAL E A RESISTÊNCIA OPERÁRIA DE 1930 A 1945

O modelo de sindicalismo autônomo que vinha se desenvolvendo no Brasil teve um


corte a partir da Revoluçã o de 30.
Getúlio Vargas, derrotado nas urnas, chegou ao poder pelas armas em 3 de outubro de
1930, realizando não só a intervenção econômica – pondo fim à política do café com leite da
oligarquia cafeeira de São Paulo e Minas e à oligarquia dos usineiros do Nordeste, criando o
Instituto Brasileiro do Café (IBC) e o Instituto do Álcool e do Açúcar (Azevedo, 1989, p. 5) – mas
também a do sindicalismo – interferindo na organização dos sindicatos com o objetivo de
subordiná-los ao Estado (Oliveira, 1989).
A Revolução de 30 rompeu com o modelo agroexportador e instituiu um novo modelo
– a substituição de importações. Com o objetivo de neutralizar a pressão operária, oferecendo
as condições para impulsionar a industrialização, o governo substituiu o liberalismo por uma
nova doutrina, o corporativismo, inspirada no fascismo italiano. Segundo essa doutrina, o
liberalismo gerava luta de classe e caos social devido à ausência de legislação trabalhista que
regulasse a vida econômica. O corporativismo entendeu que para haver desenvolvimento era
necessário eliminar conflito, criar laços de colaboração e harmonia. Substituiu a noção de
81

classe por corporação, pois nessa os empregados e empregadores formavam um só grupo cujo
interesse era apenas um: o da defesa da profissã o (Mosna, apud Munakata, 1999).
Estabeleceu-se após 1930 uma política bifronte assentada simultaneamente na tentativa de
integração/manipulação das massas trabalhadoras. Com a justificativa de resolver a questão social,
o Estado passou a tutelar o movimento sindical e a intervir nas suas questões. Os meios
privilegiados nesse processo foram a legislação trabalhista e a estrutura sindical corporativa. Não
foi à toa que uma das primeiras medidas do governo provisório de Getúlio Vargas foi a de criar o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (novembro de 1930), para a aplicação da nova
política em relação ao sindicalismo (Oliveira, 1989) que imediatamente elaborasse um novo
projeto para reorganizar a atividade sindical no país. Com isso, a questão social deixava de ser
simplesmente uma questão de polícia, daí por diante as classes dominantes brasileiras para anular o
movimento sindical recorreram à repressão e à legislação trabalhista que amordaçou a classe
trabalhadora, além de exercerem uma brutal repressão aos sindicatos que ofereciam resistência a
sua implantação.
Como parte dessas medidas, em março de 1931, instituiu o Decreto-Lei 19.770 que
criava um sistema sindical corporativo, atrelado ao Estado, organizado verticalmente e por
categorias profissionais (Buonicore, 1998). Os sindicatos foram transformados em órgãos de
conciliação entre capital e trabalho, e regulamentados pela Lei de Sindicalização, eliminando-
se o princípio da liberdade e da autonomia sindical.
Os sindicatos passaram a ter seus recursos financeiros controlados pelo Estado e foram
definidos legalmente como órgãos de colaboração do Estado. As atividades políticas e
ideológicas foram proibidas, assim como a formação de organizações intersindicais ou
filiação a organizações sindicais internacionais (Azevedo, 1989).
A resistência do movimento sindical autonomista às normas estabelecidas pelo
Decreto-Lei 19.770/31, fortemente sentida no início do processo de implantação da Lei de
Sindicalização, foi esmorecendo. E enquanto o número de sindicatos reconhecidos pelo
Ministério do Trabalho aumentava em 73%, entre 1933 e 1934, os sindicatos operários
decresceram em 52% (Antunes, 1988, p. 85).
Em 1934, ante a pressão operária, o Decreto 24.694 recuava, fazendo voltar a
“pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos” (Antunes, 1988, p. 84), mas no
plano concreto as limitações à autonomia sindical persistiram, pois o sindicato continuou
definido como órgão “de colaboração com o Estado” (Rodrigues, apud Antunes, idem). Para
fechar esse ponto, em 4 de abril de 1935, a Lei de Segurança Nacional desencadeou uma onda
82

repressiva que tornou impraticável aos trabalhadores operar nos quadros de um sindicalismo
autônomo.
É significativo lembrar como os operários lutavam para não se subordinar ao
sindicalismo de Estado, mostrando de que maneira alguns setores da massa assalariada
reagiram frente à política de controle sindical, analisando, a partir da reação dos sindicatos, as
condições impostas pela Lei de Sindicalização.
Segundo Antunes (1988), o Decreto-Lei 19.770/31 criou condições sobre as quais,
pouco a pouco, se consolidou a estrutura sindical brasileira. Entre os seus princípios básicos já
constava a subordinação dos sindicatos ao Estado através da intervenção do Ministério do
Trabalho junto às diretorias. O seu caráter desmobilizador também se expressava nas
restrições impostas à atuação dos estrangeiros que constituíam a parcela politicamente mais
avançada dentre os operários, além da proibição explícita ao sindicato de exercer qualquer
atividade política e ideológica.
O projeto determinava também a existência de apenas um sindicato oficial por
categoria, proibia a unificação horizontal dos sindicatos e estabelecia uma estrutura sindical
vertical assentada nas federações e confederações. A lei proibia que os novos sindicatos se
filiassem a organizações internacionais sem a prévia autorização do Ministério do Trabalho. A
nova lei sindical estabelecia penalidades para o não cumprimento de suas determinações.
Penalidades que iam da simples multa até o fechamento do sindicato, passando pelas
intervenções e substituições de diretorias eleitas (Buonicore, 1998). Orientado por essa
concepção, o Estado forja um movimento sindical sem movimento. Ao regulamentar
inúmeras conquistas dos/as trabalhadores/as, dando caráter de outorga, o Estado buscou
apagar da memória um passado de lutas e conquistas da classe trabalhadora.
O conjunto de leis trabalhistas começava pela obrigatoriedade da carteira profissional.
Se hoje ela é considerada um documento ne utro e até como uma garantia e arma do
trabalhador, nasceu como um instrumento de controle e dominação. Além de ser documento
para efetivar a obrigatoriedade indireta de sindicalização, a carteira profissional, visava a
substituir as antigas carteiras emitidas pelos sindicatos que serviam para controlar as férias e
para identificar o seu portador como um trabalhador idôneo, garantido pelo sindicato. Ao
invalidar as carteiras sindicais, o novo documento retirava dos sindicatos mais um
instrumento através do qual esses buscavam o controle do mercado de trabalho (Mosna, apud
Munakata, 1999). A organização sindical passava a ser, obrigatoriamente, por categoria
profissional; era vedada toda atividade e propaganda política no interior do sindicato; proibida
a sin dicalização do funcionalismo público e a existência de Centrais Sindicais. Entre as
83

medidas editadas se destacavam normativas estabelecendo que o estatuto dos sindicatos


deveriam ser elaborados a partir de um estatuto padrão e submetido à aprovação do Ministério
do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC), os sindicatos só poderiam funcionar depois de
atender uma série de exigências e de receberem a Carta de Reconhecimento Sindical, e
poderiam sofrer intervenção ou ter sua Carta de reconhecimento cassada.
Mas, os mecanismos mais perversos do modelo corporativo – o chamado tripé do
peleguismo, da colaboração de classes – foram: a unidade sindical , sindicato único no âmbito
do município (eliminando a competição entre as diversas concepções sindicais 42 –
anarquista s, comunistas, socialistas – a qual forçava a um intenso trabalho de base) e o
imposto sindical , contribuição compulsória de todos os trabalhadores, filiados ou não, com
destinação basicamente assistencialista. Apartando recursos consideráveis, dispensava o
trabalho de sindicalização, na prática significativa que quanto menos sócios tivesse o
sindicato tanto melhor, pois eram menos pessoas para oferecer-lhes atendimento médico,
odontológico e recreativo. Permitia a existência de sindicatos sem sindicalizados, além de
facilitar a permanência dos dirigentes no aparelho, e o Poder Normativo da Justiça do
Trabalho, mediador dos conflitos entre patrões e empregados.
Os sindicatos deixaram de ser órgão de luta para serem um órgão de cooperação com
as metas do governo Getúlio Vargas.
A atuação dos trabalhadores nesse período, ilustra de forma clara, a resistência
imposta ao controle sindical do Estado. As categorias mais importantes no início da década de
1930 são dos trabalhadores gráficos, da indústria hoteleira e similares, metalúrgicos,
trabalhadores da Light, ferroviários, têxteis, bancários e comerciários. Este estudo destaca
algumas dessas categorias, entre as quais se situam as dos trabalhadores da indústria hoteleira
e similares e a dos trabalhadores gráficos pela combatividade com que atuaram no período
analisado.
Os trabalhadores da indústria hoteleira e similares, conforme Antunes (1988, p. 87-
88), foi uma das categorias mais combativas da década de 1930. Em suas críticas à Lei de
Sindicalização, enfatizavam que “a sindicalização criada pelo outubrismo é a reprodução fiel
da “Carta Del Lavoro” 43, imposta ao proletariado italiano. Colocaram-se também “contra

42
A luta operária neste período era dirigida por algumas tendências que influenciavam o movimento. Os
anarquistas se agrupavam na Federação Operária de São Paulo (FOSP); os socialistas criaram a Coligação dos
sindicatos Proletários em 1934; e os comunistas a partir de 1932 optaram em trabalhar por dentro dos sindicatos
oficiais na tentativa de criar as “Frações Vermelhas” (Azevedo, 1989, p. 5).
43
A “Carta del Lavoro ”, instituída em 1927, na Itália pelo regime fascista de Benito Mussolini foi a verdadeira
inspiração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
84

fascistização do movimento sindical”, apoiando o repúdio de 40 sindicatos do Rio Grande do


Sul à carta de sindicalização e declarando que “o Ministério do Trabalho foi criado para
exercer o controle dos sindicatos, com o único objetivo de, através de uma série de enganos e
manobras, facilitar aos patrões a realização de sua política de diminuição de salários, de
aumento de horas de trabalho, para não cumprir as leis que favorecem os trabalhadores”.
Também postulavam uma luta independente, fora do sindicalismo oficial, como a única forma
de defesa dos interesses operários. Outra categoria que mostrava uma prática combativa e
autonomista era a dos trabalhadores gráficos. Essa categoria organizou um comitê
intersindical de combate, patrocinado pela União dos Trabalhadores Gráficos (U.T.G.) e
destinado a realizar a frente única de todas as organizações existe ntes à época, em São Paulo.
A fim de conservar as conquistas realizadas no passado, a U.T.G. lutou em torno de
questões imediatas, denunciando as características da Lei de Sindicalização e reivindicando a
mais completa liberdade de organização.

Sobre a Lei de Sindicalização, a U.T.G. enfatiza: O traço característico do


governo surgido da vitória do movimento de 1930 foi a tentativa de fazer
frente às tendências espontâneas das corporações operárias a organizarem-se
dentro de sindicatos de luta de classes.
O controle desejado das organizações operárias pelo Estado está expresso na
famigerada Lei de Sindicalização, a única lei na ‘república nova’ pode-se
dizer, que não engana, que não nega os seus fins. O objetivo do Decreto
19.770 é limitar a ação direta do proletariado nas suas reivindicações, isto é,
cercear a nossa defesa nas lutas quotidianas contra o patronato pela
interposição do aparelho burocrático do Ministério do Trabalho. Ao mesmo
tempo que amortece o espírito de luta da massa operária, a lei de
sindicalização organiza o controle do Estado sobre a vida das organizações
sindicais (O Trabalhador Graphico, n. 11; apud Antunes, 1988, p. 90).

Segundo Antunes (1988), a U.T.G. criticava violentamente a concepção oficialista da


União dos Trabalhadores em Livros e Jornais do Rio de Janeiro (U.T.L.J.), procurando
mostrar que a quebra de relações com o Ministério do Trabalho não jogaria este sindicato na
ilegalidade, pois ele continuaria com a sua personalidade jurídica garantida pelo Código Civil,
isto é, estava atrelado ao Estado, e o mesmo ocorreria com outros sindicatos que ou já
nasceram dentro das condições impostas pela Lei de Sindicalização ou não conseguiram

A doutrina fascista entendia o Estado como o árbitro do conflito de interesses entre a classe trabalhadora e a
patronal. Este Estado postado acima das classes e em nome dos interesses nacionais deveria combater tanto os
excessos do capitalismo quanto os das reivindicações trabalhistas, diluindo as diferenças entre patrão e
empregado e anulando a luta de clas ses.
Na prática, esta doutrina serviu aos interesses patronais. Tanto na Alemanha como na Itália, a organização
sindical dos trabalhadores foi desmantelada pela repressão e a exploração do trabalho intensificou -se.
A “Carta del Lavoro” foi revogada com a queda do regime fascista italiano em 1943, mas a sua memória é
preservada na CLT brasileira, ainda em vigor (Oliveira, 1989, p. 9).
85

manter-se autônomos com relação ao Estado, aceitando desde logo as condições impostas
pelo governo.
Depreende -se do estudo de Antunes (1988) que a maioria dos sindicatos existentes até
1930 que se pautavam pela prática autonomista e representativa não aceitaram passivamente o
seu enquadramento no sindicalismo oficial. Também na categoria dos gráficos, fortemente
influenciados pelos comunistas desde os fins da década de 1920, foi intensa a luta pela
preservação dos sindicatos autonômos e representativos. Essa influência foi sentida mais
fortemente depois de 1931 pela atuação da Liga Comunista, de te ndência trotskysta, que se
separou do P.C.B. Durante alguns anos desenvolveu-se uma atuação sindical autônoma e
independente do Estado. Entretanto, a partir de 1935, também os gráficos subordinaram-se às
determinações legais, pois uma nota veiculada no jor nal O Trabalhador Graphico, de 7 de
fevereiro, anunciava que o sindicato procurava adaptar-se às novas condições da legislação do
país e para tanto requereu o seu reconhecimento junto ao Ministério do Trabalho (apud
Antunes, 1988, p. 91).
Entre 1930 e 1935 efetivou-se o confronto entre o sindicalismo independente e o
atrelado. Os sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho passaram a ser
subvencionados pelo Estado, fato que daria origem à burocracia sindical. O movimento
sindical do período anterior , caracterizado pela livre organização e sem ser reconhecido pelo
Estado, resistiu à tentativa de tutela pelo Governo Vargas e, em conseqüência, foi
intensificada a repressão policial de 1935 em diante contra o sindicalismo, destruindo-se por
completo a or ganização independente e estabelecendo-se a hegemonia dos sindicatos oficiais
e da burocracia sindical sobre os trabalhadores.
Em 1937, através de um golpe militar, Getúlio Vargas instalou uma ditadura e o
denominado Estado Novo passou a praticar uma política de intensa repressão às lideranças
combativas da classe trabalhadora, combinada com o prestigiamento dos “pelegos” 44. O
sindicalismo imposto por Vargas procurou tirar dos sindicatos o seu caráter reivindicatório, de
instrumento de unificação e de encaminhamento das lutas operárias. Aos poucos, os
sindicatos foram assumindo um papel assistencialista e recreativo, passando a ser dirigidos
por lideranças que fizeram o jogo dos patrões. As lideranças autênticas foram reprimidas,
mortas ou exiladas. Os sindicalistas “pelegos” deixaram de mobilizar as categorias, passando

44
Lideranças sindicais que faziam “o jogo dos patrões” (Azevedo, 1989, p. 5).
86

a utilizar os recursos do imposto sindical45 para enfraquecer o movimento operário autônomo.


Com um pequeno número de sócios, os “pelegos” 46 poderiam dar uma boa assistência médica
e odontológica, garantindo, assim, um colégio eleitoral fiel para a sua perpetuação na direção
do sindicato, retirando o seu papel de luta (Azevedo, 1989).
Em 1º de maio de 1943, o Decreto-Lei 5.452 instituiu a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) que procurava or ganizar e hierarquizar toda a legislação e normas criadas
pelo Estado desde 1930, reafirmar para os funcionários públicos a proibição de sindicalização
e para os sindicatos a interferência do Ministério do Trabalho. A CLT definiu e normatizou
um amplo conjunto de questões, entre as quais as que diziam respeito às condições de
trabalho e salários, à estabilidade, à organização dos trabalhadores em associações e aos
conflitos entre empregados e empregadores.
A Consolidação das Leis do Trabalho, reforçou a política de trazer para dentro dos
órgãos do governo as disputas levadas pelo movimento sindical. Conforme Lima (1998, p.
15), “a CLT é a estratificação de um processo deformado, de uma legislação arbitrária e
antioperária. Se ela tem caráter paternalista, de um lado, tem do outro caráter antioperário,
limitativo dos direitos mínimos dos trabalhadores e assegura a exploração de classe”.
Quando a CLT foi implantada e a resistência dos trabalhadores cresceu, Getúlio
Vargas, habilmente, criou a Justiça do Traba lho, que é uma justiça especializada, com o fim
de resolver questões entre o capital e o trabalho. A criação dessa justiça intensificou a
presença do Estado no condicionamento da relação capital e trabalho, mas a favor das classes
dominantes.
O regime do salário mínimo e outros direitos garantidos aos trabalhadores na CLT, como
exemplo, férias anuais remuneradas, jornada de oito horas de trabalho, proteção ao trabalho das
mulheres e de menores de 18, entre outros, eram reivindicações antigas do proletariado, mas
apareceram como dádivas de Getúlio. A legislação trabalhista formalizou, jurídica e politicamente,
as relações das classes assalariadas entre si, com os empresários e o poder público, consolidada na
Ditadura de Vargas, não impediu, contudo, que o salário mínimo continuasse abaixo dos índices do
custo de vida, tendo continuidade, então, o confisco salarial. A política de massas foi desenvolvida
para que determinadas etapas do desenvolvimento industrial se efetivassem, pois cuidou para que o
salário rea l e o custo de vida se adequassem ao progresso industrial. A essa conciliação de

45
O imposto sindical foi um dos elementos do peleguismo, sendo os dirigentes sindicais eleitos com a anuência e
fiscalização do Ministério (Governo). Essa política reduziu os sindicatos e seus dirigentes em instrumentos de manobras
políticas e implicou a delimitação e controle das condições de atuação política das classes assalariadas.
87

interesses em benefício da industrialização e em nome do desenvolvimento nacionalista, chamou-


se democracia populista47.
A compreensão dessa questão impõe algumas considerações sobre a fenomenologia do
populismo 48. Depois da década de 1930, o populismo difundiu-se entre as classes populares,
incorporando, crescentemente, a classe operária e o campesinato. Ele aparecia na
incapacidade de auto-organização e como decorrência do esta tismo 49, mas, segundo Boito Jr.
(1991a, p. 87), não excluiu necessariamente a organização e as ações reivindicativas, entre as
quais a luta sindical, embora excluisse a luta partidária organizada pela representação no
Estado. Ou seja:

O populismo é uma assimilação-transformação pequeno-burguesa da


ideologia política burguesa do Estado, como entidade acima das classes
sociais. Nessa assimilação-transformação é atribuído ao Estado, entidade
supostamente neutra e todo-poderosa, a função de agir em nome das classes
populares, organizando uma política global que dê forma às aspirações
difusas dos trabalhadores anestesiados pelo populismo. À burocracia civil e
militar do Estado é atribuída a função de substituir a organização partidária
dos trabalhadores (Boito Jr., 1991a, p. 87-88).

Em suma, a política de massas funcionou como uma técnica de organização, controle e


utilização da força política das classes assalariadas, particularmente o proletariado. O modelo
ditatorial de controle dos sindicatos foi uma conseqüência da estrutura sindical montada. O
Estado impôs um estatuto padrão, controlou o processo eleitoral, depôs uma diretoria sindical
eleita e controlou as finanças do sindicato na medida em que a representação sindical e os
próprios recursos financeiros foram uma outorga sua. Essa estrutura sindical, acompanhada
dos seus “efeitos jurídicos tutelares” mais ou menos rígidos ou flexíveis, foi o espaço onde se
desenvolveu o sindicalismo de Estado, cuja ideologia estatista 50 serviu como “cimento”
(Gramsci, apud Boito Jr., 1991, p. 54) da estrutura sindical.

46
Os “pelegos” deram lugar ao peleguismo - prática inerente à estrutura da legislação trabalhista que mantinha
os sindicatos operários e dos setores médios dependentes, geralmente do Ministério do Trabalho, pelo controle
dos seus recursos financeiros – que contribuiu para o intercâmbio entre as diversas classes sociais no país.
47
Populista porque o modelo ditatorial de Getúlio Vargas apresentou-se como um modelo “democrático” de
controle do Estado sobre os sindicatos oficiais (Boito Jr., 1991, p. 54).
48
Boito Jr. (1991a, p. 87) entende o populismo como um “fenômeno político difuso e de aparência enganosa e
fugidia”. Este autor coloca que na idéia formulada por Décio Saes “pode-se dizer, sinteticamente, que o
populismo implica necessariamente a valorização do Estado; mas pode suscitar, em certas condições, a
valorização do sindicato; e provoca obrigatoriamente a desvalorização do partido político” (Saes, apud Boito Jr.,
ibidem ).
49
A inércia político-partidária das massas penetradas pela ideologia populista é a contrapartida do estatismo
(Boito Jr., 1991a, p. 87).
50
A ideologia estatista no plano sindical apresenta-se sob a forma de um legalismo sindical. O sindicato só é
considerado como tal por ser um organismo oficial, isto é, por ser um organismo reconhecido em lei, pelo
Estado, como um sindicato (idem, 1991, p. 54).
88

Nesse contexto é que se coloca o problema dos encadeamentos entre movimentos de


massa e partidos políticos no Brasil. Se antes de 1930 os partidos políticos eram estaduais ou
nominalmente nacionais, atendendo interesses de oligarquias e grupos regionais – o conjunto
de trabalhadores (da classe média, como bancários, comerciários, trabalhadores de escritório,
funcionários públicos), operários e setores médios populares eram excluídos do sistema
político da República Oligárquica (idem, p. 56). Depois de 1945 surgiram múltiplas
combinações, chegando a ser os partidos definidos como de direita ou esquerda,
independente de sua definição no plano federal, pois com a Constituição de 1946 criaram-se
os partidos nacionais, funcionando segundo os interesses locais e regionais.
A maioria dos sindicalistas e trabalhadores que aderiu, a partir de 1930, ao estatismo
sindical, associou esse estatismo ao reformismo. Esse é o estatismo do tipo populista (=
estatismo associado à aspiração por reformas sociais, reformas que visavam a melhorar as
condições de trabalho e de vida dos trabalhadores), disseminado pela ideologia do populismo
sindical. A tutela do Estado sobre os sindicatos aparece aos olhos do trabalhador ou
sindicalista penetrado pela ideologia populista como uma vantagem, e é assim que o
legalismo populista legitima a estrutura sindical. Nesse caso é um legalismo-estatismo
sindical “de esquerda”. Tal tipo de legalismo populista, embora as dificuldades encontradas
no fim do ciclo de governos populistas em 1964, está presente, de maneira desigual, na Força
Sindical, onde ele se encontra subordinado ao legalismo de direita 51, e na CUT, apesar das
fissuras que a ideologia da legalidade sindical sofreu no interior dessa central (Boito Jr., 1991,
p. 57).

2.4 DE 1945 A 1964 – A ASCENSÃO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES

O ano de 1945 marcou o fim da ditadura de Getúlio Vargas e início do processo da


Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Este período se estendeu até 1964 e caracterizou-
se pela ascensão das lutas dos trabalhadores, iniciado ainda durante a ditadura e detido em
1947 pela política repressiva do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra. Em 1946 foi
criada a Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB) como resposta à fragmentação
do movimento sindical e à proibição das classes dominantes dos sindicalistas terem uma
representação central forte (Lima, 1998), pois mesmo ante a pressão dos trabalhadores pela
autonomia sindical, a Constituinte negou-se a restabelecê-la, mantendo inalterada a CLT.

51
Legalismo-estatismo sindical que se consolidou a partir do golpe militar de 1964 (Boito Jr., 1991, p. 57).
89

Muitos dos sindicalistas romperam com o trabalho de massas e foram para


organizações paralelas. Os pelegos se aproveitaram disso e se fortificaram. Os trabalhadores,
percebendo que estavam isolados, de 1949 em diante, começaram a voltar aos sindicatos. A
volta aos sindicatos causou muitos conflitos com os interventores. Nas assembléias havia
discussões, pancadaria e gente presa. Dessa forma, em 1950, os sindicatos foram libertados
dos interventores. Em 1951, houve uma das mais importantes greves dos bancários em São
Paulo, que durou 69 dias, projetando a figura de Jânio da Silva Quadros 52, vinculando-se aos
movimentos populares contra a Lei de Segurança Nacional. O exemplo dessa greve mostrou
aos trabalhadores que era possível a organização das comissões fora dos sindicatos, já que
dentro deles era praticamente impossível (Lima, 1998).
O ano de 1953 marcou novo momento de intensas lutas. Uma greve geral mobilizou
300.000 trabalhadores, particularmente em São Paulo. O Comando Intersindical de Greve
(CISG) representou uma boa experiência e foi transformada no Pacto de Unidade Intersindical
(PUI) uma tentativa de coordenar a luta das diversas categorias de trabalhadores (Oliveira,
1989). Em 1957 e 1959 as paralizações na fábrica de aut omóveis Ford, em São Bernardo,
fizeram parte de movimentos mais amplos e contaram com a participação de várias categorias
de São Paulo, ABC e interior (Rodrigues, 1999, p. 11). Em 1960, o Pacto de Unidade
Intersindical ajudou a constituir outra articulação intersindical, o Pacto de Unidade e Ação
(PUA). Também a greve de funcionários públicos civis reivindicava a equiparação salarial
com os militares. Em 1962, nova greve geral, mais abrangente que a de 1953, terminou
vitoriosa nas reivindicações salariais. Neste ano também foi fundado o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT). Conforme Lima (1998, p. 27), “o CGT teve como ponto de partida esse
processo de ascensão do movimento sindical, que se deu depois que os comunistas
abandonaram a idéia da União Geral de Trabalhadores (UGT)”.
Em síntese, nesse período o movimento dos trabalhadores reivindicava o direito de
greve, aumento salarial, tecia críticas ao alto custo de vida e queria reformas de base, entre
outras exigências de caráter eminentemente político.
Entre os anos de 1950 e 1962, principalmente, surgiram organizações paralelas (CISG,
PUI, PUA, CGT), visando a unir diferentes sindicatos nas suas lutas, o que não era permitido
pela legislação vigente. Proibiram-se as organizações sindicais de se estruturarem
horizontalmente.

52
Na época, vereador em São Paulo, mas em 1952, vencedor nas eleições para prefeito, virou o herói da União
Democrática Nacional (UDN). Era a sua outra face (Lima, 1998, p. 24).
90

Caracterizava-se essa fase pelo sindicalismo populista 53 que se, por um lado,
dinamizou o movimento da classe trabalhadora através das citadas organizações paralelas, não
chegou, por outro, a contradizer, a denunciar a estrutura sindical existente. Entre seus
componentes havia um grande número de trabalhadores ligados ao serviço do Estado
(transportes coletivos, marítimos, ferroviários, serviços portuários, assim como de empresas
estatais, como as refinarias de petróleo). Essas categorias ligadas mais diretamente ao governo
eram, por isso mesmo, mais facilmente influenciadas por ele.
Outra característica desse período que convém destacar foi a valorização das cúpulas.
Excluindo de suas atividades a parcela imensa dos trabalhadores que, do seu sindicato,
manteve -se afastada, a luta política acabou sendo apanágio de poucos, como se democracia
pudesse ser conquista de uma vanguarda. Amplos segmentos da classe operária não foram
mobilizados, organizados e sequer representados. Provavelmente, tal quadro constituiu um
dos fatores que contribuíram para que não houvesse reação ao movimento militar de 31 de
março de 1964. A partir daquele movimento, pressionaram-se de modo incisivo, as
organizações dos trabalhadores e outros setores da sociedade brasileira.

2.5 DE 1964 A 1978 – O SINDICALISMO POPULISTA E BUROCRÁTICO

O movimento sindical foi um dos setores mais duramente atingido pela repressão
imposta pelo golpe militar de 1964, em virtude de sua integração na luta pelas reformas de
base então presentes na sociedade brasileira. As intervenções nos sindicatos proliferavam.
Não satisfeito com a legislação existente para o controle dos sindicatos, o governo promulgou
inúmeras leis: lei de greve, abolição efetiva da negociação salarial e outras, também foi
constante no período a repressão policial.
A articulação do Movimento Intersindical Anti-Arrocho (MIA), em 1967, embora de
curta duração, ilustra a resistência operária ao arrocho salarial da época. No ano de 1968,
ocorreram greves acompanhadas de ocupação de fábrica em Osasco (SP) e em Contagem
(MG), além de movimentos populares (estudantes e operários). Os governos militares ainda
não haviam conseguido silenciar o movimento sindical brasileiro, e quando o fizeram com a
decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), cercearam fortemente as manifestações contrárias
ou de questionamento ao Regime, mas por pouco tempo, de 1968 a 1972. Entretanto, nesse

53
O sindicalismo populista é peculiar porque é economicista, no sentido que representa uma forma de
organização “inacabada” dos trabalhadores; é apartidário porque é estatista; quanto a sua forma de organização,
91

curto período de tempo, a violenta repressão, desencadeada em 1968, após os movimentos de


Contagem e Osasco que tentaram reverter o quadro de imobilismo e acomodação do
movimento sindical, “foi o prenúncio do endurecimento que resultou na exclusão dos
sindicatos do cenário político brasileiro” (Schürmann, 1998, p. 27).
Instaurado o legalismo-estatismo sindical que vinha se consolidando, principalmente a
partir do golpe de 1964, um estatismo de direita, associado à aspiração por uma
regulamentação estatal do sindicalismo que favorecesse a manutenção da ordem capitalista
dependente tal qual ainda existe no Brasil. A partir de então, os sindicatos “participavam
anualmente da renovação dos acordos salariais coletivos, transformados em ritual de
homologação dos percentuais de reajuste ditados pelo governo, sobretudo se ocuparam da
questão de serviços assistencialistas que constituíam a destinação obrigatória dos recursos
vindos da contribuição sindical” (Almeida, apud Buonicore, 1998/99).
O sindicalismo populista que se instaurou não deixou de refletir o estatismo e a
fragilidade da vida associativa. A falta de organização nos locais de trabalho era uma
característica marcante e necessária desse sindicalismo populista e burocrático. Os
trabalhadores esperavam que o sindicato, organismo que identificavam com o Estado, tomasse
a iniciativa de defender os interesses dos assalariados.
Boito Jr. (1991a) ilustra a dimensão e profundidade da penetração da ideologia
populista nas classes trabalhadoras descrevendo duas modalidades de greves típicas desse
sindicalismo. A greve de adesão passiva, que se impunha de fora e se instaurava graças à
prática dos piquetes de massa, tendo como alvo de ação a massa de trabalhadores e não uma
minoria que se negava a aderir à greve. Nesse tipo de greve, os trabalhadores acatavam a
palavra de ordem vinda do sindicato oficial porque se identificavam com a plataforma de
reivindicações e viam o sindicato e sua diretoria como “autoridades legalmente capacitadas”
para tomar a iniciativa da greve. 54 Nessa modalidade, o trabalhador não organizava a greve,
mas sim o sindicato oficial. Este, investido de um poder outorgado pelo Estado, decretava a
greve e o trabalhador aderia a ela. Outro tipo particular de greve do sindicalismo populista era
a greve demonstrativa à guisa de súplica, e, segundo os sindicalistas, visava a “chamar
atenção das autoridades para os problemas dos trabalhadores”. Saes (apud Boito Jr., 1991a, p.
91) referiu a essa modalidade de greve, não como greves de luta, ou de demonstração de
força, mas como uma espécie de queixa dirigida ao Estado-providência para chamar a atenção

se assenta sobre sindicatos de Estado, cuja representatividade e recursos materiais são outorgados pelo Estado e
independem da ação voluntária e consciente dos trabalhadores (Boito Jr., 1991a, p. 89).
92

aos problemas dos trabalhadores. A greve aspirava a provocar a ação protetora, pelo alto, do
Estado, isto é, uma ação que independesse da representação política organizada dos
trabalhadores no bloco do poder. As organizações sindicais, pode -se dizer, se limitavam a
fornecer assistência média, odontológica, jurídica e de lazer.
Por volta de 1973, o movimento sindical voltou a articular-se através de greves
localizadas. Entre esse ano e 1974, diversas fábricas de São Paulo e do ABC foram cenários
de inúmeros tipos de movimentos grevistas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e
Diadema iniciou uma campanha para superar seu distanciamento da base, moldando uma
linha de resistência coletiva que acabou por alterar profundamente as relações de trabalho nas
empresas, tornando-se referência para o conjunto do país (Sader, apud Schürmann, 1998).

As alterações basearam-se: a) em um crescente envolvimento do sindicato na


luta pela defesa econômica da categoria e melhores condições de trabalho,
reivindicando nas campanhas salariais reajustes acima dos índices fixados
pelo governo e melhores condições de trabalho; b) na adoção de uma
estratégia pautada por um extremo legalismo, entendido como lutas que não
ferissem a legislação trabalhista; c) na persistência em suas reivindicações
num contexto em que as vitórias tinham de ser sempre reconquistadas; d) na
capacidade de assumir a luta pelos direitos dos trabalhadores, ao mesmo
tempo em que se difundia a idéia de que a diretoria do sindicato, sozinha,
pouco poderia fazer (Schürmann, 1998, p. 35).

Em 1978 e 1979 as lutas dos trabalhadores, a partir das greves do ABC paulista, se
estenderam para todo o país. A organização sindical era revolucionada em toda a sua extensão
por uma intensa participação dos trabalhadores. Os sindicatos, até então travados pela
burocratização, passaram por um processo de transformação em suas estruturas que os
tornaram mais apropriados para encaminhar a organização e a luta. Muitos deles se
autonomizaram em relação ao Estado.
Os funcionários públicos e os professores também foram influenciados pela nova
conjuntura, construíram as suas entidades de classe ou transformaram as já existentes,
atribuindo-lhes um caráter sindical. Entre esses movimentos destacou-se o dos professores
gaúchos. O Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), fundado em
1945, durante o período de 1972 a 1979, passou por profundas transformações na sua
estrutura, aparecendo um perfil sindical na entidade e a construção do conceito de professores
como trabalhadores.

54
Cfr. entrevista concedida por Durval Aparecido Carvalho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
Campinas, em abril de 1988 (Boito Jr., 1991a, p. 90).
93

2.6 DE 1978 A 1990 – O SINDICALISMO COMBATIVO OU “AUTÊNTICO”


(NOVO SINDICALISMO)

O início desse período foi marcado pelas greves do ABC paulista e que se estenderam
por todo o país nos anos seguintes. O dia 12 de maio de 1978 marcou a eclosão da onda
grevista quando os trabalhadores da Ford reforçaram a paralisação na Scania e ganharam a
adesão dos outros setores, descontinuando a produção. Seguiram-se as greves gerais dos
metalúrgicos do ABC em 1979, com cerca de 100 mil trabalhadores, e 1980 galvanizaram as
atenções sobre o ABC.
Em entrevista coletiva realizada com a Comissão de Fábrica da Ford55, os entrevistados
deixaram claro que a greve de 1978 não foi uma “coisa solta no ar”, um “fato novo” que irrompera
espontaneamente, mas “um trabalho que já existia dentro da fábrica”, apontando para um “trabalho
articulado”, desconhecido – porque anterior – dos ativistas que estavam “começando”. Essa
distinção “é fundamental para tratar a tradicional combatividade dos trabalhadores da Ford como
um fato histórico e não como mote 56 de um discurso político” (Rodrigues, 1999, p. 29).
Na trajetória do sindicalismo combativo, encontra-se que o ascenso das lutas operárias,
iniciado em 1978, abriu um novo período no desenvolvimento do movimento operário
brasile iro, considerado o mais importante de sua história, que recebeu a denominação de novo
sindicalismo brasileiro.
Os grandes passos dados pelas massas trabalhadoras brasileiras fundamentaram-se em
uma realidade social inquestionável: o crescimento industrial, a urbanização acelerada e a
mudança da política agrária trazida pela expansão capitalista no campo. O proletariado, em
1980, teve seu peso social fortalecido frente às demais classes sociais e se impôs na defesa de
seus interesses de classe vitais, rompendo barreiras que a burguesia construira, ao longo de
décadas, para manter a classe desorganizada, atomizada e marginalizada. Um dos fatos mais
importantes daquele ano foi o Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição a Estrutura
Sindical (ENTOES) que discutiu a experiência dos trabalhadores na luta contra o sindicalismo
atrelado e a CLT.
A aproximação entre sindicalistas autênticos e os militantes das pastorais favoreceu
em fevereiro de 1980 o I Encontro de Monlevade, resultando na tomada de resoluções
relacionadas à democratização da estrutura sindical, que propunha a conquista de um novo

55
Entrevista com membro da Comissão de Fábrica da Ford publicada na Rev ista Ensaio, n. 15/16, p. 236, 1986
(Rodrigues, 1999, p. 29-31).
94

Código de Trabalho. Foi proposta também a criação de mecanismos de consulta, reuniões e


trocas de experiências para incentivar a articulação entre o movimento sindical e os
movimentos populares na cidade e no campo. No II Encontro da categoria – Encontro de São
Bernardo –, estreitou-se a aproximação entre os sindicalistas autênticos e as organizações
ligadas à Igreja Católica, pastorais, Comunidades Eclesiais de Base e oposições sindicais. Os
participantes, influenciados pelo forte peso político dos movimentos sociais ligados à Igreja,
defenderam a unificação do sindicalismo com os movimentos sociais por intermédio da
criação da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais, ANAMPOS (Doimo,
apud Schürmann, 1998).
Nos anos que se seguiram, foram realizados mais encontros, produzindo sempre novas
transformações no interior da organização sindical. Isso fez que a década de 1980 registrasse
um extraordinário crescimento do número de sindicatos e, a partir de 1988, o surgimento de
inúmeras entidades de funcionários públicos. O corporativismo fracionante, a multiplicação
de entidades e a sua não articulação nas centrais ou intersindicais apareceram como os
principa is fatores de fragilização do movimento (Cattani, 1991).
Um balanço desse período aponta que “o sindicalismo brasileiro viveu na década de
1980 um momento particularmente positivo” (Antunes, 1997, p. 80). Houve enorme
movimento grevista, expressiva expansão do sindicalismo dos assalariados médios e dos
setores de serviços, nascimento das centrais sindicais e avanços nas tentativas de organização
nos locais de trabalho e na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao
Estado.
Duas correntes despontaram dentro do sindicalismo brasileiro no período. Uma delas,
surgida no início dos anos 70 entre os metalúrgicos do ABC paulista, reivindicou mudanças
na legislação trabalhista e na política salarial. Opunha-se ao cerceamento do direito de greve e
lutou por uma participação mais efetiva dos trabalhadores nos órgãos de classe e pela
organização sindical a partir da empresa. Essa corrente (novo sindicalismo ou sindicalismo
autêntico) deu origem à Central Única dos Trabalhadores – CUT – fundada em São Bernardo,
São Paulo, num grande encontro de trabalhadores, em 27 de agosto de 1983.
A outra corrente (Unidade Sindical) lutava também por mudanças na CLT, mas não
via a legislação vigente como um entrave para um sindicalismo forte e organizado. Esta
corrente liderada pela Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT –, foi
criada em 4 de novembro de 1983, por dirigentes sindicais, em Praia Grande, São Paulo.

56
Conceito em geral expresso numa quadra ou num dístico para ser glosado (servir de nota explicativa, ficar nas
entrelinhas ou servir à crítica), (Ferreira, 1977, p. 364 e 257).
95

2.7 DEPOIS DE 1990 – SINDICATOS EM CRISE

O ingresso na década de 1990 reservou sérias dificuldades para o movimento sindical.


O Brasil entrou em amplo processo de reforma econômica e de redefinição das funções e
estrutura do Estado. A liberalização do comércio exterior, as privatizações e a reforma da
administração pública, ao mesmo tempo em que se modificava o papel do Estado, foram
construindo seu aparato administrativo. O reformismo brasileiro foi moderado em
comparação com o dos vizinhos latino-americanos. Numerosos atores políticos, burocráticos e
sociais participaram das negociações e influenciaram nos seus resultados. Entre esses atores
estão os sindicatos (Almeida, 1998).
De acordo com o mesmo autor, o poder sindical pode ser resultado de atributos dos
grupos sociais e passou a depender sobretudo das características da organização corporativa.
Entretanto o corporativismo declinava, em razão das dramáticas mudanças nas próprias
condições institucionais e sistêmicas que lhe deram alento. O número e o poder relativo das
centrais sindicais variaram durante a década de 1980, destacando-se um número significativo
de sindicatos não filiados a nenhuma das centrais existentes (CUT, CGT1, CGT2, USI e
FS) 57. A Constituição de 1988 confirmou as mudanças introduzidas nos anos anteriores e
acrescentou outras contribuindo para a criação de um corporativismo no plano dos sindicatos
combinado com o pluralismo no nível das centrais. Como resultado, aumentou a
desconcentração do sistema de intermediação de interesses, induzida, de modo especial, pela
ausência de controles burocráticos e pela multiplicação das contribuições compulsórias.
Embora a densidade sindical, o número de entidades aumentou de tal forma que, em 1998, o
corporativismo exibia uma estrutura dispersa e descentralizada. Faltava -lhe coesão política.
As diferentes centrais sindicais ou sindicatos específicos tendiam a agir basicamente como
grupos de pressões com estratégias diversas.
A situação que se apresentava mostrava a intensificação das adversidades no plano
político sem que os setores de esquerda conseguissem forjar uma alternativa re al de poder; a
disposição para a realização de greves e mobilizações arrefeceu ainda mais das baixas taxas
de crescimento e do aumento do desemprego; a prática da negociação coletiva perdeu espaço
para a defesa do emprego por conta do cenário econômico e da ausência de política salarial; e
os problemas organizativos do movimento sindical desdobraram-se em uma crise interna que
chegou a paralisar a CUT, a mais importante organização sindical do país.

57
CUT – Central Única dos Trabalhadores; CGT1 – Central Geral dos Trabalhadores; CGT2 – Confederação
Geral dos Trabalhadores; USI – União Sindical Independente: FS – Força Sindical.
96

A participação mais intensa do movimento sindical em espaços de negociação


institucionais ocorreu no momento histórico da redução do poder de mobilização dos
trabalhadores, em função do processo de reestruturação produtiva que afetou o emprego
formal e as condições de trabalho. A conjugação da reestruturação produtiva com a
estabilização da economia reduziu o poder de mobilização dos trabalhadores e introduziu
novos temas na agenda sindical, inclusive os de ordem institucional. O espaço mais
representativo da atuação institucional do movimento sindical, pelas sua s características, foi o
CODEFAT. Tratava -se de um fórum tripartite, paritário, deliberativo, legal (constitucional),
permanente, de âmbito nacional, que estabelecia diretrizes para a aplicação dos recursos do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) 58, através das Comissões Estaduais e Municipais de
Emprego.
Em suma, o sindicalismo dos anos de 1990 já não se caracterizava somente pela
mobilização em torno das negociações de data-base, dos reajustes salariais e das greves
massivas de categorias. O papel do sindicato foi sendo redefinido pelo surgimento de uma
nova agenda de questões, como desemprego, participação nos lucros e resultados,
remuneração variável, produtividade, flexibilização das normas reguladoras das relações
capital-trabalho, reestruturação das empresas e dos setores, reforma do Estado, privatização,
redução e flexibilização da jornada de trabalho, abertura da economia, integração regional,
questões de gênero, trabalho infantil, reforma agrária, entre outras. Evidenciava-se, também,
um avanço de ação, com maior participação no espaço das políticas públicas.

2.8 A ESTRUTURA SINDICAL BRASILEIRA

O relato efetuado pelo historiador Augusto Buonicore 59, no final de 1998 e início de
1999, dá conta que a Revolução de 30 teve conseqüências profundas sobre o estruturamento
político-jurídico do Estado brasileiro e refletiu no movimento sindical. Ele evidencia também
as contradições dessa estrutura marcada por resistência e cisões entre correntes sindicais.
Segundo esse historiador, o sindicalismo brasileiro no pós-1930 não foi mais o mesmo que
fora nas décadas anteriores. As condições históricas particulares em que se deu a revolução
levaram ao surgimento de um Estado cuja composição política interligou as oligarquias

58
Criado pela Constituição de 1988, o FAT é o maior fundo público do país. Seus recurso s são oriundos do
PIS/Pasep e destinam-se ao financiamento das políticas do sistema nacional de emprego: intermediação de mão-
de-obra, seguro -desemprego, formação profissional, informações sobre o mercado de trabalho e programas de
geração de emprego e renda (Pochmann, Barreto e Mendonça, 1998, p. 18).
97

agrárias dissidentes à nascente burguesia industrial e à burocracia estatal (civil e militar). A


nova correlação de forças excluiu a possibilidade da hegemonia política de uma das forças
sociais integrantes do bloco no poder.
Nesse período, o equilíbrio instável de forças entre as diversas frações das classes
proprietárias possibilitou uma maior autonomia da burocracia estatal, permitindo-lhe aplicar
uma política de desenvolvimento (industrialização mais incorporação das massas populares)
que não coincidia inteiramente com os interesses imediatos de nenhuma das classes no poder.
A tentativa de incorporação, de maneira subordinada, das massas populares urbanas ao Estado
visava à constituição de uma base social (popular) de apoio ao projeto de desenvolvimento
engendrado pela burocracia estatal.
Estabeleceu-se após 1930 uma política bifronte assentada na tentativa de
integração/manipulação das massas trabalhadoras. Os meios privilegiados nesse processo
foram a legislação trabalhista e a estrutura sindical corporativa. Não foi sem propósito que
uma das primeiras medidas do governo provisório de Getúlio Vargas foi criar o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, e que este, imediatamente, tenha elaborado um novo projeto
para reorganizar a atividade sindical no país e, assim foi, conforme já mencionado, que, no
início de 1931, o governo baixou o Decreto 19.770, criando um sistema sindical corporativo,
atrelado ao Estado, que se organizava verticalmente e por categorias profissionais.
Escouto (1991) refere que falar sobre a estrutura sindical brasileira significa abordar a
forma como as entidades se inserem no contexto social, político e legislativo do país. Nessa
direção, argumenta, partindo do princípio de que o sindicato é um tipo de associação que
congrega trabalhadores com interesses comuns, que o normal seria tais associações haverem
surgido naturalmente em nossa sociedade. Mas, pelo contrário, a congregação dos
trabalhadores em sindicatos não decorreu de sua livre organização. A forma de organização
da classe trabalhadora foi ditada pelo Estado que, através de leis, não se limitou apenas a
traçar diretrizes, mas, indo muito além, definiu até mesmo os fins a que se destinam as
entidades sindicais.
Isso é evidenciado na velha estrutura sindical brasileira 60 que tem como princípios
básicos:

59
Augusto Buonicore é doutorando em ciências sociais pela UNICAMP/SP e membro do Conselho de Redação
da Debate Sindical.
60
In: CUT – Por uma Nova Estrutura Sindical. Subsídios para discussão sobre a questão sindical. São Paulo:
Secretaria de Formação CUT Estadual, 1987.
98

O corporativismo sindical (para dividir e enfraquecer os trabalhadores) – o interesse


governamental em utilizar as estruturas corporativas, seja para controlar, seja para cooptar
sindicatos e entidades patronais, contribuiu para sua perpetuação (Almeida, 1998) , além disso,
as organizações corporativas foram parte essencial de um modo específico de relacionamento
entre o Estado e a sociedade, denominada por alguns autores “matriz centrada no Estado”
(Cavarozzi, apud Almeida, 1998, p. 6); o verticalismo sindical (para manter o controle dentro
da própria organização sindical); a conciliação de classes (para harmonizar os conflitos entre
patrões e trabalhadores); a submissão ao Estado (para garantir qualquer tipo de intervenção);
o assistencialismo (para desviar a ação sindical); o imposto sindical (para resolver, como
forma paternalista, o problema da sustentação financeira); o controle financeiro por parte do
Estado (para evitar que os trabalhadores decidam investir nas lutas); e o controle político
(para o Estado decidir sobre quem pode dirigir um sindicato).
A partir desses princípios, foram montadas centenas de normas e regulamentos, de
casuísmos. Até mesmo um Estatuto padrão foi imposto aos sindicatos pelo Ministério do
Trabalho. Com todo esse aparato, os patrões e o governo, ajudados por dirigentes sindicais
pelegos e reformistas, garantiram o controle sindical do ponto de vista ideológico, político,
organizativo e financeiro. Esse cerco sobre os trabalhadores só foi sendo quebrado pela força
e organização dos trabalhadores através das mobilizações, das greves, das lutas e da
resistência às intervenções.
Em 1987, a CUT lutava para avançar na elaboração de uma proposta de uma nova
estrutura sindical de acordo com o avanço das lutas travadas, de acordo com os interesses do
conjunto dos trabalhadores da cidade e do campo, na tentativa de derrubar de vez com esta
estrutura sindical, propondo princípios voltados para a ampla democracia; um sindicato
classista e de luta ; o desenvolvimento de uma ação sindical de combate a todas as formas de
exploração, tanto na cidade como no campo; a mais ampla liberdade e autonomia sindical;
organização sindical por ramo de atividade produtiva, desde os locais de trabalho até a
Central Sindical, seu órgão máximo; eleições sindicais livres e diretas em qualquer instância;
criação pelos trabalhadores de formas de sustentação financeira que garantam o
desenvolvimento da luta; sindicalização, o novo sindicalismo buscará a sindicalização de
todos os trabalhadores visando ao fortalecimento da luta, da organização e da autonomia
financeira; e unidade sindical, sempre pela base.
Conforme Escouto (1991, p. 15), “atrelada ao Estado e limitadora da livre e autônoma
organização dos trabalhadores, a estrutura sindical brasileira, que vem desde o governo
Getúlio Vargas, mantém-se até hoje e é pouco conhecida pelo conjunto dos trabalhadores”.
99

A legislação imposta por Getúlio Vargas organizou os sindicatos por categorias


profissionais, dividiu os trabalhadores no local de trabalho, manteve uma estrut ura vertical,
tendo no topo da pirâmide o Governo Federal e o Ministério do Trabalho, conforme mostra a
figura abaixo:

GOV.
FED.

Exerce o controle sobre a estrutura sindical


MIN.TRAB.

Coordena as federações de uma cat egoria ou de


categorias afins. Sua jurisdição é o território
CONFEDERAÇÃO nacional, sendo a sua sede em Brasília. Não
podem associar-se entre si.

Coordena os sindicatos de uma mesma


categoria. Geralmente corresponde ao
FEDERAÇÃO território de um Estado, sendo sua sede na
capital.

Associa os trabalhadores de uma mesma


categoria profissional.
SINDICATO Geralmente corresponde ao território de um
grupo de municípios.

Esta estrutura sindical ainda é definida pela Consolidação das Leis Trabalhistas. A
Constituição de 1988 consagrou o princípio da liberdade e autonomia sindical, mas vedou ao
poder público a interferência e a intervenção na organização sindical, o que por si só deslocou
o Ministério do Trabalho da posição que ocupava na pirâmide. Por outro lado, a Constituição
faz referência ao sistema confederativo, legitimando-o. Ocorre que a par de tal princípio
existe todo um elenco de normas jurídicas, ainda vigentes, que estão muito distantes de deixar
transparecer uma forma livre de organização.
Assim, a organização dos trabalhadores em sindicatos é feita levando-se em conta a
identidade de funções exercidas por esses e tomando-se por critério o ramo de atividade do
empregador. De modo que só é permitida a organização em sindicatos a trabalhadores de
mesma atividade. A legislação brasileira previu, além da figura do sindicato, a federação e a
confederação, desde que “mantido o mesmo critério de organização, ou seja, mesma atividade
exercida pelos trabalhadores, e, tomando-se o ramo de atuação do empregador por parâmetro,
resulta uma estrutura sindical vertical” (Escouto, 1991, p. 15).
Explicando o porquê dessa montagem, Escouto (ibidem) escreveu:
100

Os trabalhadores do mesmo ofício (mesma profissão). Por exemplo,


bancários, metalúrgicos, professores) agrupam-se em sindicatos; os
sindicatos que congregam trabalhadores de mesmo ofício podem agrupar-se
e criar uma federação. Esta, por sua vez, agrupando-se a outras, pode criar
uma confederação. Tem-se uma verdadeira hierarquia sindical que mantém
os trabalhadores circunscritos ao seu ramo de atuação, através de uma
legislação que não contempla formas espontâneas de associação.
O mesmo (sistema) aplica-se às entidades sindicais representativas de
empregadores (patrões), correspondendo a cada entidade de trabalhadores
uma entidade de empregadores.

Além desses aspectos relativos à organização da estrutura, o Estado determina a forma


de custeio do sistema. Ou seja, o governo disciplinou a contribuição financeira para a
manutenção do sistema vertical existente, estabelecendo o imposto sindical, equivalente ao
valor de um dia de trabalho, pago compulsoriamente por todos os trabalhadores. O valor
arrecadado é rateado de forma a contemplar todos os segmentos envolvidos na estrutura,
estabelecendo os seguintes percentuais: 5% para a confederação; 15% para a federação; 60%
para o sindicato; e 20% para o Ministério do Trabalho (conta especial, emprego e salário).
No que concerne à relação capital/trabalho, a simples demonstração da estrutura
sindical talvez não deixe claras as conseqüências que se fazem sentir. A estrutura sindical
brasileira, que tem um suporte totalmente legal, não se limita apenas a determinar a forma de
organização, mas estabelece também os limites para a atuação das entidades sindicais. Outro
fato relevante é a existência da Justiça do Trabalho especializada para julgar questões
trabalhistas.
Em conclusão, se constata na atual estrutura sindical brasileira que o Estado determina
as formas possíveis de organização da classe trabalhadora, ou pelo menos aquela que será
rec onhecida dentro do ordenamento jurídico. O Estado estabelece os limites de atuação das
entidades sindicais e determina a forma de custeio do sistema. Caso as entidades sindicais
representantes de empregados e empregadores não equacionem os problemas trabalhistas de
comum acordo, o Estado chama para si o direito de compor o conflito através do Judiciário,
inclusive com o poder de decidir sobre a validade ou não do exercício do direito de greve. Tal
situação consiste na total organização da relação capital/trabalho.

2.9 O SINDICALISMO DE ESTADO

Por sindicalismo de Estado entende-se o modelo “democrático” de tutela (controle) do


Estado sobre os sindicatos oficiais (Boito Jr., 1991, p. 54). Esse sindicalismo, apresentando uma
forma organizativa, métodos de ação e objetivos característicos, possui também uma ideologia
101

estatista. A maioria dos sindicalistas e trabalhadores que aderiram, a partir da década de 1930, ao
estatismo sindical, associou esse estatismo ao reformismo, buscando, na implementação de
reformas, melhores condições de trabalho e de vida.
Os trabalhos sobre sindicalismo no Brasil contemplam o tema do sindicato de Estado e
alguns deles fornecem elementos para se pensar o sindicalismo de Estado como um sistema dotado
de características e funções permanentes. No entanto, nenhum deles procura sistematizar os
elementos invariantes da estrutura do sindicato de Estado, as componentes fundamentais de sua
ideologia e os efeitos que essa estrutura e essa ideologia produzem, independentemente das
variações conjunturais, sobre a organização e a luta sindical dos trabalhadores. Inspirado nessa
problemática, Boito Jr. (1991a) desenvolveu cinco teses tentando demonstrar que 1) a estrutura do
sindicato de Estado fixa limites intransponíveis à prática sindical e o faz de tal modo que esse
aparelho acaba por desempenhar a 2) função exclusiva e permanente de desorganizar o movimento
sindical das classes trabalhadoras; nessa análise ele atribui uma função precisa à ideologia
sindical própria do sindicalismo de Estado: 3) é essa ideologia que permite a reprodução do
sindicato oficial e que torna eficiente os seus mecanismos desorganizadores na medida em que
induz todas as correntes sindicais nacionalmente representativas a aderirem ao sindicato oficial e 4)
a aspirarem, mesmo quando no plano do discurso afirmam o contrário, a tutela do Estado sobre a
organização sindical; tal aspiração é, conforme ele procura argumentar, a característica básica da
ideologia do sindicalismo de Estado e nada mais significa do que 5) uma manifestação localizada
da ideologia populista.
As variações possíveis da prática sindical são, no sindicato de Estado, limitadas, pois ele é
sempre, e ao contrário do que se passa com outros tipos de sindicalismo, uma instituição que
amortece o conflito de classes. A adesão ao sindicato de Estado não é ocasionada pela repressão
governamental, mas uma manifestação localizada da ideologia populista. É essa ideologia que
torna possível o controle da cúpula do Estado sobre os sindicatos. A debilidade organizativa do
movimento operário brasileiro, no período aberto pela Revolução de 1930 e que se estende até a
atualidade, coexiste com permanentes e massivas manifestações de insatisfação e de
inconformismo no meio operário e popular. Enquanto ramo subalterno do aparelho de Estado, o
sindicato oficial está subordinado à cúpula da burocracia estatal. O Estado concede a
representatividade e o poder de negociação ao sindicato oficial, através do seu reconhecimento
como organismo que representa um determinado segmento de trabalhadores. Trata -se da
investidura sindical, que se consuma na concessão, pelo Estado, da carta de reconhecimento ou
102

carta sindical, característica fundamental do sindicato de Estado. 61 Todas as demais características


do sindicato de Estado são decorrências da investidura sindical.
No regime de sindicalismo de Estado, suprime-se a liberdade sindical na medida em que se
concedem privilégios – monopólio legal da representação, recursos financeiros – à atividade
sindical desenvolvida no interior do sindicato oficial e submetida às normas de funcionamento
desse aparelho sindical. A investidura sindical, a unicidade sindical e as contribuições sindicais
obrigatórias por força de lei geram um aparelho sindical integrado ao Estado e separado dos
trabalhadores. Tal situação estrutural do aparelho sindical oficial produz efeitos que, muitas vezes,
são tomados pela estrutura que os produz. A destituição das diretorias sindicais pelo Ministério do
Trabalho, a imposição de um estatuto padrão, o controle das finanças dos sindicatos, o peleguismo,
a ausência de organização sindical nos locais de trabalho, o assistencialismo e a organização
fragmentada por categorias profissionais não constituem a estrutura sindical. São efeitos
contingentes dessa estrutura, ou seja, são decorrências da existência de um aparelho sindical cuja
representatividade e recursos materiais são uma outorga do Estado.
O sindicalismo de Estado mantém os trabalhadores dispersos (não os organiza nos
locais de trabalho) e induz ao culto populista do Estado. E mesmo que chegasse a estimular o
sentimento de oposição ao patronato, o faria reforçando a expectativa de se recorrer à ação
protetora do Estado.

Desse modo, o sindicalismo de Estado mina a acumulação de forças que


poderia ser propiciada pela atividade sindical. Afasta os trabalhadores das
concepções revolucionárias: antagonismo de classes, caráter de classe do
Estado, e debilita a sua luta reivindicatória (Boito Jr., 1991, p. 249).

Este autor também esclarece que esse é o efeito desorganizador do sindicalismo de


Estado no nível das concepções ideológicas e da estrutura organizativa do movimento
sindical. Ele funciona mais como uma estrutura de seleção de lideranças 62. A estrutura de
seleção de lideranças própria do sindicalismo de Estado refle te, no nível da prática sindical, o
caráter burguês do Estado brasileiro.
Através do sindicalismo de Estado, a classe operária não pode viabilizar uma política de
alianças. Suas características estruturais – dispersão dos trabalhadores, seleção de lideranças

61
Azis Simão, na obra Sindicato e Estado, editada em 1996, denomina investidura sindical a outorga, pelo
Estado, do poder de representação dos trabalhadores aos sindicatos oficiais, e não o ritual que cerca o ato dessa
outorga, que é um aspecto secundário e dispensável dessa relação (apud Boito Jr., 1991a, p. 27).
62
Armando Boito Jr. e Décio Saes, “O peleguismo e o sindicato unitário”, jornal Movimento, 7 de julho de 1980
(Boito Jr., 1991a, p. 249).
103

burguesas, desenvolvimento do culto populista do Estado – tornavam o sindicalismo de Estado um


movimento necessariamente dependente do bloco no poder.

Erickson, em rigoroso estudo histórico, “mostrou que toda ação sindical de


envergadura sob o governo Goulart, inclusive as greves mais importantes como a
greve geral de julho de 1962, dependeu, para ser bem sucedida, do apoio ou da
neutralidade de um setor do governo e, principalmente, da cúpula das forças
Armadas”.63 José Albertino Rodrigues sintetizou esse tipo de dependência
avançando duas teses fundamentais: a) o sindicalismo de Estado colocou o
movimento sindical na “dependência extrema e direta da correlação de forças no
plano político”; b) esse sindicalismo não permitiu que o movimento sindical
fosse um movimento “oposicionista ao grupo político dominante”64 (Boito Jr.,
1991a, p.263).

Boito Jr. (ibidem) resume essa situação afirmando que “o sindicalismo de Estado é
governista ou reboquista e defensivo”. E avança, como tese mais geral, a idéia de que o
sindicalismo de Estado é um sistema funcionalmente integrado que mantém uma conexão objetiva
com o interesse político da burguesia. E polemiza com a tese segundo a qual a função do sindicato
de Estado varia, sem limite estrutural definido, de acordo com a conjuntura e a correlação política
das forças. Conclui que o sistema do sindicalismo de Estado articulava diversos elementos: um
aparelho sindical (o sindicato de Estado: sindicatos oficiais, burocracia do ministério do Trabalho e
burocracia da Justiça do Trabalho), uma ideologia (a ideologia da legalidade sindical, que é
manifestação da ideologia populista), modalidades próprias de ação reivindicativa (ação
reivindicativa tutelada pela Justiça do Trabalho) e uma base social específica (perfil de retaguarda
da massa de sindicalizados). Esses elementos se encontravam articulados numa totalidade
integrada, ou seja, no sistema do sindicalismo de Estado.
Após cerca de 15 anos de controle e repressão estatal às organizações de trabalhadores,
surgiu no Brasil o “novo sindicalismo”. Para Mangabeira (1993, p. 13), “a criação do movimento
refletiu a capacidade dos trabalhadores de aproveitar o recente processo de liberalização para exigir
um aprofundamento da democratização”. As greves de 1978, no ABC paulista, colocavam em
questão a própria base do acordo corporativo entre as classes e a legitimidade das lideranças
sindicais burocráticas que dominavam a maioria das organizações de trabalhadores no Brasil,
naquela época. Esse novo movimento sindical buscou romper simultaneamente com os
procedimentos burocráticos e clientelistas da liderança pós-1964 e com as práticas populistas que
prevaleciam antes do golpe militar.

63
Paul Kenneth Erickson. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 138-164
Boito Jr. (1991a, p. 263).
64
José Albertino Rodrigues. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1971. p. 172-179 (Boito
Jr., idem).
104

Entretanto a estrutura sindical brasileira não entrou em crise com as greves de massa em
1978 porque não se constituiu nenhuma força social que agisse conscientemente no sentido de
suprimir aquela estrutura. O que esteve em crise no período aberto pelas greves foi o modelo
ditatorial de gestão do sindicalismo de Estado implantado pela ditadura militar. A relação
sindicato-trabalhador era “uma relação frouxa e distante, determinada tanto pelo aparelho do
sindicato de Estado como pela ideologia da legalidade sindical” (Boito Jr., 1991a, p. 238). A CUT
não tinha uma posição clara e consistente contra a estrutura sindical. As correntes sindicais mais
poderosas que integraram a CUT lutaram, fundamentalmente, contra esse modelo ditatorial de
gestão do aparelho sindical de Estado – controle policial dos sindicatos, monopólio do peleguismo
sobre o aparelho sindical, determinação dos reajustes salariais exclusivamente através de decretos
governamentais – mas não lutaram contra a estrutura sindical. Significa que as correntes sindicais
cutistas lutaram contra os efeitos jurídicos tutelares da estrutura sindical e não contra os elementos
essenciais da estrutura sindical. Complementando esse pensamento, o mesmo autor diz que nada
do que os petistas propunham e, ao contrário do que pensavam, poderia ser obtido sem a destruição
do sindicato de Estado. Isto é, sem a extinção da investidura sindical, da unicidade sindical, de
todos os impostos sindicais e da ação normativa e tutela da Justiça do Trabalho sobre a luta
sindical.

2.10 O MOVIMENTO SINDICAL E OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO

O neoliberalismo é o liberalismo com r oupagem nova. Nascido da Revolução Industrial do


século XVIII, no decorrer do tempo o liberalismo foi reelaborado enquanto sistema de idéias que
concebe o homem e a sociedade como sujeitos e produtos da construção da livre concorrência e da
ação dos mais competentes.
A crise do Estado liberal, nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, colocou
em dúvida a consistência das bases liberais capitalistas devido à acentuada crise política e
econômica decorrente dos conflitos internacionais que resultaram no desfecho dessa guerra. A
teoria política que, naquele momento histórico, sobressaiu-se como solução para os países
capitalistas, teve seu expoente maior na figura de J. M. Keynes, cientista político e filósofo que
construiu a teoria macroeconômica, Theory of Employment Interest and Money (1936), que tratava
da composição e da variação da renda global (Barre, 1964), que passou a se chamar Keynesiano,
baseado nos conceitos de Estado como provedor do bem estar social.
Nas décadas de 1950 e 1960, período de grande crescimento capitalista, alguns pontos do
neoliberalismo foram utilizados e ajustados conforme o interesse e as necessidades dos
105

governantes que adotavam as políticas intervencionistas então hegemônicas. O esgotamento dos


modelos estatizantes e a crise mundial de 1973 recolocaram o neoliberalismo como a grande saída
para o progresso da humanidade, embora as teorias liberais tenham sido marcadas pela falta de
moderação e um poder destruidor das conquistas sociais chocante.
No Brasil, o liberalismo, em termos econômicos e sociais, não é uma coisa nova. Em 1888,
foi abolida oficialmente a escravidão negra, mas daquela data até 1930 vigorou um férreo
liberalismo econômico e um privatismo completo nas relações sociais. A propaganda “liberdade de
trabalho” encobria uma brutal exploração e o desrespeito a direitos humanos básicos, enquanto os
gastos públicos não chegavam a 10% do PIB e se destinavam à garantia da segurança interna
(Araújo, 1998).
O liberalismo econômico no Brasil, sob certos aspectos, significou a continuidade do
escravismo. A diferença entre o braço escravo e o livre representava apenas uma diferença na
forma de investimento em mão-de-obra. Por sua vez, o privatismo na ordem social tinha bases
constitucionais. A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, vedava à União
legislar sobre o direito do trabalho, previdência social e saúde, sob a alegação das elites da
necessidade de garantir a autonomia dos Estados. Na verdade, a “política dos governadores” e as
teses autonomistas disfarçavam a resistência da burguesia brasileira em estabelecer normas
mínimas de proteção ao trabalho.
Portanto, no período de 1888 a 1930, o que prevaleceu no Brasil foi uma total
informalidade no mercado de trabalho. Inexistiam leis trabalhistas e contratos coletivos de trabalho
reconhecidos pelo patronato. Nem mesmo o contrato de locação de serviços, previsto no Código
Civil, era respeitado. A admissão, as condições de trabalho e a demissão eram acertadas oralmente,
não tendo o trabalhador garantia de empr ego, aviso prévio e nenhuma indenização, mesmo que já
tivesse muitos anos no emprego. Eram comuns os atrasos de salários e não havia nenhum
instrumento legal que obrigasse o patrão a efetuar o pagamento. A jornada de trabalho atingia até
15 horas diárias e as mulheres e crianças eram submetidas a condições de trabalho particularmente
duras. Praticamente em todos os ramos econômicos não havia direito de férias nem descanso
semanal remunerado. Os acidentes de trabalho eram comuns em função das péssimas condiç ões de
trabalho a que eram submetidos os operários.
Como inexistiam saúde e previdência públicas, a situação dos trabalhadores nos momentos
mais delicados de suas vidas era desesperadora. Nos casos de doença, invalidez, velhice,
maternidade e morte, os trabalhadores não contavam com qualquer cobertura previdenciária e de
saúde nem do Estado nem das empresas. Nessas situações, ou eles tinham algumas economias
106

pessoais ou passavam a depender do apoio de familiares, eram internados em asilos ou


simplesmente morriam por falta de atendimento.
O Estado, amplamente hegemonizado pela burguesia agrária, se omitiu na sua tarefa de
criar regulamentos básicos nas relações de trabalho que pudessem impor limites ao privatismo
reinante. Em toda a República Velha, foram aprovadas apenas quatro leis trabalhistas que
versavam sobre o trabalho dos menores, das mulheres, sobre acidentes de trabalho e outra,
sancionada em 1926, mandando conceder 15 dias de férias para uma parte dos trabalhadores.
Essas leis tinham alcance limitado e viraram letra morta na medida que eram descumpridas
amplamente pelos patrões. Em 1930, uma figura representativa do empresariado paulista, José
Ermírio de Morais, protestou junto ao Ministro do Trabalho contra a lei de férias de 15 dias.
Alegando dific uldades materiais de execução da Lei de Férias, via nela um mecanismo anti-social,
“(...) pois faz com que o trabalhador adquira hábitos de ociosidade que hoje ele não tem” (Pinheiro
e Hall, apud Araújo, 1998, p. 15).
Inexistindo organismo estatal para supervisionar a questão trabalhista, os conflitos
trabalhistas caíam na jurisdição do Código Penal, sendo tratados como simples casos de polícia. Na
ocorrência de conflitos trabalhistas, não se recorria ao Ministério do Trabalho, que só passou a
existir em 1930, e sim ao delegado de polícia, quase sempre articulado com os empresários. Assim,
“a agitação operária é uma questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social;
representa ela o estado de espírito de alguns operários, mas não o estado de uma sociedade”
(Rodrigues, apud Araújo, ibidem).
Entretanto, desde o final do século XIX, e particularmente no início do século XX, os
trabalhadores resistiram ao privatismo econômico e social e realizaram dezenas de mobilizações e
greves, como ocorreu em São Paulo, em 1917. Tudo acontecia numa conjuntura onde eram
negadas as mais elementares liberdades democráticas, em que os sindicatos eram constantemente
invadidos e fechados e os dirigentes presos e deportados.
Esses acontecimentos tinham como precedentes dois episódios do início do século XX,
ocorridos no mundo, mas que marcaram a vida social brasileira. 1) a Revolução Russa, de 1917,
que propugnava uma transformação radical na sociedade, de caráter socialistas; 2) o Tratado de
Versalhes, em 1919, patrocinado pelas principais nações capitalistas, que o Brasil foi levado a
subscrever, assumindo compromissos com uma maior regulamentação do trabalho e associando-se
à recém-criada OIT – Organização Internacional do Trabalho.
Foi nesse clima, pressionada por agitações internas e por uma conjuntura internacional
marcada por revoluções sociais, que a burguesia brasileira, se viu obrigada a realizar algumas
mudanças no liberalismo econômico então vigente.
107

Em 1926, uma Emenda à Constituição de 1891, previu finalmente que ao Congresso


Nacional competia “legislar sobre o trabalho e sobre licenças e aposentadorias”. Encerrava -se, em
termos jurídico-legais, o longo período de liberalismo econômico puro, onde o trabalho, a saúde e a
previdência social eram tratados como fatores de mercado quaisquer.
Essa mudança na conjuntura nacional e internacional dando lugar a uma maior
regulamentação do trabalho no Brasil foi expressa com precisão pelo industrial paulista Jorge
Street, em 1919: “o velho mundo já passou pela fase de resistência e teve que ceder. Nós devemos
nos conformar com o inevitável e queimar etapas que os outros já venceram. Isto me parece de boa
e sã política para nós” (Morais Filho, apud Araújo, 1998, p. 16).
Portanto, no Brasil, como em todo o mundo, as reformas sociais foram resultado da
pressão dos trabalhadores, através de suas mobilizações e greves, e foram “aceitas” pelas
elites conservadoras, majoritárias no Parlamento e no Executivo, como forma de estabilizar a
ordem capitalista. Foi a típica política de ceder os anéis para não perder os dedos. Foi essa
tese que justificou a introdução no Brasil da legislação previdenciária e trabalhista.
Getúlio Vargas ao sancionar a legislação trabalhista e previdenciária, o fez com propósitos
anticomunistas. Em sua atit ude, não há indício de hostilidade ao capital, e sim de garanti-lo, e o
melhor meio para isso está, “(...) justamente, em transformar o proletariado numa força orgânica de
cooperação com o Estado e não o deixar, pelo abandono da lei, entregue à ação dissolvente de
elementos perturbadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e de Família” (Heloisa Martins,
apud Araújo, 1998, p. 17).
Isso pode ser visualizado no fato de que a legislação trabalhista e previdenciária foi
sancionada dentro do princípio que norteou a Revolução de 1930: “façamos a revolução antes
que o povo a faça” (Araújo, 1998, p. 17).
Na década de 1990, o chamado socialismo real entrou em colapso, isto é, não se realizaram
os prognósticos de grande parte das correntes socialistas de que no Leste europeu revoluções
políticas ou auto-reformas evitariam o retorno ao capitalismo. Depois de longas décadas de
isolamento e ostracismo, o liberalismo voltou à cena política, batizado de neoliberalismo,
inicialmente com Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e,
gradativamente, assumiu a hegemonia na maioria das nações do planeta.
Com a falência do socialismo real e com a esquerda desnorteada e dividida, a burguesia
reunificou-se em torno de teses profundamente conservadoras que advogavam o individualismo
nas relações sociais, a redução da carga tributária, o corte dos direitos sociais e trabalhistas, a
desregulamentação dos mercados financeiros e das economias, a privatização maciça das estatais e
108

um Estado mínimo. Com isso, o Estado vem sendo crescentemente privatizado, com o corte de
direitos sociais e o remanejamento de recursos para o pagamento de encargos financeiros.
Sem um sistema social concorrente, os capitalistas abandonaram suas fantasias reformistas
e, além de não quererem ceder os dedos, passaram a exigir a devolução dos anéis. Os neoliberais
falam que estão reformando a ordem social e qualificam a esquerda de conservadora porque quer a
sua manutenção. Trata -se de um embuste político e publicitário. As reformas tais como se
entendem historicamente são mudanças progressistas e que ampliam os direitos da cidadania.
No Brasil ocorreu uma mudança extremamente rápida nos últimos anos. Em 1988, o
Partido dos Trabalhadores recomendou que seus deputados não assinassem a Constituição devido
aos seus limites políticos, como era o caso da reforma agrária. Hoje, luta-se para que não se mude o
texto constitucional. Uma Constituição que encerra inúmeros direitos sociais, ainda não
regulamentada, foi atropelada poucos anos depois de sua promulgação.
Peculiaridades do neoliberalismo no Brasil – Para se entender a consolidação do
neoliberalismo no Brasil, é preciso conhecer algumas particularidades políticas e econômicas deste
modelo econômico. O país ao longo das últimas décadas enfrentou um processo inflacionário
devastador, isto é, de 1.1 milhão por cento. No final da década de 1970 e no início da década de
1980, existiu, sobretudo em São Paulo, um movimento popular massivo contra a carestia, que
realizava atos públicos amplos, passava abaixo-assinados e enfrentava a ditadura militar.
Diante de uma inflação galopante, o governo implementou o Plano Real que conseguiu, de
fato, reduzir a inflação para patamares muito baixos. Foi possível, num primeiro momento, um
ganho para as camadas mais pobres da população que não contavam com contas remuneradas e
com mecanismos de indexação de seus parcos rendimentos.
Com o apoio popular que conseguiram num primeiro momento, os neoliberais criaram uma
âncora política para implementar as contra-reformas no Estado. Todas as medidas, afirmam, são
pré-condições para se garantir a estabilidade econômica e a inflação baixa. Esse é o álibi que a
burguesia utiliza para implementar as contra-reformas (econômica, administrativa, previdenciária,
trabalhista e outras) que estão mudando os rumos do Brasil.
Uma segunda peculiaridade do neoliberalismo no Brasil é que, além das estatais, está em
curso uma ampla privatização dos serviços públicos e, que representam uma das faces mais
visíveis da desintegração social. Por isso vem sendo aprofundada a privatização da saúde e
previdenciária sem que haja uma maior resistência da sociedade.
O processo de inserção na globalização do qual o Brasil vem participando (MERCOSUL e
ALCA) fortalece esse caminho privatista da seguridade social. A integração dos países em blocos
comerciais tem importantes implicações nas legislações trabalhista e previdenciária. Para que as
109

empresas continuem competitivas, as legislações dos países do Mercosul precisam ser neutras, isto
é, equivalentes em termos de custos de produção. Uma das características básicas dos Mercados
Comuns tem sido a mobilização de mão-de-obra.
Mas em que base se propõe essa harmonização da legislação trabalhista e previdenciária?
Na adoção do modelo de política social dominante, na maioria dos países, em particular aquela
vigente nos Estados Unidos: corte generalizado dos direitos trabalhistas, privatização da
previdência e da saúde e enfraquecimento ainda maior da negociação e contratação coletivas do
trabalho.
A privatização da seguridade social na América Latina, inspirada no modelo chileno, é um
verdadeiro absurdo. Primeiro: mesmo privatizados, os planos de saúde e previdência permanecem
compulsórios, ou seja, o Estado conferiu capacidade tributária para as seguradoras, além do que o
Estado e o patronato se desobrigam do custeio, deixando-o a cargo unicamente dos trabalhadores.
Segundo: as receitas da Previdência foram privatizadas, mas o passivo vem sendo estatizado
(pagamento do estoque de aposentadorias e pensões e devolução das contribuições dos
trabalhadores em atividades efetuadas ao sistema público de previdência); além disso, como os
aposentados e pensionistas perderam a cobertura solidária dos trabalhadores em atividade, a
previdência para eles deixou de ser um pa cto pela vida e virou um pacto de morte. Terceiro: como
o modelo privado de previdência é concentrador de renda, fica para o Estado a complementação de
um benefício mínimo. Quarto: todos os benefícios da assistência social, para os quais não existem
fontes contributivas, as aposentadorias e pensões dos militares ficam sob a responsabilidade do
Estado.
Uma terceira particularidade do neoliberalismo no Brasil é a existência de uma burocracia
sindical neoliberal – a Força Sindical – que vem apoiando as propostas governamentais e também
procura liderar a implementação de tais propostas. A Força Sindical apoiou a reforma
administrativa e o fim da estabilidade dos servidores: sua proposta inicial de Contrato Temporário
de Trabalho; apóia a privatização da Previdência e a flexibilização geral da legislação trabalhista,
sendo exemplo a redução de salários.
Finalmente, cabe ressaltar que a estrutura sócio-econômica brasileira é meio caminho
andado para as propostas neoliberais. O governo quer precarizar o mercado de trabalho, mas, tal
como no velho liberalismo, mais da metade dos trabalhadores brasileiros já é informal, e os que
têm carteira assinada não possuem qualquer garantia no emprego e suas condições de trabalho são
precárias. O governo quer restringir drasticamente a amplitude dos serviços públicos, mas no
Brasil, na prática, não existe a universalidade e a integralidade na cobertura dos serviços públicos, e
110

o peso do setor privado já é muito expressivo. Assim, as propostas neoliberais vão concentrar ainda
mais a renda e a riqueza, o que já é uma realidade no país.
Muitos dos direitos sociais foram implantados através de um viés corporativista visando a
atender as demandas dos segmentos mais organizados dos trabalhadores e com maior capacidade
de pressão política e, portanto, não se tornaram universais.
Quando não conseguiram que o Estado atendesse às suas demandas, como no caso da
saúde, previdência e educação, diversos segmentos dos trabalhadores passaram a pleitear a
concessão de incentivos fiscais para que pudessem comprar serviços privados. Nessa perspectiva, a
crítica aos impostos é menor porque não existe uma contrapartida em termos de serviços públicos,
mas porque o Estado retira recursos que seriam necessários para a ampliação da compra de
serviços privados. Assim grande parte dos serviços públicos passou a ter como clientela somente as
camadas mais pobres da população.
Consolidou-se, então, uma cultura no Brasil de que os serviços públicos são para gente
pobre. Isso favorece a estratégia neoliberal que busca empurrar uma parte expressiva da população
para os serviços privados, tornando os serviços públicos cada vez mais seletivos e precários e
voltados somente para as parcelas mais miseráveis da população. Pode -se, então, dizer que a linha
de cortes estabelecida no Brasil para os serviços públicos – para os pobres – e serviços privados –
para as classes médias – é compatível com o neoliberalismo que trabalha pela radicalização dessa
política.
O mais grave é que essa cultura privatista encontra-se bastante arraigada nas bases sociais
da esquerda. Mesmo entre os servidores públicos é muito forte a reivindicação por serviços
privados. Se os servidores públicos detonam os serviços públicos, quem mais irá defendê-los?
Inúmeras lideranças de esquerda que defendem no discurso os serviços públicos, praticamente não
os conhecem do ponto de vista prático, pois são em tudo usuários dos serviços privados.
Esse afastamento dos serviços públicos é um fator desagregador da sociedade brasileira e
dificulta a consolidação de um projeto nacional para o Brasil. Os segmentos populares sentem-se
abandonados e esquecidos nos seus dilemas diários no sistema público de saúde, nos transportes
coletivos, na educação e na previdência social. Sem alternativas à esquerda, as camadas mais
pobres da população são hoje facilmente atraídas pelos políticos fisiológicos, populistas e de direita
que, de forma demagógica, se apresentam como reais representantes dos mais carentes.
Ao contrário do que afirmam os debates políticos e ideológicos, é nas administrações
públicas em muitos Municípios e em alguns Estados que a esquerda tem a face mais popular.
Muitas políticas implementadas – saúde, educação, transporte, renda mínima, crédito popular –
111

transcendem em muito os segmentos mais organizados da soc iedade e favorecem amplas camadas
mais pobres da população.
A consolidação dos serviços públicos de boa qualidade é um dos elementos-chave de um
projeto nacional e de um programa de esquerda para o Brasil. Mas, para se ter sucesso, há que se
atuar em duas frentes:
Em primeiro lugar, trata-se de implementar políticas econômicas e sociais que dêem
alguma perspectiva de vida para os desempregados; para as crianças de rua, para os idosos
carentes, para as populações rurais e das periferias das cidades, para os portadores de deficiência e
outros segmentos marginalizados. Tais segmentos constituem-se como os principais usuários dos
serviços públicos.
Em segundo lugar, precisa-se atrair o apoio político da classe média para a batalha da
melhoria dos serviços públic os. Só quando a classe média estiver dentro da rede pública, é que a
rede pública prestará, pois aí ela exigirá serviços de qualidade.
Um exemplo das possibilidades da luta pela melhoria dos serviços públicos com o apoio da
classe média é em relação à educ ação. Na educação, as famílias de classe média vêem a
possibilidade de cumprir uma função complementar na educação dos filhos, e parte do que se
gastava na escola privada é utilizada para ensino especializado (línguas, informática). Na questão
da saúde, a situação é mais complexa porque a família pouco pode fazer, e, mesmo com o arrocho
salarial, a tendência é o crescimento do setor privado, a não ser que os serviços públicos nessa área
se tornem confiáveis e de boa qualidade.
O fortalecimento dos serviços públicos passa pela sua preservação no texto constitucional,
pela sua melhor administração, pela ampliação das verbas públicas e pela implementação de um
efetivo controle social.
A implantação do neoliberalismo no Brasil e as reformas de Estado – O neoliberalismo
encontra-se numa fase avançada de implantação no Brasil. Com Fernando Collor e Fernando
Henrique Cardoso, ampliou as recomendações do Consenso de Washington: a) adotou uma ampla
abertura comercial, que teve efeitos desastrosos, sobretudo em função da sobrevalorização do real e
da alta taxa de juros; b) desregulamentou os fluxos financeiros, tornando-se presa fácil dos capitais
especulativos; c) privatizou uma grande parte do patrimônio público; d) realizou ampla reforma
administrativa, acabando com a estabilidade dos servidores públicos e abrindo ainda mais os
serviços públicos para a iniciativa privada; e e) iniciou a retirada dos direitos trabalhistas e
previdenciários.
Mesmo assim, o neoliberalismo no Brasil encontra-se no estágio mais atrasado de
implantação. Para as elites, muitas das reformas constitucionais – reformas da Previdência Social,
112

da legislação trabalhista e administrativa – são uma “meia -sola” para ganhar tempo, a fim de mais
adiante implementá-las por inteiro. São consideradas “meia -sola” porque fundamentais para a
superação da crise fiscal do Estado Brasileiro.
Qual será então o conteúdo da segunda geração das reformas liberais? De acordo com
Araújo (1998), não há dúvidas de que a proposta central das elites para o próximo período será
uma profunda reforma da Previdência Social na direção da capitalização (previdência privada). O
modelo de previdência a ser implantado é uma adaptação do modelo chileno. Ao invés de
privatizar tudo como no Chile, seria privatizada a previdência nas faixas salariais acima de três ou
cinco mínimos. A escolha dessa estratégia seria motivada no fato de que:
a) É preciso evitar uma polarização ideológica: qualquer movimento radical de reforma do
sistema previdenciário tende a tornar ideológica a discussão, favorecendo a polarização das forças
políticas representadas no Congresso Nacional;
b) Pequenos poupadores não interessam às seguradoras;
c) Pobres não têm cultura para participarem de previdência privada.
Ganha força também o modelo adotado na Argentina. Lá, quem entrar agora para o
mercado de trabalho, passa a ser um sócio da previdência privada, e quem se encontra no mercado
de trabalho poderá “optar” entre a previdência pública ou privada. O que importa às elites nessa
proposta é o seu forte apelo político junto às classes médias e aos trabalhadores do setor formal da
economia que poderão “democraticamente” escolher o seu sistema de aposentadoria.
As conseqüências econômicas, sociais e éticas da privatização da previdência são
dramáticas. A privatização nos moldes chilenos deixaria um passivo a descoberto pelo Estado nos
próximos 30 a 40 anos de cerca de R$ 2 trilhões.
Uma segunda reforma fundamental que mobiliza as elites é a trabalhista para reduzir o
chamado “custo Brasil”. Não satisfeitas com o fato de os trabalhadores brasileiros estarem entre os
mais explorados dentre as grandes nações do planeta, as elites querem derrocar toda a legislação
trabalhista. O governo não quer assumir o ônus de colocar fim aos direitos trabalhistas, quer que
essa tarefa seja assumida pelos sindicatos. Por isso está estreitamente articulado com os pefelistas
da Força Sindical que se dispõem a fazer o serviço sujo.
O neoliberalismo não tem contradições com o sindicalismo fascista e atrelado ao Estado,
pois lhe é conveniente defender a sua manutenção, a exemplo do México e Argentina. Aqui os
liberais se opõem à estrutura sindical porque a CUT se apossou de boa parte dela. Aqui a
contratação coletiva do trabalho está sendo utilizada à maneira liberal como forma de forçar o
consenso (uma rendição, na verdade) dos trabalhadores diante das empresas.
113

Uma terceira reforma que está na mira das elites é a da administração do Estado. Trata-se
de transferir grande parte dos serviços públicos para a iniciativa privada. Já foi aprovada lei criando
as Organizações Sociais e que lança as bases jurídico-legais para que sejam transferidos a Pessoas
Jurídicas de direito Privado grande parte dos serviços prestados pelo Estado nas áreas de educação,
saúde, cultura, esportes, etc. Essas organizações “publicas não estatais”, caso implementadas
amplamente, se transformarão em currais eleitorais dos políticos conservadores que poderão
indicar, sem concurso, funcionários, além de enquadrá-los a todos como celetistas, comprar sem
licitação, dentre outras coisas, práticas bastantes conhecidas em passado recente.
Um segundo aspecto também importante da reforma administrativa é a modificação radical
na previdência dos servidores públicos. Atualmente os Institutos de Previdência existentes só
pagam as despesas com pensões; as aposentadorias, em geral, são pagas pelo Tesouro nas três
esferas de governo. O que os governistas querem é a transferência também do pagamento das
aposentadorias para os Institutos de Previdência, só que repassando grande parte do passivo para os
servidores públicos.
Uma quarta reforma no plano das elites é a da legislação tributária. É recentralizar os
tributos na união em prejuízo dos Municípios e Estados e, principalmente, a reforma tributária das
contribuições sociais que financiam a Previdência, saúde, assistência social, seguro-desemprego e
outros programas sociais, com a supressão de contribuições e a desvinculação das políticas sociais.
Ou seja, é acabar com a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, o repasse do segur o
de acidentes do trabalho para as empresas privadas, o fim do PIS-PASEP e o enfraquecimento do
Fundo de Amparo do Trabalhador, dentre outras medidas.
Finalmente, vem a reforma política, que às elites não passa de um arranjo casuístico para
estabilizar a dominação de direita no Brasil.
O neoliberalismo, o movimento sindical e as transformações no mundo do trabalho –
Diante dessa situação, não resta alternativa às esquerdas senão operarem a mais profunda
resistência. Se as elites conseguissem uma vitória esmagadora em 1998, estariam dadas as
condições para a consolidação plena do neoliberalismo no Brasil. O Estado mínimo cuidará da
coleta dos impostos, da diplomacia, de algumas agências de fomento e de regulamentação da
justiça E da segurança pública. A questão social é a última trincheira da esquerda e dos segmentos
progressistas da sociedade. Como já está comprovado em todo o mundo: é nas questões relativas
ao emprego, ao contrato de trabalho e aos direitos sociais que o neoliberalismo vem demonstrando
o seu significado mais repugnante e onde vem encontrando as maiores reações populares.
A década de 1990 marca o período dos governos neoliberais no Brasil – Fernando Collor
de Mello a Fernando Henrique Cardoso – passando pelo interregno de Itamar Franco. A opinião de
114

autores que escreveram entre 1997 e 2001, entre eles, Antunes (1997 e 1999), Boito Jr. (1999) e
Costa (2000), entre outros, que, tomando em consideração fatos posteriores a 1997, procuram
explicar as principais características da política neoliberal, as transformações e tendências que ela
desencadeou ao longo da década de 1990, o avanço que ela obteve e também os recuos e limites
táticos que tal política foi obrigada a se impor, os interesses, os posicionamentos e as oscilações das
classes e frações de classe em luta frente à tal política, bem como as concepções e estratégias do
movimento sindical urbano nesse quadro, enquanto força social ativa que é do processo político
brasileiro.
De acordo com Antunes (1997), a partir do final da década de 1970 e, particularmente, na
década de 1980, presenciou-se, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no
mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de
representação sindical e política. Sob o forte impacto de uma crise estrutural, novas respostas
foram buscadas como alternativas do capital para a sua crise. O fordismo e o taylorismo já não são
únicos e mesclam-se com outros processos produtivos (neofordismo e neotaylorismo, sendo em
alguns casos substituídos por novos processos de trabalho) nos quais o cronômetro e a produção
em série são substituídos pela flexibilização da produção, novos padrões de busca de produtividade
por novas formas de adequação da produção lógica do mercado. Ensaiam-se modalidades de
desconcentração industrial, buscam-se novos padrões de gestão da força de trabalho dos quais os
CCQs (círculos de controle da qualidade) são expressão visível não só do mundo japonês mas
também em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo industrializado. O
toyotismo penetra, mescla -se ou mesmo substitui, em várias partes do mundo, o padrão taylorismo-
fordismo. Vivem-se formas transitórias de produção cujos desdobramentos são também agudos no
que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, flexibilizados, de modo a
dotar o capital do instrumento necessário para adequar-se à sua nova fase.
Estas transformações, dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas e
culturais dos diversos países onde são vivenciadas, penetram fundo no operariado industrial
tradicional, acarretando metamorfoses na forma de ser do trabalho. Os sindicatos estão aturdidos e
exercitando uma prática que raramente foi defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe das
décadas de 1960/1970, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em
geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando aspectos fenomênicos desta mesma
ordem. Abandonam as perspectivas emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela e mancipação do
gênero humano, operando uma aceitação também acrítica da “social-democratização”, ou, o que é
ainda mais perverso, debatendo no universo da agenda e do ideário neoliberal. A postura
marcadamente defensiva dos sindicatos diante da onda privatista é a expressão disso. A derrocada
115

do Leste europeu, do stalinismo e da esquerda tradicional, que a mídia chamou de “fim do


socialismo”, ainda não foi suficientemente assimilada e enfrentada pela esquerda que também se vê
na defensiva. Incapaz até o presente de mostrar que o fim do Leste europeu não é o fim do
socialismo, mas o fim de uma tentativa inglória de construção de uma sociedade que não
conseguiu ir além do capital.
Esta contextualidade repercute no mundo do trabalho e no universo operário. Alguns como
Gorz (1982), citado por Antunes (1997, p. 73), interroga: Quais foram as conseqüências mais
evidentes e que merecem maior reflexão? A classe que vive do trabalho estaria desaparecendo?
As respostas para estas questões são mais complexas. Antunes (1997) indica algumas
tendências presentes na contemporaneidade do mundo do trabalho. De um lado, a
desproletarização do trabalho manual, industrial e fabril; paralelamente, uma terceirização,
homogeneização e subproletarização do trabalho; podendo-se presenc iar também a diminuição do
operariado industrial tradicional e aumento da classe-que-vive-do-seu-trabalho.
Há, entretanto, outras conseqüências importantes que advêm da introdução da automação,
da rabótica, da flexibilização e deste complexo de mudanças no processo de produção e de
trabalho: paralelamente à redução quantitativa do operariado tradicional, dá-se uma alteração
qualitativa da forma de ser do trabalho.
As mutações no processo produtivo e na reestruturação das empresas, desenvolvidas dentro
de um quadro muitas vezes recessivo, resultavam um processo de desproletarização de importantes
contingentes operários. As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de privatização
acelerada, de desindustrialização, tiveram nos últimos anos forte impulso. Paralelamente à retração
da força de trabalho industrial, ampliou-se, também, o subproletariado do mercado informal.
O processo de reestruturação produtiva no Brasil repete outras experiências do mundo
industrializado no que diz respeito aos modos de intensificação e exploração do trabalho e à
redução de direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século.
De acordo com Ramalho (1997, p. 86), “a implantação de novas estratégias de gestão no
processo de reestruturação produtiva dos últimos anos tem mostrado a necessidade de entender o
caso brasileiro a partir de suas especificidades na articulação com a economia internacional”.
O movimento sindical brasileiro apresenta uma certa especificidade se comparado com
outras experiências de enfrentament o da reestruturação industrial. A força acumulada nas décadas
de 1970 e 1980 proporcionou, na década de 1990, o reconhecimento do seu papel de ator político
importante. Essa legitimidade foi construída nas lutas sindicais contra o governo militar pós-1964,
nas greves regionais e nacionais, e serviu de base para diversos processos de negociação
estabelecidos com o empresariado em anos recentes. “A luta agora é pelo novo”, sugere o
116

presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva. “As transformações ocorridas no sin dicalismo nos
anos 80 podem também ser identificadas com a retomada das ações grevistas, a explosão do
sindicalismo dos assalariados médios e do setor de serviços, o avanço do sindicalismo rural, o
nascimento das centrais sindicais e o aumento dos índices de sindicalização” (Antunes, 1995; apud
Ramalho, 1997, p. 98).
No processo de resistência aos efeitos da reestruturação industrial sobre os
trabalhadores, um dos pontos principais de ação sindical dos setores modernos e
internacionalizados da indústria brasileira tem sido a luta pela manutenção dos postos de
trabalho, contra o desemprego, com foco na indústria automobilística do ABC paulista, que
reconhecem que a “reestruturação negociada” em curso em 1997 dá forma a uma estratégia de
resistência ao desemprego, sendo prova disto a ampliação da pauta de negociações.
As dificuldades da ação sindical diante das estratégias da reestruturação industrial se
manifestam no interior das grandes empresas, mas também com relação a outras formas de
trabalho que, tradicionalmente, não têm sido alvo das preocupação dos sindicatos, como as
diversas formas do trabalho precarizado (autônomo, part-time , informal), incluindo o trabalho em
domicílio.
Em suma, a força acumulada pelo movimento sindical brasileiro o coloca numa situação
sui generis e que pode significar uma base para a criação de novas situações de intervenção no
processo de reestruturação e uma alternativa diferente dentro do mundo industrializado.
Os sindicatos dos setores mais internacionalizados e modernos da indústria demonstraram
que têm poder de negociação com o empresariado na atual conjuntura econômica e política e
também confirmaram a necessidade de sua presença na discussão de quaisquer alternativas de
novas políticas de crescimento econômico e de aumento de emprego e meio de sobrevivência.
Problemas, no entanto, permanecem quando se leva em consideração o conjunto total das
categorias e dos setores representados por sindicatos. Nesse caso, embora tenha ocorrido avanços,
percebe-se que muitos sindicatos se defrontam com as dificuldades impostas pela reestruturação
despreparados, sem apoio de suas bases e com pouco poder de arregimentação. As dificuldades
com relação ao tratamento da categoria de trabalhadores terceirizados, precarizados ou informais,
afetam todo o sindicalismo brasileiro e se assemelham nesse sentido ao que já ocorre em países da
Europa e da América do Norte. Resta saber se essa força acumulada pela luta sindical vai ser capaz
de proporcionar condições para um repensar da própria atividade sindical diante das mudanças do
mundo do trabalho e um esforço de integrar na organização coletiva os trabalhadores que têm sido
despojados dos seus direitos, excluídos do mercado formal de trabalho.
117

Os avanços da política neoliberal - De acordo com Boito Jr. (1999), o neoliberalismo


brasileiro é tardio em relação aos demais países da América Latina, embora o primeiro governo de
FHC tenha acelerado sua implantação. Mas esta política está longe de ter esgotado suas
possibilidades no Brasil. E é um erro supor que a frente conservadora que tem sustentado os
governos neoliberais da década de 1990 esteja satisfeita com o que obteve até aqui. A despeito de
todos os avanços, a privatização, a abertura da economia e a desregulamentação do mercado de
trabalho ainda têm muito terreno a ser conquistado no Brasil. Restam muitas empresas importantes
e lucrativas para serem leiloadas. A Petrobrás, a Eletrobrás. Inúmeras empresas estatais de energia
elétrica, os sistemas de água e esgoto, serviços de correio, a maioria dos bancos estaduais, o Banco
do Brasil, inúmeras rodovias e ferrovias, os aeroportos, tudo ainda se encontra, no todo ou em
parte, nas mãos do Estado.
A abertura comercial é outra área em que o grande avanço realizado não deve acultar que é
possível ir ainda ma is longe. O governo Clinton apenas iniciou a pressão para a formação da Área
de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Na área dos direitos sociais, a Reforma da Previdência é uma reforma muito tímida para as
pretensões do capital financeiro que quer ampliar o mercado da previdência privada no Brasil. O
projeto de reforma administrativa é mais ousado que o da previdência, mas ainda depende de
regulamentação.
A figura jurídica das organizações sociais, imposta por medida provisória em outubro de
1997, que possibilita a “privatização branca” de instalações, equipamentos, verba e pessoal do
serviço público nas áreas científica, educacional e médico-hospitalar, apenas começou a sair do
papel.
A frente neoliberal conservadora, acossada e estimulada pela crise cambial do segundo
semestre de 1998 e pelas obrigações assumidas no acordo assinado como decorrência da própria
crise com o FMI, deseja uma segunda geração de reformas. Essa é a tarefa atribuída ao segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Se o programa neoliberal ainda se encontra em processo de implantação, isso significa que
a política brasileira está marcada pelas incertezas e instabilidades dos períodos de mudanças. As
alterações ocorridas até aqui nas forças sociais em presença e na política neoliberal foram
limitadas. Nenhuma fração organizada das classes dominantes rompeu com o neoliberalismo. A
esquerda, os partidos, sindicatos e organizações populares não aderiram à política neliberal,
embora a tendência seja conciliar com o neoliberalismo. A política neoliberal tem avançado sem se
descaracterizar. As alterações ocorridas indicam o caráter desse processo cujo momento mais
crítico até aqui tenha sido a crise e a deposição do governo Collor.
118

No campo das classes dominantes, a política neoliberal tem acarretado o fortalecimento


econômico e político de sua base de sustentação. De um lado, o processo de sua implantação vai
minando as forças de seus eventuais adversários. Ela tem reduzido a participação do capital
nacional no parque industrial e começa a fazer o mesmo no setor bancário, e, além do mais,
enfraquece os setores burgueses internos. A burocracia civil e militar que controlava as grandes
empresas estatais, caracterizada como burguesia nacional de Estado, foi reduzida com o processo
de privatização. O nacionalismo militar, que poderia chocar-se com o neoliberalismo, desapareceu.
Esse processo fortalece os setores das classes dominantes mais interessados no neoliberalismo. Um
setor que tem aumentado seu poderio econômico e fortalecido sua organização política é o da nova
burguesia de serviços composta por indivíduos, instituições ou grupos proprietários de escolas, de
universidades, de hospitais e de empresas de convênio médico. Algumas dezenas de grandes
empresas monopolistas aumentaram quase gratuit amente seu patrimônio no processo de
privatização, converteram-se num grupo de entusiastas da política neoliberal. O avanço do
neoliberalismo altera a situação das diferentes frações da burguesia e o faz de modo a fortalecer as
suas próprias bases de sustentação política.
Não há, contudo, uma relação positiva entre o avanço do neoliberalismo e o fortalecimento
de suas bases de sustentação. A burguesia nacional tem incitado o governo a procurar contornar as
pressões dos Estados unidos pela implantação da ALCA e tem protestado contra a elevação da taxa
de juros que é, por outro lado, o item da política econômica que mais interessa ao aliado da grande
indústria, o grande capital bancário e financeiro.
Desde 1996, quando a Fiesp mobilizou-se contra a política do governo federal, até o
agravamento da crise cambial do segundo semestre de 1997, a Fiesp converteu-se em poderoso
aliado do governo na luta para que o Congresso Nacional apressasse a aprovação das reformas
neoliberais – desregulamentação do mercado de trabalho e reformas da previdência e
administrativa. No final de 1998, a Fiesp, sob o efeito das crises cambiais de 1997 e 1998 e dos
pacotes econômicos, voltou a organizar atos e manifestações públicas contra a política econômica
do governo federal e de novo buscou e obteve apoio de sindicalistas. Uma ala minoritária do
PMDB, liderada por Itamar Franco, está verbalizando as insatisfações da burguesia industrial
interna e, agora, Itamar está na chefia do governo de Minas Gerais.
Na eleição presidencial de 1998, a burguesia repetiu o que fizera na eleição de 1994:
unificou-se em torno da candidatura de Fernando Henrique Cardoso para derrotar Lula e exorcizar
o perigo de um governo reformista apoiado pela esquerda. Em 1994, a unidade burguesa em torno
da platafor ma neoliberal prolongou-se após a eleição, permitindo um grande avanço do
neoliberalismo no Brasil – foram feitas importantes reformas constitucionais já em 1995, o
119

processo de privatização foi ampliado e acelerado, ampliou-se a abertura comercial e foi iniciado o
processo de desregulamentação formal do mercado de trabalho. Em 1998, multiplicaram-se os
indícios de que as contradições no interior da burguesia estão se aguçando e poderão impor
dificuldades para o governo aplicar sua política.
O processo de implantação da política neoliberal tem produzido alterações no campo das
classes dominantes. O neoliberalismo obteve um impacto popular. Todos os governos neoliberais
chegaram ao poder pelo voto. A Força Sindical aderiu, à sua maneira, ao neoliberalismo. Contudo
as diversas tentativas de consagrar o apoio ou a conciliação com a política neoliberal foram
frustradas pela rigidez do programa e dos interesses da frente conservadora. Os trabalhadores,
pauperizados pela política neoliberal, não apresentam um posicionamento estático. A reação dos
mais variados setores sociais à privatização da Companhia do Vale do Rio Doce indica o que
poderá acontecer se o governo decidir privatizar uma empresa como a Petrobrás.
As expectativas que o neoliberalismo gerou, no seu início, junto aos setores populares,
começam a se frustrar. A CUT, que desmobilizou o movimento sindical, viu-se obrigada a
abandonar as negociações e dois anos depois passou a organizar manifestações contra tal reforma.
O crescimento do desemprego e da economia informal, provocado pela abertura econômica, pela
política deflacionista e pela desregulamentação, também atiça o descontentamento e a luta popular
contra o neoliberalismo. A taxa de desemprego, passando da casa dos 5 para 9%. Até a Força
Sindical, que aderiu à parte da plataforma neoliberal, chegou a participar de uma greve geral em
junho de 1996, em decorrência do crescimento do desemprego. A luta dos trabalhadores da
economia informal foi, definitivamente, incorporada ao cenário dos movimentos sociais no Brasil.
Mudou a conjuntura internacional. A social- democracia é governo nos quatro grandes
países da Europa Ocidental. Ela implantou uma política de ruptura com o neoliberalismo, também
é certo que a derrota eleitoral dos partidos de direita na Inglaterra, França, Alemanha e Itália indica
um desgaste das políticas neoliberais junto à população desses países. O movimento do capital
financeiro na cena internacional está indicando uma reversão do fluxo de capitais para os países
subdesenvolvidos.
Considerando, de um lado, a vitória de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, mas, de
outro, o impacto da terceira crise cambial, do conseqüente acordo com o FMI, o aguçamento das
contradições no interior da burguesia e os sintomas de descontentamento popular, pode-se afirmar
que, embora no geral o programa neoliberal continue forte, Fernando Henrique Cardoso iniciou seu
segundo mandato em condições menos favoráveis.
Portanto, apesar das dificuldades, a política neoliberal avançou ao longo da década de
1990, criando cenários novos e alterado os dados do problema.
120

Neoliberalismo e burguesia – A análise da política neoliberal requer preliminarmente


uma caracterização da ideologia neoliberal.
Sintetizando os estudos de Boito Jr. (1999, p. 23-76), a ideologia neoliberal contemporânea
é um liberalismo econômico, que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa
empresarial, rejeitando a intervenção do Estado na economia. Esse liberalismo econômico é
distinto do liberalismo político, interessado nos direitos in dividuais do cidadão (Direitos Humanos)
e num regime representativo e adequado ao exercício daqueles direitos.
A ideologia neoliberal retoma o antigo discurso econômico burguês, gestado na aurora
do capitalismo, e opera em condições históricas novas. Esse deslocamento histórico introduz
uma cisão na ideologia neoliberal, instaurando uma contradição entre os princípios
doutrinários gerais, centrados na apologia do mercado e suas propostas de ação prática, que
não dispensam a intervenção do Estado e preservam os monopólios. No discurso neoliberal,
articulam-se, de modo contraditório, uma ideologia teórica, transplantada da época do
capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática, que corresponde à fase do capitalismo dos
monopólios, da especulação financeira e do imperialismo.
O liberalismo político evoluiu, no século XX, para um pensamento do tipo democrático-
burguês. No seu nascimento, o liberalismo político não era democrático, não aceitava o sufrágio
universal. A corrente ideológica burguesa no século XX foi obrigada a propor ou aceitar a
universalização do sufrágio e a liberdade de organização, originando o pensamento político
democrático de tipo burguês.
O ponto que nos interessa é que o neoliberalismo contemporâneo, enquanto liberalismo
econômico, não tem como objetivo a defesa da democracia. As três grandes vertentes do
neoliberalismo atual mantêm uma relação problemática com o regime democrático. Hayek,
ideólogo maior do neoliberalismo, da escola austríaca, separa, de modo radical, o “liberalismo”
(neoliberalismo atual ou liberalismo econômico) do pensamento político democrático burguês.
Afirma, que cada um trata de problemas diferentes: o liberalismo econômico, da liberdade
econômica no mercado; o pensamento democrático, da constituição de um governo com base na
regra de maioria.
Essa ideologia neoliberal de exaltação do mercado se expressa através de um discurso
polêmico: assume a forma de uma crítica agressiva à intervenção do Estado na economia. O
discurso neoliberal procura mostrar a superioridade do mercado frente à ação estatal. A
liberdade que teria o cidadão de escolher, de modo soberano, o quê e onde comprar ocupa, no
liberalismo econômico moderno, um lugar semelhante àquele que ocupava, no liberalismo
político de John Stuart Mill, a liberdade de pensamento e o direito de voto. Concorrência,
121

sistema de preços e soberania do consumidor seriam aspectos indissociáveis de um


mecanismo único, o mercado, que estaria na base da riqueza, da liberdade e do
desenvolvimento humano.
No plano político, a ação econômica do Estado criaria privilégios para alguns e
dependência para muitos. Os cidadãos habituar-se-iam ao paternalismo do Estado e, assim,
deixariam de desenvolver sua capacidade de iniciativa para resolver seus problemas.
Atendo-se à superfície do discurso neoliberal, a primeira impressão que se pode ter é a de
que os neoliberais seriam sempre favoráveis à substituição da produção, da regulamentação e da
intervenção estatal na economia pela livre ação dos agentes econômicos no mercado.
O liberalismo econômico já estava marcado por uma defasagem original no surgimento do
capitalismo. A concorrência perfeita nunca existiu. Ao contrário do que afirmam os neoliberais é
preciso desenvolver a capacidade de iniciativa para conquistar e manter os serviços públicos e os
direitos sociais. Mas o liberalismo do tempo do capitalismo concorrencial ficou defasado. Os
governos neoliberais a despeito do discurso doutrinário que os inspira, irão, então, selecionar os
setores e as atividades aos quais aplicarão os princípios doutrinários do neoliberalismo. Em alguns
países, por exemplo, na esfera da produção de bens e no âmbito do mercado da força de trabalho,
pode-se falar, em consonância com o que afirmam os neoliberais, que ocorre, um recuo do papel
do Estado. Em outras áreas, como na administração do câmbio, da dívida externa e dos juros,
pode-se constatar, especialmente nos países latino-americanos, que os governos neoliberais
promoveram uma intervenção de novo tipo do Estado na economia. Enquanto, os salários dos
trabalhadores foram desindexados, passando a “flutuar livremente no mercado”, a dívida externa
foi estatizados; o câmbio e os juros são mantidos em níveis elevados por intervenção
governamental, e os grandes bancos não reclamam contra essa intervenção do Estado.
O mecanismo que governa esse processo seletivo de redução/reformulação da
intervenção do Estado na economia são, como indicam as ilustrações acima, os interesses de
classe representados pelo neoliberalismo. A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve
ser considerada, uma apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e
quando tal aplicação interessar ao capital financeiro, ao imperialismo e à grande burguesia
monopolista, ficando prejudicada todo aplicação que for incompatível com tais interesses.
Para onde a ideologia prática do neoliberalismo tem dirigido o discurso doutrinário de
defesa do mercado? A resposta é: os neoliberais são mais ou menos conseqüentes à atividade
econômica do Estado, ao comércio exterior e ao mercado de força de trabalho. Defendem a
privatização, a abertura comercial e a desregulamentação financeira e do mercado de força de
trabalho. Esse é o tripé que caracteriza a política neoliberal.
122

O discurso catastrofista e uniformizador é, uma versão da ideologia da globalização, e


esconde um pessimismo conservador. A ideologia da globalização deve ser questionada no terreno
dos fatos e dos números. A visão que ela apresenta no espaço econômico internacional não reflete
corretamente nem a história, nem a realida de atual da economia mundial. Pesquisas têm mostrado
que não existe nenhum processo inaudito de internacionalização da economia. O comércio
internacional cresceu muito nas décadas de 1980 e 1990, mas, em diversos aspectos, tal
crescimento ainda não permitiu sequer que o peso relativo do comércio externo, do movimento
internacional de capitais e da produção internacionalizada atingisse o nível que possuía no período
clássico do imperialismo, entre o final do século XIX e a 1ª Guerra Mundial.
As empresas globais representam uma parte insignificante das grandes empresas que
operam em escala internacional. O que domina amplamente são empresas multinacionais. A
internacionalização da produção capitalista é seletiva e não elimina a desigualdade econômica
entre países centrais e países periféricos.
Cada Estado imperialista toma os interesses das suas empresas multinacionais como
referência básica para a definição de sua política internacional. A política neoliberal de redução das
tarifas aduaneiras, preconizada pela ideologia neoliberal da globalização e coordenada pela OMC,
longe de criar um mercado homogêneo global, é uma política que favorece a expansão e as vendas
das empresas européias, japonesas e estadunidenses. Entre as duzentas maiores multinacionais,
apontadas pela revista Fortune em 1995, 96,5% pertenciam apenas a oito países. O Japão possuía
62, Estados Unidos 53 e o conjunto dos países europeus, liderados pela Alemanha e França 74.
No plano dos direitos sociais, também é notável a diferença entre o centro e a periferia. O
neoliberalismo avançou na Europa e o movimento operário continua na defensiva. O contrato de
trabalho foi flexibilizado – proliferam o contrato por tempo determinado, em tempo parcial e a
subcontratação, além de formas disfarçadas de trabalho precário, como os contratos de
aprendizagem e de formação. Porém, as instituições do Estado do bem-estar europeu ocidental
continuam assegurando uma cobertura social ampla. A saúde, a educação e a aposentadoria
privadas são marginais. No continente europeu, foram atingidos o emprego e o salário. Mas a
prestação do seguro-desemprego continua elevada e prolongada comparativamente ao padrão dos
países periféricos e o salário mínimo dos principais países europeus é dez vezes maior que o dos
países latino-americanos.
O imperialismo norte-americano, durante o mandato de Bill Clinton, pressionou a social-
democracia. O FMI está insistindo na necessidade e urgência de uma “segunda onda de reformas”
nos países da Europa Ocidental (Boito Jr., 1999, p. 37). Enquanto, nos países periféricos, em
primeiro lugar, o neoliberalismo tem servido para restringir ou suprimir direitos dos trabalhadores.
123

A diferença é que, na periferia a política neoliberal encontrou pela frente um sistema de proteção
social menos desenvolvido e pôde avançar mais do que no centro do sistema. Até o início de 1996,
a aposentadoria pública já tinha sido substituída pelo sistema de aposentadoria privada por
capitalização, em sete países. Em outros oito países latino-americanos, projetos semelhantes
estavam sendo examinados pelos respectivos parlamentos. A economia informal, imbricada com
práticas ilícitas expandiu-se por todo o continente. A OIT avalia que 56% da população
economicamente ativa da América Latina sobrevive com empregos ou atividades informais.
Em segundo lugar, nos países periféricos, o neoliberalismo desempenha uma função
suplementar específica: ele serve para enquadrar as economias nacionais subdesenvolvidas às
novas exigências do imperialismo. Na América Latina, o objetivo do neolibe ralismo é, ampliar a
exploração financeira da região, sendo a economia chamada a se readaptar. A desregulamentação
financeira neoliberal, com a ampliação da convertibilidade das moedas nacionais latino-americanas
e a abertura das bolsas de valores, visa atender essa nova demanda especulativa do capital
imperialista e submete, ao mesmo tempo, a política econômica das nações latino-americanas –
juros, câmbio, crescimento, salários – às exigências do capital financeiro internacional.
A maioria das economias de grande e médio porte da América Latina, como o México, o
Chile, a Argentina, a Bolívia e o Uruguai, já se encontravam sob o impacto da política neoliberal
desde a década de 1980. O Brasil ingressou na era da política neoliberal na década de 1990. Em
todos esses países nota -se tendências, pois a política neoliberal tem agravado a concentração da
riqueza e da propriedade. Como resultado, verifica-se, uma acentuação da transferência de renda e
de propriedade das pequenas e médias empresas para as grandes empr esas e da empresa nacional
para os grupos estrangeiros. O que é novo é a transferência da renda e da propriedade do setor
público para o setor privado.
A indústria latino-americana tem sido afetada pelos processos de desindustrialização e de
desnacionalização. Parte dessa desindustrialização é pouco visível. Ela ocorre ao longo da cadeia
produtiva, através do aumento do índice de importação dos componentes em setores como o
eletrônico, automobilístico, de eletrodomésticos e outros. A recente expansão, no Brasil, de
indústrias de material de informática, de produtos eletrônicos de consumo e de montadoras de
automóveis segue um modelo semelhante. A Zona Franca de Manaus é o carro-chefe desse
processo, transformando-se num parque de montagem de componentes importados, devido ao fato
de as tarifas de importação, que foram reduzidas para todo o país serem menores ainda para a Zona
Franca.
A desindustrialização não exclui, portanto, o crescimento do setor industrial voltado para o
processamento de recursos naturais exportáveis. Hoje, as indústrias que mais cresceu foram as
124

processadoras de matéria -prima, como papel, celulose, petroquímica, ferro e aço, azeites vegetais,
farinhas de pescado, conservas, sucos, etc.
No Brasil, a política de desindustrialização começou, em 1990, com a abertura comercial
promovida pelo governo Collor, através da extinção de barreiras não-tarifárias e da redução das
alíquotas de importação. O governo FHC promoveu uma redução das tarifas aduaneiras, o que
combinado com a sobrevalorização do câmbio introduzida pelo Plano Real, fez crescer muito as
importações, e inclusive a importação de produtos manufaturados, enquanto o coeficiente de
exportação cresceu mais nas indústria de madeiras, sucos e condimentados, conservas de frutos e
legumes. Como se vê, a economia brasileira segue, depois da implantação do Plano Real, segue a
mesma tendência à regressão agromercantil que afeta toda economia latino-americana.
Também o processo de desnacionalização que afeta a economia latino-americana está
presente no Brasil. Em 1997, o Sindipeças estimou que, das 3.200 indústrias de autopeças que
existiam em 1991, restavam apenas 930. A Iochpe vendeu sua fábrica de tratores Maxion. A DB
Brinquedos associou-se ao banco norte-americano JP Morgan. A Gradiente associou-se à japonesa
JVC. No ramo de alimentação, a Lacta, da família de Adhemar de Barros, a maior produtora de
chocolate, foi vendida à Philip Morris; a Arisco associou-se ao banco americano Goldman Sachs; a
Companhia Pilar, maior indústria de alimentação do nordeste, foi vendida para a Nabisco (EUA) e
para o grupo argentino Bunge & Born.
Considerada do ângulo de sua relação com o imperialismo, a burguesia dos países
periféricos pode ser dividida, seguindo a tradição dos dirigentes da Internacional Comunista, em
burguesia compradora e burguesia nacional. A primeira fração compreende os setores burgueses
que, numa determinada fase do imperialismo, encontram-se integrados aos interesses do capital
estrangeiro. A burguesia compradora funciona como uma espécie de prolongamento dos interesses
imperialistas. A burguesia nacional, tendo seus interesses tolhidos pelo capital imperialista, é a
fração que pode se converter em força social integrante da frente antiimperialista. A burguesia
interna é a fração que mantém uma relação de unidade básica com o capital imperialista, sem
deixar de atritar -se, no plano tático, com esse capital.
O imperialismo e todas as frações da burguesia brasileira têm ganhado com a política
neoliberal. Mas, esse ganho é desigual, e há frações que têm algo a perder com o aprofundamento
dessa política. Não existe no Brasil, contudo, uma fração da burguesia que esteja desempenhando o
papel de uma burguesia nacional.
Pensando os pilares da política neoliberal como uma série de três círculos concêntricos:
a) o círculo externo, representado pela política de desregulamentação do mercado de
trabalho e supressão dos direitos sociais, abarca os interesses do imperialismo e de toda a
125

burguesia, sendo praticado pelas grandes empresas, de várias maneiras – redução de custos
salariais e dos direitos sociais, terceirização.
b) o círculo intermediário é representado pela política de privatização. A política de
privatização favorece o imperialismo e uma fração da burguesia brasileira, o capital monopolista, e
marginaliza o pequeno e o médio capital. A política de privatização está fazendo desaparecer um
setor importante da burguesia brasileira, que é a burguesia de Estado (agentes da burocracia de
Estado que controlam empresas públicas dos setores de mineração, industrial, bancário, de serviços
urbanos, etc. Tudo parece ter sido preparado pelos governos neoliberais de modo a cooptar a
burguesia de Estado para o processo de privatização.
Se o segundo círculo é mais restrito que o primeiro, pois o médio capital está excluído do
processo de privatizações, o terceiro círculo é mais exclusivista ainda.
c) o círculo menor e central é representado pela abertura comercial e a desregulamentação
financeira, que estão associadas. Divide o próprio grande capital, que é a fração hegemônica no
bloco do poder. A abertura comercial, a desregulamentação financeira e o elevado montante pago
ao longo da década de 1990 como serviços da dívida externa, integram a política econômica
neoliberal, pois fazem crescer o déficit externo, obrigam os sucessivos governos a jogaram para um
patamar elevado as taxas de juros, para compensar esse déficit, através da obtenção de
investimentos financeiros internacionais. Configura-se assim, uma nova forma de dependência que
remunera o capital financ eiro internacional com taxas de juros das mais elevadas do planeta e
coloca os bancos brasileiros em situação vantajoso frente às demais frações da burguesia e aos
demais setores do capital monopolista. A política neoliberal de elevação das taxas de juros aparece
ao conjunto da classe burguesa como inevitável para evitar o pior, por isso o capital financeiro
internacional e o capital bancário brasileiro tem interesse em manter essa nova forma de
dependência financeira no qual os governos neoliberais colocaram a economia nacional.
A abertura comercial e a política de juros são a razão de protestos e pressões. O
sindicalismo brasileiro, na década de 1990 viu-se às voltas com tais contradições e preocupado em
saber se é possível uma aliança ou uma frente do movimento operário e popular com a burguesia
industrial nacional?
Em síntese, verifica-se que a distribuição dos benefícios da política neoliberal entre as
frações burguesas e o imperialismo é uma distribuição desigual, o que permite falar em fração
hegemônic a e frações subordinadas no interior do bloco do poder. Sequer o capital imperialista é
homogêneo: os interesses do capital estrangeiro investido na produção industrial não são idênticos
aos do capital financeiro internacional que especula na bolsa de valores. Tal heterogeneidade cria
situações complexas: um grande grupo industrial é favorecido como grande grupo, integrante do
126

grande capital, e pode ser diretamente prejudicado, como grupo industrial, pela política de abertura
e de juros – o grande capital industrial aliou-se ao médio capital no protesto de maio de 1996 em
Brasília.
A desigualdade diante da política neoliberal torna muito complexa as relações das
diferentes frações burguesas entre si e com o neoliberalismo. É possível, contudo, fixar-se algumas
características básicas do bloco no poder que sustenta os governos neoliberais.
O setor bancário do grande capital e o capital financeiro internacional são os dois únicos
setores que ganham com todas as políticas neoliberais - a) desregulamentação do mercado de
trabalho e supressão dos direitos sociais, b) privatizações, e c) abertura comercial e
desregulamentação financeira.
Se o imperialismo norte -americano, a desregulamentação financeira e a abertura da
economia avançarem ainda mais, pode-se, então, acrescentar um quarto círculo na figura.
Menor e ainda mais restrito, que contemplaria apenas os interesses do capital financeiro
internacional. O seu horizonte é um colonialismo de novo tipo.
Neoliberalismo e trabalhadores – O neoliberalismo brasileiro tem encontrado mais
dificuldade para avançar do que em outros países do continente latino-americano. Foi no governo
de FHC que, na segunda metade da década de 1990, radicalizou-se a política neoliberal e
recuperou, em parte, o atraso. Esse governo deu novo impulso às políticas de abertura comercial,
de desindustrialização, de desregulamentação e de privatizações, como também reduziu os gastos
sociais.
O resultado da política de desregulamentação ilegal aparece claramente nas estatísticas. Em
termos relativos , o total da ocupação informal cresceu de 53% da população ocupada em 1990,
para 58% em 1995. O emprego informal, que é uma prática ilegal, na totalidade dos casos, subiu de
34% para 38% do total de empregados. Enquanto, o número de empregados com carteira assinada
caiu no mesmo período de 23,5 para 20,6 milhões. A análise destes e de outros dados
sistematizados pelo Dieese, levou Boito Jr. (1999) à conclusão que a política neoliberal, além de
reduzir e degradar o emprego, arrochou os salários dos trabalhadores. O salário mínimo real caiu a
menos da metade entre 1989 e 1996. O salário médio real também caiu na década do
neoliberalismo. A pesquisa Dieese/Seade, tomando o salário médio real pago em 1985 como índice
100, constata, para a Grande São Paulo, uma queda muito acentuada ao longo da década de 1990.
Em 1985, o índice encontrava-se em 81,9 e em 1995 ele já tinha caído para 51,5. A pesquisa do
Dieese/Seade constatou que a queda no salário médio real da Grande São Paulo tinha se acentuado
a partir da desin dexação dos salários, aspecto importante da política neoliberal do governo FHC. O
127

relaxamento da fiscalização tem estimulado os empregadores a forçar a prática de horas extras; o


desemprego e a degradação dos salários tem levado os trabalhadores a ceder.
O governo FHC, apesar de ser o mais sólido dos três governos neoliberais brasileiros, trava
uma batalha para aprovar as reformas neoliberais da previdência e da administração pública, além
de ter aberto mão de uma reforma mais ambiciosa na saúde e na educação, devido à ação de
resistência do sindicalismo dos funcionários públicos. Em vista disso, a privatização dos serviços
urbanos de eletricidade, de fornecimento de água e de telefonia, já plenamente realizada em
inúmeros países da América Latina, apenas começou no Brasil.
Quanto à descentralização dos encargos, em 1999, apenas havia se iniciado. Dois casos são
interessantes para se evidenciar o real conteúdo político do processo de descentralização de
encargos: os casos da habitação e da assistência social. Na habitação o processo de
descentralização praticamente se consumou e a forma como se deu ajuda a elucidar o objetivo real
desse processo. A descentralização se configurou como uma descentralização por abandono,
quando o governo federal deixou de investir em habitação, obrigando os governos estaduais e
municipais a ocupar o espaço abandonado pelo Executivo federal. Na assistência social, não houve
nenhuma descentralização. Tal fato não é uma exceção à regra, se se tem em mente os objetivos do
processo de descentralização das políticas sociais. Na assistência social gasta-se pouco e quando se
quer, já que a institucionalização dos programas é mínima, e o governo funciona como doador.
De modo sintético, o resultado que se obteve até 1999 com a aplicação inacabada da
política social neoliberal, e a despeito do avanço obtido sob o governo FHC, a política social
neoliberal ainda tem um longo caminho a percorrer no Brasil.
Condições históricas da implantação do neoliberalismo – A vitória da plataforma
neoliberal no Brasil deve-se a uma conjuntura histórica complexa que articula a situação
internacional à história brasileira. Nessa conjuntura interferem fatores de ordem econômica
(alternância de recessões com períodos de crescimento moderado, desemprego), de política
internacional (reunificação do campo imperialista, desagregação da união Soviética), de política
interna, fatores ideológicos (crise do movimento socialista) e outros. Alguns desses fatores são de
longa duração, outros circunstanciais – como as peculiaridades da eleição presidencial brasileira de
1989. Não é possível explicar a vitória do neoliberalismo recorrendo a uma exposição estritamente
econômica, como fazem os autores que se contentam em falar no “esgotamento do modelo de
substituição de importações”. Tampouco, parece a Boito Jr. (1999) correto o determinismo que
decorre desse economicismo. É certo que a situação do início da década de 1990 impelia o Estado
brasileiro para a política neoliberal. Mas para o neoliberalismo chegar ao poder foi preciso vencer a
128

eleição de 1989 e, menos de três anos depois, reerguer -se na conjuntura difícil da crise do
impeachment.
A partir daí a aplicação da política neoliberal encontra ambiente favorável nos governos
Itamar e FHC. Com base na teoria da concorrência perfeita, afirma-se a concepção do Estado
Mínimo, cabendo ao Estado exclusivamente a função de manter a estabilidade monetária. A
desregulamentação, as privatizações, a quebra de monopólios estatais e o enxugamento da máquina
público-estatal são algumas conseqüências desse processo desse estabilização econômica.
A globalização da economia, no bojo dessa política, é muito mais do que a quebra de
barreiras comerciais ou a facilidade e a rapidez com que a produção e o consumo percorrem os
Continentes. Trata -se de uma série de mudanças na própria estrutura organizativa da sociedade
humana que atinge todas as dimensões sociais, desde a economia até a cultura e a organização
política. De tal modo, mexe com a vida das pessoas, que vive -se hoje “em plena transição para uma
sociedade onde a produção está basicamente determinada pela Revolução Tecnológica” (Dalló,
2001, p. 12). E mesmo que o neoliberalismo se encontre desgastado, apesar de suas características
fundamentalistas, que suas vozes estejam perdendo a capacidade de trazer esperança ao povo e a
inspirar projetos construtivos do futuro, é bom ter claro, e a própria história mostra, ele tem sabido
mudar a embalagem para acondicionar o mesmo produto, ora aparece como novo caminho,
“terceira via” (de Schroeder, na Ale manha, Blair, na Inglaterra), ora como arranjos eleitorais
envolvendo segmentos da esquerda do terceiro mundo, ora como nova ordem econômica mundial
(formação de blocos econômicos, unificação mercados, de pessoas e moedas), mas o propósito é
sempre assumir o governo e manter implementando as mesmas políticas postuladas pelas forças do
capital financeiro.
Mas, como diz González (2001), o mais doloroso, é verificar que a implantação do
processo neoliberal na América Latina, e, conseqüentemente, no Brasil, transcorreu quase sem
enfrentar a luta das organizações sindicais, as quais em muitos casos ficaram atrás de outros setores
populares mais combativos, porem igualmente carentes de uma estratégia de luta.
Porém, a grave situação de pobreza e exclusão social que hoje prevalece em muitas partes
do mundo, deve conduzir a que as organizações sindicais entendam e tomem consciência de que se
não há solução aos problemas do desenvolvimento e da dívida externa que asfixia os países do
terceiro mundo, da especulação financeira e da injusta e insustentável ordem econômica e
comercial que hoje impera; se não se põe fim aos enormes gastos militares e se destinam vultosos
fundos para o desenvolvimento das nações pobres, pouco ou nada se poderá fazer pelos direitos
dos trabalhadores que vivem nestes países.
129

3 – NOVO SINDICALISMO

Focaliza a trajetória do “novo sindicalismo”, desde os antecedentes e estratégias que


foram sendo montadas para se afirmar, consolidar e impor perante o velho sindicalismo, até a
reestruturação produtiva, as conquistas e as retrações do movimento sindical, e procura
analisar os impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo brasileiro nas duas últimas
décadas do século passado e início do século XXI.

3.1 ANTECEDENTES E ESTRATÉGIAS

O movimento grevista iniciado em 1978, em São Paulo, deixou traços profundos no


cenário político brasileiro. A retomada da iniciativa dos trabalhadores no final da década de 1970,
depois de 14 anos sufocados pelo autoritarismo militar, significou a entrada na cena pública de
amplas camadas das classes trabalhadoras que desde 1964 não conseguiam se fazer ouvir na
sociedade brasileira.
Esse foi, sem dúvida, o segundo momento importante no processo de transição política por
que passava o país. O primeiro protesto de massas ocorreu em 1974 com as eleições parlamentares
de novembro quando o único partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
obteve uma vitória esmagadora nos grandes centros urbanos, principalmente na região Centro-Sul.
A avalanche de votos oposicionistas nas eleições de 1974 foi o primeiro grande protesto
vivo, de amplitude até então desconhecida, contra o autoritarismo no pós-1964. E o grande centro
dessa contestação eleitoral contra o regime militar foi São Paulo, em particula r a capital e a grande
São Paulo. De certo modo, as camadas médias e pobres reagiram, enfim, contra o regime
autoritário e sua política econômica por meio do voto plebiscitário. Aparentemente, o povo
brasileiro se posicionou contra um modelo que, naquele momento, excluía a grande massa da
população de seus benefícios.
130

Em alguma medida, os acontecimentos de 1974 funcionaram como um bumerengue, ao


mesmo tempo que atingiram o centro do poder por sua extensão e profundidade, trouxe à tona
formas variadas de or ganização da sociedade civil. Foi um impulso importante, com um efeito
multiplicador considerável nos anos seguintes, para a definição dos destinos da incipiente abertura
política que se iniciava (Rodrigues, 1999, p. 75). Com a crise política, o governo anunciou um
projeto de liberação que resultou em um certo afrouxamento em relação aos sindicatos. A crise
econômica decorrente do término do milagre brasileiro aumentou o descontentamento da classe
trabalhadora e atingiu também alguns setores empresariais que, somados com outros segmentos da
sociedade, reforçaram a necessidade de uma liberalização política (Schürmann, 1998, p. 45).
Os acontecimentos de novembro de 1974, no entanto, estão relacionados a vários eventos.
No plano estritamente econômico, destaca-se a crise do petróleo em 1973 e seu impacto no país.
No plano político, foram relevantes a luta dos parlamentares brasileiros do MDB, notadamente a
sua ala mais progressista e democrática – o chamado grupo autêntico – e a “anticandidatura” de
Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho à presidência e à vice-presidência da República em
1973, que serviu de pretexto para uma pregação cívico-democrática por todo o país, em que se
denunciava o regime militar -autoritário e se conclamava a sociedade civil à luta pela democracia.
Finalmente, no plano sindical, vale lembrar as mudanças ocorridas desde a primeira metade dos
anos 70, que se manifestaram mais claramente a partir de 1978 (Rodrigues, ibidem).
Em setembro daquele ano, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo realizaram seu
primeiro congresso. Nesse evento, foram definidos os principais pontos programáticos de
atividade sindical: o contrato coletivo de trabalho, liberdade sindical e uma lei básica do
trabalho que completasse seus direitos fundamentais (Ant unes, 1988, p. 17). Embora esse
movimento possa ter significado qualitativamente diferente da vitória da oposição emedebista
de quatro anos antes, ambos os fenômenos estão relacionados. Os trabalhadores, enquanto
expressão de uma certa organização da socie dade civil, procuravam se afirmar na crítica à
política econômica do governo, na luta contra os baixos salários e pelo direito de greve, na
defesa da negociação direta com o patronato e pela autonomia e liberdade sindical, trazendo
para a esfera da polític a amplos contingentes que até então pareciam adormecidos e
expressando um forte sentimento oposicionista ante o regime militar (Rodrigues, 1999, p. 76).
Não é sem razão que as pesquisas sobre as origens históricas dos acontecimentos que
marcaram o movimento grevista na Ford e direcionaram os sindicalistas à busca de um
sindicalismo autêntico e que posteriormente passou a ser conhecido como “novo sindicalismo”
deram conta da presença do sindicato nas empresas antes das greves de 1º de maio de 1978. Além
disso, Laís Abramo (apud Rodrigues, 1999, p. 27) escreveu que “na Ford, o nível de organização
131

interna era maior. Em 1976, a partir da luta por equiparação salarial, realizada pelos ferramenteiros
da empresa, surgiu uma comissão que conseguiu se manter organizada e atuante durante anos”.
Também citada por Rodrigues (ibidem) é a versão apresentada por Silvia Gerschman, em 1985, de
que “desde 1976, funcionava uma comissão de fábrica clandestina na Ford; essa comissão se
reunia por setores, assumindo cada setor as reivindicações do conjunto”. O ano de 1976 parece
constituir um ponto marcante no processo de organização fabril dos trabalhadores da Ford e,
seguramente – acrescenta Rodrigues (1999) – dado o seu êxito como categoria, a campanha
sindical por 34,1% de reposição salarial de 1977 estimulou e reforçou a militância dentro da
fábrica. Mas há quem trace uma linha de continuidade entre a história dos trabalhadores da Willys
e da Ford. É o caso de Luís Venâncio da Luz (diretor sindical de base na Ford em 1978) que
afirmou: “ela tem raízes de tempos anteriores, do tempo da Willys”. 65

O período iniciado em 1978, franqueou “durante dois anos, uma vaga quase
ininterrupta de lutas e mobilizações sindicais massivas (que) varreu o país,
atingindo as principais categorias do proletariado em quase todos os Estados.
Foi o primeiro ascenso de lutas verdadeiramente nacional do proletariado,
com um milhão de trabalhadores em greve em 1978, 2,5 milhões em 1979 e
750 mil em 1980. Foi a partir dessas lutas e do processo de auto-organização
que as acompanhou, que o proletariado brasileiro iniciou a conquista de sua
independência de classe, através de um amplo movimento de rebelião contra
a estrutura sindical corporativa (que levaria à fundação, em agosto de 1983,
da CUT) e do processo de formação de seu partido de classe, o Partido dos
Trabalhadores (Caderno Debate Sindical, 1987).

O proletariado, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, integrado por
28,6 milhões de assalariados, numa população economicamente ativa de 42,8 milhões de
pessoas, teve seu peso social fortalecido frente às demais classes sociais. O operariado das
montadoras da indústria automobilística em São Bernardo do Campo constituiu o caso
emblemático dessa nova situação, embora a contradição entre esse novo operariado e a
estrutura sindical seja expresso de modos distintos.
Se por um lado, se fortaleceu a tendência à superação do populismo sindical no meio
operário e a ação sindical em São Bernardo, desdobrou-se, por outro, na formação de um
Partido político, o Partido dos Trabalhadores. Concebido como uma espécie de braço político
e parlamentar do sindicalismo, nos moldes do reformismo operário clássico, a criação desse
partido representou um início da ruptura com a inércia partidária própria do estatismo

65
Cfe. matéria publicada em A greve na voz dos trabalhadores. Coleção História imediata, n. 2, p. 19-21, 1979
(apud Rodrigues, 1999, p. 30).
132

populista 66 (Boito Jr., 1991). Tem sido também destacada a maior capacidade de organização
desse novo operariado, sua força para implantar e manter organizações estáveis no local de
trabalho. Esse novo operariado não introduziu as comissões de fábrica na história do
movimento operário brasileiro, mas representou o agente social que conseguiu, talvez pela
primeira vez, tornar esses organismos estáveis e consolidados.

3.2 AS COMISSÕES DE FÁBRICA

No movimento sindical, a discussão sobre as comissões de empresa já vinha sendo


realimentada desde meados da década de 1970, primeiro pelas Oposições Sindicais, e
posteriormente pelo sindicalismo de São Bernardo. Em todos os congressos da CUT, por
exemplo, a defesa das comissões de empresa e da necessidade de sua implantação nos locais
de trabalho esteve presente. Mas foi o Partido dos Trabalhadores que em outubro de 1983
apresentou o projeto de lei67 que dispunha sobre a criação de comissão de fábrica. A discussão
da representação trabalhista no interior da empresa foi um tema marcante no correr dos anos
80, nos cenários sindical, político e empresarial. Em 1986, essa questão voltou à cena,
inserida no anteprojeto de Constituição e na nova Carta Constitucional, no artigo 11, do
capítulo II, e foi aprovada a figura do representante dos empregados em estabelecimentos com
mais de duzentos trabalhadores (Rodrigues, 1991, p. 143).
A discussão sobre a organização dos trabalhadores no local de trabalho sempre teve
como pano de fundo o movimento grevista que, iniciado em 1978, se manteve durante toda a
década de 80. A emergência das comissões de empresa, no entanto, não representou um
fenômeno novo na história do movimento operário no Brasil. Segundo Rodrigues (idem, p.
144), há registros de organizações nas unidades produtivas nos anos de 1910, 1920 e 1930, no
imediato pós-guerra, bem como nos anos de 1950 e 1960. Em alguns casos, esses intentos de
organização dos trabalhadores nos locais de trabalho estão associados à maior liberdade no
plano político, como a redemocratização de 1945 e a abertura política do final da década de
1970. O que significa que o ressurgimento das comissões de fábrica com o movimento
grevista de 1978 não foi um fato inusitado; ao contrário, fazia parte da experiência do
operariado brasileiro que de vez em quando emergia com maior ou menor impulso. As

66
“O populismo articula o ativismo reivindicatório (plano econômico/sindical) à inércia político-partidária, esta
se constituindo na expressão mais visível e aguda do seu caráter estatista” (Saes, apud Boito Jr., 1991, p. 62).
67
O Partido dos Trabalhadores, por intermédio do deputado Djalma Bom, apresentou o projeto de lei nº 2.825
que dispunha sobre a criação de comissão de fábrica (Rodrigues, 1991, p. 142).
133

comissões que surgiram na capital paulista no período de maio a agosto de 1978 funcionaram,
principalmente, como organismos de negociação da greve em suas respectivas empresas.
Um ponto a destacar é que as comissões de empresa assumiram um papel de
relevância como organização de vanguarda do verdadeiro sindicalismo, pois transformaram a
força potencial da classe trabalhadora em força real, já que representaram a superação de um
velho problema da organização dos trabalhadores: a indispensável incorporação de um
número cada vez maior de trabalhadores à frente das lutas do conjunto de classe. E as
perseguições, demissões e ameaças, longe de negarem a necessidade das comissões,
mostraram seu acerto na medida em que os patrões reconheceram nelas, através de suas
represálias, uma poderosa forma de organização a serviço da classe trabalhadora.
As greves de São Bernardo foram, pelo menos em algumas grandes empresas,
organizadas no interior da fábrica, com a participação ativa dos operários. As comissões de
fábrica das grandes montadoras tiveram e têm um papel decisivo nas greves. As diversas
formas de ação grevista dos metalúrgicos de São Bernardo ao longo da década de 1980
evidenciam esse enraizamento no interior das fábricas.

A greve “ao pé da máquina”, as “operações tartaruga”, a greve “vaca brava”,


a greve geral prolongada realizada com os trabalhadores dentro das fábricas,
em 1989, a greve chamada “abelha”, de 1990, são, todas, formas de ação que
destoam do padrão de ação sindical tipicamente populista, uma vez que
exigem muita organização, disciplina e autoconfiança dos operários (Boito
Jr., 1991, p. 63).

Isso ficou evidenciado na operação “vaca brava”, de 1985, que parou todas as
empresas metalúrgicas de São Bernardo, ou na paralização de toda uma empresa com a greve
declarada de apenas uma pequena parcela estratégica de seus trabalhadores, como na greve
dos 900 operários da ferramentaria e da manutenção que parou toda a Ford de São Bernardo,
em 1990, na chamada greve “abelha”, na qual alguns faziam greve enquanto a maioria “fazia
cera”, foram formas de luta de um operariado que estava, na prática, afastando-se da idéia de
que o sindicalismo não era nada sem a ação tutelar do Estado. 68
A política sindical e a militância no interior da fábrica encontram-se articuladas na
própria natureza do “novo sindicalismo”. Uma das mais importantes propostas desse
movimento foi a mudança da definição da política sindical que, inversamente à concepção de
uma atividade exclusivamente institucional e regulada no âmbito do Estado corporativista,

68
Tais características inovadoras da ação sindical desse novo operariado aparecem em importantes trabalhos
produzidos pelos próprios sindicatos. Ver História da Greve de 89 , obra coletiva do sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo e Diadema, São Bernardo, Editora Fundo de Greve, 1989, entre outras (Boito Jr., 1991, p. 63).
134

passou a incluir práticas até então proibidas pela legislação trabalhista, tais como a
representação interna, as negociações diretas com a administração e o recurso à greve. Assim,
o novo movimento sindical buscou romper simultaneamente com os procedimentos
burocráticos e clientelistas da liderança pós-1964 e com as práticas populistas que
prevaleciam antes do golpe militar (Mangabeira, 1993, p. 13-14).
Segundo Mangabeira (ibidem), contrariamente à liderança populista da década de
1960, a “liderança autêntica”, formada pelos novos líderes, procurou assentar sua legitimidade
na ampliação da representação da base operária no sindicato, bem como na acentuação das
questões internas enquanto força motriz da mobilização operária. Esses líderes buscavam sua
legitimidade política numa combinação entre a expansão da filiação sindical, a organização e
mobilização diretas nos locais de trabalho, de tal forma que o espaço da fábrica e a
organização do trabalho assumiram um relevo crescente como sede da emergência de uma
política de base operária.

3.3 FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A ESTRUTURAÇÃO DO


NOVO SINDICALISMO

A representação sindical nos locais de trabalho e a responsabilidade da liderança


perante as bases foram objetivos intensamente perseguidos pelos novos líderes. Rompendo
com o padrão regulado de organização vertical, o novo movimento criou representações
horizontais alternativas e uma nova confederação de trabalhadores controlada diretamente
pelos sindicatos. As iniciativas da nova liderança, no geral, contrastavam com as posições que
os líderes populistas do passado defendiam. Os líderes populistas separavam as reivindicações
sociais e políticas das demandas econômicas, colocando em segundo plano problemas fabris
tais como o grau de exploração do trabalho, o despostismo gerencial69 e as relações

69
Focalizando o espaço interno da fábrica, Mangabeira (1993, p. 71) observa que uma das fontes de conflitos
fabris no período era o “despotismo” da gerência e analisa o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN),
sendo este resultante do poder “despótico” dos gerentes e encarregados. No nível das seções havia, após 1979,
dois tipos de supervisores: o encarregado e o mestre. O encarrega do executava funções administrativas e
gerenciais, o mestre tinha autoridade sobre questões disciplinares, embora o encarregado tivesse a última palavra
nos assuntos de disciplina, promoção e transferência. O sistema disciplinar formal consistia de quatro tipos de
penalidades aplicadas de acordo com a gravidade da infração: advertência, repreensão, suspensão temporária e
demissão “por justa causa”. De acordo com o Manual de Pessoal, as penalidades somente podiam ser aplicadas
pelo próprio chefe da seção e deveriam ser registradas na ficha funcional do empregado. Uma anotação negativa
na ficha funcional podia prejudicar o acesso do funcionário à promoção na empresa e progressão no cargo.
Apesar de constar especificamente do Manual que advertências verbais feitas por chefias de status inferior não
eram consideradas como punição formal, na prática a natureza do trabalho nas seções implicava que o
encarregado e o mestre eram os que, de fato, indicavam ao chefe da seção que um operário devia ser punido.
Essa era uma das bases do poder dos mestres e encarregados. Esses procedimentos disciplinares eram chamados
135

discriminatórias e antidemocráticas entre gerentes e trabalhadores. O novo sindicalismo, por


seu turno, foi buscar a integração das demandas econômicas, sociais e políticas, voltando-se
para os problemas criados dentro do sistema produtivo – as condições de trabalho, a
democratização das relações entre a gerência e os trabalhadores e o controle do trabalho –, ao
mesmo tempo em que contestava o conteúdo da legislação trabalhista corporativa e as
políticas salariais impostas pelo governo (Mangabeira, 1993).
O descontentamento na sociedade civil, evidenciado através do movimento de
oposição democrática e da volta dos estudantes às ruas depois de anos de silêncio, bem como
a crise política iniciada em 1974, que resultou em um certo afrouxamento em relação aos
sindicatos, e a crise econômica decorrente do término do Milagre Brasileiro, influenciaram o
movimento operário de São Bernardo, apesar de este movimento não ter ligação direta com a
mobilização da sociedade civil por liberdades democráticas e pela volta do Estado de direito.
O clima de contestação que se gerou, à época, penetrou nas fábricas, constituindo-se em
elemento importante para o surgiment o das greves e para o significado que viriam a ter.
Abramo (apud Schürmann, 1998, p. 46) assinala que essas greves contribuíram para
aprofundar a crise global de legitimidade do regime.
O dinamismo e a rapidez com que esse movimento se estruturou no Brasil, de acordo
com Schürmann (ibidem), deve-se também a dois outros fatores: primeiro, ao fato de o regime
militar brasileiro não ter destruído as organizações sindicais, nem proibido o seu
funcionamento, contentando-se em controlá-las, o que permitiu aos “sindicalistas autênticos”
encontrar à sua disposição um aparelho intacto, dotado de recursos financeiros e de infra-
estrutura administrativa, tornando-se, assim, possível a realização de greves, de conferências,
o financiamento de boletins, publicações e outras atividades políticas e sindicais, segundo, a
importância do papel revitalizante da Igreja Católica que transformou radicalmente seu
discurso e sua prática, baseada em quatro séculos de aliança com as classes dominantes, em
uma opção pelos pobres. A Pastoral Operária, no início dos anos 1970, foi importante fator de
articulação operária por intermédio de missas, debates, palestras e discussões.
A aproximação entre os sindicalistas autênticos e os militantes das pastorais que,
posteriormente, conduziu os militantes católicos para o Partido dos Trabalhadores não foi um

de “ganchos” pelos operários e muitos faziam questão de acentuar que o “gancho” aplicado neles tinha resultado
de medidas injustas da gerência. A relação entre operários manuais e encarregados deu origem a muitos conflitos
no interior da usina.
Outro fato decorrente da gestão autoritária eram as horas extras serem usuais na usina; elas faziam parte da
“cultura local”. Segundo vários depoimentos, o direito de pedir hora extra era visto pela gerência como
prerrogativa de seu poder e autoridade. Os operários tinham hora para entrar, mas não tinham hora certa para
acabar o trabalho. Os trabalhadores eram coagidos a fazer hora extra (Mangabeira, ibidem).
136

fato comum na história do sindicalismo, mas o resultado de esforços significativos


desenvolvidos em vários encontros entre representantes do movimento sindical e dos
movimentos populares, revelando uma forma de organização influenciada pela estratégia de
nucleação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), organizadas pela Igreja Católica, e
com grande difusão nas práticas dos movimentos sociais da época que valorizavam,
fundamentalmente, a autonomia e a independência desses movimentos diante do Estado e dos
partidos políticos.
Esses encontros reuniam representantes dos sindicalistas autênticos, dos dirigentes
sindicais ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dos movimentos sociais
relacionados com a Igreja Católica com o objetivo de discutir e formalizar uma articulação
entre os movimentos populares e o sindical: o I Encontro de Monlevade, realizado em
fevereiro de 1980, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, dessa cidade, discutiu medidas
relacionadas à democratização da estrutura sindical com a conquista de um novo Código de
Trabalho, que incluiria o Contrato Coletivo de Trabalho; o II Encontro da categoria –
Encontro de São Bernardo –, em junho de 1980, contou com a participação de organizações
ligadas à Igreja Católica, pastorais, Comunidades Eclesiais de Base, oposições sindicais, entre
outras, que defenderam a unificação do sindicalismo com os movimentos sociais; o III
Encontro Nacional de Articulação de Movimentos Populares (ENAMP), também realizado
em junho de 1980, em Vitória -ES, com a presença das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs), pastorais operárias, associações de bairro e outras organizações católicas reafirmou a
posição pela união entre movimento sindical e movimento popular; o IV Encontro Nacional
de Movimentos Populares, realizado em Goiânia, em junho de 1982, decidiu pela união do
movimento sindical com os movimentos populares, cabendo ao primeiro o papel de
vanguarda, e aos segundos, o de retaguarda do movimento sindical (Rodrigues, apud
Schürmann, 1998, p. 47-48).
Vale lembrar também que no início de suas campanhas salariais nos anos anteriores o
sindicato encaminhava a pauta de reivindicações à Justiça por intermédio da sua assessoria
jurídica. Em 1978, sem interromper a legalidade costumeira – os advogados continuaram a
encaminhar as propostas pela via jurídica –, os dirigentes sindicais discutiram e submeteram
todas as suas decisões aos trabalhadores, em assembléias. Entretanto a constante
intransigência patronal levou o sindicato à descrença quanto a resolver seus problemas por
vias legais e à constatação da inutilidade do ritual que se repetia a cada ano, passando este a
encarar o enfrentamento como a única saída. Esgotadas todas as tentativas de negociação, os
dirigentes sindicais abandonaram a estratégia legalista e optaram pelo confronto. Assim, o
137

movimento de São Bernardo, perdendo as esperanças de obter ajuda do Estado, ressurgiu


organizado e mobilizando todas as forças para uma disputa direta com a classe pa tronal, sem
respeitar as restrições ao direito de greve, legitimando, na prática, este direito, pôs fim as
barreiras mais importantes para o desenvolvimento de práticas de negociação coletiva (Silva,
apud Schürmann, 1998, p. 49). Com a nova estratégia partiram para a negociação direta com
o empresariado.

3.4 A EMERGÊNCIA DOS TRABALHADORES

As grandes greves, precedidas de assembléias plebiscitárias dos operários no Estádio


de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, mostraram a existência de um outro ator até
aquele momento excluído do cenário político, mas que queria participar. Esse foi, sem dúvida,
o sentido mais geral da emergência dos trabalhadores, a partir de 1978, no Brasil. Esse fato
desempenhou um papel importante na transição política naquele momento: as classes
trabalhadoras queriam ter uma presença mais significativa nas novas regras do jogo que
estavam sendo geradas no Brasil. Oriundos dos setores industriais mais modernos da
economia nacional, esse movimento social que, em seu desenvolvimento se transformou em
movimento político, representou, naquele momento, uma novidade na cena política brasileira.
Do ponto de vista dos setores trabalhistas, e até de uma parcela significativa do
empresariado, o que se buscava das demandas colocadas para o conjunto da sociedade era
uma redefinição de suas identidades coletivas. E essa questão era bastante pertinente para as
classes trabalhadoras: eram atores à procura de sua identidade coletiva como forma de
obterem um espaço de intervenção na esfera pública. Foi nesse sentido que ganhou
importância os contornos do nascimento do novo sindicalismo brasileiro, base posterior da
atividade de um amplo segmento sindical no Brasil e que deu nascimento tanto à Central
Única dos Trabalhadores (CUT), sem dúvida a mais importante central sindical no Brasil,
como ao Partido dos Trabalhadores (PT).

3.5 A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT

3.5.1 O processo de fundação e construção da CUT

A 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), realizada em 1981, a


partir do chamamento unitário das lideranças sindicais do país, deliberou por uma nova
138

Conferência para 1982 quando seria constituída a Central Única dos Trabalhadores, naquele
momento uma proposta consensual. Para a organização da nova Conferência, foi criada a
Comissão Nacional Pró-Central Única dos Trabalhadores. A perspectiva da constituição da
CUT estava na ordem do dia para o movimento sindical brasileiro que acumulara muita
experiência organizativa durante os anos de luta contra o arrocho salarial da ditadura militar.
A Conferência de 1982 não se realizou, pois a maioria da Comissão Nacional Pró-CUT
entendeu que o ano que era eleitoral não era o melhor momento para realizar a CONCLAT.
Segundo Oliveira (1989, p. 15), a decisão de adiar essa Conferência para agosto de
1983 foi polêmica e, um pouco antes de agosto, o movimento sindical dividiu-se em virtude
de divergências internas, provocando a realização de dois congressos: o de 27 de agosto de
1983, em São Bernardo do Campo (SP), no qual foi constituída a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), e o de 4 de novembro de 1983, em Praia Grande (SP), que constituiu a
Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), posteriormente (1986)
transformada em Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
A criação da CUT dava-se num quadro em que a sua força dirigente já caminhava para
a opção de integrar-se ao sindicato oficial. O congresso de fundação derrotou as propostas que
previam alguns tipos de filiação à CUT por fora da estrutura sindical oficial aos trabalhadores
cujos sindicatos oficiais estivessem controlados por pelegos. Representativa, em alguma
medida, das aspirações trabalhistas por direitos sociais, políticos e econômicos, a CUT nasceu
defendendo um lugar para os trabalhadores na sociedade brasile ira. Com forte presença na
sociedade civil, essa corrente sindical vem tendo um importante papel na condução das
demandas de amplos setores assalariados e trazendo para a esfera pública temas que antes não
tinham espaço na agenda política. O III Congresso da CUT, em 1988, reforçou essa
integração ao diminuir a representatividade das oposições sindicais nos congressos da central.
A CUT foi fundada com uma perspectiva politizada (de luta contra a ditadura militar),
classista (defendendo a independência de classe), plural (criando mecanismos para
democracia sindical) e pela base (rejeitando a estrutura sindical oficial e todas suas mazelas
da unicidade sindical, assistencialismo, imposto sindical, defendendo a liberdade e autonomia
sindical). Em sua fundação, e nos dois primeiros congressos, a CUT firmou ainda dois pilares
fundamentais: a aliança orgânica dos trabalhadores do campo e da cidade, e a perspectiva
139

estratégica cutista de vincular a ação sindical à luta pelo socialismo (Martins, Rocha, Batista
et al., 1996) 70.
Conforme os membros da Executiva Nacional da CUT71, em 1996, o processo de
fundação e construção da CUT fez parte de um período político marcado pelo triunfo da
Revolução Sandinista na Nicarágua e o surgimento do Sindicato Solidariedade na Polônia que
se constituíram nesse momento em duas referências políticas alternativas ao estalinismo e à
social-democracia. A CUT embora considerada “ideologicamente difusa” (Antunes, 1984, p.
82), por não apresentar “a predominância de uma proposta socialista re volucionária”, aponta
para uma nova concepção sindical, pela construção do Partido dos Trabalhadores, como
expressão da independência de classe dos trabalhadores no terreno político-partidário, a partir
de um leque de forças políticas e sociais que iriam convergir na fundação da Central; pela
crise do regime militar; pelo modelo de desenvolvimento capitalista em vigor no país e que
remonta a década de 1930; ou pelo avanço político das forças democráticas e populares, em
organização (sindical, partidária, popular), em níveis de consciência de massa ou em
resultados eleitorais (1988 e 1989) e ao mesmo tempo de uma crise de alternativas políticas
burguesas (que irá levar à “aventura” de Collor em 1989).
A CUT, ou pelo menos suas correntes majoritárias, estava sob o impacto da ideologia
do legalismo sindical, em virtude do peso do passado populista. Entretanto, a partir mesmo de
1983, conforme Boito Jr. (1991), a CUT, ao nível do seu discurso, começou a promover
sucessivas fissuras na ideologia da legalidade sindical. No congresso de fundação, aprovaram-
se resoluções que apresentavam apenas declarações genéricas de defesa da liberdade e da
autonomia sindical. No I CONCUT, de 1984, dava -se um passo à frente, pois a plataforma de
lutas aprovada apresentava como objetivo a revogação do Título V da CLT – que era onde se
encontravam, na época, as normas que impunham a unicidade sindical e as contribuições
sindicais compulsórias. E no documento “Por Uma Nova Estrutura Sindical”, também saído
do congresso, a central denunciava o imposto sindical e o assistencialismo.
O grande avanço, ao nível do discurso cutista, vinha, no entanto, nas resoluções sobre
a estrutura sindical aprovadas no II CONCUT, em 1986, quando a CUT se declarou, pela
primeira vez, ser contrária à unicidade sindical, colocando em evidência como sendo o
sindicato único imposto por lei. O III CONCUT, em 1988, dava mais um passo ao aprovar

70
Jorge L. Martins, M. Consolação da Rocha, Pedro Ivo Batista, Rafael Freire, Rita Lima e Sebastião Neto, da
Executiva Nacional da CUT, escreveram “O projeto cutista, a luta pela liberdade de organização sindical e o
combate ao projeto neoliberal”, por ocasião do 13º aniversário da CUT, em agosto de 1996.
71
Referência nota de rodapé acima.
140

resolução a favor da implantação do Contrato Coletivo de Trabalho que deveria substituir a


tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação sindical.

A estratégia defendida nos primeiros congressos de conquistar os sindicatos


“por dentro”, para depois destruir a estrutura sindical oficial, só avançou, e
muito, na sua primeira parte. (...) a concepção e prática do sindicalismo
oficial contra o qual se insurgiu a CUT em sua fundação, acabou penetrando
no cotidiano da Central. Por conta disso, a concepção e prática sindical
cutista realmente existente começou a incorporar elementos dos desvios e da
degeneração burocrática que identificamos desde o início na estrutura
sindical oficial.
(...) a busca da consolidação da CUT enquanto “central sindical” (no III
CONCUT, 1988) foi feita em detrimento de: (a) da representação dos
trabalhadores que estão à margem da relação formal capital/trabalho (ao se
colocar como eixo exclusivo da ação sindical o Contrato Coletivo de
Trabalho) e (b) da vocação da Central de se construir na base dos sindicatos
oficiais sob direção pelega (ao se aprovar uma medida estatutária que
enfraqueceu as oposições dentro da Central). Este segundo aspecto só
começaria a ser discutido com a resolução do V CONCUT (1994) sobre
Associações Cutistas (Martins, Rocha, Batista et al., 1996, p. 3).

A CUT muito significou acerca de avanços em relação à participação – através de


assembléias de base, de congressos e de práticas – e de democracia – através da instituição da
proporcionalidade nas suas instâncias. No entanto, a democratização não se estendeu, como
regra, a seus sindicatos – pouco modificou os sindicatos de base herdados do corporativismo,
onde continuou a vigorar o monolitismo – nem conseguiu avançar para além da
proporcionalidade (de 20 e 10%).
Boito Jr. (1991) assinala que a CUT não tem lutado de modo consistente pela
liberdade e pela autonomia sindical. Um exemplo ilustrativo desse argumento é o fato de,
quando o Congresso votou e aprovou a unicidade sindical, não haverem comparecido,
segundo depoimentos colhidos à época, sequer vinte sindicalistas da CUT no Congresso
Nacional. E, aprovada a Constituição de 1988, a CUT ter aceitado sem luta a unicidade
sindical. E isso a despeito de essa norma constitucional carecer de regulamentação legal e
contrariar a letra do inciso primeiro do artigo 8º da Constituição, que proíbe a intervenção do
Estado nos sindicatos.
Assim, se por um lado as formulações do discurso cutista sugerem uma evolução em
direção à superação da ideologia da legalidade sindical, por outro diversas propostas
específicas da CUT estão em contradição com a prática efetiva do sindicalismo cutista,
quando, por exemplo, a CUT defende a oficialização dos sindicatos livres dos funcionários
públicos e a manutenção da contribuição assistencial compulsória. A contribuição sindical
141

compulsória pressupõe a outorga da representação sindical pelo Estado, ou seja, a existência


do atrelamento sindical.
A contradição entre a prática efetiva e o discurso cutista reside no fato de o discurso
cutista possuir duas camadas sobrepostas, duas camadas de ideologia (teórica e prática). Uma
mais visível é a que proclama abertame nte a defesa da liberdade sindical, a oposição à
unicidade, ao imposto, à tutela da Justiça do Trabalho, que são formulações mais gerais e de
pouca conseqüência prática. A outra camada do discurso cutista está mais ligada às propostas
de ação correta, nega e contradiz o que as declarações genéricas afirmam. É essa ideologia
prática, envolta e ocultada pela ideologia teórica, que reflete de modo mais adequado a ação
prática da CUT frente à estrutura sindical.

3.5.2 A CUT e a nova concepção sindical

A retomada das ações grevistas, no final da década de 1970, nos setores estratégicos
da economia, o avanço do sindicalismo rural, o nascimento das centrais sindicais, as tentativas
de organização por local de trabalho, o aumento do índice de sindicalização, são elementos
demonstrativos que, se houvesse o propósito firme de romper o modelo e o controle sindical
pelo Estado, isso seria possível. E, embora o capital também tenha alterado suas formas de
controle da produção, criado novas formas de gestação da força de trabalho, flexibilizado os
processos de produção e atacado brutalmente os direitos sociais adquiridos pelos
trabalhadores, a criação da CUT mostrou uma nova concepção sindical e uma estratégia que
dava conta de uma transformação profunda na estrutura sindical e no mundo do trabalho a tal
ponto que permitiu uma nova cultura política, contrapondo-se à herança da velha estrutura,
autoritária e imposta. O novo sindicalismo surgiu como uma concepção que afirmava um tipo
de socialismo como melhor opção de vida para todos, que permitiu aos trabalhadores
almejarem não só melhores salários e condições de trabalho, como também se reafirmarem
como sujeitos de sua própria história e a possibilidade da construção real de novos espaços de
liberdade (Nogueira, 1993).
A trajetória do novo sindicalismo e, por extensão, da CUT, não pode ser dissociada da
demanda mais geral das classes populares por direitos democráticos. Surgindo no período de
declínio do autoritarismo militar, esse movimento se consolidou enfrentando o regime de
exceção e defendendo a democratização no Brasil, mudanças sociais e econômicas benéficas
aos trabalhadores e associando essas reivindicações mais gerais com a defesa de melhores
142

condições de vida e trabalho para os assalariados e aos temas mais diretamente ligados ao
cotidiano do trabalho.
Assim, além do sentimento de parte dos trabalhadores contra a exclusão social, a
miséria, o despotismo das chefias e os baixos salários, e até por essas questões, a entrada em
cena dos trabalhadores na política brasileira, no final da década de 1970, representou a
demanda mais ampla por direito – em muitos aspectos elementares – de moradia, de
melhorias salariais e de justiça social, e, principalmente, por se fazer presente na sociedade,
interferindo com alguma eficácia no processo de transição política do país, ao mesmo tempo
que foi fundamental para a ampliação das conquistas democráticas.
Em outras palavras, se, de um lado, havia a reivindicação mais ampla por direitos
democráticos, de outro, também, havia uma preocupação mais específica pelas questões
suscitadas no interior das empresas como, por exemplo, aquelas pequenas lutas consideradas,
muitas vezes, “sem importância” no cotidiano da produção e que, em certo sentido,
possibilitaram o surgimento do movimento grevista de 1978. Simultaneamente, criaram parte
das condições que levariam ao surgimento de um sindicalismo diferenciado daquele que se
conhecia no pré-1964: um padrão de ação sindical mais preocupado com os trabalhadores em
seus locais de trabalho e com sua organização a partir das empresas.
Além disso, foi a partir da experiência derrotada de 1964 que ocorreu a reaglutinação
do movimento operário e sindical. Essa reorganização desembocou na estruturação – durante
um largo período de gestação – de dois pólos distintos, mas complementares, no interior do
movimento operário e do sindicalismo brasileiro: a Oposição Sindical Metalúrgica, de São
Paulo, na capital paulista, e o Sindicato dos Metalúrgicos, de São Bernardo do Campo e
Diadema, na Grande São Paulo.
Começava a surgir uma nova camada de ativistas no interior das empresas,
principalmente entre os trabalhadores metalúrgicos. A atuação desse grupo consistia em parte
nesses pequenos embates que caracterizaram as lutas operárias no período 1969/1977, bem
como na crítica à prática do sindicalismo pré-1964. Esses ativistas, que se forjaram na luta
contra o regime autoritário e que estão presentes no cotidiano das empresas naquelas
pequenas lutas, durante esse período, aparentemente tinham mais sensibilidade para o que
estava acontecendo no interior das empresas, pois eram parte dessa reorganização do
movimento operário. Pelo menos em parte, significava vanguarda, pois estava sendo feita a
crítica à prática sindical do período pré-1964, bem como à ação de pequenos grupos que, com
seu voluntarismo, procuravam substituir a ação de massas, como ocorreu com a experiência
de um setor da esquerda que defendia a luta armada. Isso levou a que militantes de partidos
143

políticos de esquerda – na época clandestinos –, na tentativa de conseguirem uma maior


ligação com o movimento de massas, chegassem às fábricas e aos bairros da periferia das
grandes cidades, principalmente na Grande São Paulo.
Foi esse processo que trouxe para o sindicalismo – quando dos acontecimentos de
1978 – duas vertentes distintas que no caminho se encontraram: o padrão de ação dos
sindicalistas de São Bernardo e a prática de organização pela base dos militantes da Oposição
Sindical Metalúrgica de São Paulo. Esses aspectos explicam a sensibilidade que esses
segmentos operários tiveram diante da criatividade dos trabalhadores no momento da eclosão
das greves.
As concepções desses dois movimentos e suas práticas criaram as condições para o
aparecimento de um novo tipo de ação sindical, conhecido inicialmente como novo
sindicalismo , que se caracterizou por denunciar o controle do governo sobre os sindicatos e
sobre a fixação dos reajustes salariais, por defender a organização livre e autônoma dos
sindicatos, por advogar a livre negociação entre patrão e empregados, assim como o direito
irrestrito à greve, em contraposição àquele vigente no período anterior a 1964. Com já
mencionado, foi essa nova praxis sindical que, em larga medida, mostrou sua eficácia na ação
dos trabalhadores pós-1978 e que esteve na origem do surgimento da CUT.

3.5.3 A prática discursiva do sindicalismo cutista

A passagem de uma luta extremamente defensiva e localizada, em que sua expressão


maior foi o período de resistência (onde conflitos surdos ocorriam e pequenas demandas eram
levadas adiante pelos ativistas do movimento operário e do sindicalismo), para o final da
década de 1970 e início da de 1980, quando os conflitos começaram a eclodir, com grandes
greves por categorias, por fábricas, e mesmo greves gerais, constituiu um ava nço significativo
na experiência trabalhista no Brasil.
Vários fatores concorreram para a rápida reorganização do movimento sindical. Em
primeiro lugar, uma esquerda que se mantinha atuante nos pequenos embates cotidianos, seja
em fábricas nos principais centros industriais do país, seja em certas regiões rurais como
Norte e Nordeste. Em segundo lugar, o padrão de ação sindical que começava a se expandir
no início da década de 1970, tinha como principal referência o sindicato de São Bernardo. Em
terceiro lugar, foi importante o papel desempenhado pelos setores da Igreja Católica mais
ligados às lutas dos trabalhadores.
144

Fruto da reorganização sindical do final da década de 1970 e início da de 1980, a


formação da CUT representou a concretização de uma inspiração há muito defendida por
setores do sindicalismo brasileiro. Esses setores formaram uma frente para combater a cúpula
da Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTI) e redigiram uma Carta de Princípios
que reivindicava “a democratização do país (eleição direta para presidente, governadores e
senadores), convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e revogação das leis de
exceção” (Rodrigues, 1997, p. 91). No início da década de 1980, multiplicaram-se os
encontros que davam conta da tentativa de organização dos setores mais “combativos” do
movimento sindical. As Oposições Sindicais realizaram o Encontro Nacional das Oposições
Sindicais (ENOS), em maio de 1980, e logo em setembro do mesmo ano, o Encontro
Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES), em nova Iguaçu,
Rio de Janeiro. Vale dizer que estavam lançadas as bases de reorganização dos setores mais
críticos à estrutura sindical na cidade e no campo, que, na CONCLAT, formaram o bloco dos
“combativos” e foram os principais articuladores da criação da CUT (Rodrigues, 1997).
O discurso da CUT nos anos seguintes à sua fundação caracterizaram o período de
ascensão do novo sindicalismo, combinado à crise do populismo econômico e ao início do
ajuste neoliberal em nível internacional, retardado no Brasil pelas condições políticas
impostas pela lenta e turbulenta transição conservadora. O recrudecimento da atividade
grevista e o recurso ao expediente da greve geral marcaram a prática discursiva do
sindicalismo cutista. Por outro la do, as resoluções das plenárias nacionais e congressos da
Central (I, II e III CONCUT) 72 demonstravam o sentimento de luta e combatividade que
marcou a atuação dos sindicatos da CUT na década de 1980. As resoluções tomadas no I
CONCUT versavam, de modo gera l, sobre análise de conjuntura – com delimitações precisas
a respeito das “tarefas centrais de cada período” – “campanha nacional de lutas”, “luta dos
trabalhadores no campo” e “estrutura sindical”. A 1ª Plenária Nacional, de 1985, por exemplo,
abriu com um “Manifesto da CUT aos trabalhadores brasileiros”, encerrando os elementos do
discurso fundador do novo sindicalismo. Esse discurso, sem ambigüidades, com um sujeito
claramente construído em relação a adversários plenamente identificados, procurou articular a
totalidade das relações sociais presentes.

72
O I Congresso da CUT (I CONCUT) definiu estatutariamente que os congressos se realizariam a cada dois
anos, sendo que nos anos sem congresso, a direção Nacional convocaria “Plenárias Nacionais”, com a
participação de dirigentes dos sindicatos e das instâncias horizontais da Central (regionais e estaduais). Com a
formação dos departamentos, a partir de 1987, também estas instâncias verticais passaram a ser representadas
nas plenárias. Finalmente, a partir do III CONCUT (1988), os congressos passaram a ser trienais, com plenárias
nos anos intercalados aos congressos (Cruz, 2000, p. 148).
145

Na interlocução da mídia, o discurso foi significado como “radical”. Mas, segundo


Cruz (2000, p. 150), o elemento mais marcante parece ter sido a negação da CUT em abdicar
de enfrentar as lutas mais gerais, construídas discursivamente enquanto “centro da luta
política para o próximo período”. Entre 1983 e 1984, fora o movimento das Diretas -Já,
derrotada a Emenda Dante de Oliveira, a CUT lutava por uma Constituinte Livre, Soberana e
Democrática; derrotada esta proposta, a Central lançou um movimento pela pressão popular
sobre o Congresso Constituinte, buscando sempre “unir as lutas específicas com as lutas mais
gerais”.
A 1ª Plenária sustentava os mesmos significados produzidos sobre o problema do
campo. A CUT, nas suas várias instâncias, deveria colocar como sua prioridade a luta pela
reforma agrária e contra a violência no campo. A questão da estrutura sindical, como sempre,
também ocupava papel de destaque. A organização de base ou por local de trabalho fora
destacada na proposta de estatuto padrão da CUT e a idéia dos sindicatos de base constituídos
por ramos de produção levou a uma “revolução de significados” na questão da estrutura
sindical: uma proposta de reordenamento completo dos sindicatos de base, a partir de uma
ampliação de suas bases territoriais e da fusão de muitos sindicatos em sete “ramos” de
trabalhadores: agropecuários, industriais, de serviços, de serviços públicos, de autônomos
urbanos (não assalariados), de profissionais liberais e de inativos. Tudo isso, acompanhado do
fim do imposto sindical e da permissividade de intervenção estatal nos sindicatos, era garantia
da estabilidade dos dirigentes e dava ênfase na organização horizontal da central (Cruz, 2000,
p. 150-151).
As Resoluções do II CONCUT sinalizavam um deslizamento em direção a uma
ressignificação em torno da luta política da classe trabalhadora. O compromisso histórico da
CUT era impulsionar a luta sindical dos trabalhadores na perspectiva de construir uma
sociedade socialista. Tais resoluções foram aprovadas em agosto de 1986, em plena vigência
do Plano Cruzado, e quase um terço delas dizia respeito à luta pela reforma agrária. As
Resoluções da 2ª Plenária Nacional da CUT, realizada em junho de 1987, não chegaram a ser
publicadas, sendo que a discussão dos documentos em plenário fora prejudicada ante a
emergência de nova greve geral para enfrentar as perdas salariais impostas pelo “Plano
Bresser”, avaliada pelas Resoluções do III CONCUT, em setembro de 1988, como uma
mobilização inferior à do ano anterior.
Conforme Cruz (2000, p. 153-155), as Resoluções do III CONCUT acusavam as
primeiras rachaduras do novo sindicalismo em seu discurso da totalidade, isto é,
evidenciavam um primeiro deslocamento dos significados do discurso fundador que passava
146

de um posicionamento de denúncia/confronto/superação, nas resoluções anteriores, para um


discurso marcado pelo tom de análise/cautela/negociação, face à conjuntura internacional
(novas tecnologias, dívida externa e desemprego).

3.5.4 Os impasses do sindicalismo cutista nos anos 80 e 90

Do texto de debate preparativo do Ativo Sindical Nacional de DS, de dezembro de


1999, colhem-se alguns desafios e impasses ao sindicalismo cutista.

a) A relação da CUT com o Estado – A confrontação com o Estado foi uma marca
muito forte no processo de fundação da CUT. A questão da independência em relação ao
Estado foi um tema chave na construção da CUT, em oposição ao sindicalismo atrelado,
herdado da estrutura sindical corporativa de Getúlio Vargas, praticado pelo sindicalismo
pelego e com o qual as correntes comunistas conviveram até a década de 1980. No entanto, no
período de 1978-83 em que se gestou e se fundou a CUT, postura política antiditatorial e
independência em relação ao Estado combinavam-se em uma só cultura política e
alimentavam uma estratégia de ruptura democrática.
A situação complicou-se quando se instalou o processo constituinte tutelado (o
Congresso Constituinte, 1986-1988). Mesmo que com uma legitimidade colocada em questão,
esse processo mudou a institucionalidade burguesa. Como resultado disso, já em 1989 ocorria
a primeira eleição “democrática” para presidente da República desde o golpe militar de 1964.
A passagem de um regime político ditatorial para outro de democracia burguesa alterou o
cenário e colocou em questão a estratégia anterior. O novo regime político abriu espaços de
participação da sociedade civil, em especial do movimento sindical, em resposta às demandas
por democracia, mas também como uma forma de diluir as pressões populares.
A Constituição de 1988, sem romper o sistema sindical corporativista, no entanto,
reconheceu, pelo menos em parte, um novo cenário de direitos sindicais já conquistado pelo
sindicalismo cutista nos seus anos de fundação e crescimento.
Na década de 1990, foram apontadas “práticas” cutistas em relação ao Estado, mas
dificilmente se pode concluir que a CUT tinha uma estratégia nesse terreno. Essas práticas em
muitos casos foram “acomodatícias”. Dada uma determinada institucionalidade, buscava -se
tirar o máximo proveito político-organizativo dela. Isso era considerado muito pouco para
uma central sindical que nascera questionando a ordem e que colocava entre seus princípios a
superação da sociedade burguesa.
147

b) A relação da CUT com os patrões – No V CONCUT, realizado em 1994, foi


aprovada uma resolução que rejeitava a “parceria capital/trabalho”. Foi uma resposta à
ofensiva empresarial dos novos métodos de gestão (pós-fordista, toyotista). A resolução dizia
o que estava firmado no princípio estatutário de “independência” em relação ao patronato.
Mas o discurso da “parceria”, “competitividade” e outros, buscava se impor pelo peso dos
fatos. Assim, “salvar a empresa” e “enfrentar a concorrência” foram apelos que os
trabalhadores atenderam com facilidade.
Uma resposta cutista teria como pré-requisito uma visão alternativa sobre a gestão da
empresa e sobre a organização da economia. Não existia em relação à primeira e estava pouco
desenvolvida em relação à segunda. A ofensiva patronal, no entanto, não conseguiu ser
avassaladora porque estava cercada de inúmeras contradições sociais. Foi isso que deixou
aberto o espaço para a disputa política com as estratégias empresariais.

c) A CUT como organização de todos/as os/as trabalhadores/trabalhadoras – No


processo de fundação, a CUT conseguiu unificar setores da classe trabalhadora socialmente
muito diferenciados entre si. Esse foi um traço característico e diferenciador em relação a
outras experiências sindicais internacionais. Pois, nesse processo, os trabalhadores de setores
de ponta da economia (multinacionais, estatais e o grande capital nacional) tiveram grande
responsabilidade. E, contrariamente a certas predições, não optaram por construir uma central
de “aristocracia operária” 73. Ao contrário, buscaram ativamente a incorporação de todos os
segmentos da classe trabalhadora.
Isso se refletiu no Estatuto da CUT: admitia a filiação de entidades de trabalhadores,
fossem eles assalariados ou não. E na sua prática: forte presença e políticas ativas em relação
aos trabalhadores rurais (pequenos produtores e assalariados).
No entanto, na década de 1990 agudizaram as contradições no seio da classe
trabalhadora. Exacerbaram as tensões corporativas. E os trabalhadores dos setores dinâmicos
estavam no foco das políticas empresariais de “parceria” e “competitividade” que visavam ao
seu afastamento de qualquer noção de “classe trabalhadora”. Frente à pauta neoliberal de
reformas, recorrentemente a CUT foi pressionada por essa “particularização” de interesses,
colocando-se, então, em questão, aquela vocação unificadora da classe trabalhadora.

73
Para formuladores sindicais do PCB, por exemplo, a CUT era expressão da “aristocracia operária” que fazia o
jogo do grande capital internacional e o PT o partido (“social-democrata”) dessa fração do proletariado.
148

d) A relação da CUT com os excluídos – No início da década de 1980, havia uma


intensa relação entre movimento sindical cutista e outros movimentos sociais. Essa
característica teve grande influência sobre o rumo que a luta sindical tomou nessa década. Por
exemplo, em 1982-1984, quando da crise do desemprego, houve explosões populares e o
surgimento de um movimento (embrionário) de desempregados auxiliados pelos sindicatos da
CUT em São Paulo. No seu esforço por se firmar como central sindical, houve uma mudança
de postura nos finais dessa década. Reflexo disso é que no III CONCUT (1988) foi realizado
um debate opondo um projeto de “central de trabalhadores” (defendido pela corrente CUT
Pela Base) e outro de “central de sindicatos” (Articulação Sindical), optando-se pelo segundo,
cujo eixo era o Contrato Coletivo Nacional.
A década de 1990 teve como traços característicos a elevação da taxa de desemprego e
o crescimento acelerado do mercado informal de trabalho, fazendo com que os trabalhadores
do setor formal já fossem minoria, considerando-se o total da classe trabalhadora. Ao longo
desses anos, os excluídos estiveram presentes nos discursos e resoluções da CUT. No entanto,
são praticame nte inexistentes as iniciativas políticas e organizativas gerais e sistemáticas em
relação a esses trabalhadores.
Há que se considerar, porém, que o desemprego é um elemento-chave da
desintegração do movimento unitário da classe trabalhadora. O grau de competitividade e de
individualismo a que os trabalhadores foram levados na década de 1990 encontra parâmetros
de comparação no processo idêntico na década de 1980, nos países centrais do capitalismo
(Cruz, 2000, p. 124).
Em 1992, a CUT Nacional aprovou um eixo estratégico para a organização dos
trabalhadores do setor informal. Os “autônomos urbanos” foram definidos como um dos
“ramos” da CUT. Apesar desses avanços, não se conseguiu generalizar a política nem dar
continuidade a essas experiências.
Em relação aos desempregados, o quadro era ainda pior. O desemprego crônico e em
elevação não levou a iniciativas organizadas junto a esses trabalhadores. Destaca-se, porém,
que o sindicalismo cutista, em anos mais recentes, entrou em contato com esse segmento
através dos programas de formação profissional e intermediação de mão-de-obra finaciados
pelo FAT. É um passo positivo. Mas fica a questão: o que significa o sindicalismo cutista dar
“assistência” aos desempregados e trabalhadores precários sem buscar organizá -los?

e) A CUT, unitária, plural, democrática – A CUT foi fundada num turbilhão político
no qual se unificaram setores de origens, tradições e concepções diversas. No seu momento de
149

fundação e no seu processo de construção, houve uma decantação que a definiu como uma
central sindical “de esquerda”, sem que isso significasse uma determinada esquerda
(partidária, ideológica).
O crescimento da CUT atraiu novos setores, novas tradições e novas práticas, o que
em um período como a década de 1990, com questões em aberto como as colocadas acima,
significou um enorme desafio político-organizativo.
Pela sua trajetória, a CUT assumiu um caráter marcadamente “federativo”. No entanto,
para responder as estratégias neoliberais e empresariais que visam a dispersar e fragmentar a
contratação é necessário um alto grau de unificação no ramo. A questão que persiste: qual
deve ser o método para unificar visões diferentes de como enfrentar a pauta empresarial?
Aqui reside a polêmica com a proposta de “sindicato nacional” da Articulação Sindical.

3.6 O PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT

O Partido dos Trabalhadores foi fundado em janeiro de 1979, mas só obteve o registro
definitivo em fevereiro de 1982. No II Encontro Estadual de Sindicalistas do PT-PE, em 8 de
agosto de 1987, Luís Inácio da Silva,74 um dos criadores e presidente de honra do partido,
realizou uma avaliação do PT desde seu surgimento e crescimento, detendo-se no processo de
construção do PT como um partido de massas, conforme delineado a seguir.

3.6.1 Criação e crescimento do PT na visão de Lula (Luiz Inácio da Silva)

O partido surgiu depois que um grupo de sindicalistas tomou consciência de que o


movimento sindical brasileiro, ou o movimento sindical por si só, não dava resposta a todos
os problemas da classe tr abalhadora. Foi a partir de uma experiência rica de várias greves, de
várias categorias, que se descobriu que o espaço do sindicato era um tanto limitado e de que
era preciso abrir as fronteiras de compreensão da classe trabalhadora para que ela não ficasse
e não continuasse estimulada apenas a reivindicar, mas que fosse despertada nos trabalhadores
a idéia de que eles teriam como fim a chegada ao poder.
Segundo Lula, não foi fácil o início. Ele lembrou das reuniões, no final de 1979,
quando vários companheiros sindicalistas se colocavam contra a criação de um partido
político. Alguns diziam que a classe trabalhadora não tinha que se meter em política, que a

74
In: O PT e o Movimento Sindical. Porto Alegre: Secretaria Sindical, RS, ago./1988.
150

classe trabalhadora deveria apenas ficar na luta sindical. Outros diziam que não era o
momento de a classe trabalhadora criar o partido político. E outros ainda diziam que criar o
partido era, na verdade, praticar o divisionismo. Alguns sindicalistas queriam que os
participantes das reuniões ficassem no PMDB. Foram necessárias inúmeras reuniões com
vários sindicalistas para se descobrir por que algumas pessoas não queriam a criação do PT. E
ele, Lula, veio a descobrir, seis meses depois da idéia de criar o PT, porque seu companheiro,
Arnaldo Gonçalves de Santos, por exemplo, não queria que se criasse o PT. Ele não queria
criar o PT porque era do PC e achava que este partido era o partido da classe trabalhadora.
Lula descobriu também por que outros companheiros, que tinham uma militância
constante junto com ele, não queriam criar o PT, e cada vez que se começava a discutir, eles
se levantavam da mesa e iam embora em forma de protesto. Era porque eles participavam do
MR-8 e achavam que o 8 era o partido da classe trabalhadora. Da mesma forma, Lula
descobriu que alguns outros companheiros também não queriam criar o PT porque achavam
que o PC do B era o partido da classe trabalhadora. Descobertos os motivos por que muitos
sindicalistas não queriam criar o partido, isto é, por que eles já tinham o partido deles e
queriam evitar que a classe trabalhadora criasse o seu próprio instrumento de luta. Chegou-se
à conclusão que urgia criar um partido político para que começasse a despertar no trabalhador
a idéia de que as reivindicações econômicas, por si só, não resolviam os problemas da classe
trabalhadora, que a luta econômica não questionava o sistema, e que era preciso questionar o
sistema. De que a luta econômica não colocava para a classe trabalhadora com objetividade, a
necessidade da classe chegar ao poder. E era preciso despertar na classe trabalhadora uma
consciência de que ela deveria governar o país, o Estado e o município.
Criado o PT, sua história registra que em sete anos o Partido dos Trabalhadores
cresceu muito, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, mais que o PTB (sendo o partido
de Getúlio Var gas) em quinze anos. Isso, no entanto, não significava que não ocorressem
falhas nos procedimentos e que não se necessite aprofundar uma discussão ideológica dentro
do PT, discutir que tipo de partido se quer, sua organização, a partir de objetivos definidos
desde o início; que era a criação de um partido subordinado à existência de núcleos de base e
de categorias, de movimentos sociais e núcleos por local de estudo.
Lula exortou os companheiros, enquanto sindicalistas, a perceberem as falhas que
poderiam existir no PT, pois na criação deste instrumento se deveria acreditar que era um dos
caminhos que a classe trabalhadora tinha para conseguir a sua independência e sua liberdade.
Colocando em questão, por que era mais fácil um companheiro sindicalista se
internizar dentro do sindicato do que se dedicar ao partido, Lula também fez ver que no
151

sindicato, às vezes, a luta acontecia até independente da atuação dele, que, às vezes, no
sindicato a luta acontecia porque a categoria dentro de uma fábrica ia para a luta independente
do sindicato. A luta era mais imediata, mais diária. Era luta por equipamentos e segurança no
trabalho e por alimentação, por aumento de salário. E em um partido político a luta não
poderia ser assim ou ter essa finalidade. Num partido político a luta não acontece
simplesmente; seus membros têm de produzi-la.
“O movimento sindical não é, como querem dizer, uma entidade revolucionária”
(Lula, 1988). O movimento sindical é uma entidade que existe para tentar minimizar, ou
melhorar o relacionamento capital e trabalho. Mas quem vai fazer a grande luta revolucionária
é o partido político. Se é o PT, diz Lula, cabe a cada sindicalista perguntar a sua consciência.
O importante é ter claro que o movimento sindicalista é fundamental como instrument o de
conscientização, pois possibilita o avanço da classe trabalhadora.
A classe trabalhadora, porém, precisa sonhar com algo mais, com algo muito mais
importante que a luta sindical, segundo Lula, que é a participação decisiva de uma concepção
sindical, que resultou na criação da CUT. Ele confessou que poderia estar muito orgulhoso
porque participou de forma decisiva na construção do PT. Por essas idéias, em 1981, a
diretoria do sindicato de São Bernardo do Campo concluiu que Lula precisava afastar-se do
sindicato porque ele estava sendo um prejuízo para o mesmo (ibidem).
Lula procurou esclarecer que o caminho do sindicato era tão pequeno que com o
tempo se perceberia que não levava a lugar nenhum. A saída contra a política econômica do
governo era política. Luiz Antônio Magri asseverava que a política não tinha que se meter
com sindicato. Que sindicato era para conquistar melhores condições de vida, que estabilidade
não era para discutir na lei, que 40 horas não era para discutir na lei, que era relação patrão-
empregado. Enquanto isso, o PT e a CUT não faziam nada para responder a isso porque, “nós
perdemos metade do nosso tempo brigando contra nós mesmos; quando deveríamos brigar
com os nossos inimigos lá fora” (ibidem). O discurso de Magri não atendia a categoria
metalúrgica, estava sendo transmitido em nível nacional. Somente em nível de partido poder-
se-ia responder a um discurso dessa natureza. Daí Lula falar da importância de se assumirem
compromissos com a construção do PT.
Certo ou errado, o PT seria aquilo para que fora criado. Seria o partido que tentaria dar
conta da questão para a qual era preciso ainda, encontrar uma forma de adequar a militância
sindical à militância política porque, enquanto os sindicalistas tentavam fazer política nas
horas vagas, a burguesia fazia política 24 horas por dia.
152

Ao final desse Encontro, foram lançadas as bases para a construção do partido nos
locais de trabalho, a partir da construção de núcleos por categoria e local de trabalho.

3.6.2 A proposta de construção do PT – construir núcleos por categoria ou local de


trabalho

I) Apresentação da proposta

A construção do PT como um partido de massas consistia num processo amplo e


complexo. O aprofundamento das discussões sobre o socialismo, a intervenção na conjuntura
e o aperfeiçoamento da democracia interna situavam-se como desafios a serem superados.
Além desses, existiam ainda outras tarefas que não poderiam ser adiadas, sobretudo a
construção de um partido organicamente integrado com a sua base social, como todos os que
criaram o PT querem que ele seja. Foi nesse sentido que se inscreveu o passo decisivo na
construção de núcleos por categoria ou local de trabalho.
Uma das metas do trabalho da Secretaria Sindical era que os sindicalistas que atuavam
na área sindical passassem a intervir de maneira orgânica na vida do Partido e
simultaneamente começassem a implementar a construção do Partido nos locais de trabalho.
Se o PT estava estruturado fundamentalmente a partir dos locais de moradia, o
investimento na construção do PT nas fábricas e nas empresas era fundamental, pois era nos
locais de trabalho que as principais contradições entre o capital e o trabalho se mostravam de
maneira mais clara. Conseqüentemente, nos locais de trabalho o PT possuia todas as
possibilidades de crescer e influenciar decididamente nos rumos das lutas da classe
trabalhadora e contribuir para um salto no nível de consciência da classe rumo à construção
do socialismo.

II) Organização da base social do Partido: os trabalhadores

Construir um Partido com força para mobilizar as massas na direção do socialismo, fez
parte de todas as resoluções básicas do PT. Vivia-se há vários anos um período de maior
quantidade e densidade das lutas sociais no Brasil. Mas, na prática, o PT não fizera o
suficiente neste sentido. A falta de nucleação dos petistas dentro dos organismos de massa era
uma lacuna a ser superada.
153

Um Partido dos trabalhadores e socialista, para ser capaz de articular as lutas sociais,
deveria relacionar-se organicamente com sua base social: os trabalhadores. Não só os
trabalhadores nos centros cruciais de produção industrial e agrícola, mas também os
assalariados em geral.
A base social do PT era formada por toda a classe que era obrigada a vender sua força
de trabalho (em 1988, setenta por cento da população). Era essa classe que formava a base
para a conquista do poder e uma sociedade socialista amanhã. Dessa perspectiva, a nucleação
por categoria ou local de trabalho, do ponto de vista orgânico, era prioritária.
Uma constatação comum no PT era de que vários petistas com posição de destaque no
movimento sindical e popular não mantinham uma militância propriamente partidária, estando
afastados da estrutura orgânica do Partido. Para avançar neste sentido, indispensável se fazia
ganhar a adesão dos militantes sindicais para, juntamente com o conjunto do Partido, construir
os núcleos por categoria ou local de trabalho e não apenas para uma filiação sem
compromisso.

III) As propostas e as tarefas

1. Concepção do núcleo por categoria ou local de trabalho

O núcleo por categoria ou local de trabalho era um organismo do Partido como um


outro qualquer, com a peculiaridade da sua base, isto é, o núcleo não pode estava voltado
apenas para a atividade sindical, mas sim para o conjunto da ação partidária. Assim, o núcleo
deveria combinar duas tarefas: dirigir politicamente a sua categoria, integrando-a a todas as
atividades do Partido, e, além disso, desempenhar um papel na definição do conjunto da
política do PT.
Todas as lideranças petistas deveriam participar dos núcleos. Todos os
encaminhamentos entre a direção do PT e as lideranças das categorias deveriam passar pelos
núcleos do Partido.
Os núcleos por categoria poderiam ser gerais ou, quando necessário, por sub-regiões, e
por local de trabalho. No caso de haver vários núcleos na mesma categoria, deveria haver
alguma forma de coordenação entre eles de modo que fosse garantida a atuação unitária dos
petistas da categoria. Nesse caso, a coordenação deveria ser formada por represe ntantes dos
núcleos. Esta coordenação deveria ser subordinada naturalmente à linha geral do Partido e às
154

suas instâncias de direção. Para discussões de maior importância da categoria, deveriam ser
convocadas plenárias gerais de todos os seus núcleos.
As coordenações deveriam ser acompanhadas pela Secretaria Sindical e pela
Secretaria de Organização, de forma a garantir o seu vínculo com a política geral do Partido.
Além disso, para garantir uma atuação unitária em campanhas unificadas, na CUT, por
exemplo, a Secretaria Sindical poderia promover reuniões intercategorias.

2. Regimento Interno (Síntese do Capítulo I – dos núcleos)

a) As funções dos núcleos:


- organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação dos órgãos de deliberação
e direção partidária, estreitando a ligação do Partido com os movimentos sociais;
- apreender e assimilar, transmitindo ao Partido e ao conjunto da sociedade, a realidade
existente, as condições de vida, do trabalho e de estudo, bem como os problemas e aspirações
dos trabalhadores em suas áreas de atividade;
- participar no âmbito do programa e das resoluções das convenções e demais órgãos
de direção de nível superior da elaboração, da orientação e das políticas setoriais do Partido,
buscando caminhos próprios para transmiti-las aos trabalhadores e respeitando as condições
concretas e específicas de sua área de atividades, entre outras das que constam no artigo 3º do
Regimento do PT.
Conforme definido nos Estatutos, os núcleos poderiam ser de quatro tipos: a) por local
de moradia; b) por categoria profissional; c) por local de trabalho e de estudo; e d) por
movimentos sociais (art. 4º). A definição dos limites territoriais dos núcleos por local de
moradia, categoria e de estudo ficaria a cargo do diretório municipal ou distrital
correspondente (art. 5º). Era proibida a participação do filiado em mais de um núcleo do
mesmo tipo (§ único).

3. Plano de prioridades de construção de núcleos por categoria ou local de trabalho

A construção dos núcleos por categoria ou local de trabalho, na amplitude necessária,


seria um processo que iria necessitar da vontade política, recursos e um certo tempo para
alcançar uma dinâmica estável e auto-sustentada. Há época em que foi elaborada a proposta, o
principal era superar a inércia. Nesse sentido, a concentração de esforços estava na criação de
alguns exemplos de categorias importantes – metalúrgicos, bancários, professores,
155

funcionários públicos, metroviários, sapateiros, vestuários, comerciários, rodoviários,


ferroviários, telefônicos, aeroviários, eletricitários, trabalhadores rurais, petroquímicos,
químicos, petroleiros.
Portanto a prioridade era: a) um trabalho de contato e discussão com as lideranças
petistas dessas categorias; b) elaborar em cada categoria um cronograma de reuniões e
atividades para a construção do núcleo, organizando recursos, local, data fixa de reunião
mensal e debates.
Em conclusão: o PT apoiava e defendia a total liberdade e autonomia dos sindicatos,
um salário mínimo condigno e unificado, as reivindicações dos assalariados e uma política
externa independente. A base eleitoral do partido se localizava principalmente nos estados de
São Paulo (com concentração no ABC paulista), Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul. Nas três últimas eleições pres idenciais (1989, 1994 e 1998), seu candidato, Luís
Inácio Lula da Silva, o LULA, foi o segundo mais votado.

3.7 A CONFERÊNCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA - CONCLAT

A 1ª CONCLAT foi realizada entre 21 e 23 de agosto de 1981, na Praia Grande, litoral


paulista, região onde estavam instaladas muitas colônias de férias de sindicatos. Organizado
por um conjunto mais abrangente do movimento sindical, o evento teve grande impacto diante
da situação política nacional, representando um forte impulso para a luta dos trabalhadores do
campo e cidade pelo fato de ter sido a “primeira (e última) grande conferência em que
participaram todas as frações militantes do meio sindical”, asseverava Leôncio Martins
Rodrigues (apud Rodrigues, 1997, p. 95), em 1981, e evidenciado por Menezes e Sarti
(ibidem) ao referirem:

Participaram dessa conferência 5.427 delegados que representavam 1.126


entidades sindicais. Além disso, estiveram presentes 480 sindicatos urbanos
com 3.108 participantes, 384 sindicatos rurais 75 representados por 969
trabalhadores, 49 delegados em nome de 32 associações de funcionários
públicos (incluindo aí uma delegação do Centro de Professores do Estado do
Rio Grande do Sul – CPERS) 76, 176 associações pré-sindicais com 875

75
Segundo Novaes (1991, p. 173), o campo participou da I CONCLAT com 348 sindicatos, 17 federações e com
sua Confederação, a CONTAG, totalizando 1.200 delegados. Essa expressiva delegação chamou a atenção de
todos ali presentes e dos estudiosos do sindicalismo no Brasil, pois para muitos as lutas no campo se resumiam à
história das Ligas Camponesas, reprimidas e desbaratadas após o golpe militar de 1964. Enquanto Martins,
citado por Novaes, afirma que a CONTAG foi o maior legado das lutais sociais que ocorreram no campo
brasileiro nos anos 60, através dela se colocava a possibilidade de superação da fragmentação e do isolamento
que comprometiam a eficácia e repercussão política dessas mesmas lutas.
76
Oliveira (1989, p. 11).
156

delegados, 134 representantes de 17 federações rurais e 22 delegados


representando 4 confederações: trabalhadores em comunicação, agricultura,
servidores públicos e professores.

A organização da CONCLAT foi precedida de reuniões nos estados, os encontros


Estaduais da Classe Trabalhadora (ENCLATS), em dezesseis estados da federação e mais o
Distrito Federal. Houve uma ampla preparação que levou à conferência da Praia Grande. Esse
fato mostrava a capacidade de organização dos ativistas sindicais que vinham se acumulando
desde a década de 1970. Além do plano de lutas, a CONCLAT discutiu a constituição de uma
central sindical, proposta que amadurecia antes no movimento sindical brasileiro.
A I CONCLAT foi um sucesso. As diversas correntes e perspectivas do movimento
sindical brasileiro tiveram, depois de vários anos de repressão, um espaço legítimo para
divergir, discutir, tentar acordos, medir forças e fazer crescer a consciência política dos
delegados rurais e urbanos e representantes de entidades presentes. E se a reorganização
sindical ocorreu rapidamente, conforme observaram alguns, essa atividade já vinha se
desenvolvendo de forma mais acentuada desde 1978, possibilitando que os trabalhadores
pudessem ter um lugar na nova ordem democrática que, nesse momento, começava a ser
vislumbrada. Aliada a essa forma organizativa que o movimento sindical mostrou na I
CONCLAT, evidenciava -se, também, a expressão da capacidade política e decisão dos
trabalhadores de influir no processo político.
As resoluções no tocante aos problemas sociais nessa reunião explicitaram essas
demandas do movimento sindical.

Entre as propostas mais gerais discutidas, sobressaem a defesa da


convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, precedida das
seguintes condições: 1) liberdade de manifestação, reunião e organização
para todos os setores da sociedade; 2) efetiva liberdade de expressão de
todos os partidos e correntes políticas; 3) anistia ampla e irrestrita, que
extinga todas as punições políticas e sindicais; 4) livre e igual acesso aos
meios de comunicação de massa, rádio, jornal e televisão, para todos os
partidos políticos e entidades sindicais de trabalhadores da cidade e do
campo; 5) fim de toda legislação de exceção e arbítrio e desmantelamento de
todos os organismos de repressão; 6) que o governo que a convoque seja o
resultado da expressão da luta dos trabalhadores da cidade e do campo
(Rodrigues, 1997, p. 96).

O movimento sindical, desenvolvendo um programa onde prevaleceu um conteúdo


profundamente democrático, dizia um contundente não ao regime autoritário instaurado em
1964. Entretanto isso só foi possível porque o período mais difícil do ponto de vista político
do modelo autoritário implantado já havia passado. O simples fato da realização da I
157

CONCLAT significava que o regime militar estava em crise, isto é, saindo de cena. Daí que,
para Rodrigues (1997, p. 96-97), o importante era ressaltar que de parte do movimento
sindical havia um discurso antiautoritário e democrático voltado para os problemas políticos
enfrentados pelo país naquele momento. Nessa perspectiva, as resoluções da I CONCLAT
focalizaram também os temas: direito ao trabalho, sindicalismo, saúde e previdência social,
política salarial, política econômica, reforma agrária e o plano de lutas.
Ao movimento sindical para se fazer presente na esfera pública e, ao mesmo tempo, se
confrontar com o regime militar, era necessária a apresentação de um plano alternativo para o
país que representasse, em seus vários contornos, por vezes contraditórios, os anseios de
amplas camadas das classes traba lhadoras e que estivesse em sintonia com demandas mais
gerais da sociedade civil. Desse modo, o plano de lutas, mais que um simples programa para o
movimento sindical, era um conjunto programático extremamente detalhado e abrangente,
mais parecendo um plano de governo.
O resultado foi que as conclusões dessa conferência, representando a afirmação do
poder dos trabalhadores ante o Estado e à sociedade, demarcaram um campo mais geral que
setores ponderáveis dos assalariados deveriam, a partir daí, levar em conta. Embora isso tudo,
a composição do encontro levou a plenária a uma profunda divisão entre dois principais
blocos: de um lado, o bloco dos sindicalistas combativos, de outro, os alinhados com o bloco
da reforma, ou da unidade sindical, que se mostrará crucial para a eleição da Comissão Pró -
CUT, cujo principal objetivo era levar adiante as resoluções tiradas e preparar, em agosto de
1982, o Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras que criaria a CUT.
O confronto entre as duas principais correntes do movimento sindical, mostrado com
nitidez na I CONCLAT, passou para o interior da Comissão Nacional Pró-CUT, e em 7 de
agosto de 1983, na reunião dessa comissão, para a organização do I Congresso Nacional da
Classe Trabalhadora (I CONCLAT), houve a divisão entre as duas principais tendências do
movimento sindical brasileiro: de um lado, o bloco combativo, e, de outro, os membros da
Unidade Sindical. O bloco combativo realiza entre 26 e 28 de agosto o seu Congresso
Nacional e ao final cria a Central Única dos Trabalhadores.
O I CONCLAT definiu um plano de lutas e deu relevo a dois temas: a criação da CUT
e a greve geral. Entre suas resoluções delinearam-se algumas das características da futura
Central Única de Trabalhadores: a) autonomia dos sindicatos diante do Ministério do
Trabalho; b) reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); d) direito de greve e de
sindicalização dos funcionários públicos; d) articulação das reivindicações sindicais com as
questões políticas nacionais: política econômica; e) fim do regime militar, destruição de todos
158

os aparelhos de repressão; f) convocação de uma Assembléia Nacional constituinte, anistia,


liberdade de reunião, manifestação e organização de todos os setores sociais, liberdade de
organização dos partidos e correntes políticas; reforma agrária e da previdência social
(Schürmann, 1998, p. 66).
Decidida a criação da CUT, em agosto de 1983, já no ano seguinte realizou-se o I
Congresso Nacional da CUT (I CONCUT), em São Bernardo do Campo, com o objetivo de
fazer uma avaliação do primeiro ano de vida da CUT, discutir a situação política e econômica
e consolidar definitivamente a CUT. Na sistematização dos aspectos relevantes dos CONCUT
que se seguiram a esse primeiro CONCUT, encontrava -se o II CONCUT realizado em julho/
agosto de 1986, no Rio de Janeiro, tendo como um dos pontos altos a proclamação de que a
CUT lutava por uma sociedade socialista.
Em setembro de 1988, se realizava o terceiro congresso em Belo Horizonte e o tema
predominante foi a modificação dos estatutos, o qual modificou a estrutura dos congressos da
CUT, estabelecendo uma relação entre os congressos regionais, estaduais e nacionais. A
trajetória da CUT desde sua fundação até o seu terceiro congresso nacional representou o
período de sua construção e afirmação, cuja fase mais movimentista, libertária, socialista e
conflitiva, embora heróica, encerrava-se com o III CONCUT (Rodrigues, 1997, p. 100-118).
O IV CONCUT ocorreu em setembro de 1991 na capital paulista e significou avanços
em relação à democratização, através da instituição da “proporcionalidade qualificada” na
composição das direções, com votos de delegados do setor majoritário que se opunha a essa
medida, entretanto usou-se de expedientes antidemocráticos para impedir sua incorporação
nos Esta tutos da Central (Martins, Rocha, Batista et al., 1996, p. 3). Conforme Rodrigues
(1997, p. 182), a eclosão de profundas divergências dividiram este CONCUT em dois blocos
fundamentais:

...de um lado, a tendência Articulação, em aliança com a Nova Esquerda, a


Vertente Socialista e a Unidade Sindical e, do outro lado, todas as outras
tendências, capitaneadas pela CUT pela Base, Corrente Sindical Classista,
Convergência Socialista, Força Socialista e outros pequenos grupos que se
estruturaram no que os sindicalistas denominavam de “Antártica”,
significando antiArticulação.

Vale lembrar que a realização desse congresso ocorreu em uma conjuntura


extremamente difícil para o movimento sindical. Em dezembro de 1989, a vitória de Fernando
Collor para a presidência da República funcionou como uma ducha de água fria para amplos
setores do PT, da esquerda, e, principalmente, do movimento sindical. A eleição de Collor
159

representou a vitória de um projeto neoliberal, claramente delineado, colocando o


sindicalismo em uma posição ainda mais defensiva. Esse fato, aliado às transformações
propiciadas pela reestruturação produtiva, à crise dos sindicatos no âmbito internacional e ao
desmoronamento do chamado “socialismo real”, criaram um estado de perplexidade e
paralisia no sindicalismo-CUT, situação que já vinha desde o III CONCUT, em 1988
(Rodrigues, 1997, p. 182).
Nas resoluções da 5ª Plenária Nacional (1992) e sobretudo do V CONCUT, realizado
em maio de 1994, os referidos autores lembram que os sindicatos filiados foram-se
acomodando cada vez mais à herança da estrutura sindical getulista, enquanto a Central
incorporava como parte de seu orçamento as receitas vindas do repasse dos sindicatos filiados
em conceito de “imposto sindical”. Enquanto no VI CONCUT esperava-se a apr ovação de
resolução no sentido de que as entidades para continuar filiadas à Central (CUT)
renunciassem à cobrança do imposto sindical (a partir de 1988).
Retornando a novembro de 1983, verifica-se que em Praia Grande (SP) foi constituída
a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), transformada em 1986, em
Central Geral dos Trabalhadores (CGT), conforme assinala Rodrigues (1997, p. 242):

A CGT é fundada em março de 1986, por ocasião do II Congresso Nacional


da Classe Trabalhadora, no município de Praia Grande, litoral de São Paulo.
Esta central sindical substituía a Coordenação Nacional das Classes
Trabalhadoras (CONCLAT), que manteve este nome no congresso realizado
em novembro de 1983, alguns meses após um bloco de sindicalistas
combativos , tendo à frente o Sindicato de São Bernardo, ter fundado a CUT.
A CONCLAT representava, principalmente, aqueles sindicatos que se
congregavam em torno da Unidade Sindical. Além de setores independentes,
participavam da Central Geral dos Trabalhadores militantes sindicais do
PMDB, PCB, MR-8 e PcdoB. No congresso de 1986, que contou com a
participação de 5.546 delegados, foram aprovadas, entre outras, as seguintes
resoluções: suspensão do pagamento da dívida externa, “defendida pelo
Partido Comunista do Bras il (PcdoB) numa renhida disputa em plenário com
o MR-8, cujos militantes se posicionaram pela moratória”; apoio ao Plano
Cruzado, com restrições aos aspectos salariais; no campo estritamente
sindical, oposição à ratificação da Convenção 87 77 de Genebra, que defende

77
A Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre “Liberdade sindical e proteção do
direito sindical” foi aprovada em 1948, na 31ª sessão da Conferência Geral da OIT, realizada em São Francisco
(EUA). No Brasil, se a Convenção fosse ratificada, teria que ser praticamente eliminado o título 5º da CLT, que
vai do art. 511 até o art. 610. Isto significava uma completa reviravolta na estrutura e organização sindical
brasileira, atendendo-se, pelo menos no plano legal, a antiga reivindicação dos trabalhadores de liberdade e
autonomia sindical. De fato, pela Convenção 87, o governo não pode mais interferir na vida dos sindicatos; não
pode cassar as diretorias eleitas pelos trabalhadores; não pode impor o Estado padrão, nem o enquadramento
sindical; não pode impedir os funcionários públicos de se organizarem em Sindicatos; não pode interferir nas
contas e destinação do orçamento dos sindicatos (como, por exemplo, para o Fundo de Greve). Encaminhado ao
Congresso Nacional em maio de 1949 pelo então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, o projeto ficou
nas gavetas porque nenhum dos governos que vieram depois tinham interesse em aprovar o texto da Convenção
porque implicaria a revogação da essência da legislação brasileira nessa área, derrubando de cima abaixo a
160

a liberdade e o pluralismo sindical, ou seja, a unicidade sindical. No mesmo


congresso foi eleito como presidente Joaquim dos Santos Andrade, do
sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Em abril de 1989, Antônio Rogério
Magri foi eleito presidente da CGT em um congresso extremamente
tumultuado, ocorrido também na Praia Grande.

Em suma, a importância da CONCLAT, conforme referido anteriormente, e


reafirmado por Schürmann (1998, p. 66), foi a de ter sido a primeira e a última vez em que
todas as te ndências sindicais se uniram em torno de uma conferência e encontraram espaço
para discutir e divergir. A presença de mais de 5.000 delegados em um sindicalismo sob forte
controle estatal significou a utilização da infra -estrutura sindical permitida pelo governo em
uma direção não prevista por este.

3.8 CENTRO DE PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CPERS

No interior das greves de classe média, predominava amplamente a ação grevista do


funcionalismo público federal, estadual e municipal. Em 1986, esses funcionários foram
responsáveis por 75% das jornadas não trabalhadas por motivo de greve em todo o país. Em
1987, essa participação cresceu para 79%, conforme Noronha e Almeida, citados por Boito Jr.
(1991, p. 65). O perfil diferenciado das greves do funcionalismo público teve uma de suas
razões de ser no fato desse movimento não se encontrar, ainda, integrado à estrutura sindical.
O movimento era mais maciço e unificado, pois não se encontrava legalmente segmentado e
dividido por categorias, por municípios e pelo sistema de datas base, como ocorria com os
trabalhadores do setor privado. O movimento não realizava, tampouco, greves demonstrativas
para suscitar a intervenção tutelar da Justiça do Trabalho, que eram greves curtas, mas, sim,
greves de luta, e, portanto, mais prolongadas (Boito Jr., ibidem). Esse perfil contrastava
também com o padrão de ação sindical próprio do sindicalismo populista como mostrava o
caso do CPERS 78.
O Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), fundado em 21 de
abril de 1945, como Centro dos Professores Primários Estaduais (CPPE) 79, durante o período

estrutura sindical atrelada ao Estado. (CUT – Por uma nova estrutura sindical. Subsídios para discussão. São
Paulo: Secretaria de formação CUT Estadual, 1984, p. 6-8). Cabe observar que se depreende desses subsídios
que a CUT apoiava a ratificação da Convenção 87. Na CONCLAT-CGT, havia uma tendência contrária à
ratificação, segundo avaliação de que a eliminação da imposição legal da unicidade sindical e a eliminação do
imposto sindical provocariam a divisão dos sindicatos e o aprofundamento das suas dificuldades financeiras.
78
Estudo de caso feito pelo pesquisador que analisa a contribuição do CPERS/Sindicato para eleger o projeto
popular contra o projeto neoliberal apresentado ao final desta dissertação.
79
O Centro dos Professores Primários Estaduais (CPPE) foi fundado “dentro de uma conjuntura política de
abertura democrát ica estabelecida em nível nacional e estadual com a participação do Brasil na II Guerra ao lado
161

de 1972 a 1979, passou por profundas transformações na sua estrutura, aparecendo um perfil
sindical na entidade e o começo da construção do conceito de professores como trabalhadores.

... tanto a nível de reivindicações quanto de sua organização; seja no que diz
respeito a seus associados, com a quebra da visão da atuação do professor
como “sacerdócio”, visão até então largamente difundida entre o magistério
gaúcho, que consistia basicamente da negação do exercício do magistério
como profissão, não considerando o professor como trabalhador. A partir da
quebra da visão do magistério vai sendo constituído o conceito de
professores como trabalhadores e nota-se a formação de um perfil sindical na
categoria. Uma categoria, até então pouco envolvida em questões
reivindicatórias, na vanguarda da luta dos trabalhadores por melhores
condições salariais e de trabalho no fim dos anos 70 (Duque, 1998, p. 11).

O crescimento considerável na mobilização dos professores públicos estaduais


gaúchos nesse período foi acentuado a partir de 1976 com o aumento das filiações ao CPERS
(que passa de 16.371 sócios para 42.775, significando um salto dos associados no magistério
estadual de 30%, em 1974, para um percentual de 49%, em 1979) 80 e a liderança da entidade
no comando da categoria.
O nascimento do CPERS, que se transformou num dos maiores sindicatos da América
Latina, apresenta uma trajetória marcada pela luta em defesa dos direitos de seus associados e
da liberdade e organização da sociedade.
A iniciativa pioneira de cinco professores se transformou, ao longo de cinco décadas,
em uma poderosa entidade com ampla sede própria em Porto Alegre e 42 núcleos espalhados
por todo o Estado do Rio Grande do Sul. Reúne, atualmente, cerca de 83 mil associados, entre
professores e funcionários de escola.
O CPERS começou modesto, em pequenas salas alugadas, cresceu aos poucos, fruto
de muitos sacrifícios e esforços de uma categoria unida e determinada. A mobilização
impulsionou a entidade ao longo dos anos. As conquistas trouxeram novos sócios e as
derrotas se transformaram em combustível para novos avanços e muita luta.
Os anos trouxeram também o reconhecimento de toda uma categoria e o respeito em
todo o Estado, ganhou o cenário nacional e internacional, transformando-se em referência
para o movimento sindical e a sociedade civil organizada.

dos Aliados” (Pacheco, 1993, apud Duque, 1998, p. 10). Segundo este autor, as restrições à autonomia
profissional dos professores eram marcantes, se fazendo necessária a criação de uma entidade que defendesse o
interesse dos professores primários. Em 1972, a partir da Reforma de Ensino realizada com a Lei 5691/71, o
CPERS alterou seu estatuto, passando a associar também professores de nível médio (Duque, idem ).
80
Cfe. Luís Guilherme Ritta Duque (1998, p. 19).
162

Em 1980, o governador do Estado virou as costas à educação pública e não cumpriu


promessas, a categoria pressionou com mais paralisações. O Acordo/80 que pretendia garantir
as reivindicações voltadas para uma educação democrática e com estabilidade salarial,
firmado entre as partes, não foi cumprido pelo governo estadual. Tal situação provocou uma
das maiores assembléias da classe, reunindo 24 mil professores. Em 1982, a categoria buscou,
novamente, através da greve, a aplicação do Acordo/80.
Entre 1982 e 1987, houve poucos avanços nas reivindicações salariais e discussões
sobre a escola pública, embora o CPERS assumisse uma postura combativa e evidenciasse um
exemplo de ação concreta, realizando greves prolongadas, sendo que “a partir de 1985, a
sineta passou a ser o símbolo do magistério gaúcho, embora a entidade tenha sua bandeira e
um hino oficial” (CPERS 50 anos, 1995, p. 29). Mesmo assim, em 1987, o espaço
democrático para as discussões com o governo peemedebista não existia. A resposta da
categoria, no entanto, se fazia sentir com intensidade. O governo de Pedro Simon amargou 96
dias de greve, a maior da história do professorado gaúcho, e uma das maiores em termos de
Brasil e de América do Sul, com sinetaços durante os quatro anos, pois novas paralisações
sucederam-se em 1988, 1989 e 1990.
Não bastasse as arbitrariedades dos governos do Estado no período, o novo
governador, Alceu Collares, que entrou no Palácio do Piratini em 1991, acabou com as
eleições para diretores de escola, suspendeu a cedência dos diretores de núcleo, implantou o
Calendário Rotativo e promoveu o maior achatamento salarial da história dos trabalhadores
em educação.
Encontra-se, portanto, no CPERS, o mesmo clima de insatisfação dos trabalhadores
gerado pela política salarial do governo militar, aliado ao processo de abertura política, que
vai gerar rearticulação do movimento sindical, impulsionado pela emergência do “novo
sindicalismo”, nascido no ABC paulista. A soma desses fatores teve como resultado a
explosão de greves ocorridas no Brasil a partir de 1978. A característica principal do CPERS,
na conjuntura de abertura política e de emergência do novo sindicalismo, encontrou terreno na
transformação ocorrida na sua estrutura, formas de reivindicações, relação com o governo
estadual e o surgimento de um perfil profissional para o professor, constituindo-se, assim, o
perfil sindical da entidade, o de ação concreta. Mesmo sem ser sindicato oficializado, o
movimento dos professores gaúchos tem atuado como um sindicato combativo.
163

3.8.1 Estrutura sindical do CPERS

O CPERS, filiado à Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) e


à CUT, dentro de sua evolução, coloca-se contra o Sindicato Orgânico, pois entende que este
amplia o burocratismo e o cupulismo das entidades sindicais cutistas, além de excluir os
trabalhadores não cutistas que são afiliados nas entidades.
O CPERS/Sindicato comemora uma estrutura típica de sindicato unitário, onde várias
categorias convergem (professores, funcionários, especialistas) e que tem uma relação
democrática onde a base tem instâncias de participação.
Atento às transformações estruturais por que passa o mundo e consciente de sua
importância política nos marcos regionais, o CPERS entende que é de extrema importância
promover o debate – internamente e com entidades congêneres – sobre a problemática da
classe trabalhadora, haja vista que em seu programa de campanha, sua diretoria contemplou,
num período mais recente, a proposta de sindicato cidadão. Nessa medida, discutir
urgentemente o papel do novo sindicalismo na sociedade brasileira é tarefa que o Centro de
Professores do Estado do Rio Grande do Sul tem pela frente e para tanto aponta -se
estrategicamente a proposta do sindicato cidadão. Proposta esta do sindicalismo
comprometido que deseja ver a classe trabalhadora no exercício pleno da cidadania definindo
os rumos do país.
Na prática, existem experiências muito significativas, mas a discussão mais elaborada
é ainda recente, ou seja, o sindicato cidadão emergiu das lutas de redemocratização da
sociedade e das novas demandas sócio-político-econômicas mundiais. Busca sua legitimidade
e sua estrutura no embate das lutas da classe trabalhadora. Lutas essas que transcendem a
conquista de direitos civis – voto e prática política – que se fixam também na conquista de
direitos sociais, alimentação, habitação, saúde e educação, condições prévias de melhoria da
existência humana.
Embora isso, entende-se que o CPERS ainda tem muito que avançar. Defende uma
reforma estatutária que aprove alguns pontos muito importantes na vida do sindicato, sendo
eles: a proporcionalidade direta e qualificada em todas as instâncias da entidade e o colegiado
na Diretoria Central e núcleos.
A proporcionalidade vem no sentido de democratizar a entidade. As eleições no
CPERS acontecem de 3 em 3 anos e é somente aí que se pode referendar uma direção. O
modelo defendido é a “proporcionalidade qualificada”, onde é reservado o direito da chapa
vencedora escolher seus cargos, segundo sua porcentagem, tendo o mesmo direito as chapas
164

minoritárias, conforme seu coeficiente, pondo-se um fim ao coeficiente mínimo (Marcelino


Filho, Rodrigues, Marques et al., 2000, p. 12).
No que respeita ao colegiado na diretoria Central e núcleos, através de sua instituição,
prevê-se o fim da figura presidencialista. A origem dos sindicatos foi na luta por melhores
condições de vida, salários dignos, alimentação. Nem sempre na história recente os sindicatos
foram livres do Estado. A forma hoje no Brasil, presidencialista e limitada, ainda responde a
uma época de imposições da CLT que criam contradições que devem ser combatidas. Há
muitos exemplos pelo país de organizações que ampliaram sua participação nas instâncias da
entidade onde especialmente foi abolida a figura do “presidente” do sindicato.
O presidente incorpora um poder maior que poderia, na ampla maioria das vezes
burocratizando a entidade, centralizando todas as decisões. Em direções colegiadas, todos os
diretores têm o mesmo peso de decisão e voto, dividindo tarefas e responsabilidades.
Enfim, no colegiado, são eliminados os cargos presidencialistas e organiza-se a
diretoria em torno de secretarias ou processos (como se chamam as comissões hoje) de
Organização, Imprensa, Finanças, Sindical, Cultura e Educação, entre outras.

3.8.2 As lutas da categoria

As lutas envolvendo as categorias que integram o CPERS a partir de 1978 e que se


adentram na década de 90 foram relevantes, seja pelas reivindicações encimadas, pela
freqüência das mesmas, como pelo número de dias de greve.
Uma breve análise dessas lutas 81 aponta para:
– 1979 Û 13 dias de greve. A categoria pedia a nomeação de 20 mil pr ofessores
aprovados nos concursos das áreas dois e três e 70% de aumento salarial parcelado. O
governo rompeu o diálogo alegando a radicalização dos professores. Reestabelecido o mesmo,
contando com a mediação do cardeal Dom Vicente Scherer, quinze mil professores reunidos
em assembléia geral, no Gigantinho, aceitaram a sugestão do governo.
– 1980 Û 21 dias de greve. O governo Amaral de Souza descumpriu o estabelecido,
mostrando-se intransigente e a categoria respondeu com a paralisação e reivindicações em
torno de percentuais de reajuste salariais; abono de regência estendido à categoria; 2,5 salários
mínimos, a partir de janeiro de 1982; 25% do orçamento do Estado para a educação; e
participação no Conselho Estadual de Educação.

81
Cfr. CPERS-Sindicato 50 anos: Compromisso com a Cidadania Plena . Porto Alegre: Tchê, 1995.
165

– 1982 Û 3 dias de greve. O governador do Estado, Amaral de Souza, tentou intervir


no CPERS, mas a categoria resistiu e a entidade permaneceu intocável; a greve foi pelo
cumprimento do Acordo/80.
– 1985 Û 60 dias de greve. A luta foi por 2,5 salários mínimos escalonados; 13º
salário; 35% da receita dos impostos para a educação, com pelo menos 10% para o plano
trimestral de conservação e construção das escolas, e eleição de diretores de escolas. Na
tentativa de desaquecer o movimento e manipular a opinião pública, o governo Jair Soares
demorou a receber o magistério. Pela primeira vez, o professorado foi massivamente às ruas,
promovendo grandes atos públicos na capital e interior, inclusive em conjunto com outras
categorias. Os professores retornaram às aulas sem atingir plenamente suas reivindicações,
mas deixaram junto à sociedade as marcas de um novo tempo – o ensino da democracia.
– 1987 Û 96 dias de greve. O movimento era pela garantia do plano de carreira; não
discriminação dos aposentados; garantia de emprego aos contratados até a promulgação da
Constituição Federal de 1988 que previa a estabilidade a esses professores. Criatividade e
bom humor por parte dos professores não faltaram nos três meses de paralisação. Logo
surgiram as figuras do movimento – os marajás, os fantasmas, os palhaços e as viúvas da
democracia que, de forma satírica, ironizavam a atuação de um governo que se dizia
democrático. Além de não cumprir a lei, Pedro Simon dificultou os canais de diálogo
protelando as soluções que todos clamavam. A surpresa do movimento foi o descaso com que
os professores foram tratados. A face sisuda do governador pautou-se pela intransigência,
força e ameaças. Foi preciso a intervenção da Frente Ampla de Apoio ao Magistério, da Igreja
e dos deputados para reabrir o diálogo, mas o governo do PMDB manteve-se no pedestal.
Para demonstrar o quanto estavam coesos e firmes na sua luta e registrar sua
inconformidade com o descumprimento da lei, os educadores grevistas ocuparam o prédio da
Secretaria Estadual da Educação. Estrategicamente estudada pelo comando geral de greve, a
ocupação do prédio da SEC iniciou às 8 horas da manhã do dia 28 de abril, quando grupos de
professores entraram no edifício espalhando-se pelos 11 andares. As oito horas e vinte e seis
minutos que o comando geral de greve permaneceu dentro do Palácio Piratini foi outro
acontecimento marcante e parte de uma operação de auto-agenda 82.
– 1988 Û 9 dias de greve. Esta greve girava em torno da unidocência; 95% de reajuste,
sendo 70% em outubro e 26% em dezembro; aceleração da regularização do pagamento do

82
Cuidadosamente planejado.
166

difícil acesso; cronograma de regularização das promoções; redução do período de reajustes


da trimestralidade para a bimestralidade.
– 1989 Û 42 dias de greve. A paralisação feita era por 54% de reajuste salarial, sendo
25% em maio, 15% em julho, não cumulativos, e 10% em setembro. Para garantir as
conquistas e exigir aumento salarial, o magistério, recorrendo mais uma vez à greve, realizou
seis assembléias gerais; duas grandes passeatas do Ginásio Gigantinho ao Palácio Piratini,
cobrindo um percurso de oito quilômetros cada uma, além da caminhada luminosa e dos
diversos sinetaços e panfletagens em frente das Delegacias de Educação, da Secretaria de
Educação e do Palácio Piratini.
– 1990 Û 58 dias de greve. Essa parada foi por 105,42% de aumento salarial, garantia
da reposição da inflação de maio, junho e julho, e revisão salarial em agosto. O comando
geral foi levado a recorrer a auto-agendas, notas oficiais e denúncias para pressionar o
governo Simon que, desde a greve de 1987, dificultou as negociações com a categoria. O
movimento paredista foi decidido no dia 8 de maio quando os educadores rejeitaram os
41,28% apresentados pelo executivo quatro dias antes da assembléia geral da categoria. Não
houve nenhum progresso nas rodadas de conversações, mas o magistério fincou pé, resultando
daí a proposta aceita pela categoria, como parte da dívida do estado para com a classe dos
professores: 105,42% parcelados como recomposição do piso, garantia da inflação de maio,
junho e julho, além da revisão salarial em agosto.
– 1991 Û 74 dias de greve. O tempo de parada foi por 191,61% de aumento salarial,
retirada da proposta de abono, ano letivo não começado conforme calendário do governo;
mobilização da comunidade em defesa do ensino. Esta foi a nona greve geral da categoria e
teve início em 8 de março. O CPERS-Sindicato ajuizou, a 30 de abril, a pauta de
reivindicações junto ao Tribunal Regional do Trabalho. Embora o governador tivesse
suspendido o ano letivo, a categoria decidiu na assembléia geral de 2 de maio continuar a
greve e teve 19 dias de faltas não justificadas. A categoria recusou a oferta do governador por
não incluir a definição de uma política salarial, o compromisso de pagar o resíduo da inflação
e a extensão do reajuste aos funcionários de escolas. Sucederam-se novas negociações e a 20
de maio foram aceitos pelos professores os 191,61% como parte emergencial das perdas
salariais.
Outras greves de professores e outras lutas de trabalhadores foram travadas na década
de 1990 e o CPERS como parte importante da CUT esteve junto em todas elas.
Por fim, no Estado do Rio Grande do Sul, o CPERS é pela volta às origens da CUT e
diz não ao sindicato orgânico, uma proposta que fragmenta e apartidariza os sindicatos, e que
167

pode dividir o CPERS, pois concentra poder na cúpula, afasta a base das decisões e
burocratiza o movimento sindical.
Entre os desafios que se colocam ao CPERS/Sindicato cabe também manter a sua
autonomia em relação ao governo e partidos políticos, aprimorar a democracia interna,
respeitar as instâncias de deliberação e, principalmente, fortalecer a organização na base da
categoria. Por ser um sindicato que possui na base um grande número de aposentados, de
funcionários de escola e de especialistas, deve ter polític as que contemplem as
especificidades. Seu objetivo maior deve ser a unificação de todos para que participem
conjuntamente através de seus núcleos, nas discussões e mobilizações, pois somente unidos,
trabalhadores em educação e outros trabalhadores, com perfil combativo e democrático,
continuarão fortes.

3.9 O RECRUDESCIMENTO DAS GREVES E O NOVO SINDICALISMO

3.9.1 A onda de greves e as novas táticas de luta

...haveremos de dar novo rumo à campanha salarial, com mobilização e


iniciativa capazes de conduzir à solução que fuja à vulgar. Notadamente
devemos insistir para que os empregados se disponham a um entendimento
conosco com livre negociação, sem interferência da Justiça do Trabalho”
(MT, n. 45, 1978; apud Schürmann, 1998, p. 49).

Esta declaração, dada por Luís Inácio da Silva (Lula), na época presidente do
sindicato, apontou para a nova tática: a pressão direta. O conflito, iniciado com as greves de
maio de 1978 em São Bernardo, atingiu primeiro as grandes empresas para depois se espalhar
para as peque nas e médias. Com exceção da Volkswagen, onde o movimento não se
generalizou, a onda de greves das indústrias automobilísticas espalhou-se por outras fábricas
da região, atingindo as indústrias de autopeças de Santo André e totalizando 32 mil
trabalhadores no oitavo dia de paralisação.
Nessas greves, o aumento do nível de mobilização e o grau de disposição de luta dos
trabalhadores extrapolaram o espaço do sindicato. As grandes empresas, que no início
responderam ao movimento com represálias e coações, logo aceitaram negociar e a atender a
maioria das reivindicações. Com o acordo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo e Diadema e o patronal, Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Sinfavea), o movimento grevista conseguiu um aumento que atingiu trinta
empresas automobilísticas do ABC paulista, constituindo-se na primeira negociação direta
168

entre trabalhadores e empresários. Os acordos continuaram em mais dez fábricas entre São
Bernardo e Santo André. Essas negociações não aconteceram de forma homogênea nas
diversas empresas. Atitudes isoladas foram tomadas por alguns empresários que optaram por
chamar a polícia e demitir grevistas e diretores sindicais. No entanto, a mudança causada pela
abertura política influiu na nova posição do governo em relação às greves, que se limitou a
emitir nota reafirmando que os aumentos salariais concedidos pelo setor privado deveriam ser
absorvidos (isto é, recair sobre os preços dos produtos) pelas empresas.
As greves atingiram também outras categorias e outros estados brasileiros, revelando-
se uma mistura de demandas trabalhistas (reprimidas durante o período autoritário),
descontentamento social e político e consolidação de novas lideranças sindicais. Schürmann
(1998, p. 51) assinala que essas paralisações apresentaram táticas de luta diferentes em
relação à tradição do movimento sindical brasileiro: “greves por empresa e sem piquete,
realizadas pelos trabalhadores dentro das fábricas, por meio da tática de braços cruzados e
máquinas pa radas”. Além disso, iniciado com reivindicações econômicas, o movimento
acabou por emergir como uma crítica ao modelo excludente brasileiro, e provou a ineficiência
da lei antigreve e sua modificação.
Por outro lado, as negociações coletivas que antes se apresentavam como um ritual
formal transformaram-se em debate real entre sindicato e patronato. Os trabalhadores também
se fortaleceram no interior das fábricas, provocando mudanças importantes, por exemplo, a
modificação das práticas autoritárias dos chefes e supervisores e a definição de um novo estilo
de relações de trabalho (Abramo, apud Schürmann, 1998).
A diferença dessas greves das paralisações anteriores residiu na sua dimensão e
divulgação em todos os órgãos de comunicação, ganhando visibilidade pública e favorecendo
os acontecimentos do movimento sindical. Isso granjeou ao movimento de São Bernardo o
apoio de organizações sindicais, nacionais e internacionais, e fez com que os conflitos
iniciados nesse período concretizasse a tendência de um novo sindicalismo em oposição ao
existente no período anterior.
Esse novo sindicalismo formado pelo núcleo dos sindicalistas autênticos ensejou ao
movimento lutar por um sindicalismo mais autônomo – com direito à greve, com negociações
coletivas entre patrões e trabalhadores sem a ingerência do Estado – e democrático, com
estímulo à participação da base e à criação de organizações no local de trabalho.
As greves continuaram em 1979 e 1980, espalhando-se por diferentes regiões do país e
para fora do setor industrial. Tornaram-se freqüentes as greves de trabalhadores na construção
civil, de vigilantes, de motoristas, bem como de assalariados de classe média. Em 1980,
169

apesar do agravamento da repressão, o ABC paulista preparou uma das greves mais longas de
sua história, antecipando a campanha salarial demandando 15% como índice de produtividade
e as mesmas reivindicações das outras campanhas. Durante as negociações foram
intensificadas assembléias-relâmpagos nas portas das fábricas onde Lula denunciava a
presença ostensiva de policiais à paisana nas portas de sua casa e do sindicato e afirmava que
os operários mereciam mais respeito. Lula e outros dirigentes sindicais foram presos sem
mandado judicial e encaminhados ao Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS). Com
quase um mês, houve ameaça por parte do patronato de demissões em massa e, para fechar o
cerco, o DOPS proibiu qualquer manifestação de trabalhadores, em assembléias ou comícios,
para impedir grandes concentrações. Mas isso não impediu que milhares de trabalhadores,
enfrentando a polícia e desobedecendo às ordens do governo, tomassem, pacificamente, as
ruas de São Bernardo e de Diadema e realizassem uma grande passeata que culminou no
comício realizado no Estádio Vila Euclides.
Esse confronto direto e radical com os empresários e com o governo fez com que
todos os mecanismos de pressão fossem acionados contra os trabalhadores, desde ameaças de
intervenção à repressão policial ostensiva e direta. Depois dessas greves, houve em São
Bernardo um refluxo na s mobilizações que inviabilizou a ocorrência de greves em 1981.

3.9.2 A construção do novo sindicalismo e os fatores que conduziram à intensificação


das greves

Apesar do novo sindicalismo ter emergido na greve dos metalúrgicos de São


Bernardo, em 1978, ele já vinha sendo construído desde o período do chamado “milagre
brasileiro”, entre os trabalhadores das montadoras do ABC paulista,83 e caracterizou-se por
denunciar o controle do governo sobre os sindicatos e sobre a fixação dos reajustes salariais,
por defender a organização livre e autônoma dos sindicatos, por advogar a livre negociação
entre patrão e empregado, assim como o direito irrestrito à greve (Cattani, 1985).
O surto de greves do final da década de 1970, conforme Cattani (i dem), pode ser
explicado por dois fatores fundamentais: primeiro, o país começava a enfrentar uma crise
econômica insuportável – inflação elevada, deterioração dos salários e crescimento do
desemprego –, predispondo os trabalhadores a movimentos contestatórios e reivindicatórios;
segundo, o governo militar que perderia significativo potencial de legimitidade junto à

83
Esses trabalhadores haviam desempenhado importante papel de acumulação de capital que possibilitou o
“milagre” e, conseqüentemente, dispunham de significativo poder de pressão (Cattani, 1985, p. 13).
170

sociedade civil por não ter solucionado a crise econômica via-se forçado a adotar como saída
política a “abertura”. Portanto as greves de 1978 e 1979 tiveram como objetivo principal
combater a política econômica do governo e seus reflexos negativos sobre os trabalhadores,
sendo nesse sentido eficazes, pois levaram o governo a alterar a política salarial através da lei
6.708, de novembro de 1979, que instituiu reajustes semestrais com base no INPC. Essa
política salarial constituiu-se em uma estratégia do governo para conter a luta reivindicatória e
alcançou seu objetivo, visto que reduziu o número de greves em 1980.
Cattani (1985, p. 13) ressalta, no entanto, que não só a lei salarial de 1979 explicava o
refluxo, no movimento sindical de 1980, mas também o governo militar, colhido de surpresa
pelas greves de 1978 e 1979, em 1980 já se refizera e estava disposto a impedir que a
movimentação aumentasse, usando a legislação repressiva. Os setores mais atingidos pela
repressão foram justamente os mais organizados e mobilizados: o Sindicato dos Bancários de
Porto Alegre e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Vale destacar, porém, que o ano de 1981 marcou o reaquecimento da movimentação
grevista entre os assalariados da classe média, atingindo 34,4% das greves ocorridas no país.
No Rio Grande do Sul, a concentração de greves entre trabalhadores desse grupo foi ainda
mais elevada, atingindo 52% da movimentação.
A crescente movimentação dos assalariados de classe média constituiu-se em
importante indicador do influxo da crise econômica sobre tais trabalhadores. Na verdade, a
classe média brasileira que tivera seu poder aquisitivo ampliado no período do mila gre
brasileiro começava a sentir, fortemente, os reflexos da crise econômica que achatou seus
salários e diminuiu seu poder aquisitivo. Dentre os assalariados de classe média que fizeram
greve em 1981, destacaram-se os ligados ao setor público, a exemplo do CPERS, o que se
explicava pelo fato desses não haverem sido atingidos pela lei salarial 6.708/79 e, portanto,
não terem obtido reajustes semestrais, o que, naturalmente, tornava seu problema ainda mais
grave do que o dos trabalhadores do setor privado. 84

84
No interior das greves de classe média, predominava amplamente a ação grevista do funcionalismo público
federal, estadual e municipal. Em 1986, esses funcionários foram responsáveis por 75% das jornadas não
trabalhadas por motivo de greve em todo o país. Em 1987, essa participação cresceu para 79%, asseveram
Noronha e Almeida ( apud Boito Jr., 1991, p. 65). O perfil diferenciado das greves do funcionalismo público teve
uma de suas razões de ser no fato desse movimento não se encontrar, ainda, integrado à estrutura sindical. O
movimento era mais maciço e unificado, já que não se encontrava legalmente segmentado e dividido por
categorias, por municípios e pelo sistema de datas base, como ocorria com os trabalhadores do setor privado. O
movimento não realizava, tampouco, greves demonstrativas para suscitar a intervenção tutelar da Justiça do
Trabalho, que eram greves curtas, mas, sim, greves de lut a e, portanto, mais prolongadas (Boito Jr., ibidem ).
Esse perfil contrasta também com o padrão de ação sindical próprio do sindicalismo populista.
171

Em 1983, quando a crise econômica, social e política voltou a assumir proporções


elevadas, em função da ida do Brasil ao Fundo Monetário Internacional (FMI),85 a
movimentação grevista intensificou-se e modificou a natureza de suas reivindicações. A
estabilidade no emprego, a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e o
pagamento de salários atrasados passaram a figurar na pauta reivindicatória das greves.
Em 1984, novas expectativas foram criadas em torno da superação do regime
implanta do em 1964. Nesse período, a sociedade civil mobilizou-se na campanha pelas diretas
e, derrotadas essas, na tentativa de substituir o governo militar por um governo civil, de
oposição. Entretanto, apesar do potencial de mobilização do povo brasileiro ter se voltado
para a possibilidade de uma mudança política, isso não impediu que ocorressem significativos
movimentos grevistas, como o dos professores universitários e dos previdenciários. A
substituição do governo militar por um governo civil em 1985 não diminuiu a mobilização
grevista, indicando a urgência de transformações concretas nas áreas econômica e social.
Em 1987, houve cerca de 132 milhões de jornadas não trabalhadas (Noronha, 1991, p.
117). Ao mesmo tempo, esta luta correspondeu ao que Marx uma ve z chamou de “luta de
guerrilhas”: no momento imediatamente posterior à greve, a dilapidação salarial ocorria
novamente. O processo inflacionário continuou, a luta sindical se mostrou inglória.

3.10 O NOVO SINDICALISMO: AS ORIENTAÇÕES TEÓRICAS E AS


PRÁTICAS SINDICAIS

3.10.1 As características do movimento

A análise do novo sindicalismo evidencia que ele se caracterizou também por três
proposições, sintetizadas por Mangabeira (1993, p. 14-15), que tomou por base Moisés
(1982), Moreira Alves (1988) e outros:

1) O sindicato do tipo “novo sindicalismo” é mais combativo:


a) por sua tendência a recorrer a greves;
b) pelas formas de luta escolhidas;
c) pelo uso político dos canais legais existentes;
d) por introduzir temas que contestavam a organização da produç ão.

85
O acordo com o FMI levou o governo a editar vários decretos salariais objetivando arrochar os salários,
diminuir o poder aquisitivo da população e exportar mais (Cattani, 1985, p. 13).
172

2) Os sindicatos do tipo “novo sindicalismo” são mais representativos da base que


representam porque :
a) admitiram novos protagonistas como líderes;

Embora o movimento do “novo sindicalismo” fosse em grande parte


constituído por líderes “autênticos”, ele também reuniu antigas lideranças
burocráticas que, tendo percebido a extensão das mudanças em curso,
alteraram suas práticas e retóricas. Entretanto, com o tempo, à medida que
surgiam alternativas ao regime militar e a democratização se ampliava,
foram-se aprofundando as divergências e as disputas políticas entre os dois
tipos de lideranças. Essas divergências formalizaram-se nos fins da década
de 80 com a criação de três confederações de trabalhadores: a Central Única
dos Trabalhadores – CUT, sob a influê ncia de Lula e do Partido dos
Trabalhadores; a central Geral dos Trabalhadores – CGT, liderada por
Joaquim dos Santos Andrade e Luiz Antonio Medeiros e a Confederação
Geral dos Trabalhadores – CGT, sobre a liderança de Antonio Magri
(Mangabeira, 1993, p. 204-205).

b) admitiram e estimularam a representação nos locais de trabalho;


c) procuraram expandir as bases de participação por meio da organização de
campanhas de sindicalização;
d) admitiram eleições sindicais sistemáticas realizadas em condições de maior
liberdade e competição.
3) O “novo sindicalismo”não era apenas uma tendência sindical, mas:
a) representava uma arena de lutas em defesa de direitos sociais e políticos;
b) questionava os próprios limites do Estado corporativista, criando oportunidades de
expansão da cidadania operária.

3.10.2 O novo sindicalismo enquanto idéia e proposta

Na análise da literatura sociológica e da historiografia do novo sindicalismo, atribui-


se-lhe um conjunto de experiências de luta bastante diversificado que emergiu, na sociedade
brasileira, com as jornadas heróicas dos metalúrgicos paulistas no final da década de 1970.
Para Blass (1999, p. 34), o novo sindicalismo, enquanto idéia e proposta, fazia parte de um
fenômeno que era construído e reconstruído coletivamente por vários atores sociais e a partir
de diferentes lugares. Os sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras, pesquisadores, governo,
empresários e os meios de comunicação de massa participavam, cada um a seu modo, desse
processo de formação das classes trabalhadoras e da história do movimento operário e sindical
brasileiro.
173

Enquanto idéia, o novo sindicalismo foi elaborado em oposição às práticas


desenvolvidas pelo “velho sindicalismo”, que se orientavam pela lei de sindicalização de 1931
que estabeleceu o sindicato único por ramo produtivo e por região, e garantiam a intervenção
direta do Estado no funcionamento interno dos sindicatos e na regulação das relações entre
capital e trabalho (Araújo, apud Blass, ibidem). Os sindicatos alinhados com essa concepção
concentravam-se, basicamente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no período
compreendido entre 1943 e o golpe militar de 31 de março de 1964, e suas atividades
ligavam-se organicamente com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e com o Partido
Comunista Brasile iro (PCB).
Já a proposta de um novo sindicalismo foi produzida e reproduzida no acontecer
efetivo dos inúmeros protestos sociais e manifestações operárias que eclodiram nas várias
cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, a partir do final da década de 1970 e
durante a década de 1980. Partindo de um conjunto de estratégias sindicais, que incluia a
politização do cotidiano de vida e de trabalho e a organização dos trabalhadores nas empresas
no confronto direto e na discussão política com os representantes patronais e/ou
governamentais para a conquista de reivindicações econômicas e sociais, buscava estabelecer
as regras mínimas de controle e fiscalização dos acordos assinados com o objetivo de
viabilizar a sua aplicação nas empresas.
Esses discursos eram emitidos pelos próprios sindicatos que integravam a
“institucionalidade estatal”. Nesse sentido, Sader (apud Blass, 1999, p. 34-35) destaca a
reapropriação da estrutura sindical brasileira instituída nos anos 30 pelos trabalhadores e suas
lideranças, da década de 1970, e afirma:

... se essa obrigatória cumplicidade impunha sérias limitações às falas e


movimentos dos sindicalistas, a verdade é que, em contrapartida, eles
assumiam o papel – intencionalmente definido – de agenciadores dos
conflitos trabalhistas. Eram reconhecidos publicamente nessa função, sendo
considerado legítimo que defendessem os interesses específicos dos
trabalhadores.

É compreensível que nesse momento os sindicatos cumpriram um papel político


importante ao explorar as “brechas legais, objetivos e formas de ação considerados
legítimos... (Sader, apud Blass, ibidem). Era desse modo que os trabalhadores e trabalhadoras
em geral e seus representantes sindicais confrontavam-se com as autoridades patronais, no
interior das empresas, e com os representantes do Estado na sociedade, gerando “discursos
capazes de interpretar as mentalidades formadas pelos discursos dominantes” (Sader, ibidem).
174

Essa era a dimensão pedagógica da ação sindical que se expressara como movimento
extrapolando a própria instituição (sindicato) que lhe dava sustentação.

3.10.3 A persistência de certas práticas sindicais associadas ao novo sindicalismo

O lugar condicionava a prática dos dirigentes e militantes operários e sindicais,


tornando visível as ambigüidades, paradoxos e possíveis cisões que marcaram o novo
sindicalismo. Para Mangabeira (1993), citado por Blass (1999, p. 35), “os problemas gerados
na política de chão de fábrica” trouxeram os sindicatos para mais próximo dos trabalhadores e
fizeram transparecer uma das características mais inovadoras e democráticas deste
movimento, enquanto promovia a democracia sindical, que era o conhecimento das questões
importantes para a base e a descoberta de formas de “incorporá-las e encaminhá-las como
demandas coerentes dos trabalhadores”, sem, contudo, alterar “a estrutura burocrática que
herdaram” (Mangabeira, ibidem).
A maior presença dos sindicatos, enquanto instituição, no cotidiano de trabalho e de
vida dos trabalhadores/trabalhadoras dentro e fora da empresa operava, pouco a pouco, o
distanciamento da sua face institucional. E passava a configurar como um movimento, apesar
das fronteiras legalmente instituídas para a ação sindical no Brasil, quando as demandas
reivindicatórias expressavam o que estava, realmente, afetando a vida dos trabalhadores e dos
cidadãos em geral. Esses momentos, conforme Blass (1999), traziam a marca da
excepcionalidade, pois as manifestações operárias e/ou sindicais ganharam visibilidade
pública ao sair dos muros das empresas e ao extrapolar os locais de trabalho. Na evolução
desse processo, os sindicatos, como instituição, transformaram-se em referência política para
os trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes passaram a ser reconhecidos como porta-
vozes políticos aceitos pe lo patronato e Estado.
Entretanto, passados alguns anos, as ambigüidades saltavam aos olhos, pondo a
descoberto os paradoxos – promessas, mistificações e contrariedades – das práticas do novo
sindicalismo. O novo que era evocado para descrever um conjunto de práticas políticas
próximas da ação direta, do confronto aberto com o patronato e o Estado, mais tarde assumiu
um caráter auto-explicativo da prática sindical porque expressava, na visão de alguns autores,
o processo de modernização por que passavam os sindicatos brasileiros. Estudos e pesquisas,
ao insistirem nesses aspectos, apresentaram um outro modelo de sindicalismo no Brasil, onde
a CUT seria sua expressão mais acabada.
175

Segundo Blass (1999), os dirigentes e militantes sindicais, de um lado, e


pesquisadores, de outro, iluminaram de tal modo as práticas sindicais que se instauraram no
país, nas últimas décadas, que acabaram ofuscando as tradições políticas e culturais, além de
colaborarem para o ocultamento de experiências significativas de luta que faziam parte da
memória histórica do processo de formação das classes trabalhadoras no Brasil. Por exemplo:

O direito de greve, a ação direta combinada às negociações, a


regulamentação de direitos sociais, melhoria nas condições salariais e de
trabalho, entre outros aspectos, consistem em velhas temáticas em torno das
quais se debatem, há anos, as lideranças e os trabalhadores(as) brasileiros. O
fato do movimento operário e sindical apresentar maior visibilidade pública,
em determinados momentos, não significa que seja portador de práticas
inovadoras, pois o novo pode recriar o velho, sob outras condições históricas
(ibidem, p. 36). 86

O que se viu, portanto, no novo sindicalismo, predominando sobre as rupturas, foi a


persistência de certas práticas sindicais, apesar das descontinuidades que pontuavam a
trajetória de lutas operárias e sindicais na sociedade brasileira. Seus principais protagonistas,
os dirigentes, militantes sindicais e trabalhadores/trabalhadoras, reinventaram e recriaram
formas de organização e de mobilização operária e sindical, sem destruir as que lhes
antecederam.
Blass (1999, p. 37), valendo-se de experiências que ocorreram na Grande São Paulo,
em diferentes períodos históricos – a luta pela regulamentação dos 15 dias de férias anuais
pagas e o seu cumprimento, lideradas pelos gráficos no final dos anos 20, o movimento dos
bancários em 1985 e a incorporação salarial dos 25% de antecipação fixados nas negociações
com os representantes patronais em nível nacional e os acordos em torno da regulamentação
da jornada semanal de trabalho firmada pelos metalúrgicos da região do ABC paulista em
1995 e 1996 – argumenta que esses acordos combinavam a redução, flexibilização e a
instituição de um banco de horas, sem a redução dos salários. Mas evidencia que nessas lutas
expressavam-se “vivências privadas e coletivas” (Souza -Lobo, apud Rodrigues, 1999, p. 37),
e seus protagonistas eram movidos por preceitos morais como as “idéias de justiça e

86
Cfr. Blass (1999, p. 36), “os exemplos nesse sentido, não faltam”. Nesse veio, cita Ramalho (1989) que
ressalta a atuação sindical marcante dos operários comunistas. Estes dirigiam o sindicato, apesar das “limitações
dessa estrutura”, em conjunto com os trabalhadores dentro da fábrica, promovendo sistematicamente uma
consulta aos seus delegados sindicais. Os delegados sindicais na Fábrica Nacional de Motores (FNM) – criada na
década de 40 pelo Estado Novo –, eram eleitos por voto direto dos trabalhadores e atuavam como verdadeiros
fiscais nas várias seções da fábrica, “causando enormes embaraços à administração, pois essa nova postura,
oriunda da atividade sindical, revertia toda uma prática de dominação construída durante anos”. Essa estratégia
sindical, ao questionar os parâmetros legais instituídos em 1931, tentava criar outra estrutura sindical na
sociedade brasileira.
176

dignidade” (Thompson, apud Rodrigues, ibidem) e sobre o valor do trabalho assalariado na


formação das sociabilidades contemporâneas.
Um exemplo estava na paralisação nacional dos bancários em 1985, pelo menos em
São Paulo, a qual resultou de uma trajetória de lutas e de confrontos pontuais com os patrões e
o governo fundados em diferentes formas de contestação das relações de poder e do
autoritarismo das chefias no interior dos bancos, além de protesto pela melhoria das condições
de trabalho nas agências e contra o ritmo estafante que caracterizava a organização do
trabalho nos bancos. O trabalho sindical visava a politizar as questões postas no cotidiano,
inserindo-se nos locais de trabalho por meio das denúncias publicadas no jornal diário Folha
Bancária , da presença diária dos diretores e militantes sindicais nas portas dos bancos e das
agências bancárias, e das negociações e acordos estabelecidos com o patronato em diferentes
ocasiões.
Analisadas desse ponto, as práticas sindicais implementadas pelos bancários paulistas
alinhavam-se com a proposta do novo sindicalismo, preservando as suas marcas de distinção,
tais como fazer passeatas, ocupação das principais ruas onde se concentravam as agências
bancárias, usar “bandinha de música” para anunciar as convocações do sindicato, tornar o
sindicato um espaço de sociabilidade promovendo inúmeras atividades lúdicas foram algumas
das práticas sindicais desses trabalhadores (Blass, 1999, p. 39).
Outros exemplos eram fornecidos pelos metalúrgicos do ABC paulista. Apesar da
longa trajetória de lutas, os trabalhadores/trabalhadoras para fugir das demandas salariais,
reintroduziram o tema da redução da jornada de trabalho em suas reivindicações. Na
Ford/Taboão, a jornada semanal variava entre 38 a 44 horas, sem redução de salários, apenas
na unidade sediada em São Bernardo do Campo. O banco de horas era negociado, sem que as
regras de seu funcionamento fossem definidas. Na sua unidade de São Paulo, a redução e
flexibilização da jornada de trabalho eram acompanhadas pela diminuição dos salários. Na
Volkswagen/Anchieta, a jor nada variava entre 36 e 44 horas semanais, sendo a média de 42
horas, conforme acordo firmado nas montadoras em 1995. Se os horistas ou os mensalistas
trabalhassem menos de 36 horas, a diferença seria debitada; se ambos excedessem as 44 horas
regulamentares e se essas ocorressem em sábados, domingos ou feriados, seriam creditadas no
banco de horas e pagas como adicionais salariais (idem, p. 41).
Os exemplos mostram que a redução e a flexibilização da jornada de trabalho estavam
vinculadas ao banco de horas. Os acordos evidenciavam a reapropriação sindical e operária
das fissuras presentes no sistema vigente de relações industriais que se regia por uma certa
desregulamentação das relações de trabalho. A empresa aparecia como o locus gerador desses
177

acordos, mas, ao contrário dos países capitalistas centrais, as negociações entre patrões e
trabalhadores estavam respaldadas no sindicato.
Os acordos sobre a jornada de trabalho apontavam a vitalidade do movimento operário
e sindical na região do ABC paulista, comparativamente ao sindicalismo brasileiro em outras
localidades e às tendências internacionais, sendo que o banco de horas, na Volkswagen,
incidia nos princípios da política salarial fordista, instituída no início do século XX, e nas
relações de poder estabelecidas no interior da fábrica. 87 Quanto à prática sindical dos
metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Blass (1999, p. 43), apoiando-se na
análise de Beynon (1995) sobre a classe operária inglesa, refere que a mesma passava por um
processo de reformulação. Entre os trabalhadores nas montadoras no ABC paulista
permaneceram ainda as suas referências institucionais e os valores de união e solidariedade
que davam respaldo político à atuação das comissões de fábrica nas empresas e do sindicato,
na sociedade.
Os exemplos acima mostram a persistência de certas práticas sindicais, apesar da
descontinuidade que caracterizava a presença política dos trabalhadores/trabalhadoras e dos
sindicatos no cenário social. Os dirigentes e militantes sindicais, à medida que se
distanciavam do cotidiano de trabalho e de vida dos trabalhadores/trabalhadoras em geral,
corriam o risco de esvaziar os sindicatos, enquanto instituição, e não o reforçasse como
movimento. Conforme Boito Jr. (1991) e Rodrigues (1990), citados por Blass (idem, p. 45), as
práticas sindicais persistiamm porque se adaptavam conforme as condições históricas. Desse
modo, as continuidades pareciam prevalecer sobre as rupturas. Isso ocorria porque os atores
sociais – trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes sindicais – faziam e refaziam a sua
história, recriando valores, instituições, idéias e ideais e recuperando os fragmentos perdidos
das suas ações coletivas.
Galvão (2001) sintetiza essas idéias e aponta as “faces do novo sindicalismo”, a partir
das análises feitas por Rodrigues (1999), em O novo sindicalismo: vinte anos depois. Nesta
obra, Iram Jácome Rodrigues, buscando compreender as práticas do novo sindicalismo, seu
significado político-organizativo e refletir sobre as principais questões que desafiam na
atualidade as organizações dos trabalhadores, analisa vários aspectos gerais da sua trajetória –
origens, desenvolvimento, impasses –, mas sem fazer um balanço de conjunto dessa
experiência ou desconsiderar a importância do universo industrial e metalúrgico da região do

87
Conforme a política salarial fordista, se um funcionário faltasse durante a semana ou se alterasse o seu horário
diário de trabalho, deixava de receber o descanso semanal remunerado, que correspondia aos domingos. Isso
levou um entrevistado a considerar “o domingo um instrumento de controle das pessoas” (Blass, 1999, p. 46).
178

ABC na constituição do novo sindicalismo, chamava a atenção para outros espaços também
constitutivos do novo sindicalismo, valorizando: a contribuição de experiências que ocorriam,
simultaneamente, em outras regiões, como as experiências sindicais em Minas Gerais e no
Espírito Santo; as características de seu desenvolvimento em outras áreas, como o setor
público; sua implantação em novas regiões (caso do sul fluminenses); e, o enfrentamento de
novos temas que se projetavam para além do novo sindicalismo, como a crise do
“assalariamento” e as experiências com “trabalho assalariado”.
As faces do novo sindicalismo, delineadas por Galvão (2001), a partir da obra de
Rodrigues (1999), seriam ruptura e continuidade e a evolução do ABC. No primeiro caso, um
dos aspectos mais interessantes, trazidos à discussão, se referia à construção da própria
identidade do novo sindicalismo.
Rodrigues (1999), cita Leila Blass, que problematiza a ênfase excessiva no “novo” que
qualificava as práticas sindicais que marcaram a retomada da luta sindical. Elas poderiam, por
um lado, “levar a um menosprezo da persistência de tradições políticas e culturais na
formação das classes trabalhadoras no Brasil”, expressa pelas ações de seus protagonistas que
“reinventam e recriam formas de organização e de mobilização, sem destruir as que lhes
antecederam”, apesar da descontinuidade na trajetória das lutas operárias e sindicais. Por
outro lado, poderiam “desconsiderar as ambigüidades e paradoxos que perpassam a proposta
do novo sindicalismo” (sindicatos mais combativos, organizações nos locais de trabalho,
obstacularizar a valorização mundial e destrutiva do capital, etc.). E refere, também, a Marco
Aurélio Satana, que observa, que na conjuntura do surgimento do novo sindicalismo houve
uma “luta pela hegemonia político-sindical”, que veio acompanhada de uma disputa pela
história. O que implicou, na construção da sua identidade, um certo “reducionismo do
passado”, que valorizava a idéia de uma ruptura. Esse exagero no corte entre o novo e o
velho, “acabou por obscurecer as continuidades e pontos de contato existentes na prática
organizativa dos trabalhadores, bem como os limites a ela impostos”. O novo sindicalismo
para Santana “trouxe em seus marcos, tanto nas li mitações quanto nas possibilidades, uma
atualização de práticas já experimentadas na história do sindicalismo por setores, que a seu
tempo, se identificaram com posições progressistas” (apud Galvão, 2001, p. 2).
A busca de uma “continuidade histórica” também está presente em Antônio Luigi
88
Negro , que ao analisar a combatividade dos trabalhadores da Ford, contrapõe a uma visão
“do novo que irrompe espontaneamente”, um “trabalho articulado”, que “desagua toda uma

88
Texto “Nas Origens do ‘Novo Sindicalismo’: O Maio de 59, 68 e 78 na Indústria Automobilística”, citado por
Galvão (2001, p. 2).
179

série de iniciativas de luta e de organização”, um processo cumulativo de experiências desses


trabalhadores, que remontava à greve de 1959.
No segundo caso, ou seja, a evolução do ABC, a atuação do sindicato dos
Metalúrgicos do ABC era objeto, a partir de diferentes enfoques: 1) Andréia Galvão (em Do
Coletivo ao Setor, do Setor à empresa: a Trajetória do ‘Novo Sindicalismo’ Metalúrgico nos
Anos 90 ) analisa a atuação dos metalúrgicos do ABC nas campanhas salariais como expressão
de mudanças na prática do novo sindicalismo. Ela explica as razões que levaram, no período
atual, ao predomínio das negociações descentralizadas, que seriam condicionadas pela
correlação de forças desfavoráveis ao sindicato, refletindo “a perda de influência política... e
(de) sua capacidade de negociadora e menos confrontacionista”; 2) Para Iram Rodrigues (em
A Trajetória do Novo Sindicalismo), essas mudanças são expressão de uma nova estratégia
sindical, passando de uma “que se apoiava no conflito para outra que privilegia a negociação,
mais apropriada às transformações no mundo do trabalho. Esse padrão sindical, “que se
poderia chamar de realismo defensivo”, gestado pelos metalúrgicos do ABC, constituiu -se em
um “paradigma para a relação capital-trabalho no Brasil” “uma saída possível”, combinando
uma “forte dose de realismo nas negociações e uma acentuada diminuição da ideologização e
politização da prática sindical anterior” (Galvão, 2001, p. 2).
Percebe-se que esses e outros pontos de vista (ver Jornal em tempo, n. 310) resultaram
em importantes contribuições para um necessário esforço coletivo de análise da experiência
cutista que tratou com rigor e profundidade os impasses políticos e ideológicos que marcaram
a crise do sindicalismo.

3.10.4 A reestruturação produtiva e as relações de trabalho

Após um longo período de acumulação de capitais, a partir do final dos anos 70, e
particularmente na década de 1980, os países de capitalismo avançado começaram a
apresentar um quadro crítico – queda da taxa de lucro, esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção, dada pela incapacidade de responder à retração do consumo
que se acentuava, hipertrofia da esfera financeira e expressão da própria crise estrutural, crise
do welfare state ou do “Estado do bem-estar social” e de seus mecanismos de funcionamento,
incremento das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização
do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho – com profundas transformações
no mundo do trabalho, nas formas de inserção da estrutura produtiva, nas formas de
180

representação sindical e política. Assim, sob o impacto de uma crise estrutural, novas
respostas foram buscadas, como alternativas do capital em crise (Antunes, 1997 e 2000).
A exposição de Ricardo Antunes oferece uma boa visão das intensas modificações que
se sucederam no processo de trabalho e de produção capitalistas. O referido autor afirma que
a classe trabalhadora presenciou a mais aguda crise deste século que atingiu não somente sua
materialidade mas também sua subjetividade e, no inter-relacionamento desses níveis, afetou
a sua forma de ser.
A crise do fordismo e do keynesianismo era expressão de uma crise mais ampla, a
crise estrutural do capital, onde se destacava a tendência decrescente da taxa de lucro e
manifestação tanto do sentido destrutivo da lógica do capital, presente na intensificação da lei
de tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, quanto da incontrolabilidade do
sistema social do capital. Com o desencadeamento dessa crise estrutural, começava também a
desmoronar o mecanismo de “regulamentação” em vigor no pós-guerra, em vários países
capitalistas avançados, especialmente da Europa. Como resposta a sua própria crise, esses
países deram início a um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e
político de dominação, cujos sinais mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a
privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do
setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi a expressão mais marcante. A isso
se seguiu um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, visando a dotar
o capital do instrumental necessário para repor os patamares de expansão perdidos (Antunes,
2000, p. 31).
Na análise sobre a reestruturação produtiva e os desdobramentos em nível
internacional e nacional, nos aspectos relativos à escala global, ao conteúdo dos elementos
básicos da reestruturação e às mudanças no perfil do mercado de trabalho, verifica-se o
crescimento das discussões sobre as estratégias para enfrentar os desafios da reestruturação
produtiva e as mudanças no mundo do trabalho.
No aprofundamento das investigações sobre estas questões, encontra-se a orientação
básica da CUT, extraída da 7ª Plenária Nacional de 1995, que resume o conjunto de temas
envolvidos na reestruturação produtiva, identificando pontos para reflexão e algumas
polêmicas pendentes:
A orientação básica da CUT – Define algumas balizas de como a CUT aborda o
tema:
181

a) O debate sobre a reestruturação deve articular tanto questões da política


industrial, agrícola e de comércio exterior, com as mudanças das
empresas e do trabalho.
b) A reestruturação produtiva é parte do debate sobre “modelos de
desenvolvimento”. Para a CUT, esse modelo “deve ter como objetivo
central a incorporação plena dos trabalhadores e dos marginalizados à
vida econômica e social”.
c) A CUT buscará “disputar as idéias de ‘qualidade e produtividade’
partindo de uma perspectiva da qualidade de vida e trabalho para as
maiorias e da distribuição dos frutos do aumento da eficiência do
trabalho para o conjunto dos assalariados e da massa dos excluídos”.
d) Considera que “nesse processo se afirma o caráter conflitivo das relações
capital-trabalho negando a ideologia empresarial de parceria”
(Informacut 259).

Essas balizas colocam para debate questões como: a organização do trabalho nas
empresas; a interferência dos trabalhadores no processo de organização do trabalho,
buscando preservar e conquistar direitos para as maiorias, orientando-se por um modelo de
desenvolvimento alternativo ao implementado pelos conservadores; a luta pelo pleno emprego
e a luta pela democracia no interior das empresas, que deve começar pelo direito à
organização no local de trabalho; as organizações sindicais devem se capacitar para enfrentar
essas tarefas, para além das tradicionais questões trabalhistas nas campanhas salariais.
A reestruturação em escala global – A reestruturação industrial e econômica em
curso na economia mundial tomou impulso a partir da crise nos principais países
desenvolvidos no final da década de 1960 e início da década de 1970.
Esse processo tem sido apontado como a terceira revolução tecnológica, pois tem
como alicerces básicos profundas mudanças na estrutura produtiva, a emergência de novas
fontes de riqueza, de novos padrões de concorrência e mudanças radicais no perfil e
composição do mercado de trabalho.
A geração e a rápida difusão de inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais
são as características mais marcantes desse processo de transformações produtiva s.
A utilização crescente de componentes de base microeletrônica e dos recursos da
informática em produtos e processo industrial tem levado a mudanças na base técnica de um
conjunto de indústrias, à expansão de seus mercados associada à criação de novos produtos e
setores e converteu-se na base de transmissão de inovações, não só para o conjunto do setor
produtivo, como também para o setor de serviços.
Nos países centrais, o rejuvenescimento dos chamados setores dinâmicos foi
acompanhado por fortes movime ntos de desindustrialização seletiva com a transferência para
os países em desenvolvimento de fases ou ciclos da cadeia produtiva menos nobres (por
182

exemplo no caso de automóveis, a montagem de carcaças), mas predadores do meio ambiente,


grandes consumidores de energia, intensivos em mão-de-obra e dependentes de baixos
salários. Envolve igualmente uma nova forma de produzir. 89
A liderança no processo de modernização tecnológica e a capacidade de mobilizar
recursos financeiros em escala mundial fizeram das empresas multinacionais os setores
privilegiados da globalização econômica. As multinacionais adquiriram maior capacidade de
gerenciamento e controle sobre a pesquisa, a produção e a comercialização. Capacitaram-se,
assim, a explorar de modo mais objetivo as vantagens comparativas em escala global,
privilegiando baixos salários, progressivos benefícios fiscais e mercados de trabalho
desregulados e capazes de ofertar elevada produtividade.
Os Estados perdem relativa autonomia política e decisória com a globalização e são
levados a reduzir impostos, atacar conquistas sociais e sindicais e submeter suas políticas e
legislações à lógica da “Nova Ordem” para reduzir o risco de serem excluídos do circuito
internacional de capitais financeiros e produtivos.
Embora os impactos sociais e sindicais da reestruturação econômica sejam
semelhantes em escala global, é nos países de terceiro mundo que os programas de
ajustamento econômicos neoliberais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Mundial – Consenso de W ashingtton – tem promovido acelerado e agudo empobrecimento e
desafios enormes para o movimento sindical.
A tendência objetiva desta reestruturação é produzir o desemprego em massa, além da
precarização das relações de trabalho.
Na América Latina, os processos de desmonte dos serviços públicos, privatização das
estatais, cortes dos salários, redução dos gastos sociais, abertura indiscriminada das
economias e desregulamentação do mercado de trabalho, tem provocado movimentos de
desindustrialização e aumento da concentração de renda e da miséria e indigência social.
Nos países em desenvolvimento, existem enormes semelhanças nos processos de
ajustes estruturais, em especial, nos seus impactos desorganizadores no mundo do trabalho.
No Japão e algumas regiões da Europa, as opções de enfrentamento dos processos de
globalização econômica e de atuação e regulação do estado tem sido diferentes – nesses casos
se trata de opções distintas de ajustes conservadores já que não visam a conciliar melhoria da
produtividade com aumento do bem-estar social.

89
Ver mais adiante, em “elementos da reestruturação produtiva”.
183

Os estados nesses países continuam adotando políticas ativas nas áreas industrial,
tecnológica, de financiamento à atividade produtiva, de educação e formação profissional
capazes de incidir e influenciar os rumos e perfil da reestruturação e de setores prioritários
num projeto de desenvolvimento econômico.
Com exceção de alguns núcleos centrais, particularmente nos países capitalistas
avançados – composto pela tríade Estados Unidos e o NAFTA, a Alemanha à frente da Uniã o
Européia e o Japão liderando os países asiáticos –, esse processo de reorganização do capital
também não comportava a incorporação daqueles países que não se encontravam no centro da
economia capitalista, como a maioria dos países de industrialização intermediária e os mais
débeis dentre os países do Terceiro Mundo. A crise teve dimensões tão fortes que também
eliminou os países pós-capitalistas do Leste Europeu e afetou o centro do sistema global de
produção do capital, os EUA, que então perdia a batalha da competitividade tecnológica para
o Japão (Kurz, apud Antunes, 2000, p. 32). A partir da década de 1990, com a recuperação
dos patamares produtivos e a expansão dos EUA, essa crise, dado o caráter de mundialização
do capital, também passou a atingir o Japão e os países asiáticos.

Essa lógica destrutiva, ao reconfigurar e recompor a divisão internacional do


sistema de capital, traz como resultado a desmontagem de regiões inteiras
que estão, pouco a pouco, sendo eliminadas do cenário industrial e
produtivo, derrotadas pela desigual concorrência mundial. A crise
experimentada pelos países asiáticos como Hong Kong, Taiwan, Cingapura,
Indonésia, Filipinas, Malásia, entre tantos outros, quase sempre decorrente
de sua condição, de países pequenos, carentes de mercado interno e
totalmente dependentes do Ocidente para se desenvolverem. Num patamar
mais complexificado e diferenciado, também encontramos o Japão e a
Coréia do Sul, que, depois de um grande salto industrial e tecnológico, estão
vivenciando esse quadro crítico, estendido também àqueles países (...)
chamados de “tigres asiáticos” 90 (Antunes, 2000, p. 33).

No Brasil, que desde o período do ex-presidente Collor, defrontava-se com mudanças


profundas nas regras de política industrial e tecnológica. Esta nova política, que manteve seus
preceitos básicos no governo de Fernando Henrique Cardoso, se articula em torno a diversos
programas estruturais. As principais diretrizes desses programas são:
a) políticas de liberação comercial, através da redução indiscriminada dos impostos
sobre as importações;

90
Esses países asiáticos, pequenos em sua grande maioria, não podem, portanto, se constituir como modelos
alternativos a ser seguidos ou transplantados para países continentais, como Índia, Rússia, Brasil, México. A
recente crise financeira asiática é expressão da sua maior fragilidade estrutural, dada a ausência de suporte
interno para grande parte dos países asiáticos (Kurz, apud Antunes, 2000, p. 33).
184

b) políticas de atração ao capital estrangeiro, por meio da redefinição das condições


de operação dessas empresas no país. No governo de Fernando Henrique Cardoso,
essa orientação se aprofundou com a tentativa de eliminar as restrições
constitucionais à participação do capital externo em todos os setores de atividade
econômica;
c) política de privatização das Estatais, de serviços públicos e a quebra dos
monopólios no setor de energia e telecomunicações;
d) redução dos custos de exportação (através do PROEX e do Projeto de
Modernização dos Portos);
e) Reestruturação do modelo empresarial brasileiro, através da promoção às fusões e
à desverticalização para as novas formas de organização e gestão do trabalho.
As principais características da política industrial que vem sendo aplicadas no Brasil
são: a ausência de política para os setores de ponta e para a capacitação tecnológica; a
ausência de prioridades setoriais; redução e desmonte das estruturas de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D); redução da linha de produtos fabricados por empresa e na cadeia
produtiva; reduzido estímulo a novos investimentos e indução à modernização conservadora
nas empresas; criação de ilhas de excelência frente a manutenção do atraso tecnológico em
diversos setor es industriais.
Elementos da reestruturação produtiva – O processo de inovação tecnológica e
organizacional se desenvolve, a partir da década de 1980 no Brasil, de forma combinada à
crescente integração aos mercados externos, bem como à necessidade de maior
competitividade frente a produtos importados. Como objetivos básicos, as empresas, seja no
setor industrial, na área de serviços e na atividade agropecuária, têm buscado a diversificação
e especialização da produção/serviços, redução do tempo de lançamento de produtos/serviços,
redução dos tempos de projeto e fabricação, dos estoques e dos custos de produção e
gerenciamento; retomada do controle gerencial e a constituição de processos mais integrados
e com adequada flexibilidade.
Por detrás de tais medida s, existe uma grande corrida empresarial em busca de
melhoria de desempenho geralmente traduzidas pelos conceitos e indicadores de
“produtividade” e “qualidade” dos processos. Em relação à produtividade, especialmente no
setor industrial, são diversos os estudos demonstrando seu grande crescimento a partir de
1992/1993, ou seja, após a forte recessão iniciada no governo Collor. Vale ressaltar que parte
do crescimento da produtividade se deve ao processo de terceirização, que resultou na
185

transferência de trabalhadores para o setor terciário, ou à condição de trabalhador autônomo


(além do aumento do desemprego estrutural).
Em termos de conteúdo, a reestruturação produtiva abrange cinco elementos básicos:
a) Informática, automação e robótica, com introdução seletiva de computadores,
máquinas CNC (comando numérico computadorizado), controladores programáveis (CP ou
controlador lógico programável, CLP), robôs, sistemas de transporte de materiais, sistemas
CAD/CAM, sistemas SDCD (sistema digital de controle distribuído), terminais ponto-de-
venda, terminais bancários, serviços home banking.
O uso da internet também deve ser mencionado. Sabe-se que embora restrito a apenas
5% da população mundial, estando a maioria dos usuários localizados nos países do Primeiro
Mundo, há um crescimento do uso de computadores no Brasil e na América Latina (Mauro,
2001). Para alguns estudiosos, a preocupação com as máquinas levou à subestimação do papel
de outros fatores na promoção do crescimento industrial, como a qualidade dos traba lhadores,
o estoque de diferentes técnicas, a eficiência da organização industrial, entre outros (ibidem).
O impacto das novas tecnologia de informação na cultura e na comunicação
contemporâneas tem levado muitos estudiosos, como pesquisadores da Universidade de
Stanford, nos Estados Unidos, a criarem o conceito de indústria da informação, caracterizando
a informação como matéria prima fundamental, “atribuindo à chamada sociedade informativa
o status de uma nova etapa que ultrapassa a sociedade industrial e conforma novas estruturas
sociais, suplantando, segundo eles, a etapa do capitalismo industrial” (Momesso, apud Barros
e Carneiro, 2001, p. 35).
O Brasil presenciou uma onda de modernização técnica no âmbito das tecnologias de
massa a partir da década de 1960, intensificando-se na década de 1970, principalmente
durante o período chamado milagre brasileiro. Na parceria do poder econômico com o militar,
os instrumentos de comunicação de massa serviram às disputas entre potências e dominação
dos povos. No Bra sil, estes instrumentos serviram à aplicação do controle social e não
diferem do grau de importância que têm para divulgação ou sonegação de informações, ou na
imposição do pensamento e das concepções de vida da classe dominante. Santos (apud Barros
e Carneiro, idem, p. 36) afirmava em1996, que as novas tecnologias trazem implícito

...toda uma tendência de dominação que ao longo da história vem marcada


pelas trocas entre grupos, porém de maneira desigual, onde um grupo
acabava por impor a certos grupos as técnicas de outros grupos, “mudando-
lhes os antigos equilíbrios e acrescentando elementos externos às histórias
até então autônomas”.
186

O uso que se faz da informação e os meios de comunicá-la englobam novas técnicas


que conduzem não só a uma nova percepç ão do tempo, mas a uma nova coordenação e rigor.
Neste sentido, Santos (ibidem), faz uma citação de M. Traber apontando para aquilo que
muitos autores contemporâneos têm chamado a atenção, o fato de que hoje, muito mais do
que há três decênios, a informação, inigualitária e concentradora, é a base do poder em uma
sociedade cada vez mais globalizada.
O processo de automação bancária, por exemplo, é um problema que se agrava em
larga escala. A máquina, na figura dos caixas eletrônicos e dos computadores em rede, além
de substituir o bancário, enfraquece uma das principais armas sindicais, a greve. Se há alguns
anos atrás a greve conseguia paralisar o funcionamento dos bancos, hoje não consegue parar
além de alguns serviços. Quem sai contudo mais prejudicado sã o as pessoas que não se
adaptaram às máquinas e aquelas que não têm acesso às suas contas bancárias via telefone,
fax ou internet.
Na agricultura e na pecuária, além da informatização de atividades administrativas, há
uma crescente introdução de máquinas, equipamentos e insumos destinados à agilização da
produção e à obtenção de maior produtividade.
b) Mudanças nas relações entre empresas, com destaque ao processo de terceirização
de serviços de apoio (alimentação, transporte, vigilância, etc.), domínios industriais,
consórcios modulares – o fornecimento externo de componentes ou insumos (outsourcing), e
a sua compra em qualquer parte do mundo (global sourcing).
O objetivo empresarial seria o de “focalizar” suas operações, em função de
características estratégicas. Esse processo não é novo, o que é novo é a aceleração das
transferências de atividades. Seus maiores indutores no caso brasileiro foram a recessão da
década de 1990, e a abertura às importações. Nesse sentido, a terceirização recente se
caracterizou como uma estratégia de “redução de custos” por parte de inúmeras empresas,
especialmente através de inúmeras fraudes trabalhistas e da degradação das condições de
trabalho.
De modo geral, o processo de terceirização é abrangente. Em geral, combinam-se na
terceirização as fraudes trabalhistas e a degradação das condições de trabalho com a falta de
capacitação tecnológica das empresas de médio e pequeno porte – aspecto este que acaba se
constituindo em empecilho à própria difusão dessa estratégia empresarial.
No que concerne ao âmbito político, a terceirização tem afetado diretamente os planos
de ação coletiva, na medida em que tem sido o meio pelo qual o capital consegue cada vez
mais fragilizar as representações e as práticas sindicais, reforçando assim as identidades
187

corporativas em prejuízo das identidades de classe. Enfraquece, conseqüentemente, os laços


de solidariedade entre os trabalhadores que já vivem sob a ameaça do desemprego e provoca,
por fim, a desunião.
A luta dos sindicatos contra a terceirização não é nova. Mas nos últimos anos, os
acordos coletivos, em várias categorias de trabalhadores, revelam que as cláusulas associadas
à terceirização destacam o problema da mão-de-obra temporária e a desregulamentação dos
contratos de trabalho (Barros e Carneiro, 2001).
Outras mudanças ocorreram em termos de relação das empresas, especialmente em
termos de parceria “produtor final-fornecedor”: é o caso do desenvolvimento conjunto de
componentes ou serviços, do fornecimento de subconjuntos complexos , do suprimento “just-
in-time”, do fornecimento de insumos com “qualidade assegurada”, de estruturas
compartilhadas, da ligação telemática e do apoio à capacitação tecnológica.
c) Mudança na organização dos processos de produção/serviços. O ideal da “produção
enxuta” nos modelos toyotistas, e a possibilidade de implementar técnicas deste modelo sem
elevados investimentos, move boa parte destas transformações. Os principais destaques são a
introdução da lógica “just-in-time/kanban” (tudo chega na hora exata ), interna e externamente
às unidades empresariais, a formação de células de produção e a constituição de minifábricas
ou a segmentação das unidades de processamento.
d) Transformações na organização dos processos de trabalho também vão tomando
forma nas empresas brasileiras. Isso não significa que tradicionais elementos e formas da
produção taylorista/fordista, que implicavam em determinadas características da organização
do trabalho, foram completamente abandonadas, como o estudo de tempos e movimentos, a
padronização de processos, as clássicas linhas de montagem e seus métodos de gestão. Há
portanto uma coexistência da nova fábrica com a antiga fábrica: a da empresa reestruturada
com a velha empresa. Mais que isso, novos rótulos como o toyotismo e a “qua lidade total” se
utilizam de alguns desses elementos também para sua sustentação, em especial o estudo de
tempos e a padronização.
Como inexistem grandes impedimentos ao uso flexível do trabalho no Brasil, isso
facilita imensamente a implementação de esquemas de “trabalho polivalente”, com
características qualificantes (novas tarefas de conteúdo técnico mais complexo), ou não, e
portanto, associado ou não a novos conceitos de gestão.
Outra inovação com grande potencial de difusão é o “trabalho em equipe”, na lógica
“vários homens para uma área de trabalho e um conjunto de tarefas”. Trata -se de um grupo
que detém responsabilidades operatórias para cumprir parâmetros anteriormente negociados,
188

tácita ou explicitamente, junto à gerência. Determinada autonomia decisória, especialmente na


distribuição interna de funções e determinação do método de trabalho, pode ser atribuída à
própria equipe, bem como a escolha do líder, a gestão do processo e aspectos correlatos,
quando sua concepção obedece à chamada “Escola Sócio-Técnica” e ao conceito de “co-
determinação” com certa difusão nos países escandinavos e outras regiões européias sendo a
qualificação profissional um elemento básico. Em outros casos, permanecem a supervisão
externa e o tempo imposto, bem como o dever da equipe de apresentar sugestões de
melhorias.
e) Mudanças na gestão das empresas – novas formas de gestão do trabalho e de gestão
empresarial: com relação à gestão do trabalho, as mudanças em curso não se difundiram de
forma homogênea, sendo muito pres entes os estilos gerenciais autoritários. Entretanto, além
do corte de níveis hierárquicos, tem havido grande esforço no treinamento comportamental de
gerentes, mestres, supervisores, etc., visando a motivação e capacitação dos trabalhadores
comandados e a aquisição de competência gerencial como papéis fundamentais.
A lógica da nova organização embute mecanismos de controle que permitem tal
redução: é o caso do just-in-time, dos conceitos de cliente interno e do binômio cliente-
fornecedores em todo o processo produtivo, que levam a esquemas de fiscalização entre os
próprios trabalhadores, além do controle autônomo de defeitos, da inspeção de qualidade feita
pelos próprios operadores.
Os programas de “qualidade total” (TQC ou CQT) são, na realidade, conjuntos de
diretrizes de gestão que contam com instrumentos que apóiam o controle gerencial e tomada
de decisão sobre os processos produtivos: são métodos e técnicas (MASP, PDCA “espinha de
peixe”, cartas de processos, gráficos de controle, histogramas etc.), cujo grande sentido é a
racionalização incremental, com algum grau de abertura visando o levantamento de
informações e soluções a partir dos trabalhadores. Da mesma forma, são aplicados em
atividades industriais, agrícolas e na área de serviços.
Por outro lado, sob o rótulo de reengenharia, pode -se encontrar os mais variados casos
de reestruturação empresarial, até uma completa revolução na fábrica, em termos de sua
estratégia de negócios, de gerenciamento e de sua organização produtiva.
A adoção de diversos dos elementos da chamada reestruturação produtiva leva a uma
nova fragilidade das empresas, já que reduz a quantidade de recursos, inclusive estoques, que
possam recuperar eventuais imprevistos na produção; também a maior interdependência entre
as empresas pode levar à interrupções no processo produtivo nacional, forçando a entrada de
mercadorias e de capitais estrangeiros.
189

Com isso, intensificou-se a “guerra comercial” e a palavra de ordem é a


“competitividade internacional”, que deve ser alcançada a qualquer custo. E os primeiros
“custos” a serem cortado são os direitos sociais e trabalhistas.
Nesse contexto a competitividade da empresa é tudo, enquanto os direitos dos
trabalhadores são subordinados a esse objetivo.
A reestruturação produtiva e os trabalhadores – A nível internacional, essas
mudanças tem promovido alterações profundas no perfil e composição do mercado de
trabalho. Elas tem acelerado a diferenciação entre os trabalhadores com a criação de um
núcleo mais estável de trabalhadores multiqualificados, responsáveis pela condução da
produção nas novas empresas e a desqualificação profissional de um contingente expressivo
de trabalhadores.
Essa diferenciação é fruto dessas mudanças mas também da ofensiva patronal sobre o
papel dos sindicatos na representação dos trabalhadores e o ataque sobre os sistemas de
contratação nacionais – horizontais e verticais – responsáveis por estabelecer garantias
básicas e fundamentais para o conjunto dos trabalhadores. Os empresários procuram abalar
esses siste mas através das negociações isoladas por empresa, com a criação e fortalecimento
de vínculos individuais em detrimento da negociação coletiva e da informalização das
relações de trabalho (tempo parcial, regimes especiais de contrato de trabalho), em partic ular
para o conjunto dos trabalhadores que ocupam posições secundárias no processo produtivo.
Além disso, uma das características mais nítidas dos impactos da reestruturação
industrial sobre o mundo do trabalho é o desemprego estrutural e crônico. A manut enção de
um nível elevado de desemprego, além de se tornar num dos maiores problemas sociais no
mundo contemporâneo, atinge duplamente o poder sindical. De um lado, transforma-se em
um poderoso instrumento de pressão empresarial para forçar a informalizaçã o e redução dos
direitos e garantias sociais e econômicas ou mesmo pressionar os trabalhadores para isolar os
sindicatos e os seus diversos níveis de organização das negociações relativas ao engajamento
dos trabalhadores nos programas das empresas. De outro, reduz a base de representação dos
sindicatos com o desemprego e dificulta as iniciativas dessas entidades em procurar envolvê-
los, pois o desemprego não é somente elevado mas também crônico, e, portanto, capaz de
criar uma massa de trabalhadores margina lizados na sociedade, com grandes dificuldades de
encontrar a reinserção no mercado formal de trabalho, com aspirações e expectativas muito
diferenciadas frente ao próprio trabalho.
Essa diferenciação tem dificultado o papel de representação coletiva dos sindicatos,
pois é cada vez mais difícil organizar uma agenda sindical onde o conjunto dos trabalhadores
190

possam se sentir identificados e representados e capazes de manter os princípios de


sociabilidade, identidade e solidariedade – como os principais vetores da organização coletiva
dos trabalhadores.
Esses impactos da reestruturação industrial sobre o mercado de trabalho, a organização
sindical e os sistemas de negociações coletivas não foram iguais nos diversos países
desenvolvidos. Em relação ao desafio que tem significado ao papel dos sindicatos, há diversos
casos onde as organizações sindicais foram capazes de manter-se como os principais
interlocutores dos trabalhadores nas negociações coletivas. Igualmente, há experiências onde
se manteve os sistemas de negociações nacionais – verticais e horizontais – junto aos quais as
negociações por empresa ou estabelecimentos não anulavam os parâmetros gerais neles
estabelecidos. No entanto, isso não quer dizer que essas organizações sindicais tenham
conseguido responder à ofensiva patronal em seu conjunto.
Por outro lado, é importante considerar que nos países desenvolvidos a reestruturação
industrial se dá num ambiente onde o mercado de trabalho é relativamente homogêneo, os
sistemas de contratação eram naciona is e a representação sindical possuía raízes históricas e
contratuais consolidadas. Esses elementos são considerados vitais para o movimento sindical
buscar influenciar os rumos da reestruturação industrial e são exatamente os mais fáceis no
movimento sindical brasileiro.
No Brasil, do ponto de vista dos trabalhadores, as mudanças tecnológicas e
organizacionais, especialmente nos momentos de mais aguda crise econômica, resultam em
conseqüências prejudiciais, em particular o crescimento da parcela de trabalhadores excluídos
do mercado de trabalho, urbano e rural. No caso dos trabalhadores do campo,

...deu-se continuidade à “defesa” de um trabalhador rural genérico, abstrato,


ignorando o novo quadro emergente com as alterações na base produtiva da
agricultura, com sérios desdobramentos para os trabalhadores, atingindo a
todos a um só tempo: a perda do acesso à terra por segmentos de pequenos
proprietários, parceiros, arrendatários, tendo em vista a política agrícola
seletiva e discriminatória do governo e de projetos como o Proálcool que
intensificaram, ainda mais, o processo concentracionista da propriedade da
terra (Thomas Júnior, 1999, p. 6).

Tudo isso está fortemente associado a uma série de características do processo de


reestruturação, no qual convive m empresas em transformação, novos negócios com alto
conteúdo tecnológico, firmas com produtos, serviços ou processos obsoletos e uma série de
iniciativas informais com baixa qualificação técnica. Dessa convivência resultam como
efeitos, vivenciados conjunta ou isoladamente em dimensão local, regional ou nacional:
191

eliminação de postos de trabalho, e no campo êxodo rural; precarização das condições e


vínculos de trabalho; manutenção de parcela de trabalhadores semiqualificados e não-
qualificados; recorrentes perdas salariais; no campo perdas também na remuneração do
trabalho familiar agrícola; manutenção de políticas de cargos/salários incompatíveis; perda de
autonomia e/ou prerrogativas profissionais (no campo, com características diferenciadas entre
os agricultores familiares); e aumento do desgaste mental.
Em contrapartida, há casos localizados em que se constata a melhoria das condições
ambientais e ergonômicas, redução das taxas de rotatividade em alguns setores, novo padrão
comportamental das chefias (com redução de conflitos com os operários), aumento da
autonomia decisória no processo produtivo, maior qualificação profissional para determinados
grupos operários, baseada em maior volume de treinamento e capacitação.
Verifica-se também a coexistência dos padrões tradicionais de organização e requisitos
profissionais, com a constituição de um novo perfil do trabalhador que passa a ser solicitado
ou formado para compor os núcleos principais das empresas reestruturadas. De uma forma
geral, esse novo perfil privilegia: exigência de produzir não apenas quantidade, mas também
qualidade; multifuncionalidade e capacidade de atuar em grupos, com capacidade de gestão
dos processos, e mobilidade intra-empresas e inter-operações; incentivo à permanente solução
de problemas, uso de criatividade e iniciativa; níveis mais elevados de escolaridade;
classificação de cargo abrangente e redução do leque salarial; desempenho avaliado em
função de metas; visão mais abrangente sobre a unidade produtiva e a empresa; maior
envolvimento com a política empresarial; e no campo, a especialização dos agricultores
familiares em determinadas atividades e produtos.
Esse processo de reestruturação produtiva vem sendo vivido com maior intensidade no
Brasil desde 1990, quando se combinou com a implantação do projeto neoliberal e recessões
recorrentes. Mas, conforme já mencionado, as mudanças tecnológicas e organizacionais,
difundidas por esse novo modelo de desenvolvimento, não têm se difundido para o conjunto
da economia. Está concentrado em “ilhas” que conseguem se inserir no mercado mundial, e
avançam também no serviço público. De acordo com Batista e Codo (2000):

Na medida em que os funcionários públicos se encontravam à margem dos


direitos sindicais, na procura de alternativas para a prática sindical, estava
explícito o afastamento das estruturas sindicais tradicionais. ...durante a
década de 1980, estes trabalhadores crescem em nível de organização,
embora este processo haja sido mais importante para o caso dos
trabalhadores do ensino.
“...durante os anos 80, freqüentes mudanças na política salarial, a recessão e
quase todos os planos econômicos tiveram efeito depressivo sobre os níveis
192

salariais, tendência mais acentuada para os salários do serviço público, em


função da crise das finanças públicas e da elevação dos níveis de inflação.
Foi nesse marco que o salário do funcionalismo tornou-se uma variável de
ajuste na política econômica” (Guedes, 1994).
Já durante os anos 90, no contexto da aplicação de políticas de orientação
neoliberal, que exigem cortes nas despesas públicas... Os direitos
conquistados pelos trabalhadores foram paulatinamente sendo
desmantelados em maior ou menor medida, num clima generalizado de
terror psicológico no marco das ameaças, de racionalizações, proliferação de
emprego temporário etc.
... não obstante, ...a perda do emprego não ameaça diretamente aos
professores, estes são afetados pela racionalização orçamentária, que leva
cada vez mais à deterioração de seus instrumentos e das condições de
trabalho.
Os trabalhadores que participam hoje do sindicato são aqueles que
experimentam na pele, no dia-a-dia, a crise que atinge a organização
sindical, os impasses que ela enfrenta, tanto como vivienciam a necessidade
de transmudar diversos aspectos dessa organização.

Dar respostas a essa diversidade de situações, é um grande desafio para o movimento


sindical, em particular à ação sindical cutista. A CUT entende que, conjuntamente com a luta
em defesa do emprego e dos direitos dos trabalhadores, deve -se intensificar a propaganda por
uma nova sociedade, uma sociedade socialista. Pois, é a própria incapacidade do capitalismo
de resolver os problemas básicos da humanidade que realça esta necessidade, que deve ser
refletida nas atividades da Central.
Em meio a tanta destruição de forças produtivas, da natureza e do meio ambiente, há
também, em escala mundial, uma ação destrutiva contra a força humana de trabalho que tem
enormes contingentes precarizados e à margem do processo produtivo, elevando a intensidade
dos níveis de desemprego estrutural. Embora a crise estrutural do capital tivesse
determinações mais profundas, a resposta capitalista a essa crise foi enfrentá-la na sua
superfície, isto é, reestruturá-la sem transformar os pilares essenciais do modo de produção
capitali sta. Tratava-se de reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binômio
taylorismo e fordismo , procurando repor os patamares de acumulação existentes nas décadas
anteriores (Antunes, 2000).
As mudanças e transformações ocorridas na década de 1980, uma década, segundo
Antunes (1995), citado por Antunes (2000), de grande salto tecnológico, da invasão da
automação e da robótica no universo fabril, penetrando nas relações de trabalho e de produção
do capital, são reflexionadas aqui a partir de alguns pr ocessos tais como o
taylorismo/fordismo , o toyotismo e a flexibilização.
193

3.10.5 Negociação Coletiva do Trabalho, do fordismo ao toyotismo

Os diversos fenômenos contidos na Negociação Coletiva de Trabalho (NCT) ou nos


sistemas de contratação coletiva, assim como outros aspectos das relações de trabalho,
passaram por momentos de redefinições e ajustamentos dentro das mudanças operadas, a
partir das duas últimas décadas, no curso das economias em que estão inseridos.
De acordo com Garcia (1998, p. 85), as práticas de NCT, corriqueiras e
institucionalizadas nos países industrializados e com economia de mercado e consolidação
democrática – mas caricatura das mesmas no Brasil pelas condições impostas pelo
corporativismo de Estado –, desenvolveram-se dentro e no marco regulador do modelo
fordista de desenvolvimento.
Ao longo da história dos trabalhadores no capitalismo, apareceram várias formas de
regulação das relações de trabalho. Dentre essas destacam-se a negociação individual, que
predominou nas primeiras fases da industrialização, a determinação unilateral por parte dos
empresários do conteúdo das relações de trabalho que ocorre em contexto de sindicatos
particularmente fracos ou em situações de fortes crises econômicas, 91 a imposição de
condições de emprego por um sindicato que correspondeu ao sistema organizacional dos
sindicatos de ofício, hoje inexistentes, que controlava a oferta de trabalhadores especializados
no mercado de trabalho, a regulamentação das relações de trabalho pela imposição dos
governos, típica do corporativismo de Estado, que consiste em subordinar a força de trabalho
às necessidades de acumulação do capital, mediante o controle institucional e político do
movimento operário pelo Estado, a negociação coletiva que consiste numa regulação conjunta
(entre os empresários e os trabalhadores) dos termos e condições do emprego. Essa última
forma de regulação das relações do trabalho se desenvolveu no meio do modo de
desenvolvimento fordista.

A lógica do fordismo, enquanto modo de desenvolvimento, parte da


barganha estabelecida, que permitiu o crescimento real dos salários,
verdadeiro motor econômico do sistema. A sua virtuosidade é representada
num “círculo vicioso” que se auto-alimenta: o aumento da produtividade

91
Tradicionalmente, crise econômica era sinal da retração econômica e o principal sintoma o desemprego: “As
crises econômicas são caracterizadas pelo fato de gerarem desemprego e subemprego como fenômenos de
massa” (Ver Offe, 1985, p. 19). Com o aparecimento da reestruturação produtiva, o desemprego não é mais,
necessariamente, sinal de crise econômica (“a economia vai bem, obrigado”), uma vez que crescimento
econômico e investimento são fenômenos acompanhados de desemprego. Essa re-caracterização da crise como
apenas social e não como econômica indica a desarmonia entre esse dois âmbitos da realidade, o paradoxo diante
do qual a “produção flexível” nos coloca, o que trará conseqüências importantes para a natureza da negação
coletiva (Garcia, 1998, nota 3, p. 94).
194

obtido pela nova tecnologia de produção (linha de montagem mais


taylorismo) permite, quando se constituem sindicatos fortes, aumentos reais
dos salários. Estes induzirão ao dinamismo dos bens de consumo, que
demandarão crescimento dos bens de capital, que gerarão lucratividade
elevad a e acumulação, que injetará investimentos na produção, que fará,
novamente, aumentar a produtividade e permitirá aumentos reais dos salários
(Garcia, 1998, p. 87).

É um tipo de desenvolvimento puxado pelos salários, cuja dinâmica radica na


demanda gerada pela possibilidade do aumento do padrão de vida das populações dos países
centrais. A perspicaz estratégia de Ford evidenciou-se quando se propôs a fabricar carros que
pudessem ser comprados por seus operários. No que concerne ao NCT no interior do
fordis mo, apresenta uma diversidade de formas concretas. No entanto, uma característica
essencial da negociação coletiva é aquela que define a sua lógica. “Esse processo se denomina
negociação porque cada uma das partes pode pressionar a outra” (Garcia, 1998, p. 87). Uma
das formas de pressão mais conhecidas é a greve, mas existem muitas mais.
A razão da consideração da lógica da pressão como essencial ao sistema de
contratação coletiva deriva do entendimento de que a força de trabalho deve ser tratada, pelo
menos, como qualquer outra mercadoria que se compra e vende no mercado. Para que a
negociação coletiva seja possível, é essencial que a força de trabalho, de forma coletiva, por
meio das instituições representativas dos trabalhadores, possa ser tratada como uma
mercadoria no mercado de trabalho. Significa que os sistemas de contratação coletiva são
inviáveis sem o reconhecimento prévio das organizações dos trabalhadores, em particular, dos
sindicatos. Isso envolve todo o processo histórico do surgimento da convicção da existência
de alguns “direitos” dos trabalhadores ou de uma especial “cidadania” ou democracia
industrial e remete à questão das pré-condições da NCT: a liberdade e autonomia sindicais e o
direito de greve.
Esse arranjo social, econômico e político encetado pelo fordismo começou a ter
problemas de harmonia nos três níveis de análise e de esgotamento ou crise no advento da
Terceira Revolução Industrial. Uma série de mudanças contribuiram para converter a
“virtuosidade” originária do fordismo em fonte de deficiências que levariam a perder a
funcionalidade interna do sistema (Ferreira, apud Garcia, 1998). Por exemplo, no campo da
tecnologia de produção, passou-se a observar um estancamento da capacidade produtiva,
desse modo a norma salarial fordist a e a barganha capital-trabalho que regulava o sistema
perdiam a base de sustentação técnico-produtiva, sofrendo pontos de atrito, o que era
evidenciado pela intensidade do conflito trabalhista social, no final da década de 1960, que
195

tinha como pano de fundo a crise fordista. No âmbito do mercado, as mudanças levaram a
uma situação inversa. Este começava a ser regido pela oferta, sendo que a variedade e
qualidade dos produtos era o fator decisivo para a maioria dos consumidores, em momento
em que os mercados davam sinais de saturação. Esta mudança de foco era indicativo de que o
mais importante deixava de ser a produção padronizada, mas a diversidade de produtos, a
qualidade e a adequação aos diferentes gostos ou necessidades dos consumidores. Foi aí que
começou a surgir uma nova tecnologia de produção e de organização do trabalho, o
toyotismo, ou produção enxuta (ou flexível) que começou a se reger por uma lógica contrária
ao fordismo, permitindo uma adequação mais ágil ao novo mercado. 92
Junto com essa mudança estrutural no âmbito da produção começou o processo de
globalização. A abertura dos mercados, a importância do capital financeiro, a interprenetração
patrimonial, a desregulamentação da economia e a criação dos blocos econômicos regionais
de governo começaram a desenhar uma profunda reestruturação capitalista que se intensificou
e se generalizou a partir dos anos 80.
Com a entrada do toyotismo em cena, recolocou-se a questão do conflito capital-
trabalho. No modelo fordista, nos países de capitalismo avançado, a experiência de situação
homogênea dos trabalhadores era favorecida pelas grandes e verticalizadas fábricas, onde o
trabalho repetitivo e parcelado, quase inconsciente, era partilhado por uma grande massa de
trabalhadores que se via e sentia na mesma condição de emprego, enquanto o caráter de
conflituosidade com os operários era percebido como “natural”. Na lógica toyotista, o
aparecimento de maior heterogeneidade das situações de trabalho, a redução do tamanho das
empresas, o “envolvimento” dos tr abalhadores com os objetivos das empresas, a concorrência
entre grupos de trabalhadores no interior das cadeias produtivas e até dentro da mesma
empresa, dentre outros fenômenos, fragmentizaram a percepção de igualdade de situação no
trabalho, de construção de identidades coletivas, de representatividade de interesses
homogêneos entre diferentes grupos de trabalhadores e os colocaram como rivais ou
concorrentes entre si, deslocando o conflito para dentro do recinto assalariado.
Nesse contexto, Garcia (1998, p. 90) argumenta que para se posicionar a favor da
desregulamentação costuma-se argumentar que as flexibilidades produtivas e do trabalho
exigem necessariamente flexibilidade e desregulação das relações de trabalho. Mas é difícil
imaginar uma forma de regulação das relações de trabalho mais flexível do que a negociação

92
A tecnologia de base microelétrica, unida a uma linha de montagem flexível (just-in-time, Kanban), a uma
nova intensificação do trabalho multifuncional, participativo, em equipe e a novos arranjos na relação entre as
196

coletiva. Garcia (idem, p. 91) também diz que as formas predominantes de negociação
coletiva na Europa sofreram algumas modificações em conseqüência da entrada em cena de
fenômenos ligados à reestruturação industrial: tendência predominante à descentralização da
negociação coletiva; derivando-se do menor poder de barganha dos sindicatos com o novo
cenário, surgiram as “negociações de concessões”, pelas quais os representantes dos
trabalhadores se viram na necessidade de conceder a redução salarial e de abrir mão de
cláusulas, direitos e conquistas já estabelecidas e consolidadas; a jornada de trabalho, símbolo
de conquista progressiva operária, sofreu também alterações devido à pressão empresarial,
sendo que diversas formas de flexibilidade apareceram; e no âmbito dos contratos de trabalho,
expuseram-se várias modalidades de contratos “especiais”: contratos temporários, parciais,
atípicos, de menor custo para as empresas e de menor densidade de direitos. Em resumo, as
relações de trabalho no contorno toyotista tendem a aumentar a heterogeneidade das relações
de trabalho, apresentando, juntas e combinadas, diferentes formas de regulação das relações
de trabalho, desde a implantação unilateral autoritária até a introdução negociada, passando
por diversas formas de “envolvimento” individual e coletivo e pela negociação de concessões
(Garcia, 1998).

3.10.6 Repercussões sobre o sindicalismo brasileiro

No caso brasileiro, segundo Antunes (1997), o fordismo e o taylorismo já não são


únicos e mesclam-se com outros processos (neofordismo e neotaylorismo) sendo em alguns
casos até substituídos. Novos processos de trabalho emergem, nos quais o cronômetro e a
produção em série são substituídos pela flexibilização da produção, por novos padrões de
busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado.
Novas modalidades de desconcentração são ensaiadas, buscam-se novos padrões de gestão da
força de trabalho, dos quais os CCQs (círculos de controle de qualidade) são expressão visível
não só no mundo japonês mas em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo
industrializado. O “toyotismo” penetra, mescla -se ou mesmo substitui em várias partes o
padrão taylorismo-for dismo.
Há uma significativa heterogeneização e complexificação da classe que vive do
trabalho, dada pela subproletarização do trabalho, presente nas formas de trabalho precário,
parcial (contrato temporário). Do incremento da força de trabalho que se subproletariza, um

empresas, seria reconhecida como a inflexão que marcaria o início da Terceira Revolução Industrial (Garcia,
1998, p. 88).
197

segmento expressivo é composto de mulheres. Do mesmo modo, tem-se um intenso processo


de terceirização do trabalho a partir da expansão do setor de serviços. Paralelamente à redução
quantitativa do operariado tradicional, dá -se uma alteração qualitativa da forma de ser do
trabalho. Desse modo, o intercâmbio de trabalho vivo por trabalho objetivado, ou seja, o
convertimento o trabalho social sob a forma da antítese entre capital e trabalho, é o último
desenvolvimento da relação de valor da produção fundada no valor. O suposto dessa
produção, diz Antunes (1997, p. 75), “é, e segue sendo, a magnitude de tempo imediato de
trabalho, a quantidade de trabalho empregado como fator decisivo na produção da riqueza”.
Num quadro abrangente e complexo de tantas mudanças, o sindicalismo não poderia
permanecer imune a essas tendências. Dentre as suas principais mudanças, destacam-se a
diminuição das taxas de sindicalização, em países como EUA, França, Itália, Alemanha,
Japão, entre outros. Com o aumento da disparidade entre operários estáveis e precários,
parciais, “reduz-se fortemente o poder dos sindicatos, historicamente vinculados aos
primeiros e incapazes, até o presente, de incorporar os segmentos não estáveis da força de
trabalho” (ibidem, p. 79). Houve, na década de 1980, em vários países do centro, aumento de
casos de corporativismo, xenofobia e racismo, no seio da classe trabalhadora. Tudo isso
permite constatar que o movimento sindical também se encontra dentro de uma crise
acentuada que atingiu com intensidade, nos anos de 1980, o sindicalismo nos países
avançados e que, no final desta década e início da década de 1990, atingiu diretamente os
países subordinados, do Terceiro Mundo, especialmente aqueles dotados de um parque
produtivo relevante, como é o caso do Brasil (Antunes, ibidem).

3.10.7 Toyotismo e reestruturação produtiva

Ao surgir como o “momento predominante” do complexo da reestruturação sob a


mundialização do capital, o toyotismo passou a incorporar uma “nova significação” para além
das particularidades de sua origem sócio-histórico (e cultural), vinculado com o capitalismo
japonês. Devido a isso, Alves (2000, p. 30) ao utilizar o conceito de toyotismo lhe dá uma
significação particular, delimitando alguns de seus aspectos essenciais (protocolos
organizacionais [e institucionais]), voltados para realizar uma nova captura da subjetividade
operária pela lógica do capital – capazes de esclarecer seu verdadeiro significado nas novas
condições da mundialização do capital. Para o referido autor, o potencial heurístico do
conceito de toyotismo é limitado à compreensão do surgimento de uma nova lógica de
produção de mercadorias, novos princípios de administração da produção capitalista, de
198

gestão da força de trabalho, cujo valor universal é const ituir uma nova hegemonia do capital
na produção, por meio da captura da subjetividade operária pela lógica do capital. O
toyotismo é visto como um estágio superior de racionalização do trabalho que não rompe, a
rigor, com a lógica taylorismo-fordismo, é por isso que em alguns setores é chamado de
“neofordismo” ou “neotaylorismo”. Entretanto, no campo da gestão da força de trabalho, ele é
visto como um salto qualitativo na captura da subjetividade operária pela lógica do capital, o
que o distingue, pelo menos no plano da consciência de classe, do taylorismo-fordismo.
O toyotismo é considerado por Alves (2000) como a mais radical experiência de
organização social da produção de mercadorias, sob a era da mundialização do capital. Era
adequado às necessidades da acumulação do capital na época da crise de superprodução e
ajustava -se à nova base técnica da produção capitalista, sendo capaz de desenvolver suas
plenas potencialidades de flexibilidade e de manipulação da subjetividade operária.
Os princípios organizacionais do toyotismo, no decorrer dos anos de 1980, foram
adotados por várias corporações transnacionais, nos EUA, Europa, Ásia e América Latina,
principalmente no setor industrial, mas até nos serviços encontraram aplicação. O aspecto
original do toyotismo era articular a continuidade da racionalização do trabalho, intrínseca ao
taylorismo e fordismo, com as novas necessidades de acumulação capitalista. Mas, por traz da
intensificação do ritmo de trabalho que existe no toyotismo, em virtude da “maximização da
taxa de ocupação das ferramentas e dos homens” (Coriat, apud Alves, 2000, p. 35), persiste
uma nova receptividade do trabalho. Realiza uma ampliação do ciclo do trabalho em virtude
da “desespecialização”. Só que ampliar o ciclo do trabalho não significa desenvolver o
processo de “requalificação” do trabalho. A “desespecialização” - ou polivalência operária –
não significa que eles tenham se convertido em operários qualificados, mas representa “o
extremo da desqualificação, ou seja, seus trabalhos foram despojados de qualquer conteúdo
concreto” (Aglietta, apud Alves, ibidem). Tal como o taylorismo e o fordismo, o objetivo
supremo do toyotismo – ou da “produção enxuta”- continua sendo incrementar a acumulação
do capital por meio do incremento da produtividade do trabalho.
A constituição do toyotismo tornou-se adequada à nova base técnica da produção
capitalista porque é ele que irá propiciar com maior poder ideológico, no campo
organizacional, os apelos à administração participativa, salientando o sindicalismo de
participação e os CCQs; reconstituindo, para isso, a linha de montagem e instaurando uma
nova forma de gestão da força de trabalho. Silva (1997), citado por Coriat (apud Alves, 2000,
p. 37), observa que a perfeição da gerência toyotista dos recursos humanos, quanto ao
controle da força de trabalho, é tamanha que a campanha reivindicativa dos operários da
199

Toyota, no Japão, em 1954, teve como palavra de ordem: “proteger nossa empresa para
defender a vida”. Desse modo, uma característica central do toyotismo é a vigência da
“manipulação” do consentimento operário, objetivada em um conjunto de inovações
organizacionais, institucionais e relacionais no complexo de produção de mercadorias, que
permitem superar os limites postos pelo taylorismo-fordismo.
Nessa perspectiva, o valor universal do toyotismo como “momento predominante” do
complexo de reestruturação produtiva – e como ofensiva do capital na produção – é instaurar
uma nova hegemonia do capital, no plano da produção de mercadorias, articulando, de modo
original, coerção capitalista e consentimento operário.
O toyotismo não possui a pretensão de instaurar uma sociedade “racionalizada”, mas
apenas uma “fábrica racionalizada”. Os protocolos organizacionais do toyotismo, que
inscrevem a nova via de racionalização do trabalho, são a autonomia/auto-avaliação, just-in-
time/kanban e a polivalência operária. Eles compõem os nexos contingentes do toyotismo ,93
que instauram uma “flexibilidade interna”, constituída no coletivo de trabalho, no espaço (e
na cadeia) de produção, capazes de contribuir para os ganhos de produtividade buscados pela
nova gestão da produção. Alves (2000, p. 41), citando Mészáros (1995), diz que a sociologia
do trabalho tende, no entanto, a desprezar os nexos essenciais do toyotismo (a nova captura da
subjetividade operária, o novo estranhamento, indispensável para o desenvolvimento da
“produção destrutiva” do capital nas condições da mundialização).
De acordo com Coriat (apud Alves, 2000, p. 42), “a flexibilidade 94 (...) é pensada e
cons truída como alavanca e fator-chave determinante da produtividade”. É por isso que o
toyotismo surge como a expressão maior da acumulação flexível no complexo de
reestruturação produtiva.

93
Objetos de análises concretas da sociologia do trabalho, como as realizadas por Coriat, refere Alves (2000, p.
41), único sociólogo que conseguiu apreender a fenomenologia do toyotismo, apesar de existir uma série de
análises sociológicas fragmentárias sob os vários aspectos do denominado “modelo japonês”, feit as por Wood,
Humphrey, Zarifian, Hirata, Freyssenet, Kaplinsky, e outros.
94
O termo flexibilidade, freqüentemente usado numa acepção genérica, pode indicar diferentes características
tanto das máquinas quanto da utilização da mão-de-obra. Tem sido usado também para fazer referência a um
paradigma que continha uma alternativa macroeconômica à produção em massa, conforme sugeriram Piero e
Sabel (1984). O debate sobre a flexibilidade insere-se na teoria do processo de trabalho, referindo-se a diferentes
aspect os da atividade econômica (Wood, 1989, e Humphrey, 1989). Entre as diversas formas de flexibilidade
incluem-se: flexibilidade da produção, flexibilidade das práticas de emprego, flexibilidade dos postos e relações
entre empresas. O balanço crítico a que foi submetido esse debate durante a década de 1980 levou à ênfase atual
200

3.10.8 Flexibilização e terceirização

A flexibilização das forma s de contratação constitui um segundo elemento do processo


dissociativo atual entre os trabalhadores (o primeiro elemento seria a rotatividade no
emprego). Segundo Cruz (2000, p. 124), não foi apenas o desemprego o responsável pela
crise do discurso do novo sindicalismo, tampouco as condições da materialidade econômica,
embora seja forçoso admitir que a perda de capacidade de ação política dos trabalhadores
apresentou um componente psicossocial elevado, e que a possibilidade da perda do posto de
trabalho, numa economia altamente instável como a do início da década de 1990, com
elevação progressiva das taxas de desemprego, foi um elemento importante no momento do
trabalhador decidir se se filia ou não ao sindicato. Entretanto a rotatividade no emprego
exerce o mesmo papel dissociador do movimento dos trabalhadores que tem se caracterizado
como regra entre os trabalhadores brasileiros.
Os pesquisadores da sociologia do trabalho, conforme Cruz (2000, p. 133), aos poucos
foram percebendo o complexo que unia (1) pressões de mercado, (2) necessidade de
flexibilidade da produção, (3) flexibilização da maquinaria, (4) flexibilização das formas de
contratação e (5) flexibilização do trabalho abstrato.
Na colocação de Cruz (2000, p. 134), o caso da Toyota japonesa e do tratamento de
problemas administrativos dado por seu engenheiro-chefe Taiichi Ohno na década de 1950
ainda serve como paradigma, ou seja, tudo deriva do fato de Ohno, longe de se contentar em
imitar e aplicar Taylor e as recomendações da escola americana , preferiu cedo o
enfrentamento de uma nova questão: “o que fazer para aumentar a produtividade, quando as
quantidades (relação ao tamanho dos lotes produzidos para o mercado e a capacidade das
máquinas, por exemplo) não aumentam?” Ohno tirou-a da “flexibilidade interna” construída
no interior dos coletivos de trabalho (des-especialização), bem como nos espaços de produção
(liberalização), assim, “a produtividade será buscada e obtida pela mobilização dos recursos
da própria flexibilidade”. Permitindo (pela aplicação do impulso do método just-in-time) a
adaptação quase instantânea a demandas variadas e diferenciadas, bem como o ajuste rápido
dos efetivos às variações de quantidade, a “flexibilidade, em vez de ‘se opor’ à coerção da
produtividade, é ao contrário pensada e construída como alavanca e fator determinante chave
da produtividade” (Coriat in Hirata, 1993). 95

na necessidade de definir com mais rigor esses conceitos e de superar uma concepção que opõe flexibilidade, de
um lado, e o fordismo, de outro (Mangabeira, 1993, p. 24 -25).
95
Apud Cruz (2000, p. 134).
201

Para ilustrar como a flexibilização (das formas de contratação) atua no processo


dissociativo atual entre os trabalhadores, é apresentado o seguinte exemplo:

...quando um trabalhador é demitido, mas contratado para prestação de


serviços pela mesma empresa que o demitiu, para realizar as mesmas tarefas
e funções – qualitativamente – que exercia na firma, mas agora na condição
jurídica de “autônomo” ou “micro-empresário”, com um contrato por
empreitada que objetivamente lhe exigirá para o cumprimento da tarefa uma
jornada maior que aquela que realizava na empresa, tendo que arcar com
todos os custos e riscos sociais (contratação de seguro para riscos de
trabalho, pagamento de encargos sociais próprios, etc.), e algumas vezes,
inclusive, recebendo uma remuneração menor que seu antigo salário, ele
deixa de ser um “trabalhador”? Ora, a alteração da relação jurídica entre
trabalhadores/produtores e empresas deságua, mais uma vez, na hiper -
competição pela sobrevivência na base dos extratos sociais. Originalmente, a
terceirização surgiu como uma “saída “inteligente” (do ponto de vista
administrativo) do modelo toyotista de fabricação de automóveis, cujo
idealizador – Taiichi Ohno – reinterpretou o velho modelo norte-americano
de aguçamento da concorrência na base dos fornecedores. O modelo
toyotista funcionou a partir de uma parceria verticalizada entre a montadora
e seus fornecerores, através de um esquema de trocas de idéias e sugestões
para a melhoria da produção (Cruz, 2000, p. 126).

O referido autor permite compreender o porquê da ampla divulgação da terceirização


de produtos e/ou serviços. Não há nesse processo qualquer “economia de trocas”, como
querem fazer valer os ideólogos da flexibilização do trabalho, ou seja, os clientes dos
trabalhadores -firmas terceirizados não compram produtos produzidos por seus
“fornecedores”, mas sim encomendam tarefas, cuja realização depende, na maioria das vezes,
do fornecimento de componentes, especificações, ferramentas e até mesmo de financiamento
das empresas-mães. Daí o esclarecimento de Faria (1994, citado por Cruz (2000, p. 129):

A terceirização é a primeira fase de um estágio hiperavançado do novo modo


de produção capitalista. Nele o fabricante tradicional abandona suas linhas
industriais próprias em benefício de fornecedores mais preparados em
termos de custos.
No Brasil há duas modalidades de terceirização. Uma vem dos países
industrializados e integra uma estratégia relacional. Objetiva alcançar tanto
elementos de produtividade quanto condições novas de competitividade. É a
imposição das tecnologias gerenciais de qualidade”. (...).
Uma outra modalidade mais geral e bem mais ao gosto do atraso empresarial
brasileiro tem embutida uma estratégia de confronto, de enfrentamento e
consiste em apenas reduzir custos (...). Impera a desconfiança generalizada –
desconfia-se dos empregados, dos fornecedores, do mercado (...). Objetiva-
se obter lucros no curto prazo – a redução de custos faz-se com a redução da
mão-de-obra.
202

Em síntese, a terceirização é apenas uma das variadas modalidades de


redimensionamento dos valores absolutos de extração da mais -valia, enquanto a
subcontratação é uma espécie de variante da terceir ização, pois dela deriva, também, um
processo de redução de custos através de um emprego mais intensivo da mão-de-obra
contratada.
A flexibilidade do gerenciamento da mão-de-obra permite às grandes empresas um
aumento fantástico da produtividade, principalmente pela ampliação objetiva de extração da
mais -valia absoluta (garantida pela redução de custos sociais e aumento da jornada informal),
bem como por via do subsídio tecnológico indispensável ao funcionamento do serviço de
“fornecimento”, do aumento de extração da mais-valia relativa. E isso passa desde a limpeza
do local de trabalho, pelas mais diversas assessorias (contábil, financeira, marketing,
administração de recursos humanos, de compras, de distribuição), até pela compensação de
cheques no caso dos bancos, de manutenção de máquinas em empresas de informática,
fabricação de componentes para indústria eletrônica, produção do vestuário para empresas de
“marcas” reconhecidas no mercado, produzindo o enxugamento da força-de-trabalho nas
grandes empresas, particularmente, e maior ganho para o capital.
A forma mais comum de subcontratação é o emprego temporário. De modo geral, a
sobrevivência dos empregados temporários está associada à realização de formas variadas de
“trabalho informal”, relacionadas basicamente ao desenvolvimento de atividades produtivas
aparentemente desvinculadas do mercado formalmente regulado, mas que constituem
igualmente a terceirização e a subcontratação, formas alternativas de acumulação de capital,
pelas grandes firmas, às custas da apropriação de sobrevalia produzida na base da pirâmide
produtiva. No Brasil da década de 1990, o crescimento econômico não significou crescimento
do mercado de trabalho formal; significou, isso sim, uma ampliação do trabalho informal,
representado pelo aumento dos trabalhadores “sem carteira” e “por conta própria”.
A esses elementos dissociadores/fragmentadores do mundo do trabalho, junta-se a
introdução crescente do uso de máquinas-ferramentas automatizadas na indústria que
permitem a utilização de formas de controle informacional no trabalho. A utilização de
controladores numéricos na produção industrial, aperfeiçoada e ampliada com a introdução de
softwares específicos para cada tipo de produção, adaptados a máquinas-ferramentas agora de
“controle alfa-numérico”, permitem hoje adaptar rapidamente o ritmo, o tipo e a forma de
produção por simples comandos computadorizados. O efeito de conjunto de tudo isso é a
fragmentação da classe trabalhadora – tanto pela diferença e distanciamento entre os
trabalhadores “qualificados” e os “desqualificados”, sendo que estes últimos, a qualquer
203

momento, podem vir a fazer parte da larga faixa dos desempregados ou subcontratados,
quanto pelo aumento sem parâmetro histórico na competitividade entre os próprios
trabalhadores, o que constitui um dos princípios da nova gestão de mão-de-obra.
O resultado de todo esse processo é o aprofundamento da pobreza diante de um
modelo socialmente excludente. O discurso sindical refletiu e refratou essas novas condições
de desenvolvimento do capitalismo tanto que, orientado por uma visão de totalidade do social,
o discurso fundador do novo sindicalismo inflexionou-se largamente diante das
transformações sociais que se operaram na vida nas décadas de 1980 e de 1990.
Na análise da fragmentação do trabalho, surgem questões tais como se os salários não
se deterioraram com a introdução da automação, do toyotismo e da terceirização, como, então,
a desigualdade aumenta? Como vencer o desemprego, se o trabalho informal não aumenta e
as peque nas empresas não resistem à oligopolização, se não estiverem a ela associada?
Algumas conclusões, nesse sentido, são orientadoras de que os arranjos de empregos flexíveis
pode, às vezes, ser benéfica para a empresa e o empregado. Porém os efeitos agregados ,
quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a
segurança no emprego, de modo algum são positivos do ponto de vista da população
trabalhadora como um todo (Harvey, apud Cruz, 2000, p. 146). Mas em um país
subdesenvolvido em termos de industrialização, como o Brasil, os efeitos combinados dessa
malha de exclusão social são muito mais perversos que no chamado Primeiro Mundo. E por
isso a incapacidade de um agente social, como o sindicalismo, que, ao longo de mais de uma
década, representou um sopro de contrariedade à estrutura histórica da dominação, agora se
encontrar diante de impasses e desafios.

3.10.9 Impasses, avanços, limites e desafios do sindicalismo

Ricardo Antunes (1991) e Armando Boito Jr. (1991), ana lisando o recente percurso do
sindicalismo brasileiro, revelam a dimensão dos impasses acumulados pelo movimento
sindical.
Impasses do movimento sindical – Para Antunes (1991), a partir de meados dos anos
oitenta, se colocou para o movimento sindical a necessidade de uma mudança qualitativa. Ele
entende que o caráter de resistência da luta sindical sempre continuará exitindo porque a
super-exploração do trabalho é um traço do capitalismo. A partir de 1987 ou 1988, o
movimento sindical brasileiro viu-se dia nte de impasses decisivos. Daí em diante, não foi
204

mais possível para a CUT, enquanto uma central formada no movimento sindical de esquerda,
atuar somente no âmbito de uma luta defensiva.
Nesse período, começou a se gestar um sindicalismo de resultados, o qual depois veio
a constituir a força sindical que começou a acentuar uma dimensão política e ideológica no
âmbito da luta sindical. Uma nova direita no movimento sindical aderia pela primeira vez de
forma consistente à defesa ideológica do capitalismo.
Por essa época, ganhava força dentro da CUT a noção de que a saída desse impasse
seria alcançada à medida em que ela abraçasse uma concepção sindical que hoje predomina
no capitalismo avançado, especialmente na Europa Ocidental. Um sindicalismo voltado para a
participação, para a negociação com a ordem dominante, procurando conquistar melhorias
para os trabalhadores no limite dessa ordem. Antunes (1991) questiona, no entanto, se é
possível dar o salto de qualidade necessário a partir de uma concepção que pr ioriza a
negociação com a ordem, ou se é possível e necessário este movimento sindical atuar na
direção de uma negociação contra a ordem? O impasse do sindicalismo brasileiro está no fato
de que ele não conseguiu enfrentar esta questão decisiva. A luta reivindicativa deve se ligar a
um projeto econômico para o Brasil, tendo como eixo as classes trabalhadoras. E é inevitável
que este projeto econômico alternativo, embora voltado para pensar o aqui e agora, tenha
nítidos elementos de confronto a valores, a pa drões capitalistas que dominam no Brasil.
Entende este autor que, ao contrário do que se apregoa no mundo capitalista avançado,
que se vive o fim das ideologias, o impasse do movimento operário e sindical brasileiro é um
impasse no plano político e ideoló gico. Ele está aquém do que um movimento sindical de
esquerda deveria ser. Quem ganha nesse quadro é a direita sindical que nesse vazio aberto tem
negociado dentro da ordem.
Há um impasse que faz com que a luta sindical seja centralmente defensiva. Uma
característica que fica mais reforçada se se acrescentar a este quadro uma taxa de crescimento
brutal do desemprego, como vem ocorrendo nos últimos anos.
Para Boito Jr. (1991a), a realização de um balanço dos anos oitenta requer: de um
lado, destacar o fortalecimento do movimento sindical ao longo desses anos e, de outro,
enfatizar as suas potencialidades. Isso reafirma o cuidado que o sindicalismo deve hoje ter, ou
seja, o de, ao mesmo tempo, não cair na avaliação baluartista que consistiria em não ver as
suas fraquezas.
Houve, em primeiro lugar, uma grande expansão do movimento sindical: expandiu-se
geograficamente pelo país e incorporou novos setores sociais. Os níveis de atividades
grevistas também contrastam fortemente com o período anterior a 1964. Mas, ao longo dos
205

anos oitenta, prevaleceu duas características muito marcantes. Em primeiro lugar, entre os
países mais populosos do globo, o Brasil estaria entre aqueles dois ou três de maior incidência
de greves. Em segundo lugar, surgiram com relativa freqüência greves de confronto, seja com
o Poder Judiciário ou seja com o patronato, através de manifestações massivas, ocupações de
fábricas e grandes confrontos como ocorreu em São Bernardo, Volta Redonda e Itaipu. Outra
observação é de que, se no pré-1964 o movimento sindical contava com uma certa
complacência do governo populista, que tinha uma política reformista superficial,
contemporaneamente este movimento sindical mantém um nível altíssimo de atividade
grevista, confrontando-se, permanentemente, com o poder organizado dos monopólios,
inclusive no período ditatorial.
Destacado este fortalecimento, expansão e potencialidade do movimento sindical,
Boito Jr. (1991a) indica alguns problemas. O movimento sindical teve força suficiente para
tornar irreversível a crise da ditadura militar. Porém, ele não serviu para se organizar
politicamente e acumular forças o quanto poderia ter sido acumulado. É verdade que nasceu a
CUT, e o movimento sindical teve muito a ver com o nascimento do PT. No entanto, algumas
debilidades de fundo persistem, como o baixo índice de sindicalização que ainda se registra
hoje no Brasil.
Quando foi iniciado o ciclo grevista de 1978, segundo pesquisa do IBGE, havia 23%
da força de trabalho sindicalizada no país. Depois de dez anos, mais de 500 milhões de
jornadas de trabalho não trabalhadas por motivo de greve, em 1988, este índice de
sindicalização havia permanecido estável. Tinha passado, também de acordo com as
indicações do IBGE, para 24%. Esses índices nos dois casos são irreais. Na verdade, pode-se
dividi-los por dois como mostram pesquisas e outras fontes. Baixo índice de sindicalização e
dificuldades de massificação da organização de base sindical. Todos se recordam das
expectativas que se criaram em torno das comissões de fábrica, da organização nos locais de
trabalho na conjuntura de 1978/1980, e não eram expectativas infundadas. Havia condições
objetivas e um mínimo de condições subjetivas para o sindicalismo brasileiro desenvolver-se
num ponto em que ele sempre foi muito frágil : o enraizamento no local de trabalho. No
entanto, passada uma década, o balanço era negativo em relação a essas expectativas.
Organizaram-se comissões de fábrica importantes, mas essa organização não se difundiu e
não se tornou uma regra (ibidem).
A idéia de Antunes (1991) sobre os impasses do sindicalismo brasileiro no limiar da
década de 1990 é que o sindicalismo no Brasil caminhou na década de 1980, na
contracorrente do que aconteceu no sindicalismo europeu. Naqueles países houve, em geral,
206

queda nas taxas de sindicalização, política sindical defensiva, desestruturação aguda dos
partidos da esquerda tradicional. E lembra que na Europa houve uma metamorfose do mundo
do trabalho, as políticas de flexibilização da produção, tentativas de alteração do fordismo e
do taylorismo, a desconcentração das unidades produtivas, de desregulamentação do trabalho,
tudo isso desnorteou o sindicalismo europeu que abandonou aquela sua política de
sindicalismo de classe das décadas de 1950, 1960 e 1970, e aderiu ao sindicalismo de
participação. No caso brasileiro, na década de 1980, essa tendência não se deu: houve um
intenso movimento grevista, uma enorme explosão dos assalariados médios, o renascimento
das centrais sindicais e o nascimento da CUT.
A aceitação de negociar dentro da ordem – sindicalismo de participação – foi visto, à
época, como uma das possibilidades do sindicalismo brasileiro na década de 1990 (Antunes,
1991). Entretanto, foi percebida como trágica para o caso brasileiro, já que era problemática
na Europa , onde havia um melhor padrão de vida da classe trabalhadora, e, em conseqüência,
em países como o Brasil, onde dominavam políticas econômicas recessivas, os resultados se
apresentavam como terríveis.
No início da década de 1990, o movimento sindical brasileiro já começava a enfrentar
uma relativa perda de dinamismo depois de haver atravessado um período de crescimento sem
precedente nas lutas sociais do país. Os sinais de cansaço do novo sindicalismo eram
evidentes desde os finais da década de 1980, que até então vinha demonstrando uma enorme
capacidade de mobilização e um grande sucesso em forjar um novo projeto político e
organizativo da classe trabalhadora, traduzido no surgimento da CUT (Oliveira, 1998).
O novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise prolongada e aguda, que
estimulou a ação sindical e restringiu os seus resultados. Todavia, se o novo sindicalismo se
diferenciava das práticas sindicais do passado, pela juventude de seus quadros, presença
marcante nos setores mais modernos da economia e grande disposição de luta, ele também
não deixava de ser uma manifestação tardia. Sua existência só foi possível graças às
transformações econômicas e sociais que tiveram lugar a partir da segunda metade do século
XX e que foram responsáveis pelo aparecimento de uma classe trabalhadora, numerosa e
diversificada, cuja trajetória política fora refreada pelo golpe de 1964.
O contexto de crise e transição, no entanto, não só criou as condições para o
ressurgimento dos trabalhadores na cena política, como também propiciou que estes
passassem a desempenhar um papel central no processo de redemocratização. A mobilização
sindical favorecida pela conjuntura da década de 1980, período que conjugou altas taxas de
inflação e níveis relativos baixos de desemprego, levou a sobrevalorização das novas práticas
207

sindicais e ao obscurecimento da expansão do ciclo da atividade sindical, cujos limites


tornaram-se mais evidentes depois do esgotamento do modelo de substituição das
importações.
Assim como era forte a tendência de rompimento com o modelo sindical
corporativista, a reorganização dos trabalhadores ocorreu por dentro da estrutura sindical
oficial, porque era o único instrumento legal disponível num contexto de exceção e pela
importância da máquina sindical na arregimentação dos trabalhadores e, ainda, pelo fato de o
sindicato ser o espaço efetivo de representação dos interesses dos trabalhadores. E ainda que
tenha ocorrido uma ruptura parcial com o corporativismo, também aí havia uma linha clara de
continuida de com as práticas sindicais do passado. Esses problemas, de certa forma presentes
desde a origem do novo sindicalismo, começaram a se tornar visíveis no final da década de
1980, evidenciando os avanços e os limites do novo sindicalismo e os impasses políticos e
organizativo que tenderiam a prevalecer durante a década de 1990.
Avanços e limites do movimento sindical – Os avanços e os limites do movimento
sindical evidenciados ao final da década de 1980 revelaram quatro aspectos: O primeiro foi a
mudança no cenário político. Com a vitória de Fernando Collor, nas eleições presidenciais de
1989, o processo de transição teve um desfecho conservador. O fim da transição coincidiu
também com o agravamento da crise econômica e social que se arrastava por mais de uma
década e que começaria a ser equacionada com base em uma agenda neoliberal. Portanto, se
no passado os sindicatos sustentavam suas demandas numa agenda negativa, que se confundia
com o programa da frente de oposição ao regime militar, a partir de então alterava -se o
contexto das lutas sociais e começava a se impor a necessidade de uma agenda positiva. Nesse
sentido, Oliveira (1998, p. 25) anota:

A urgência de um projeto alternativo para combater a ofensiva


neoliberal era porém contratada por uma série de problemas, tais como a
crise dos paradigmas clássicos que historicamente tinham pautado a atuação
dos setores progressistas, as dificuldades dos partidos de esquerda para
formular respostas globais à crise que servissem de referência à ação sindical
e os primeiros sinais de fragilidade política e organizativa do movimento
sindical. A conjugação de fatores tão adversos, numa conjuntura mais
adversa ainda, fez com que os observadores mais atentos vislumbrassem um
cenário de grandes dificuldades para os sindicatos, no qual tenderiam a
prevalecer as estratégias defensivas.

O segundo aspecto dizia respeito ao papel das greves e mobilizações sindicais. Até
aquele momento, elas tinham sido muito mais do que um instrumento de pressão no âmbito
das relações de tra balho, representando a principal forma de luta dos trabalhadores e se
208

confundindo com o esforço de mobilização social pela redemocratização do país. A greve


também tinha desempenhado um papel estratégico na reorganização sindical e integrava o
imaginário social como um símbolo de coragem e disposição de luta dos trabalhadores.
Porém, no início da década de 1990, já se evidenciavam os sinais de declínio do movimento
grevista.

Não só começou a cair o número de greves e grevistas, como também


a “explosão grevista” passou a ser confrontada com os seus resultados
materiais. As próprias bases sindicais já não demonstravam a mesma
sensibilidade aos apelos de suas lideranças em favor das paralisações e a
população já começava a se cansar com a interferência das greves no seu
dia-a-dia. Ainda que tivessem perdido o seu “caráter de excepcionalidade”,
parecia difícil imaginar que as greves tornar-se-iam um “instrumento normal
dos conflitos do trabalho” (Noronha, 1994) e o que se podia prever, no novo
cenário político que se desenhava, era uma queda ainda mais expressiva nos
indicadores de greve sem que isso representasse o fim da exacerbação dos
conflitos trabalhistas (Oliveira, 1998, p. 25).

O terceiro aspecto importante dizia respeito aos problemas organizativos do novo


sindicalismo, expressos, sobretudo, na trajetória da CUT. A revitalização da estrutura sindical
oficial pesou decisivamente na reorganização do movimento sindical.

A Força Sindical, criada no início de 1991, surge como um projeto


político e ideológico claro, bem definido, de consolidar entre a classe
operária e os trabalhadores em geral o Sindicalismo de Resultados, enquanto
expressão sindical do neoliberalismo. Diferenciando-se em sua prática do
peleguismo tradicional, defende ideológica e politicamente o capitalismo e
politiza o movimento, reforçando a ótica burguesa de que, ao trabalhador,
cabe reivindicar apenas vantagens de caráter econômico – melhores salários
e condições de vida.
(...)
Como expressão do sindicalismo de conciliação de classes, dentro da
ordem burguesa, a Força Sindical, em decorrência de suas posições, entra em
contradição frontal com os interesses das classes exploradas, o que é
acentuado pelo fato de que a burguesia, (...), não demonstra nenhum
interesse em atender mínimas reivindicações dos trabalhadores. Essa é uma
característica própria do capitalismo dependente, concentrador de riquezas e
que não permite nenhum resultado aos trabalhadores (Costa, 1995, p. 240).

Essa revitalização, traduzida no reencontro dos sindicatos com suas bases e no resgate
de seu papel como instrumento de representação coletiva, foi acompanhada pelo surgimento
de novos sindicatos, pelo aumento na taxa de sindicalização, pela livre organização dos
servidores públicos, pelo aparecimento de um sindicalismo de alcance nacional e pela criação
das centrais sindicais.
209

Esse avanço do movimento sindical no plano organizativo não escondia alguns


problemas que prometiam se intensificar depois dos arranjos institucionais promovidos pela
Constituição de 1988: a tendência à fragmentação e pulverização sindical, com o surgimento
de sindicatos frágeis e pouco representativos; a debilidade da organização nos locais de
trabalho, com o predomínio de sindicatos de “porta de fábrica”; o predomínio de formas
plebiscitária s de controle dos organismos de cúpula pelas bases; e a dualidade refletida na
existência de estruturas horizontais de cúpula regidas pelos princípios da autonomia, mas
alicerçadas em sindicatos oficias de bases. Problemas dessa ordem evidenciavam o grau de
acomodação do novo sindicalismo ao modelo sindical corporativo.
O quarto aspecto a merecer destaque foi a tendência geral das negociações coletivas.
Ao longo de mais de uma década, a prática de todo o movimento sindical teve um caráter
reativo. Sob o tom mais ou menos inflamado das lutas sindicais, prevaleceu uma ação de
cunho defensivo, voltada à reposição das perdas salariais, à garantia do emprego nas
conjunturas recessivas, ou à ampliação de direitos políticos e sociais. Essa ação foi
comandada pelos sindicatos mais fortes, que muitas vezes conseguiram irradiar suas
conquistas para os setores mais frágeis, como no caso da redução da jornada de trabalho para
44 horas, obtida pelos trabalhadores metalúrgicos e que acabou consagrada pela nova Carta
Magna.
Embora isso, a grande capacidade de pressão e negociação não trouxe mudanças
substanciais quanto à participação dos salários na renda nacional, ainda que tenha impedido
que perdas maiores se evidenciassem. Apesar também do restabelecimento da negociaçã o
coletiva, não houve a institucionalização das novas práticas por meio da adoção de novos
instrumentos de negociação coletiva, predominando a “cultura do dissídio”. Também a
influência dos trabalhadores nas reformas políticas e sociais e sua presença no cenário
nacional, foi mais modesta do que se poderia esperar. De qualquer forma, as conquistas
sociais inscritas na Constituição e os avanços da negociação coletiva, logo seriam
confrontados com as metas de desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho.
Na década de 1990, as mudanças que se efetuaram na economia afetaram ainda mais o
mercado de trabalho, “provocando a perda de mais de 1 milhão de empregos na indústria, com
impacto direto sobre quase todas as categorias profissionais mais bem organizadas” (Oliveira,
1998, p. 26). O problema do emprego passou, assim, a ocupar o lugar até então reservado à
questão salarial. E o que se observa no final da década é uma inflexão na agenda sindical, com
a questão salarial cedendo lugar à questão de emprego, cuja importância vem crescendo na
mesma medida do aumento dos índices de desemprego. Ao lado disso, ganharam mais espaço
210

temas como a participação nos lucros e resultados da empresa, a flexibilização da jornada de


trabalho, a redução de benefícios s ociais, a formação profissional, atingindo as mudanças, em
princípio, as categorias mais importantes, como metalúrgicos, bancários, químicos, entre
outros.
A área de incidência desses temas é a empresa, em que a organização sindical sempre
foi débil. Embora isso, constata-se que as negociações continuam a depender da configuração
de cada setor, do grau prévio de organização dos trabalhadores e das práticas de negociação
preexistentes.
A reforma da legislação trabalhista é outro tema de relevância. Se até o final da década
de 1990 pouco se avançou nesse sentido, a primeira década do século XXI promete muitas
negociações. Mesmo assim, houve uma mudança no debate sobre a reforma do sistema
corporativo de relações de trabalho em proveito da desregulamentação dos direitos sociais e
da flexibilização das relações de trabalho. Essas teses são favorecidas por iniciativas pontuais,
como o projeto de lei sobre Contrato Temporário, com um claro sentido desregulamentador.
Neste âmbito, o que está em pauta é alterar a legislação sobre direitos individuais ou
reduzir a proteção social ao que seja politicamente possível, mantendo ou ampliando a
legislação trabalhista coletiva para restringir a ação sindical, a negociação coletiva e o direito
de greve. Assim, enquanto cresce a pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de
intervenção do Estado no âmbito do direito individual do trabalho, aumenta também, mas em
sentido contrário, a pressão pela restrição do poder sindical.
Dedecca (2000) adverte sobre o crescimento no Brasil da pressão por mudanças no
sistema nacional de relações de trabalho, seguindo tendências internacionais. Ele entende que
isso significa perda ainda maior de direitos para os trabalhadores, pois o que é chamado de
socialização das relações de trabalho, trata -se de um processo que reduziu o caráter privativo
das relações de trabalho, ou seja, que minimizou o espaço de construção destas relações no
interior das empresas. Cada vez mais as relações de trabalho foram sendo determinadas no
espaço socia l pelas negociações coletivas e pelo Estado.
Os contratos e acordos de trabalho estão se moldando às características específicas de
cada uma das empresas. Essa é a tendência das relações de trabalho no cenário internacional.
Na grande maioria dos países, amplia-se a importância dos contratos e acordos coletivos
realizados nas empresas. O maior poder da empresa sobre os sindicatos e sobre o mercado de
trabalho ocorre graças ao baixo crescimento econômico e ao aumento do desemprego.
Atualmente, “o trabalhador que consegue manter o posto está, de maneira permanente,
com o revólver do desemprego na cabeça” (Dedecca, idem, p. 5). Observa também o referido
211

autor que as empresas, face à ameaça constante do desemprego, têm um poder imenso de
pressão sobre os traba lhadores. E estes pressionam também os sindicatos para que, cada vez
mais, firmem acordos no âmbito das empresas, rompendo com o padrão de organização
setorial e nacional que prevalecia anteriormente.
A experiência brasileira consiste em um sistema de relações de trabalho frágil porque
no momento em que se poderia ter montado um controle sindical mais efetivo sobre o uso do
trabalho, essa ação política foi coibida (década de 1960), além disso, as relações de trabalho
no Brasil foram definidas por uma legis lação que remonta à década de 1940. Nos anos de
1980, viveu-se uma situação de impasse:

Ao mesmo tempo em que se avança na questão política, há pouco avanço na


regulação formal das relações de trabalho. As reformas estruturais que
ocorrem no mundo do trabalho estão inscritas na Constituição de 88, que
amarra questões novas a questões antigas, não resolvidas.
E, mais do que isso, um ano depois de promulgada a Constituição, tivemos a
primeira eleição presidencial do País, após um período militar. Nesse
momento, definimos os acúmulos da reorganização da sociedade brasileira
nos anos 90. É uma eleição que definiu o rumo de enquadramento do Brasil
às tendências internacionais. É um enquadramento a uma economia mais
aberta, mais financeirizada e que não prioriza o emprego e as questões
sociais.
O emprego industrial no Brasil, em 1998, era de 50% do emprego industrial
de 1989. Os salários, em 1998, eram 30% menores do que os salários de
1989. A participação da massa salarial no produto industrial estava 23%
abaixo do que era em 1989.
Isso é, em dez anos, existe um claro empobrecimento dos trabalhadores em
termos de emprego, de salário, de participação dos salários no produto
nacional. (...) É nessa conjuntura que devemos discutir a mudança do padrão
de relações de trabalho no Brasil. (Dedecca, ibidem).

Em um cenário adverso como esse, não são poucas as dificuldades enfrentadas pelo
movimento sindical, que tem buscado promover negociações por empresas que
complementem as convenções coletivas. Entretanto, conforme já asseverava Mendonça, em
1997, “a base material da economia e do mercado de trabalho (...) pressiona em outra direção:
enfraquecimento do movimento sindical, fragmentação da estrutura, pulverização das
negociações” ( apud Oliveira, 1998, p. 27).
Como se não bastasse isso, há também o risco de uma multiplicidade de situações,
refletindo a heterogeneidade e a segmentação do próprio mercado de trabalho, e do aumento
da distância entre os setores organizados e mais dinâmicos, situados nos núcleos modernos da
indústria e aqueles mais fragilizados, com baixa capacidade de representação e pouca ou
nenhuma presença nos locais de trabalho.
212

Abre-se aqui um parêntese para ressaltar a importância da representação trabalhadora


nos locais de trabalho, como um componente da democratização das relações de trabalho.
Rodrigues (1990) e Cardoso (1995a e 1995b), citados por Cardoso (1999), apontam três
momentos que evidenciam a relevância desse concepção: 1º) por servir de anteparo à
autoridade dos chefes imediatos (líderes, feitores e supervisores nas fábricas, supervisores e
gerentes em outros setores produtivos), uma vez que aquela representação disputa palmo a
palmo poder com eles; 2º) por servir como instrumento real, para o trabalhador, de ampliação
de seu controle sobre o processo de trabalho; e 3º) porque a consolidação da representação de
base obriga capital e trabalho a negociarem passo a passo as formas de uso cotidiano do
trabalho.
Em 1995, Vicentinho (Vicente Paulo da Silva, presidente da CUT) foi enfático ao
afirmar que o sindicato dos metalúrgicos do ABC teve sua dinâmica inteiramente reformulada
em função das pressões das 37 comissões de fábrica instaladas em São Bernardo do Campo e
Diadema (Cardoso, 1999). O referido autor salientou que essas comissões só sobreviveram e
prosperaram na medida em que se instituiram em reais intermediadores da construção e
aplicação das regras e normas de uso do trabalho, negociadas dia a dia com as empresas.
Aprofundando sobre este tema, o referido autor discorreu sobre os poderes, atribuições
e espaços específicos de atuação da representação por local de trabalho. Nesse sentido, diz:

A representação por local de trabalho abre pois uma oportunidade


efetiva de modernização nas relações de trabalho no Brasil, ali onde ela
signifique a ampliação do controle dos trabalhadores sobre o seu labor, a
negociação cotidiana das formas de uso do trabalho, a redução do
despotismo fabril, a construção de mecanismos negociados de elaboração de
normas de uso do trabalho. Mas o que realmente importa é que esse tipo de
representação pode assumir parte importante das tarefas hoje de atribuição
da Justiça do Trabalho, como a fiscalização da aplicação das normas de uso
do trabalho inscritas no direito do trabalho e nos contratos coletivos, sejam
eles por empresa, por ramo, por categoria, por estado, região ou país
(Cardoso, 1999, p. 111).

Refere ainda o autor que na experiência internacional encontra-se dois tipos básicos de
representação por locais de trabalho. E baseando-se em Romita (1993), afirma aquele tipo
resultante da iniciativa contratual de capital e trabalho (ou de empregador e empregado, pois a
legislação aplica-se ao serviço público na maioria dos países), comumente se denomina
representação bilateral, devido à natureza de sua constituição; o outro tipo é possibilitado pela
legislação que, além de permiti-lo, normatiza seu funcionamento.
213

Esses dois tipos raramente são encontrados em estado puro, sendo o mais comum uma
combinação de ambos. Na Inglaterra, Escócia, Canadá e países escandinavos, as negociações
coletivas na empresa se dão entre o sindicato local e o empregador. Os conselhos de empresa
(ou comissões de fábrica) existentes foram criados por convênios e negociações coletivas
nacionais ou regionais. A figura do delegado sindical (shop steward) é quem geralmente
representa os interesses dos trabalhadores. O regime prevalecente é o do sindicato único e a
negociação coletiva ocorre em nível de empresa.
Nos demais países europeus, em especial na Alemanha, é mais comum a representação
de base regulada por lei; enquanto na França coexistem representantes sindicais e
representantes de trabalhadores, pois a Lei Auroux, de 1982, faculta a expressão direta e
coletiva dos trabalhadores na empresa.
O Brasil (e vários outros países latino-americanos) é um dos poucos países ocidentais
que não possuem uma legislação específica sobre esse tipo de representação. A CLT prevê
apenas a proteção no emprego e algumas categorias de representantes, mas não de forma
sistemática. De maneira que estão protegidos contra demissão: os ocupantes de cargos de
direção sindical; os titulares de representação de trabalhadores nas Cipas; os representantes
dos trabalhadores nas comissões mistas de consulta e colaboração instituídas por convenção
coletiva; o representante eleito nas empresas com mais de 200 funcionários (garantidos pela
Constituição de 1988). Os membros da Cipa estão garantidos desde 1977, e os demais pelo
menos desde 1943 (CLT).
A atual legislação prevê apenas proteção no emprego a esses trabalhadores, mas não
especifica facilidades para a execução de suas tarefas. Cada um desses representantes tem
muito bem demarcadas suas funções, com exceção do representante permitido pela
Constituição de 1988, cuja função deverá ser regulamentada em estatuto. De acordo com
Romita, 1993, p. 170):

A distinção entre os dois tipos de representação reside na origem da


legitimidade: os primeiros são designados ou eleitos pelo sindicato, enquanto
os outros só podem ser eleitos pelo pessoal. Há, também, diferenças quanto à
atuação dos dois tipos de representantes: os sindicais representam os
interesses do órgão de classe, enquanto os representantes dos trabalhadores,
sem atentar necessariamente para tais interesses, são porta-vozes do pessoal
ou de cada trabalhador junto à direção da empresa.

A Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) cuida, no caso de


ocorrerem as duas representações, de circunscrever a ação dos representantes internos, de
sorte que eles não ajam em prejuízo dos representantes sindicais, bem como sugere o
214

incentivo à cooperação entre as duas formas de representação. O Brasil ratificou essa


convenção em 1991, através do Decreto nº 131, de 22 de maio de 1991, de modo que a
convenção ratificada constitui fonte formal de direito e, para boa parte dos juristas, tem valor
de lei (Romita, apud Cardoso, 1999). A convenção da OIT permite a constituição de
representantes de base, sugere formas de fazê -lo e enuncia garantias96 aos representantes, mas
não há qualquer legislação no Brasil referente às garantias ou facilidades de ação desses
representantes. Isso requer ou legislação específica ou negociação coletiva. As
recomendações da OIT são bastante específicas, explicitando o diferencial de poder entre o
capital e trabalho e criando condições para que os representantes dos trabalhadores possam
desempenhar suas funções. Mas esse tipo de legislação, parece jamais ter sido objeto de
discussão a sério no Brasil, e o anteprojeto do MTb (Ministério do Trabalho) é uma amostra
de que a “gestão do negócio” sempre foi pensada como prerrogativa do empregador.
Nesse anteprojeto, a representação de base ganhou nova roupagem, mas conservou o
mesmo espírito do anteprojeto anterior, que previa que o sindicato seria instituído em parte na
constituição dos conselhos, que o número de membros do conselho poderia ser alvo de
negociação coletiva e previa garantias à ação dos representantes de base: não-demissão, não-
discriminação funcional, etc.
O anteprojeto do MTb, além de assegurar a representação de trabalhadores na
empresa, com o objetivo de promover o entendimento direto e permanente com o empregador
sobre as condições individuais de trabalho que lhes são peculiares, é bastante específico no

96
A Recomendação 143, que acompanha a Convenção 135 da OIT, como medidas de proteção à ação dos
representantes de base, recomenda: definição pormenorizada dos motivos que possam justificar o término da
relação de trabalho dos representantes dos trabalhadores; exigência de consulta ou anuência de um organismo
independente, público ou privado, ou de organismo paritário antes de se efetivar o desligamento de um
representante dos trabalhadores; procedimento especial de recurso, acessível aos representantes que considerem
não justificada a dispensa, ou que suas condições de trabalho foram alteradas desfavoravelmente, ou que foram
objeto de tratamento injusto; no que se refere ao término injustificado da relação de emprego, a previsão de uma
reparação eficaz que compreenda, a menos que incompatível com os princípios fundamentais do país, a
reintegração do representante dos trabalhadores em seu emprego, com o pagamento dos salários vencidos e o
restabelecimento de seus direitos adquiridos; impor ao empregador o ônus da prova da alegação de motivo
justificado para a dispensa ou qualquer outra alteração desfavorável nas condições de trabalho do representante;
reconhecer a prioridade a ser concedida aos representantes dos trabalhadores para assegurar-lhes a permanência
no emprego em caso de redução de pessoal. E no campo da facilitação da atividade representativa trabalhadora,
recomenda: concessão de tempo livre necessário ao desempenho das tarefas de representação na empresa, sem
perda de salário ou qualq uer outra vantagem; tempo livre para assistência a reuniões, cursos de formação,
conferências, seminários e congressos sindicais, sem perda de salário ou outra vantagem social; os representantes
devem ser autorizados a entrar em todas as dependências da empresa, no desempenho de suas funções de
representação; devem ter acesso à direção da empresa, no exercício de sua função; devem ter permissão para
colocar avisos sindicais em lugares da empresa de fácil aceso dos empregados, além de poder distribuir material
de divulgação da ação sindical ou representativa; a empresa deve proporcionar aos representantes as facilidades
materiais e as informações necessárias ao exercício de suas funções. E os representantes sindicais que não
trabalharem na empresa, mas cujo sindicato tenha associados empregados ali, devem ser autorizados a entrar na
empresa (Cardoso, 1999, p. 121-122).
215

que respeita às funções da representação de base, chamando a atenção, explicitamente para


seu papel na reestruturação produtiva, tanto que: estimula a composição de controvérsias
trabalhistas individuais no âmbito da empresa, antes da propositura da ação cabível, e assistir
ao trabalhador no acordo; propor forma de implementação da participação dos empregados na
gestão da empresa e nos seus lucros e resultados; conhecer as inovações tecnológicas e
projetos de automação e participar da implementação do processo respectivo; acompanhar a
elaboração de planos e respectiva execução na área de recursos humanos; implementar
quaisquer outras ações que visem à integração do empregado na empresa. Assim como
assegura aos representantes realizar, nos locais de trabalho, reuniões, assembléias e demais
atividades que se fizerem necessárias ao exercício de suas funções, desde que não interfiram
na atividade normal da empresa.
Em suma, esse distanciamento entre os setores organizados e mais dinâmicos, e
aqueles mais fragilizados, com baixa capacidade de representação, pouca ou nenhuma
presença nos locais de trabalho, reforça a tendência já presente de enfraquecimento dos
sindicatos na regulação do mercado de trabalho. Considera-se que para a liberdade e
autonomia sindical – princípios defendidos pela CUT desde sua fundação em 1983 – é
fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos trabalhadores nos
locais de trabalho. Esse foi um dos principais temas de debate e deliberações na 7ª Plenária
Nacional da CUT, realizada em setembro de 1995, mas salvo raras exceções, não saiu do
papel. A luta pela conquista do direito dos sindicatos e trabalhadores poderem se organizar a
partir dos locais de trabalho deve tomar corpo, principalmente no atual estágio de
desenvolvimento capitalista, marcado pelos avanços tecnológicos e pela globalização da
economia, que vem acelerando os processos de reestruturação produtiva.
A própria CUT reconhece o tímido avanço na organização por locais de trabalho,
mantendo sua ação mais no nível do discurso. A idéia de elaborar projetos de lei e pressionar
parlamentares por sua aprovação ainda não foi além dos documentos doutrinários da central.
Entretanto, a organização no local de trabalho (OLP) é o principal pressuposto para a
constituição de um sistema democrático de relações de trabalho, ao qual aspira todo
trabalhador filiado a CUT.
Do quadro até aqui apresentado, se pode deduzir que as tendências de enfraquecimento
do movimento sindical, de fragmentação das formas de representação e de pulverização das
negociações coletivas, entrevistas no final da década de 1990, se agravaram com os processos
de reestruturação produtiva e de estabilização econômica, mas de alguma forma já se
216

encontravam na origem do novo sindicalismo e se conformaram às escolhas estratégicas dos


sindicatos brasileiros nos últimos 20 anos.
A crise em que os sindicatos se encontram não decorre, apenas do processo de
reestruturação produtiva ao qual os trabalhadores devem se ajustar. A reestruturação é um
problema real e deve ser equacionado, mas a crise vivida pelos sindicatos revela os impa sses
acumulados no esforço de reorganização do movimento sindical em meio a um cenário
político e econômico de crise e cujo desfecho está se desenhando no atual ciclo de
modernização conservadora que parece repetir os problemas de origem do novo sindicalismo.
Paralelo a isso, há uma crise interna no movimento sindical, relacionada com a tendência
progressista de acomodação de todas as correntes sindicais ao sistema corporativo. Essa
acomodação foi acompanhada por uma rivalidade crescente entre várias correntes ideológicas.
Pois, para além das disputas entre as centrais, na década de 1990, evidenciaram-se crescentes
antagonismos e contradições internas, em cada central, envolvendo o controle dos sindicatos
de categorias.
No caso da CUT, essa disputa foi encoberta pelos repetidos apelos em favor da maior
ou menor radicalização dos trabalhadores. Porém os sindicatos de categorias continuaram
sendo a sua principal fonte de poder. Mas, isso não impediu que muitas vezes, derrotados seus
rivais das CGTs e da Força Sindical, crescessem as disputas entre os próprios membros da
CUT pelo controle da máquina sindical: de um lado, a corrente Articulação Sindical,
defendendo um “sindicalismo propositivo” – achava que podia fazer concessões ao capital; de
outro, a corrente hegemônica da CUT, pregando um “sindicalismo combativo” – assumia a
luta contra a política neoliberal.
Diante do pequeno número de organizações nos locais de trabalho e da limitação da
participação direta das bases às campanhas salariais e às eleições sindicais, o domínio dos
sindicatos por essa ou aquela corrente levou ao surgimento de uma nova burocracia, mais
preocupada com os pequenos privilégios e a perpetuação no poder.
Outro problema decorrente evidenciado no final da década de 1990 foi a rapidez com
que muitos quadros sindicais com expressão nos locais de trabalho foram alçados às diretorias
sindicais e, logo depois, à vida partidária, um traço comum na relação entre a CUT e o PT.
Isso provocou um hiato entre a primeira geração de dirigentes que fizeram da luta pela
liberdade e autonomia sindical uma questão estratégica, e as novas gerações beneficiadas pela
democratização parcial dos sindicatos e já não consideram o sistema corporativo um sério
obstáculo à prática sindical.
217

Essas e outras distorções exigem mudanças e uma repactuação de poder entre os


próprios sindicatos e as suas lideranças. Ainda que as situações da CGT -Central, da CGT-
Confederação e da Força Sindical pareçam tão distintas da CUT, uma vez que nunca se
caracterizaram pela defesa de um projeto alternativo ao sistema corporativo de relações de
trabalho, esses problemas também são notados em suas fileiras, embora sem as disputas
ideológicas. Para a CUT, no entanto, eles assumem uma dimensão singular, pois o seu projeto
político sempre esteve ancorado na idéia de um novo modelo sindical que dotasse os
sindicatos de instrumentos capazes de ampliar a sua autonomia política e organizativa e as
conquistas sociais.
O sindicalismo brasileiro no seu conjunto continua a pagar o tributo à tradição
corporativa. A situação torna-se ainda mais grave quando se considera que no centro do
debate sobre a reforma do sistema corporativo estão as iniciativas de desregulamentação dos
direitos sociais e de flexibilização das relações de trabalho – disseminadas no meio
empresarial e promovidas pelo poder público – diante das quais os sindicatos serão cada vez
mais desafiados a rever a sua agenda e a transcender o âmbito exclusivo das relações de
trabalho para encontrar as saídas que permitam manter e ampliar sua base de sustentação, seu
poder de representação e suas conquistas sociais, sem o que a democratização das relações de
trabalho continuará a ser pura ficção (Oliveira, 1998).
Desafios do sindicalismo brasileiro - O sindicalismo passa por um forte momento de
crise. Um grande número de evidências tem sido expresso em todas as instâncias e ramos do
conjunto do sindicalismo e, particularmente, na CUT. Diversas mudanças na prática sindical
já foram forçadas pelas transformações no mercado e na gestão da força de trabalho, mas
vários são ainda os desafios trazidos pela economia globalizada aos sindicatos e a CUT.
O processo de globalização, configurado na virada do século e caracterizado pela
formação de um mercado único e global, onde as relações econômicas, tanto produtivas
quanto financeiras, ultrapassam as fronteiras nacionais, desregulamentando, desregrando os
mercados nacionais, constroem macro-economias constituindo os “mercados emergentes” nas
regiões periféricas do capitalismo, articulados com a formação dos chamados mercados
regionais. É a globalização do trabalho, do dinheiro e do mercado. Tudo pode ser comprado,
produzido ou vendido em qualquer parte do mundo. A racionalização dos processos
produtivos extingue postos de trabalho, promove o desemprego, desvaloriza a força de
trabalho e estrangula a capacidade de compra dos mercados locais, provocando a expansão
dos mercados para os quatro cantos do mundo. “Todos os componentes do sistema produtivo
e do sistema financeiro perambulam pelo mundo” (Kurz, apud Azevedo, 1995, p. 29).
218

O fluxo de investimentos percorre o mundo em busca de rentabilidade, facilidades


fiscais, custos baixos, ampliação de vendas. Kurz (ibidem) refere ainda que, segundo a revista
alemã “ Wirtschaftswoche”, a trajetória dos capitais persegue as condições para “produzir onde
os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucro onde os impostos
são menores”.
A mobilidade dos capitais, a difusão universal dos padrões de produção e consumo, a
pressão pela integração direta nos mercados mundiais, desconstituem o saldo das economias
nacionais, marginalizam grandes contingentes populacionais, horizontalizando o processo de
produção em todas as partes do mundo. O avanço da privatização diminui o papel do Estado
que, por sua vez, perde o controle sobre o estoque monetário internacional, diminuindo as
receitas públicas, desassistindo parcelas crescentes da população que gradativamente perdem
os direitos e o acesso à cidadania.
Populações inteiras são remetidas para além da desigualdade, ou seja, para a exclusão
pura e simples dos direitos elementares ao trabalho, à moradia, à saúde e à educação. O
problema central não é mais o salário baixo, mas a destruição do emprego. O problema parece
não ser a globalização, mas o monopólio dos avanços científicos, das novas tecnologias, pelos
grandes oligopólios que controlam a economia internacional. Contudo, a construção de uma
sociedade alternativa, democrática e solidária, não pode prescindir dos avanços científicos e
tecnológicos da chamada Terceira Revolução Industrial. O aprofundamento das relações
internacionais, os avanços da ciência e da tecnologia são um patrimônio da humanidade. A
questão central é a democratização destes processos para que seus efeitos positivos possam
ser potencializados, transformados em fatores de inclusão e em instrumento de melhoria da
qualidade de vida para todos.
Sampaio Jr. (2000, p. 7), referindo aos desafios da luta de classes na economia
globalizada, diz que “o impacto desestruturante da globalização foi devastador. Sem
condições de enfrentar os desafios da concorrência internacional, o Brasil tornou-se presa
fácil de processos políticos e econômicos que conduzem à reversão neocolonial”.
Este autor assinala que as mudanças decisivas que criaram as bases subjetivas e
objetivas para a estabilização da inflação e para a liberalização da economia, abrindo caminho
para a emergência da nova rodada de modernização dos padrões de consumo, têm como
referência básica a derrota da candidatura popular à presidência da República em 1989 e a
reintegração do Brasil nos fluxos de capitais internacionais, em 1992.
A adesão aos estilos de vida do capitalismo exacerbou um dos mais perversos traços
do subdesenvolvimento brasileiro: a extravagante discrepância entre o fausto que reina no
219

mundo dos negócios e a precariedade das condições de vida da grande maioria da população.
Como a renda média gerada pela economia brasileira é cerca de 1/5 daquela produzida nas
economias centrais, a opção pelo estilo de vida que prevalece nos países desenvolvidos
implica, necessariamente, a intensificação da distância entre os ricos e pobres, aprofundando o
abismo entre os brasileiros que têm acesso ao progresso técnico de última geração e a grande
massa da população excluída dos confrontos mais elementares da vida moderna.
Duas transformações fundamentais nas relações de produção caracterizam a
transnacionalização do capitalismo: os processos de concentração e de centralização de
capitais aumentam extraordinariamente as forças produtivas em todo mundo; e a nova
tecnologia de produção diminui a demanda de trabalho-vivo no processo produtivo. Em
conseqüência, desarticulam-se as bases materiais e sociais que haviam sustentado o elevado
dinamismo e a relativa estabilidade do ciclo de crescimento econômico do pós-guerra: alta
capacidade de gerar empregos relativamente estáveis, os aumentos sistemáticos do salário
real e a progressiva elevação dos gastos públicos.
Os deslocamentos de poder econômico e político gerados pela globalização dos
negócios mina as bases do Estado nacional burguês. Ao enfraquecer o controle da sociedade
sobre as forças do mercado, o capitalismo solapou as bases econômicas e políticas que haviam
possibilitado o funcionamento de sistemas econômicos nacionais relativamente autônomos.
No plano econômico, o problema evidencia -se na dificuldade de harmonizar o caráter
predatório da concorrência com a capacidade de a sociedade nacional preservar a integridade
de seus sistemas produtivos, comprometendo a reprodução de mecanismos de solidariedade
orgânica entre as classes sociais. No plano político, a dificuldade encontra-se no fato de que a
disputa pelo monopólio das novas tecnologias, pelo acesso às matérias -primas estratégicas e
pelo controle dos mercados mundiais, acirra as rivalidades entre os Estados nacionais e mina
as bases da ordem econômica internacional.
Submetidos aos imperativos da concorrência em escala global, os Estados nacionais
ficam sujeitos a pressões para ajustar sua economia e sua sociedade aos novos imperativos do
capital internacional. É dentro desse contexto que se devem entender: as políticas de
remodelação do mundo do trabalho. Nas sociedades periféricas, as tendências que estão
provocando o estilhaçamento da nação manifestam-se com força redobrada.
O mundo está assistindo a uma brutal ampliação da distância entre os países
desenvolvidos e os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como vem ocorrendo na
Argentina. O colapso da Argentina é o exemplo mais acabado na América Latina da proposta
neoliberal imposta pelo FMI. As iniciativas de ajuste estrutural do estado, a eliminação de
220

direitos sociais e proteções trabalhistas, a convertibilidade e paridade dólar/peso, o pagamento


da dívida externa segundo o receituário do FMI e o esvaziamento do poder político-
institucional levaram à maior crise social-econômico-política de sua história. Mais do que
nunca, a efetiva solidariedade com o povo argentino e suas lutas por direito, soberania e
dignidade é imperiosa, como demonstrou o ato do Conselho Nacional de Entida des, em
21/12/2001.
Nesse contexto, a principal dificuldade reside no fato de que, com a perda de controle
sobre os movimentos de capitais, os vínculos das empresas transnacionais com as economias
dependentes ficaram particularmente fluidos e voláteis. Por isso, a instabilidade econômica
tende a ser levada a proporções de difícil retorno, comprometendo os processos cumulativos
que são fundamentais para sedimentar o processo de construção da nação.
Em 2001, no entanto, no Seminário Internacional dos PCs realizado na Grécia, já se
apontava para a possibilidade de um novo ascenso da luta operária e os principais desafios
para o próximo período da luta de classe (Borges, 2001). Nessa ocasião, Aleka Paparigha,
secretária -geral do PC da Grécia, afirmou ser visível

o “esforço da burguesia para manipular o movimento sindical. Os governos


recrudescem na repressão à luta operária, como em nosso país, com a falsa
‘lei contra o terrorismo’. Já os sindicatos não possuem estratégia na luta
contra o ajuste capitalista. Vingam as opiniões oportunistas de conciliação
das classes, de flerte com a burguesia. A lógica que prevalece é a de não
perder muito e a de não demandar muito” (ibidem, p. 42).

Entretanto, segundo os oradores de vários partidos presentes no referido seminário (do


Leste Europeu – Rússia, Bulgária, Hungria, Romênia, Iugoslavia, Checoslováquia, entre
outros; da Europa Ocidental – Portugal, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda,
entre outros; do Oriente Médio – Líbano, Síria, Israel; do continente amer icano – Colômbia
[dirigentes da Farc e do PC]; dos partidos comunistas no poder – Cuba, Vietnã e Coréia do
Norte), este cenário adverso já dava os primeiros sinais de mudança e colocava muitos
desafios futuros. Todos se referiram aos constantes protestos c ontra a “globalização neoliberal
– defendendo a necessidade dos PCs reforçarem estas manifestações, como a de Gênova
contra o G-8 – e ao crescente descontentamento popular em seus países contra as políticas
neoliberais. Diante das possibilidades da luta operária, os comunistas apontaram as
prioridades de sua ação, tendo como perspectiva o socialismo.
Nesse discurso, o consenso fixou-se sobre a urgência da elaboração de plataformas
alternativas contra a ofensiva neoliberal e a regressão capitalista. Diante da reestruturação
221

produtiva, foi enfatizado a importância “estratégica” da bandeira da redução da jornada de


trabalho; a necessidade da internacionalização das lutas sindicais diante da “globalização
neoliberal”; a reafirmação das campanhas por aumentos reais de salários e contra a
flexibilização trabalhista. No tocante à ação sindical, houve consenso na defesa da
participação ativa dos militantes comunistas nos sindicatos existentes, cuja atuação deveria
estar centrada na construção de forças classistas, visando a denunciar as políticas de
conciliação de classes; o combate ideológico, através da organização de jornadas de luta e
priorização da organização e formação dos comunistas.
A barbárie, no entanto, continua, pois com o colapso da União Soviética e a crise do
movimento socialista diminuiu o poder de barganha das economias periféricas, na ordem
internacional. “Sem o ‘fantasma comunista’ para intimidá-las, as nações hegemônicas
passaram a exigir que os países dependentes se adaptassem incondicionalmente às suas
exigências” (Sampaio Jr., 2000, p. 8). Na lógica da ordem internacional hoje emergente, o
desenvolvimento nacional ficou excluído do horizonte de possibilidades dos países periféricos
(ibidem).
O grande desafio, portanto, “é transformar o sentido meramente econômico da
internacionalização. Trata-se de criar a possibilidade e as condições políticas para a
globalização dos direitos, da cidadania, da integração cultural e da democratização do
acesso a todas as conquistas da humanidade ” (Azevedo, 1995, p. 29). A iniciar, romper
com as forças de sustentação do sistema capitalista.
Nessa direção, para quem pensa o futuro do Brasil, o principal desafio consiste em
definir o raio de manobra de que se dispõe para enfrentar a adversidade do contexto históric o
pela globalização. De acordo com Sampaio Jr. (2000), a questão polariza-se em torno de duas
alternativas: 1ª, a sociedade deve aceitar passivamente as tendências que vêm de fora para
dentro, discutindo o ritmo e a forma de ajuste aos novos ditames do capital internacional e das
nações hegemônicas ou: 2ª, a sociedade deve reagir a essas tendências, rompendo com as
forças internas e extremas que sustentam o processo de globalização dos negócios.
Sampaio Jr. (idem, p. 8) assinala que “a década de 1990 marcou uma radical
degradação do estatuto do trabalho na sociedade brasileira”. Aponta também que “cálculos
moderados permitem estimar que aproximadamente 40% dos brasileiros em idade de trabalho
encontram-se subempregados, vivendo em atividades que concedem baixíssima remuneração,
ou simplesmente desempregados”( ibidem).
Dentro desse contexto, encontra-se o discurso da reestruturação produtiva, enfatizando
a necessidade de um novo tipo de trabalhador, mais qualificado, com nível maior de
222

escolaridade, assumindo mais responsabilidade, mais participante e comprometido com os


objetivos da empresa. Zibas (1997, p. 123) já apontava que os empresários exigem um
trabalhador que tenha iniciativa “seja criativo e responsável, saiba resolver problemas,
trabalhar em equipe, lidar bem com constantes inovações tecnológicas e que seja portador de
uma alta capacidade de abstração que o predisponha a constante aprendizagem”. O perfil
assim delineado atende mais aos princípios educacionais humanistas que aos requisitos de
uma formação estritamente técnica e especializada da mão-de-obra.
Para explicar a mudança na concepção do trabalho, é preciso considerar a situação do
mercado de trabalho na década de 1990. Contrastando com um quadro, no passado, em que o
jovem, uma vez alcançado o posto de trabalho, o via como permanente e nele buscava
realizar -se e melhorar sua posição, a conjuntura atual é de insegurança e de grande mobilidade
ocupacional. Diante da quase inexistência de trabalho em tempo integral, os jovens tendem a
inserir-se no mercado com contratos de trabalho atípicos ou mais flexíveis, em tempo parcial,
por tempo determinado, temporários e como subcontratação. De acordo com Chiesi e
Martinelli (1997, p. 112), diante dessas condições, muitos jovens ainda conseguem
desenvolver atitudes positivas diante do trabalho, chegando até a encarar favoravelmente a
flexibilidade da relação de trabalho, aí encontrando possibilidades de aquisição de
capacidades profissionais e de experiência, mas “os jovens trabalhadores de Osasco não
conseguiram exorcizar, ainda, a preocupação pelo posto de trabalho”, para eles, o mais
importante é estar empregado.
O contraste entre a gravidade da crise social e a apatia da população brasileira revelam
que o sentimento de rebeldia contra a ordem apenas engatinha no país. Ao invés de converter
a insatisfação contra a situação do Brasil em uma crítica ao capitalismo dependente, com raras
exceções, entre as quais se destaca a luta do movimento dos Sem-Terra, os brasileiros têm
preferido canalizar energias para a disputa das parcas oportunidades de emprego.
Para romper com o círculo de ferro que marginaliza o povo da história, Sampaio Jr.
(2000) diz que os trabalhadores precisam quebrar a lógica política que restringe as
possibilidades do Brasil aos marcos do status quo e articular uma estratégia de acúmulo de
forças, baseada na luta intransigente do povo pela soberania do país e pelo enraizamento da
democracia. Para tanto, diz ainda, é vital ter clareza de objetivos e força política para
implementá-los. Nesse caso, é preciso fundamentalmente:

• Romper com o padrão de modernização do consumo e definir


prioridades para o desenvolvimento econômico que sejam compatíveis
com as possibilidades da economia nacional – mudanças que supõem
223

superar o consumismo desbragado e organizar a sociedade com base em


uma ética de solidariedade e de cooperação entre as classes sociais.
• Modificar os parâmetros sociais e institucionais que regem a
organização do mundo do trabalho, de forma que assegure a integração
do conjunto da população economicamente ativa no processo de trabalho
– processo que envolve uma combinação da reforma agrária, forte
intervenção do Estado na vida econômica, reforma urbana e diminuição
da jornada de trabalho.
• Graduar a intensidade do processo de introdução e difusão de progresso
técnico, tendo em vista a necessidade de preservar o acesso do conjunto
da população economicamente ativa ao mercado de trabalho – decisão
que exige uma desconexão do país com o processo de mercantilização
liderado pelo capital internacional (Sampaio Jr., idem, p. 8-9).

O autor acima conclui que “a radicalidade do corte com o status quo , dentro e fora do
país, revela que as reformas capazes de evitar a barbárie só podem ser concebidas dentro de
uma organização socialista da sociedade”. Dessa forma, “denunciar a falta de horizonte do
movimento de globalização e construir um amplo arco de alianças, capaz de impulsionar as
transformações sociais indispensáveis para a superação da modernização perversa”, são vistas
como tarefas fundamentais das forças políticas que atuam por um Brasil democrático e
soberano (ibidem).
Portanto o enfrentamento desses desafios requer que se vença outros desafios, entre os
quais estão os que devem ser enfrentados pelos aos sindicatos e à CUT, tais como:
1) O sindicato deve se capacitar a representar, organizar e mobilizar os mais
amplos setores da classe trabalhadora.
Não há transformação socialista de um país se as propostas da esquerda não
conquistam a hegemonia na classe trabalhadora e na maioria da popula ção. O sindicato e a
central sindical são ferramentas-chave para essa luta pela hegemonia. A conquista do apoio
ativo da maioria na luta contra a exploração capitalista não acontece espontaneamente, deve
ser organizada. A formação da consciência de amplos setores da sociedade, no entanto,
requer compreender a eclosão dos novos movimentos sociais a partir de uma perspectiva de
classe. Trata -se de procurar elementos comuns na luta de segmentos aparentemente distintos,
dispersos e desarticulados. A compreensã o até aqui alcançada é que não se pode explicar a
emergência de movimentos sociais sem considerar, de um lado, os efeitos da exploração e da
dominação capitalista e, de outro, o impacto da manipulação feita pela mídia, o papel do
pensamento e da política neoliberal sobre a atual correlação de forças.
De acordo com Galvão (2001), buscar os vínculos acima enunciados não é tarefa fácil.
Pois, ao contrário do sindicalismo, considerado parte da “normalidade” de uma formação
social capitalista, ainda que uma nor malidade incômoda e indesejável aos olhos das classes
224

dominantes, os movimentos indígenas, de camponeses e de negros, não representariam um


elemento “fora de lugar” nesse contexto? Como o neoliberalismo pode afetar movimentos
que parecem tão distantes de sociedades capitalistas e “globalizadas”? Em que medida
questões de ordem étnica e racial estão relacionadas a fatores de ordem político-ideológica ou
à posição dos indivíduos na estrutura econômica? A resposta a essas questões requer a
consideração das causas objetivas e subjetivas dessas lutas, a compreensão de suas
motivações conjunturais e seus determinantes estruturais, a análise de seus antecedentes, de
suas reivindicações imediatas, de seus impactos e desdobramentos.
Por exemplo, índios, negros e camponeses, cada um a sua maneira e em tempos
diferentes, foram atingidos pelo processo de penetração das relações de produção capitalista
no campo: os primeiros com a invasão de suas terras por fazendeiros, colonos, garimpeiros; os
segundos, com um processo de abolição que os liberou do trabalho escravo sem os incorporar
ao regime de assalariamento, seja no campo ou nas cidades; os últimos, com a
industrialização do campo, principalmente a partir de 1950, que expulsou os trabalhadores
agrícolas e concentrou a propriedade rural nas mãos de grandes latifundiários.
Se esses fatores seculares são fruto da acumulação de contradições, como explicar a
recém-adquirida visibilidade desses movimentos? A explicação para a intensificação dessas
lutas, que longe de ser inédita, pode ser encontrada no movimento histórico e na dinâmica da
luta de classe: é preciso considerar as vitórias e as derrotas das classes dominadas e as contra-
ofensivas das classes dominantes, desencadeadas através da força física e/ou da dominação
ideológica. Portanto não se pode desprezar que fatos novos se sobrepõem aos antigos,
reforçando a situação defensiva das classes dominadas.
O fato novo, que explica tanto a paralisia sindical da última década do século XX,
quanto a efervescência recente dos movimentos sociais, é o neoliberalismo. A ideologia
neoliberal afetou o movimento dos assalariados urbanos ao estimular a corrida pela
competitividade e produtividade, legitimando a redução dos custos do trabalho e favorecendo
as parcerias capital/trabalho. Convertido em programa político, mediante a adoção de políticas
de privatização, abertura dos mercados e estabilização monetária, o neoliberalismo contribuiu
para o enfraquecimento do sindicalismo, aumentando a precarização das condições de
trabalho e o desemprego.
Mas, se o neoliberalismo é um dos responsáveis pelo refluxo do movimento sindical –
ele não se limita ao Brasil – isso não significa que este esteja passando por uma crise
estrutural e definitiva. Apesar da difusão de teses ligadas ao adve nto da sociedade “pós-
industrial”, que proclamam o fim do trabalho, o fim dos sindicatos, dentre outras afirmações
225

dessa natureza, o sindicalismo vem dando sinais de recuperação desde 1995, quando da greve
dos funcionários públicos franceses. A ela se seguiram as eurogreves contra o fechamento da
fábrica da Renault em Vilvorde, as marchas européias contra o desemprego, em 1997, e as
grandes polêmicas envolvendo sindicatos e organizações patronais em torno da lei Aubry I 97,
de 13 de junho de 1998, prevendo a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais na
França, apenas para citar alguns exemplos.
Por outro lado, ao impor constrangimentos econômicos sobre o orçamento destinado à
“questão social”, como a seguridade, a demarcação de terras indígenas, os créditos agrícolas,
a educação pública, a moradia popular, o neoliberalismo repercute sobre as condições de vida
e de trabalho de camponeses, assalariados rurais, sem-teto, sem-terra, independentemente de
sua cor ou origem étnica. Deste modo, afeta um dos mais antigos problemas sociais
brasileiros, a luta pela terra, posto que bloqueia as possibilidades de acomodar os ex-
camponeses e assalariados rurais nas cidades. Impossibilitados de encontrar um emprego,
mesmo que no setor informal, estes se juntam ao M ovimento dos Sem-Terra (MST).
O mesmo acontece com os desempregados urbanos ao verem negadas as
oportunidades de se reintegrar à empresa ou de serem “ requalificados” e transferidos a uma
outra ocupação. Nesse sentido, as conseqüências das políticas neoliberais acabam fornecendo
uma base social para a expansão do MST.
As comemorações em torno dos 500 anos do Brasil foram um momento propício para
a retomada das lutas sociais. Ao mesmo tempo, o MST realizou a ocupação de propriedades
rurais, estradas e prédios públicos, na esperança de que o governo mudasse o rumo de sua
política macroeconômica, intensificasse o processo de desapropriação de terras e o
assentamento de famílias. O governo reagiu através da censura e da violência. Além disso,
tentou aterroriz ar a sociedade brasileira, apresentando os integrantes do MST como bandidos,
uma ameaça à lei e ao direito da propriedade. Acusados de fascistas, os membros do
movimento foram ameaçados com a reedição da Lei de Segurança Nacional (LSN), sob o
pretexto de que as ações por eles realizadas constituíam crimes contra a autoridade do Estado.

97
A Lei Aubry I, promulgada em 13 de junho de 1998, pelo governo de esquerda de Lionel Jospin, prevendo a
redução da jornada de trabalho para 3 5 horas semanais na França, gerou polêmicas quanto aos efeitos práticos da
redução da jornada de trabalho, ou seja, ela aumenta o número de empregos ou apenas evita que o desemprego
cresça. Os sindicatos criticam o estímulo à flexibilização e à precarização do trabalho. Trabalhar menos é uma
reivindicação justa, que pode reverter em resultados socialmente positivos. No entanto, a redução da jornada não
é uma panacéia capaz de resolver todos os males que atingem o mercado de trabalho, nem no Brasil nem em
qualquer outro lugar do mundo. Além dos interesses diferenciados de patrões e empregados, inúmeras outras
questões estão envolvidas nesse debate, tais como: Quais são seus impactos sobre o ritmo e as condições de vida
do trabalhador? Ela permite que o trabal hador usufrua plenamente o seu tempo livre ou impõe outros
constrangimentos (buscar outras atividades para complementar o salário mensal), que impedem o usufruto do
tempo livre? (Galvão, 2001a, p. 50-51).
226

Para completar o quadro, a mídia lançou campanha questionando o caráter democrático do


movimento e levantando suspeitas de corrupção.
Enquanto isso, no final do mês de abril de 2000, surgiram novas greves de várias
categorias de assalariados: servidores públicos federais (da saúde, da justiça, previdência,
professores universitários, de escolas técnicas), caminhoneiros, servidores públicos estaduais.
Além do aumento salarial, as categorias em greve reivindicavam condições para melhorar a
qualidade dos serviços oferecidos à população, denunciando cortes no orçamento social, em
proveito do pagamento de juros e encargos financeiros relativos às dívidas interna e externa.
Muitas ve zes a repressão foi a tônica, aumentando o desgaste do governo. As análises do
presidente FHC foram reducionistas: “As greves não são o fim do mundo. Elas fazem parte da
democracia, como na França” (Galvão, 2001, p. 50). O presidente considerou que a
acumulação de movimentos resultou de uma expressão política e não de uma tensão social,
referindo-se ao ano eleitoral. Esta “percepção sociológica” superficial tem como finalidade o
estabelecimento de uma ruptura entre o social e o político e serve para deslegitimar as
diversas formas que as reações populares assumem, como se elas fossem mera questão de
rivalidade entre partidos políticos.
Essa análise reducionista restringe a luta política ao jogo eleitoral e a concepção da
política à dimensão institucional. Mas o caráter político das greves mencionadas acima não se
deve às ligações com um partido ou outro, mas ao que elas exprimem: a recusa da política
econômica do governo; e recolocam na ordem do dia a questão da dominação e da exploração
de classe.
Os conflitos sociais são conseqüência da luta de classes e é essa dimensão que os
unifica a despeito das diferentes aparências que eles possam assumir e das categorias distintas
que eles mobilizam. As diferenças raciais, étnicas e de posições na estrutura econômica
podem tornar a ação coletiva mais difícil, introduzindo divisões, confrontações, provocando
recuos e fracassos. Mas a percepção, embora difusa, da natureza de classe da sociedade
capitalista que funda e atravessa os antagonismos sociais, superpondo-se às demais
diferenças, é o elemento que permite às classes dominadas se articular, construir uma ação
comum. Além da condição de classe, essas diferentes categorias partilham uma ideologia
antineoliberal, o que permite pensar os movimentos por elas iniciados como o início da
ruptura da hegemonia neoliberal no Brasil.
Quase ninguém se aventura numa avaliação profunda dessas reações populares, pois
cada um está convencido de estar fazendo a sua parte. Muitas vezes as reflexões param por
aqui, pois acredita-se estar no caminho certo ao apontar no adversário a causas dos estragos
227

provocados na cabeça do povo simples. Não há uma reflexão de como as pessoas interpretam
o quotidiano através das idéias, valores e critérios de análise, que de forma bizarra mesclam
convites à resignação e à resistência diante da realidade em que vivem. O mundo do senso
comum é justamente isto: uma mistura de expressões da classe dominante, traduzidas e
mastigadas na forma de crenças e regras de vida que são transmitidas através das relações do
dia-a-dia (em cartazes, jornais, boletins e informativos de todos os tipos) e breve reflexões
críticas que nascem dos momentos de resistência individual e coletiva diante do peso da
exploração.
Apesar de contraditória e inconseqüente, é justamente esta visão de mundo que faz as
pessoas se sentirem seguras, se comunicarem umas com as outras e interpretarem os
acontecimentos ora como obra do acaso ou como algo “natural”, ora como um estímulo à
revolta e à reflexão. Na maioria das vezes, as breves expressões de resistência são permeadas
pela saudade, pelo medo do novo, pelo receio de que uma situação de desordem possa vir
ameaçar o pouco que se tem e por uma vaga esperança num futuro melhor a ser construído
por uma liderança iluminada ou pela ação milagrosa de alguma entidade sobrenatural.
Esta visão de mundo é moldada e consolidada não só através de palavras, mas de fatos
e relações que fazem o quotidiano das pessoas. Não é por acaso que, além de usar a mídia, a
elite se preocupa em fazer com que a vida familiar reproduza seus valores, em organizar
momentos de participação que reafirmem as idéias dominantes e consolidem no povo a sua
compreensão da realidade.
“A situação da ação é o centro do mundo da vida” (Habermas, apud Antunes, 2000, p.
148). O mundo da vida tem como constitutivos básicos a linguagem e a cultura (ibidem).
Segundo Antunes (2000, p. 149):

O poder e o dinheiro, como meios de controle que se desenvolvem no


interior do sistema, acabam por se sobrepor ao sistema interativo, à esfera
comunic acional. Opera-se uma instrumentalização do mundo da vida, sua
tecnificação. Com o aumento e complexificação dos subsistemas, o
fetichismo, descrito por Marx, acaba por invadir e instrumentalizar o mundo
da vida. Dá-se, então, o que Habermas caracteriza como o processo de
colonização do mundo da vida.

O mundo da vida é o locus do espaço intersubjetivo, da organização dos seres em


função da sua identidade e dos valores que nascem da esfera da comunicação. A cultura, a
sociedade e a subjetividade encontram seu universo no mundo da vida, o qual cristaliza
várias relações sociais: “as relações entre empregado e o consumidor, por um lado, e a relação
228

entre o cliente e o cidadão do Estado, por outro” (Habermas, apud Antunes, 2000, p. 150),
efetivando-se um proc esso de monetarização e burocratização do poder do trabalho.

A instrumentalização do mundo da vida, por constrangimentos oriundos do


universo sistêmico, leva a uma redução e ao ajustamento da prática
comunicativa às orientações de ação cognitivo-instrumental. “Na prática
comunicativa da vida quotidiana, as interpretações cognitivas, as
expectativas morais, as expressões e valores, têm que formar um todo
racional, interpenetrar-se e interconectar -se por meio da transferência de
validade, que é possibilitada pela atitude realizada...”.

É assim com os projetos de trabalho voluntário, as campanhas contra a fome, os


eventos culturais que sublinham a importância da iniciativa privada e a longa lista de
momentos nos quais as classes dominantes convidam o povo simples a pagar do seu bolso
pela miséria e o desemprego alimentados pelo funcionamento dos mecanismos de exploração
que garantem seus lucros.
Neste cenário, o próprio sentimento de solidariedade se torna um meio para ocultar as
contradições do sistema e mostrar que, juntos, trabalhadores e patrões podem enfrentar os
problemas que, “fatalmente”, a história põe em nosso caminho.
O sindicato deve se inserir no quotidiano do povo simples e promover um processo de
conscientização através de palavras e fatos, capa citando-os para ver e ouvir a realidade, e
dialogar sobre suas angústias. Trata-se de dar uma resposta concreta aos “dirigentes”, pois
estes envolvem as pessoas levando-as a experimentar que há saídas possíveis e a vivenciar
uma compreensão da realidade que atende às necessidades das elites. Trata-se de fazer ver
que, às vezes, a posição de “dirigente” faz com que se pareça como portador da verdade
absoluta.
Se as elites procuram, por qualquer meio e principalmente através da mídia, fazer com
que a vida familiar reproduza seus valores, o povo simples deve ser orientado para a análise
das idéias que lhes são incompreensíveis; para perceber, incorporar e tornar coerentes as
expressões que manifestam seus fragmentos de dignidade, resistência e rebeldia, construindo
a dúvida no coração do senso comum e começar um processo pelo qual se torne possível
questionar os elementos que levam à resignação e ao conformismo diante do quotidiano da
exploração.
Não é possível construir uma sociedade justa sem superar a divisão entre dirigentes e
dirigidos. Não é possível construir uma ordem social que acabe com toda forma de exploração
e discriminação sem superar esta divisão, sem criar os meios para que as pessoas tenham ao
seu alcance as ferramentas que lhes permitam interpr etar a realidade a agir para mudá-la.
229

O autoritarismo que caracteriza a história do trabalhador e do povo simples marca a


ausência de um debate democrático nas organizações, o trabalho de organização de base
(supõe a construção de uma nova maneira de fazer política a partir de baixo, do envolvimento
e uma inserção no quotidiano do povo capaz de educá-lo e fazê-lo avançar com fatos e
palavras que criam novas realidades e constituem marcos visíveis ao redor dos quais é
possível dialogar com o senso comum) tem se tornado “coisa do passado”, algo sobre o qual
todos falam, mas que ninguém faz. E isso não é por acaso.
Trata-se de realizar um trabalho lento de inserção numa realidade cujas respostas virão
a longo prazo, que não garante aplausos e reconhecimentos pú blicos e para cuja realização se
faz necessária uma boa dose de paciência, capacidade de envolver as pessoas no
planejamento, na execução e avaliação das ações a serem realizadas, firmeza de princípios,
coerência, diálogo, despreendimento, paixão e uma fundamentação teórica que permite
debater aberta e democraticamente cada passo em direção ao futuro que se pretende construir.
O dia -a-dia do partido e do sindicato pode elevar a consciência do povo e unir os demais
movimentos populares.
2) Tornar o sindicato um órgão de frente única dos trabalhadores e do povo
simples.
O sindicato necessário para a estratégia socialista deve ser uma organização para
todos/as os/as trabalhadores/as e o povo que luta contra o desemprego e o agravamento da
exclusão social (desempregados, trabalhadores informais, sem-terra, sem-teto, negros, índios,
camponeses, mulheres, estudantes, etc.). Ou seja, não interessa construir sindicatos
“vermelhos” que organizem apenas aqueles trabalhadores que já apóiam as propostas da
esquerda.
O desafio do sindicato é dialogar com os/as trabalhadores/as e todos os populares que
vivem dificuldades sentem-se ameaçados e/ou prejudicados pela economia global, são
discriminados por sua condição econômica, social e cultural, mas que estão ainda sob a
hege monia das idéias e propostas burguesas, para fazer um trabalho político e pedagógico,
mostrando que elas buscam legitimar e perpetuar a exploração e a miséria da classe
trabalhadora e excluir da sociedade cada vez mais os diversos segmentos sociais.
Segundo Fígaro (2001, p. 33), “pesquisa em montadora do ABC paulista revela a
importância das relações interpessoais como mediadoras da comunicação entre os
trabalhadores”. Resgatar o sujeito social , o receptor dos meios de comunicação, no
emaranhado mundo capitalista neoliberal e globalizado, é um esforço teórico necessário para
230

que se possa enxergar a dinâmica social da comunicação como um processo dialético, no qual
os indivíduos partilham códigos, mensagens e sentidos.
A pesquisa realizada entre os metalúrgicos de uma grande montadora do ABC paulista
para compreender a recepção dos meios de comunicação a partir do quotidiano do mundo do
trabalho, para demonstrar como as mediações que essa realidade apresenta compõem o
universo dos trabalhadores, atuando sobre os sentidos e as maneiras de ver e entender o
processo comunicacional do qual eles fazem parte, demonstrou que “os colegas de trabalho
representam para esses trabalhadores um meio de informação importante. Mais destacado
inclusive do que os jornais e revistas da grande imprensa e, principalmente, comunicação
interpessoal privilegiada em relação à comissão de fábrica, aos diretores do sindicato, aos
vizinhos e ao próprio chefe na empresa” (Fígaro, idem, p. 34).
A experiência pessoal, para a maioria dos trabalhadores que fizeram parte da referida
pesquisa no ABC paulista, vivida inicialmente no trabalho no campo e, depois, como
operários metalúrgicos, foi intermediada pelas relações que se dão no trabalho. No discurso
desses trabalhadores encontrou-se a marca de uma ética do trabalho que passa e circula entre
eles, faz parte de um modo de ser que fica, permanece, manifesta -se na duração de uma vida
de trabalho e passa para outros, outras vidas, num percurso mais longo. É a ética do bom
trabalhador, que tem sua dignidade e honradez de profissional que produz, que as
transformações na regulamentação do trabalho, com a flexibilização da mão-de-obra, a
redução de direitos sociais, a terceirização, a precarização do trabalho, está quebrando.
O que se está destruindo é um modo inteiro de viver, é o mundo de vida do trabalho. O
empobrecimento cultural na prática comunicativa quotidiana resulta da penetração das formas
de racionalidade econômica e administrativa no interior das áreas de ação, que resistem a ser
convert idas pelo poder e o dinheiro, uma vez que são especializadas em transmissões
culturais, integração social e educação infantil, que permanecem dependentes do
entendimento mútuo como mecanismos para a coordenação de suas ações (Habermas, apud
Antunes, 2000).
O sindicato deve se organizar pela base, pois no local de trabalho a comunicação se dá
entre os trabalhadores. É da experiência acumulada no quotidiano que o trabalhador constrói
seu aprendizado, constitui seu ponto de vista, formula sua ideologia. É a partir desse viés que
vão se constituindo os temas salário, saúde, condições de trabalho e direitos trabalhistas, bem
como as chaves de leitura pelas quais os trabalhadores entram no “texto”, nas mensagens dos
meios de comunicação (o jornal sindical, o jorna l da empresa e o telejornal, principalmente,
recobrem-se de significados no embate com estes pontos de vista que foram sendo construídos
231

no quotidiano). O mundo da fábrica é, além de espaço de trabalho, lugar de relacionamento


com os colegas, de inúmeras relações de camaradagem e solidariedade, além de ser o espaço
onde o trabalhador se realiza enquanto ser profissional.
A intimidade com o ambiente de trabalho faz com que o trabalhador se aproprie desse
espaço como um espaço de reconhecimentos, de aproximações, de emoções, de
envolvimentos afetivos, onde ele se realiza como sujeito e como profissional. No espaço da
fábrica, se constrói boa parte das representações e se processa a identidade de ser trabalhador,
cidadão político-social.
A leitura coletiva dos jornais do sindicato e da empresa e as discussões e comentários
sobre as notícias veiculadas pelos telejornais são as pautas prediletas do dia -a-dia no local de
trabalho, no bar, no ônibus para casa. Os sentidos compartilhados tornam-se alimento para a
ação e manifestação em defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores. Cabe aqui as
inferências alcançadas por Antunes (2000, p. 155) que em seu esboço da crítica habermasiana
diz que

...sua a teoria da ação comunicativa, “não se constitui como um a metateoria,


mas no marco inicial de uma teoria da sociedade”, tendo nos “paradigmas
do mundo da vida e do sistema” seus núcleos categoriais básicos ”
(Habermas, 1991). O mundo da vida, é reservado à esfera da razão
comunicativa, espaço por excelência da intersubjetividade, da interação. O
sistema, é movido pela razão instrumental, onde se estruturam as esferas do
trabalho, da economia e do poder. A disjunção operada entre esses níveis,
que se efetivou com a complexificação das formas societais, levou Habermas
a concluir que a “utopia da idéia baseada no trabalho perdeu seu poder
persuasivo (...) Perdeu seu ponto de referência na realidade”. Isso porque as
condições capazes de possibilitar uma vida emancipada “não mais emergem
diretamente de uma revolucionarização das condições de trabalho, isto é,
da transformação do trabalho alienado em uma atividade autodirigida”
(Habermas, 1989). Ou seja, para Habermas a centralidade transferiu -se da
esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa, onde se encontra o
novo núcleo da utopia (ibidem).

Em suma, a conquista da democracia e da cidadania passa pelo sindicato e sua


organização, pela luta contra o corporativismo – em cujo centro estão as iniciativas de
desregulamentação dos direitos sociais e de flexibilização das relações de trabalho, diante das
quais os sindicatos serão cada vez mais desafiados a rever sua agenda e a transcender o
âmbito exclusivo das relações de trabalho para encontrar saídas que permitam manter e
ampliar sua base de sustentação, seu poder de representação e suas conquistas sociais –, pela
solidariedade, pela ação comunicativa e os discursos diferenciados, pela consciência de
amplas massas e pela ação reivindicativa.
232

A imprensa sindical e as relações interpessoais com os colegas deve alçar ao mundo da


vida, transferir a centralidade da esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa. O
acesso aos discursos que circulam no mundo do trabalho, que se apresentam como
constituidores de um ponto de vista diferenciado, é fundamental na formação de um ponto de
vista crítico, de um receptor mais exigente, capaz de questionar e saber escolher.
Para tanto, o sindicato deve partir das reivindicações imediatas dos trabalhadores,
somar sua luta aos dos movimentos sociais e mostrar como elas levam a outras esferas de
disputa. A luta pelo salário, por exemplo, por emprego, por terra para viver e trabalhar, por
moradia, etc., deve se articular com a luta política, com o questionamento da forma como se
exerce o poder político e como se faz a distribuição da riqueza e da renda na nossa sociedade.
Igualmente, a luta por melhores condições de trabalho, por saúde e segurança nos locais de
trabalho e de moradia, deve se combinar com o questionamento às formas como o capital
organiza o trabalho e a produção na sociedade, como são elaboradas e votadas as leis, quais os
interesses e as armadilhas que as mesmas escondem.
Nesse sentido, o sindicato deve ser uma escola de socialismo para que todos saibam do
mau uso que é feito de boas idéias. Um exemplo é a redução da jornada de trabalho. A luta
pela redução da jornada de trabalho é uma tradicional bandeira sindical. No Brasil, a última
redução legal foi consagrada pela Constituição de 1988 que fixou a duração da jornada em 44
horas semanais. O assunto foi relançado em 2000 quando a CUT, Força Sindical e CGT se
uniram em torno da proposta de redução da jornada para 40 horas semanais através de uma
emenda popular à Constituição. O projeto de lei número 8, de 2000, de autoria do senador
Geraldo Cândido (PT/RJ), já havia proposto a redução da jornada para 35 horas semanais
(Galvão, 2001a).
A instituição das 35 horas semanais na França, instituída pela Lei Aubry, de junho
de1998, foi uma conquista importante para o trabalhador, mas não estava livre de armadilhas.
Seus efeitos dependiam da forma pela qual ela seria realizada e da reação sindical e patronal
frente a ela. Nesse caso,

A redução dos encargos patronais e os ganhos de produtividade


proporcionados pela adoção das 35 horas fizeram mais do que compensar a
alta do custo horário do trabalho provocado pela redução da jornada. Para
Thomas Coutrot, “as margens de manobra oferecidas pela ‘moderação
salarial’, a flexibilidade do tempo de trabalho e as reorganizações financeiras
financiam amplamente o custo das 35 horas pagas 39, mesmo na ausência da
exoneração de cotizações para os acordos ‘não ajustados’” (Galvão, 2001a,
p. 53).
233

Pois, enquanto o patronato francês mantém-se em torno de um projeto de ‘refundação


social’ com o objetivo de flexibilizar as relações de trabalho, a divisão dos sindicatos impediu
a adoção de uma estratégia coerente face à lei: enquanto a CFDT aceitou a flexibilização
como contrapartida a uma menor duração do trabalho, a FO considerou a redução da jornada
como uma maneira de aumentar o salário por meio das horas extras e a CGT insistiu na
criação de empregos. Por si só, a redução da jornada não é suficiente para que a duração
efetiva do trabalho diminua ou para assegurar que seus resultados sejam positivos para os
trabalhadores. A individualização da duração do trabalho pela qual a experiência francesa
vem sendo acompanhada desagrega as identidades coletivas, destrói solidariedades e desarma
os sindicatos para enfrentar as estratégias patronais de flexibilização e intensificação do
trabalho. Trata -se, portanto, do mau uso de uma boa idéia.
O movimento sindical brasileiro, à semelhança do que ocorre em outros países, está
perante um desafio global, em diversos níveis: o desafio da solidariedade, o desafio da lógica
organizativa, o desafio da lógica reivindicativa, entre outros.
No caso da ação reivindicativa, ela não pode deixar de fora nada que afete a vida dos
trabalhadores. Não se trata apenas do desenvolvimento regional, da formação profissional, da
reestruturação dos setores. Trata -se dos transportes, da educação, da saúde, da qualidade do
meio ambiente e do consumo. Para além de pragmáticas e de autênticas, as formas de luta tem
de ser inovadoras e criativas.
A luta política e a econômica devem vir articuladas. Uma categoria enfraquecida e
desorganizada sindicalmente (com baixa sindicalização, com falta de organização nos locais
de trabalho, com pouca ou nenhuma mobilização por reivindicações imediatas), terá maiores
dificuldades para avançar na sua consciência política.
Mas para que o sindicato cumpra sua função estratégico-socialista deve ser construído
sobre alguns princípios básicos, dentre esses:
1) O sindicato deve ser uma organização democrática que garanta que as diversas
posições políticas existentes na categoria tenham canais para disputar a adesão do conjunto
dos trabalhadores representados e articular-se com outros movimentos sociais progressistas,
movimentos de sem-terra, de consumidores, de índios, negros, feministas, trabalhadores
informais, desempregados, estudantis, entre outros, deve ser no debate político e através da
adesão ativa dos trabalhadores e do povo simples que a esquerda deve exercer sua maioria na
categoria e não pela via do aparelhamento da entidade.
Nesse sentido, um mecanismo fundamental para o funcionamento do sindicato (no que
diz respeito à composição da direção e na escolha de representação, delegados e outros) é a
234

proporcionalidade, isto é, que cada posição política tenha uma participação de acordo com seu
peso na categoria. Isso permite garantir o caráter efetivamente plural da entidade sindical ou
de inibir as tentações aparelhistas que surgem na prática sindical.
2) O sindicato deve se organizar pela base. A categoria organizada a partir dos locais
de trabalho é um antídoto fundamental contra a burocratização das entidades. A história da
burocratização dos sindicatos tem estado associada à concentração de poder nas cúpulas (nas
executivas e, em especial, nos cargos de presidente e tesoureiro).
Enquanto o capital se globalizou, o operariado localizou-se e segmentou-se. Na fase
atual, o movimento sindical terá de se reestruturar e apropriar-se da escala local e da escala
transnacional pelo menos com a mesma eficácia com que no passado se apropriou da escala
nacional. Da lógica do controle do aparelho à lógica da participação e da ação comunicativa, o
movimento sindical deve reorganizar-se de modo a estar simultaneamente mais próximo do
quotidiano dos trabalhadores, dentro e fora do espaço da produção, articular-se com outros
movimentos sociais, promovendo a mais ampla integração, de modo a atender os
trabalhadores enquanto trabalhadores e as aspirações e direitos legítimos destes e de todos os
excluídos do sistema, criando a possibilidade e as condições políticas para a globalização dos
direitos, da cidadania e da democratização do acesso a todas as conquistas da humanidade.
3) O sindicato deve ter independência de classe. O sindicato deve ser uma
organização dos trabalhadores sem atrelamento ao Estado e aos patrões. Sua sustentação
financeira deve se basear na contribuição voluntária dos trabalhadores. Por outro lado, se
trabalhadores e patrões têm projetos antagônicos (socialismo X capitalismo), entre eles não
pode haver parceria nenhuma. Não interessa dar estabilidade ao capital nem a seu sistema – o
capita lismo. Não se pode identificar os interesses dos trabalhadores com os da empresa na
qual trabalham. Deve -se construir a identidade da classe trabalhadora e uma diferenciação
clara em relação à política burguesa.
Estes são três princípios que devem ser respeitados para que o sindicato seja uma
autêntica organização de frente única da classe trabalhadora e, a partir dessa experiência,
articule-se com outros movimentos sociais progressistas para que, no aprofundamento das
relações e da realização da cidadania , caminhem em direção a uma sociedade
verdadeiramente democrática e solidária.
Se não tiver democracia, haverá burocratização, qualquer iniciativa da base será
abafada pela direção e a disputa da hegemonia estará bloqueada pelo aparelhismo. Se não
forem or ganizados pela base, os mecanismos de democracia serão pura formalidade já que os
trabalhadores e o povo comum não terão ferramentas para uma participação efetiva. Se não
235

tiver independência de classe, a organização sindical estará atrelada ao campo político-


burguês.
Os socialistas têm como tarefa, a partir dos sindicatos, estimular a classe trabalhadora
a questionar o poder do capital sobre o processo de produção e de trabalho. Ao sindicato e à
central sindical, deve interessar não somente em que condições a força de trabalho está sendo
contratada (que é o que em geral se discute em campanha salarial) mas também de que forma
está organizada a produção e o trabalho em uma empresa, no ramo de atividade e no país.
O capitalismo se viabilizou historicamente através de um processo político
(constituição do Estado burguês) e social (de expropriação do poder que os trabalhadores
tinham sobre o processo de trabalho). O trabalhador passou a ser substituído no processo de
trabalho por normas disciplinares pelo medo ao desemprego, pelo ritmo imposto pelas
máquinas e pelas linhas de montagem, pelas formas de gestão de mão-de-obra que vão desde
o “taylorismo” até o “toiotismo” e permitem diversas combinações de estratégias
empresariais, sempre com o objetivo de aumentar a produtividade do trabalho e assim garantir
lucros maiores para o capital.
A tarefa do sindicato é unificar os tralhadores de uma categoria. A tarefa central é
unificar a classe trabalhadora de um país. Mas isso é cada dia menos suficiente para enfrentar
as estratégias das empresas que estão cada vez mais internacionalizadas – e para conseguir
desafiar o poder da principal potência imperialista, os Estados Unidos da América.
O capital tenta fazer com que a concorrência entre empresa se manifeste também como
disputa entre os trabalhadores de uma empresa contra os de outra concorrente.
Contemporaneamente, e em paralelo com a “guerra fiscal”, as empresas tentam colocar em
disputa trabalhadores de uma região do Brasil com os de outras regiões. Com essa mesma
lógica, os capitais operam em relação aos países: prometem investimentos nos países em que
os trabalhadores reivindiquem menores salários e menos direitos.
Seja na relação entre trabalhadores de duas empresas concorrentes no mesmo ramo, de
duas regiões do mesmo país, ou de dois países, a questão é: ou cada um defende “sua
empresa” na disputa pela competitividade, ou unem-se todos para defender de todos os
capitais.
4) Uma organização sindical dos excluídos. Mudanças recentes do capitalismo estão
provocando alterações no perfil da classe trabalhadora. Há hoje mais trabalhadores
desempregados, precarizados, terceirizados, do setor informal, que há dez anos. Essa mudança
do perfil da classe trabalhadora implica discutir quais são as melhores formas organizativas
que se deve desenvolver para conseguir aglutinar esses segmentos que têm tido um
236

crescimento explosivo nos últimos anos. Caso contrário, o sindicalismo será cada vez mais a
organização de uma minoria com carteira assinada e maior estabilidade no emprego, deixando
o grosso dos trabalhadores alijados.
Por outro lado, os trabalhadores que ainda têm contratos que garantem direitos estão
sofrendo de forma direta e sistemática ataques em seus direitos através da “flexibilização
trabalhista” que visa a eliminar os direitos sociais conquistados.
5) Contra todas as opressões. Importantes setores da classe trabalhadora sofrem
formas específicas de opressão que cumprem importantes papéis econômicos (aumentar a
exploração) e políticos (reforçar a dominação burguesa). Mulheres, negros, imigrantes,
homossexuais, idosos e indígenas são vítimas prioritárias do neoliberalismo. Defende-se um
sindicalismo que organize os trabalhadores contra todas as formas de opressão e que seja
capaz de abrigar espaços no seu interior para a auto-organização dos coletivos específicos que
assim o reivindicarem.
6) Construindo uma nova direção. A crise econômica é grande e suas conseqüências
sociais dramáticas (desemprego, destruição de serviços públicos, empobrecimento da
população). Esse terreno pode levar a uma radicalização política, desde que o movimento
sindical combativo assuma claramente e organize o enfrentamento com as políticas e os
governos que provocam essas mazelas. Mas dessa mesma conjuntura pode derivar também
uma postura sindical defensiva que em nome dos interesses de uma categoria busque acordos
ou a aprovação de medidas governamentais que prejudiquem direitos de outros setores ou do
conjunto da classe trabalhadora.
De acordo com o Projeto Cutista a Luta pela Liberdade de Organização Sindical e o
Combate ao Projeto Neoliberal (São Paulo, 1996), para o cenário da liberdade e autonomia
sindical, é fundamental que se conquiste, previamente, o direito à organização dos
trabalhadores nos locais de trabalho. Esse direito é uma das principais salvaguardas que a
organização sindical deve ter para propor a retirada dos atuais mecanismos que funcionam (de
forma deturpada e até degenerada) como “salvaguardas”.
Considerando inclusive a estratégia de expulsar (quando não consegue domesticar) o
sindicato de dentro das empresas, o principal desafio do período, neste terreno, é “colocar o
sindicato dentro do local de trabalho”.
Para alcançar esse objetivo, precisa-se construir um movimento social de resistência
que articule os setores democráticos e populares, também para defender a organização
sindical (contra os ataques acima expostos e pelo direito de organização no local de trabalho).
237

Elizário Toledo, do Departamento de Desenvolvimento Rural – FETAG/RS, na


inquirição sobre o mesmo assunto, sugere estratégias que os sindicatos deverão adotar para
fazer frente aos desafios enfrentados pelo sindicalismo. Nesse sentido, são relacionadas:
Ofertas de novos serviços, como prestação social complementar, consultas em
assuntos profissionais, formação especializada sobre programas de comunicação.
Captação de novos membros, em especial mulheres e jovens, desempregados, todos os
que estiverem em situação de exclusão social.
A situação da mulher nos sindicatos deve ser revista de forma prioritária por ser um
contingente significativo, possuir peso e representação importante, e pelo fato de que elas
podem ser um elo da integração da família no ativismo e militância sindical, como já ocorre
nos Estados Unidos, na Inglaterra, Canadá e Itália, onde foram criados departamentos
específicos para tratar da participação das mulheres e sua inserção no movimento sindical.
Será preciso descentralizar a ação sindical levando os sindicatos até onde estão os
associados, quer seja nos bairros, quer seja nas comunidades mais distantes.
Intensificação da cooperação sindical internacional que, via de regra, é difícil de
implementar devido às diferentes culturas e línguas, barreiras de ordem jurídica, contudo essa
cooperação é fundamental para globalizar ações sindicais exitosas e, também, para afirmar
que há alternativas fora do pragmatismo dogmático da globalização e das políticas
neoliberais, ora propaladas como único e irreversível caminho para o desenvolvimento das
nações.
Estabelecimento de novas alianças. Os trabalhadores não se identificam somente em
função de sua atividade mas também com suas origens, nacionais e sociais, opções filosóficas,
religiosas, políticas, idade, sexo, que compartilham dos mesmos objetivos dos sindicatos,
enfim esses devem trabalhar para agregar forças desses parceiros potenciais para a construção
de um novo modelo de desenvolvimento harmônico e que propicie abertura de oportunidades
para todos.
Os sindicatos devem trabalhar para viabilização e concretização do Estado
democrático, democratizando suas próprias relações, contribuindo para uma distribuição mais
harmoniosa dos frutos do crescimento, promovendo a estabilidade social, impedindo a
exclusão, a violência e os distúrbios sociais e colaborando para a erradicação da pobreza. Ser
um veículo vital na construção da consciência coletiva, evidenciando o exercício da cidadania
como pressuposto básico de uma sociedade mais justa e igualitária, banindo dela odiosos
privilégios que acentuam e denunciam a ostentação de uns poucos milhares, em detrimento da
miséria de milhões.
238

É necessário uma profunda reflexão sobre o tipo de sindicatos que se está buscando
para enfrentar os desafios ora propostos, uma revisão criteriosa da inserção e da participação
dos jovens, destinando espaços para sua atuação na construção de propostas objetivando o
ativismo militante e na procura de alternativas que assegurem a permanência dos jovens no
meio rural.
Elaboração de canais que viabilizem a construção de um modelo de desenvolvimento
sustentável para o campo e para a cidade, tendo, também, os jovens como eixo central na
concepção de um novo modelo de sindicato que busque a sua inclusão, garantindo a
continuidade combativa e atuante, vislumbrando a sustentabilidade de uma sociedade que
proporcione igualdade de condições e de oportunidades para esta geração, sem comprometer
as possibilidades das gerações futuras.
Os destinos dos movimentos populares devem estar intimamente ligados às questões
de gênero que, ao contrário do que se acredita, não trata única e exclusivamente dos assuntos
ligados à mulher, mas de todo o contexto no qual está inserida, em especial das relações de
homens e mulheres, comprometidos na busca do ponto de equilíbrio que possibilite a ambos o
exercício da ocupação dos espaços a que têm direito.
Os sindicatos devem incluir em suas agendas de discussão o papel que as questões de
gênero representam para o conjunto dos movimentos sindicais. É urgente propiciar canais de
participação, através de comissões temáticas específicas, que dêem amplitude da importâ ncia
daquilo que representam.
As dificuldades porque passam os movimentos sociais dizem respeito a todo o
povo simples. Todos fazem parte do problema e da sua solução. Portanto, os sindicatos
precisam tornar-se um instrumento a serviço do processo de apropriação da cidadania e de
politização da sociedade. Hoje é visível que, no estágio de evolução sócio-político-econômico
em que se encontra a sociedade, é fundamental que o povo exerça sua cidadania na plenitude
e se jogue à busca coletiva de melhores condições de vida para os sindicatos voltarem a ter o
respaldo social indispensável para suas reivindicações específicas, sem o qual a correlação de
forças lhe será desfavorável.
Assim sendo, é imperioso que os sindicatos contribuam no processo de alteração do
comportamento social. A sociedade precisa abandonar a cultura de passividade, de apatia, de
acomodação, de priorização da esfera privada e passe a ter uma cultura de participação, de
mobilização de priorização da esfera pública. Não é tarefa fácil, mas é o desafio do
movimento sindical.
239

A tarefa do sindicato que se propõe a resgatar a cidadania é trabalhar no sentido de


romper com essa cultura e formar novas bases de solidariedade social, construindo alianças
políticas estratégicas com outros segmentos sociais com vista a desprivatizar e democratizar o
Estado.
O sindicato deve inserir-se nas decisões mais gerais do conjunto da sociedade através
da cultura, das ciências, da política em todas as suas formas, da pesquisa, objetivando
construir um novo projeto de sociedade, contrapondo-se à sociedade capitalista com seu
discurso neoliberal.
O sindicato tem que oportunizar à comunidade e não apenas à categoria espaço de
cultura, de apropriação e discussão sobre temas fundamentais da atualidade como o papel do
Estado, a democracia, o socialismo, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva e seu
corolário de desemprego estrutural, a flexibilização dos direitos trabalhistas, a terceirização, a
nova ordem econômica com a formação de blocos econômicos e em especial o Mercosul.
Também sobre questões organizativas do movimento sindical como o pluralismo sindical e o
contrato coletivo de trabalho.
É necessário que a sociedade veja que há sindicatos comprometidos com os interesses
da população, com um projeto de desenvolvimento nacional. Esse projeto necessariamente
passa pelo resgate de valores éticos, pela conquista de políticas sociais, saúde, educação,
habitação, segurança, cultura e lazer. Passa pela radicalização da democracia e pela busca da
modernidade, ainda que tardia. Modernidade essa que não significa melhores condições de
reprodução e acumulação capitalista, mas, sim, e, fundamentalmente, condições de dignidade
humana para todos.
Na síntese dessas análises, vai- se encontrar que o problema não deve ser colocado em
termos de atuar dentro ou fora da estrutura sindical. A prática do sindicalismo deve ocorrer
dentro e fora. A CUT está colocada diante de vários desafios. Entre estes, se ela é, de fato,
contra a estrutura sindical e o peleguismo, e se não tem, de fato, compromisso com a
unicidade sindical, deve, então, começar a discutir a criação de sindicatos cutistas nas bases
dos sindicatos e sindicalistas pelegos.

3.10.10 Posicionamentos do movimento sindical frente à política neoliberal

O sindicalismo desempenhou, na história recente do Brasil, um papel importante. Depois


de um longo período em que a quase totalidade dos sindicatos oficiais esteve a serviço da ditadura
militar, a crise econômica e política do final da década de 1970 criou a oportunidade pa ra a
240

afirmação de um novo sindicalismo a partir da luta dos metalúrgicos do ABC. Desde então, a luta
sindical de massa reconstituiu-se, e parte do sindicalismo brasileiro afirmou-se como movimento
reivindicatório e político.
A década de 1990, no entanto, foi um período difícil para o sindicalismo no Brasil. Ele
deixou de ser um movimento social importante, pois sua capacidade de intervenção na luta política
e social diminuiu. A CUT era uma referência central das lutas populares e o inimigo público
número um dos governos. Hoje, a seu modo, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,
o MST, que ocupa esse posto. O MST é o movimento popular que mais cresce. Além do MST,
surgem lutas novas, como a dos trabalhadores do setor informal da economia, que també m têm se
desenvolvido fora do movimento sindical.
A situação brasileira não é uma exceção. Em escala internacional, as dificuldades do
movimento sindical vêm se manifestando desde a década de 1980. Verificaram-se o declínio
da atividade grevista, a diminuição do número de afiliados e a afirmação, entre as direções
sindicais, da tendência à moderação da luta. Na segunda metade da década de 1990,
começaram a surgir sinais de uma provável recuperação do movimento sindical. A classe
operária e o sindicalismo apenas agora começaram a se desenvolver em inúmeros países (do
Leste da Ásia, na China, na Rússia). O que ocorre é que a situação econômica, política e
ideológica atual, principalmente na América e na Europa, é desfavorável para todos os
movimentos populares e, principalmente, para o sindicalismo, particularmente afetado pelo
desemprego, pela abertura comercial e pela desregulamentação do mercado de trabalho.
Do sindicalismo de oposição ao sindicalismo de participação: uma transição
inacabada – A linha sindical implementada pela CUT, antes da virada imposta pela ofensiva do
neoliberalismo e a posse de Fernando Collor de Mello, apresentava as seguintes características: A
CUT, durante a década de 1980, lutou para implementar uma estratégia sindical de combate à
política de desenvolvimento pró -monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiária do Estado
Brasileiro. Ela foi gradativamente consolidando uma plataforma de transformações econômicas e
sociais antagônicas à política de desenvolvimento do Estado brasileiro, além de intervir de modo
ativo na luta pela democracia. Em segundo lugar, embora essa plataforma não tenha sido levada na
inteireza para a ação prática, nem por isso ela permaneceu como letra morta. A CUT organizou
campanhas, no âmbito nacional e internacional, pelo não pagamento da dívida externa e interveio a
favor da reforma agrária na elaboração da Constituição de 1988.
Ao todo ocorreram quatro greves gerais. A primeira delas, realizada em julho de 1983, foi
um protesto contra o decreto que alterava a política salarial. A segunda greve, realizada em
dezembro de 1986, foi um protesto contra o Plano Cruzado II, particularmente contra o fim do
241

congelamento de preços, reivindicava uma política de recuperação salarial e também agitava a


bandeira do não-pagamento da dívida externa. A terceira greve, de agosto de 1987, foi em protesto
à implantação do Plano Bresser. Novamente um protesto contra alterações na política salarial do
governo federal. Esta greve manteve o mesmo nível de mobilização da greve de 1986: contou com
a paralisação de dez milhões de grevistas. A quarta greve geral nacional de protesto foi realizada
em 1989, sendo uma greve contra o plano de estabilização, o Plano Verão, que alterava a política
de indexação dos salários.
Os setores mais ativos nessas greves foram: metalúrgicos e trabalhadores da indústria
automobilística, trabalhadores da indústria química e petroleira, trabalhadores da construção civil,
funcionários públicos estaduais e federais, professores da rede pública, trabalhadores dos
transportes urbanos, médicos e funcionários da saúde e bancários.
Outro momento importante e característico da ação da CUT nesse período foi a sua
intervenção no processo constituinte de 1986-1988. Essa intervenção teve como objetivos
principais constituc ionalizar os direitos trabalhistas e sociais já existentes, criar direitos novos de
proteção aos trabalhadores e influir na produção de normas constitucionais favoráveis à reforma
agrária.
A Assembléia Nacional Constituinte teve o condão de politizar o movimento sindical.
Colocou o conflito de interesses entre as classes sociais no plano geral da política. Trouxe para o
debate público questões básicas da estrutura econômica, social e política do país. A CUT interveio
nesse processo orientada por uma visão (de repúdio dos trabalhadores à retirada do projeto – de
Constituição – de pontos que asseguram seus direitos) segundo a qual a sociedade estava dividida
por um conflito básico: num lado, encontravam-se os banqueiros, latifundiários e grandes
empresários. A CUT via como sua tarefa formar uma grande frente para fazer valer os interesses
do campo popular na elaboração da Constituição. Em 12 de agosto de 1987, as entidades
populares, e entre elas a CUT, entregaram ao Congresso Nacional 122 propostas de emendas
populares à Constituição, versando sobre a reforma agrária e sobre direitos dos trabalhadores.
Ressalta-se que a direção da CUT concebia o sindicato como parte de um conflito maior,
que opunha diferentes classes sociais. A CUT pensava o Estado como um aparelho que organiza a
dominação de classe e nem via a luta sindical como parte da luta pelo socialismo. Apenas o
governo, considerado como defensor dos interesses capitalistas, era visto como parte integrante do
conflito de classes. E mesmo frente ao governo a corrente dirigente da CUT apresentava uma
posição oscilante. Em alguns momentos, pareceu acreditar, a despeito da crítica que lhe faziam as
correntes da esquerda da central, na possibilidade de induzir o governo Sarney a mudar sua política
de modo a atender os interesses dos trabalhadores. Mas, de um modo geral, a direção da CUT
242

caracterizava a política de Sarney como um instrumento dos interesses das classes ou “grupos”
dominantes – banqueiros, latifundiários, capital estrangeiro.
A concepção sindical e a estratégia de ação a ela vinculada corporificavam uma orientação
de oposição à política de desenvolvimento pró-monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiária do
Estado brasileiro. Essa concepção baseava-se no entendimento de que a ação sindical não se
esgotava na luta reivindicativa em defesa dos salários e das condições de trabalho nas condições
dadas pelo bloco no poder. Apontava para a necessidade de uma alteração no bloco de poder para
que se pudesse contemplar os interesses dos trabalhadores. Essa estratégia da CUT não logrou
reverter a tendência à deterioração dos salários, mas obteve importantes vitórias, ao contrário do
que viriam a dizer os seus críticos, os defensores do “sindicalismo propositivo”. Contribuiu, de
modo decisivo, para a constitucionalização de inúmeros direitos políticos, sociais e trabalhistas,
como o direito de greve, a aposentadoria por tempo de serviço e sem idade mínima, a jornada
semanal de 44 horas, a extensão da legislação trabalhista aos empregados domésticos e muitos
outros. Em suma, contribuiu para um conjunto de vitórias que se revelou um obstáculo de monta à
política neoliberal da década de 1990 – a implantação do programa neoliberal no Brasil poderia
estar muito mais avançada não fosse a permanente necessidade de os governos obterem maioria
qualificada para aprovar reformas constitucionais. Essa estratégia contribuiu, também, para
unificar, política e ideologicamente, um campo democrático-popular; foi um fator importante para
a acumulação de forças revelada, no plano eleitoral, pela força da candidatura de Lula, da Frente
Brasil Popular, na eleição presidencial de 1989.
A maioria dos analistas, observadores e dirigentes do movimento sindical apresentava
como traço distintivo da CUT na década de 1980 aquilo que seria o caráter socialista da central e
insistem no que diz respeito à forma de organização, naquilo que seria o seu enraizamento na base,
isto é, nos locais de trabalho e o seu perfil de central sindical de massa. Boito Jr. (1999), entre
outros autores, considera tais caracterizações excessivas.
A CUT, como também o Partido dos Trabalhadores, apresentava apenas um discurso
genérico de simpatia pelo socialismo e a intenção de vincular-se à tradição do movimento
operário internacional. O conteúdo desse socialismo, bem como os meios para se chegar a ele,
nunca foram definidos, pois, segundo a CUT e o PT, o socialismo no Brasil deveria ser
(re)inventado. As lutas práticas assumidas pela central naquela década – democracia, salários,
reforma agrária, não-pagamento da dívida externa – e as bandeiras que ela propagou –
estatização do sistema financeiro, da saúde, do transporte coletivo –, configuravam um
programa de transformações democrático-popular e não um programa socialista. Mas foi,
justamente, por defender um programa adequado que a CUT cresceu.
243

A CUT cresceu, mas a recessão e a reestruturação produtiva e seus impactos no


mercado de trabalho provocaram fortes reflexos no movimento sindical, colocando-o numa
condição de impasse e desafios. Particularmente na CUT, evidencia-se:
A criação de sindicatos “cutistas” nas bases dos sindicatos e sindicalistas “pelegos” – No
que respeita à organização de base, a proposta de organização de comissões de empresa não foi
levada à prática. A CUT optou por se organizar dentro da estrutura sindical corporativa de Estado.
Ela cresceu agregando os sindicatos oficiais e procurando, exitosamente, obter reformas
liberalizantes dessa estrutura – o modelo autoritário e policialesco de gestão da estrutura sindical
pelo Executivo federal foi substituído, ao longo da década de 1980, por um modelo mais liberal de
gestão da estrutura sindical pelo Judiciário, preservando-se, contudo, os pilares da estrutura
sindical: a unicidade sindical e as taxas de contribuição obrigatórias.
O projeto original da CUT consistia numa profunda inserção nas bases das categorias, por
ramos de atividade econômica. Esta íntima inserção dar -se-á através das Comissões de Fábricas
e/ou Núcleos de Base, tanto no meio urbano como no rural. Inegavelmente, está em curso um
processo de burocratização e distanciamento das direções/sindicatos cutistas das bases. Mas
existem algumas exceções.
No setor público, os sindicatos cutistas organizaram-se fora da estrutura sindical. Até 1988,
os funcionários públicos estavam impedidos de organizar sindicatos oficiais integrados à estrutura
sindical corporativa, embora não estivessem impedidos de organizar, e eles de fato organizaram,
sindicatos autônomos frente ao Estado.
Os sindicalistas “pelegos”, leia-se, principalmente, “Força sindic al”, que adota claramente
o projeto e a perspectiva neoliberal, nunca primou por uma inserção nas bases. Os seus métodos
consistem em mecanismos de manipulação, golpes e populismos assistencialistas.
Em suma, a CUT ficou composta no setor privado por sindicatos oficiais pertencentes a
uma estrutura sindical de Estado reformada e, no setor público, por sindicatos autônomos, que
procuram assimilar, em alguns aspectos, as características da estrutura oficial. Tal fato
comprometeu a organização das bases que era propagandeada pelo discurso oficial da central. No
setor privado, com exceção de algumas poucas empresas, como as montadoras de veículos do
ABC e do interior paulista, os sindicatos cutistas seguiram sendo “sindicatos de porta-de-fábrica”,
tendo como pre ocupação central o controle da comissão pelo sindicato, inibindo a ação das bases
na criação de comissões de empresa. No setor público, a organização nos locais de trabalho
difundiu-se mais, e isso devido ao fato de a estrutura sindical de Estado não ter sido implantada
nesse setor e devido à maior liberdade de organização que o funcionalismo usufrui no local de
trabalho.
244

A estratégia da CUT na década de 1980 compreendia, portanto, ações de massa e


centralizadas, como as greves nacionais de protesto e a intervenção no processo constituinte,
mas a central não organizava as massas nos locais de trabalho e sua ação estava limitada pela
estrutura sindical corporativa de Estado. A CUT, no plano nacional, tinha força para fazer
greves de protesto, greves demonstrativas, mas não para organizar greves de luta. O tipo de
ação que mais envolvia os trabalhadores era a luta dos diferentes setores das classes
trabalhadoras por proposições e aumentos salariais. E essa luta também esteve marcada pelo
fato de a CUT ter optado por permanecer dentro da estrutura sindical.
O sindicalismo propositivo na década de 1990 - A plataforma de transformações
econômicas e sociais que a CUT esboçou na década de 1980 era um programa de ataque às
posições conquistadas pelo grande capital mon opolista – nacional e imperialista – e pela grande
propriedade fundiária no período da ditadura militar. A eleição de Fernando Collor de Mello
mudou toda a situação. Ele se elegeu com o voto popular, consagrou nas urnas o programa
neoliberal que defendera na campanha, e demonstrava força e disposição para implantar o
neoliberalismo. Instaurou-se, então, uma defasagem entre a plataforma e a linha ofensiva da CUT e
a nova conjuntura. A corrente Articulação Sindical percebeu a mudança de situação, o mesmo não
ocorreu com parte das correntes de esquerda da central. Mas, se a mudança na conjuntura impunha
um recuo do sindicalismo, com a adoção de uma linha de ação defensiva, ela não impunha a
adoção do “sindicalismo propositivo, que a Articulação Sindical acabou por implantar. Essa
estratégia levou a central a uma prática hesitante, às vezes contraditória, configurando, no geral,
uma estratégia de conciliação com a política neoliberal que acabava de chegar ao poder.
A corrente hegemônica da CUT passou a apregoar a necessidade de abandonar o
sindicalismo da década de 1980, que teria sido defensivo e reivindicativo, para apresentar
“alternativas concretas” para todos os problemas importantes da política nacional. O IV Concut,
realizado em 1991, embora tivesse mantido, no geral, as palavras de ordem já consagradas nos
anos 80 – não pagamento da dívida externa, reforma agrária, luta contra as privatizações –
introduziu nas suas resoluções uma novidade importante: a decisão segundo a qual a CUT deveria,
a partir de então, passar a apresentar “propostas para as políticas de abrangência nacional” (política
econômica, industrial, habitacional, de saúde, previdência, agrícola, energética, educacional, etc.).
Essa decisão indicou, a despeito da manutenção do discurso contra o modelo econômico, a
mudança da concepção e da estratégia da CUT.
A CUT abandonou a luta prática e a agitação de idéias contra o modelo de
desenvolvimento econômico brasileiro e não assumiu a luta e a denúncia sistemática contra a
política neoliberal no seu conjunto. Exemplo maior foi a conjuntura da crise do governo Collor, na
245

qual a direção da CUT, em vez de colocar como centro do seu discurso a crítica à política
neoliberal, satisfez-se em denunciar a política recessiva do governo e enredou-se, inclusive, no
discurso moralista de defesa da “ética na política”.
Abandonada a perspectiva de confronto com o modelo econômico e com o conjunto da
política neoliberal, firmou-se a proposta de participação do sindicalismo cutista na definição da
política governamental. Esse participacionismo é ativo. A CUT não o concebe como uma presença
consultiva ou defensiva de seus delegados nos fóruns tripartites que reúnem empresários,
sindicalistas e representantes governamentais em âmbito nacional ou setorial. Ela pretende
apresentar propostas próprias para os temas discutidos em tais fóruns e fazer aprovar essas
propostas, daí a expressão “sindicalismo propositivo”. O sindicalismo propositivo é um
sindicalismo que pretende elaborar propostas que interessariam tanto aos governos neoliberais e às
empresas quanto aos trabalhadores. Acredita ser possível conciliar a burguesia com os
trabalhadores e os trabalhadores com o neoliberalismo.
Essa nova estratégia da CUT, ao contrário da anterior, desestimula e desvaloriza a
mobilização e a luta de massa. Assim, em 1999, a hesitação frente ao neoliberalismo dissemina,
nos sindicatos, a idéia de que não há caminho alternativo à situação econômica do país, o que
desestimula a luta reivindicatória nos sindicatos. O sindicalismo propositivo contrapõe a alteração
de propostas engenhosas e tecnicamente sofisticadas, que seriam um meio eficiente para a
afirmação do movimento sindical, à luta grevista, que seria um instrumento desgastado. A luta
grevista é desvalorizada, e até estigmatizada. A corrente Articulação Sindical cunhou a expressão
“grevilha” para nomear, pejorativamente, a linha sindical combativa da década de 1980. A luta
grevista daquele período teria representado um contrabando, realizado pelos ex-militantes da
esquerda armada que atuavam na CUT, da prática guerrilheira da década de 1970 para a prática
social da década de 1980.
No plano nacional, as greves gerais de protesto e as campanhas contra a política econômica
do governo cederam lugar às diversas tentativas de acordo com os governos Collor, Itamar e FHC.
As greves gerais não desapareceram por completo na década de 1990; chegaram a ser realizadas
duas, mas ambas limitadas pela conjuntura e pela nova estratégia da central. Essas greves,
realizadas em maio de 1991 e junho de 1996, t iveram participação menor dos trabalhadores, foram
prejudicadas pela defecção de direções de sindicatos importantes, como as direções dos sindicatos
do ABC na greve de 1991, e sua repercussão política foi menor que a das greves da década de
1980.
A Articulação Sindical, apesar da oposição das correntes de esquerda da central, apostou
nas negociações com os governos neoliberais. A despeito das expectativas que tais negociações
246

geraram na corrente Articulação Sindical, nenhuma delas trouxe o resultado que a direção da CUT
esperava; todas fracassaram. Os próprios encontros com o governo eram utilizados para divulgar e
agitar a plataforma da CUT. Jair Meneguelli protocolou, nas duas oportunidades, a plataforma em
torno da qual ele afirmava que a central queria negociar: reajuste automático de acordo com a
inflação, redução da jornada de trabalho, salário-desemprego, congelamento dos preços dos
gêneros de primeira necessidade, salário mínimo do Dieese, reforma agrária e não-pagamento da
dívida externa. A intervenção da CUT funcionava mais como denúncia da política econômica do
que como a busca efetiva de um acordo (Boito Jr., 1999).
A última negociação importante, no período até 1999, deu-se entre Fernando Henrique
Cardoso e as centrais sindicais em torno da reforma da previdência social. Em 1996, chegou a ser
assinado um acordo entre o governo e a direção da CUT, este acordo só retirava direitos dos
trabalhadores e contrariava pontos básicos da plataforma cutista sobre a matéria, a começar pela
substituição do tempo de serviço pelo tempo de contribuição na contagem do tempo para
aposentadoria. Esse ponto é particularmente grave, pois atingiu mais os trabalhadores de baixa
renda. Todos os partidos de esquerda e de centro-esquerda, manifestaram que votariam contra a
proposta oriunda do acordo. O presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, renegou o acordo
menos de 24 horas antes da sessão de votação do projeto de reforma pela Câmara dos Deputados.
O governo não logrou maioria qualificada para aprovar o projeto.
A direção da CUT queria importar a tática do sindicalismo social-democrata europeu, mas
num ambiente político muito diferente e sem dispor da força necessária. Segundo Boito Jr. (1999),
a CUT revelara ter estrutura e força suficientes para implementar uma estratégia sindical de
protesto na década de 1980, mas não para comprometer os governos e os empresários com uma
estratégia de negociação no plano nacional. Por isso, os governos puderam se desembaraçar da
negociação sempre que julgaram conveniente. A estratégia de sindicalismo propositivo tem uma
componente irrealista muito acentuada.
A estratégia participacionista estimulou o insulamento corporativo dos diferentes setores do
movimento sindical e o desinteresse pela defesa dos direitos sociais ameaçados pela política
neoliberal. A concepção que valorizava a luta unificada de massa por direitos sociais e trabalhistas
foi substituída por uma visão contratualista e fragmentada da ação sindical que valoriza a “livre
negociação” entre as partes tomadas isoladamente. Com o passar do tempo, o insulamento
corporativo passou a se verificar no nível das empresas. Tendo a CUT abandonado a estratégia da
luta unificada no topo, o crescimento desse novo corporativismo foi o caminho “natural” nas
condições de crise econômica e de ofensiva política e ideológica do neoliberalismo.
247

A proposta de “contrato coletivo de trabalho” elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos


da corrente Articulação Sindical estimulou essa nova tendência corporativa e foi precedida pela
Articulação Sindical, no início da década de 1990, como um corpo de idéias que, se assumido pela
central, poderia contribuir para liberar a CUT da ação sindical massiva e politizada da década de
1980. O que a Articulação Sindical, corrente hegemônica da CUT, queria era uma proposta de
contrato de trabalho adequada à nova estratégia sindical.
Antônio Augusto de Oliveira Campos, presidente da Federação dos Trabalhadores
Bancários da CUT e membro da corrente Articulação, ao defender o contrato coletivo, queria que a
CUT passasse por um processo de despolitização e não tomasse a ofensiva neoliberal do governo
como referência central de sua estratégia. A proposta de contrato coletivo era pensada como parte
de uma nova concepção e de uma nova linha de ação sindical que deveria orientar a CUT.
Fato é que a CUT não possuia unidade, centralização e força para produzir um processo
de negociação no nível nacional com autoridade frente ao patronato e sua própria base. A
CUT não fez uma revisão de sua concepção que repousava na oposição entre direitos
protetivos do trabalho e contratação coletiva. A proposta na fase transitória esclarecia que a
longo prazo a CUT poderia abrir mão dos direitos sociais e também da existência de política
salarial que impusesse, por via legal, aos empregadores, a reposição de perdas ou a
recuperação de salários. Ao mesmo tempo, a CUT ia alertando seus sindicatos para a
necessidade de ampliar a pauta de negociação. Saúde, aposentadoria complementar, pensões
previdenciárias, transporte e outros temas poderiam ser negociados setor a setor. O essencial
poderia ser contratado direta e livremente entre sindicatos e patronato, de acordo com a
capacidade de pressão de cada setor.
Concepções como essas, que opunham a contratação coletiva aos direitos protetivos e à
política salarial, facilitaram a iniciativa de Fernando Collor de Mello, em maio de 1990, e de FHC,
em julho 1995, de desindexar os salários. A tática governamental consistia em implantar a “livre-
negociação” (sem liberdade e autonomia sindical), substituindo a política salarial pela contratação
direta, um instrumento importante para os governos neoliberais, pois permitia promover a
compressão dos salários pela via do “livre jogo das forças de mercado” (Boito Jr., 1999, p. 156).
A proposta cutista de contrato coletivo de trabalho parecia atender aos interesses de setores
sindicalmente mais organizados da classe média e da classe operária em detrimento dos interesses
do restante das classes trabalhadoras. O contrato coletivo de trabalho não pode ser identificado com
o neoliberalismo. O neoliberalismo e o sindicalismo, no limite e doutrinariamente, são duas formas
contraditórias. Mas, dependendo da ação sindical, essa contradição não é, necessariamente,
antagônica. A prática sindical contratualista, que informa a propos ta de contrato coletivo,
248

representa a modalidade de ação sindical mais próxima, ideológica e politicamente, do


neoliberalismo.
Como ideologia e como política de Estado, o neoliberalismo aponta para a restrição e
eliminação de direitos sociais e para a restrição à organização e à luta sindical. O neoliberalismo
opera com a velha concepção liberal da sociedade como um agregado de indivíduos livres e iguais,
e faz a apologia da liberdade de mercado, inclusive do mercado de trabalho. Já o sindicalismo, que
possui como ideologia básica e comum a idéia de que os trabalhadores formam um tipo de coletivo
– de classe, de corporação, de empresa ou setor – unificado em torno de um mesmo interesse, e
que, ao nível de remuneração e as condições de trabalhos dependem da organização e da luta
coletiva desses trabalhadores. O sindicalismo se assenta na crítica, doutrinária ou prática, dos
mecanismos de mercado, objetiva tolher a ação de tais mecanismos.
O sindicalismo que busca a unificação da luta reivindicativa dos trabalhadores assalariados
em torno dos direitos sociais e trabalhistas é um princípio antagônico à ideologia e à política
neoliberal. A luta pelos direitos sociais unifica nacionalmente os trabalhadores num coletivo de
classe e pleiteia a intervenção do Estado para impor limites (jurídicos) à exploração praticada pelos
capitalistas. Já a livre contratação coletiva é a forma de ação sindical mais propensa a se adaptar ao
neoliberalismo, pois faz apelo à ideologia do contra entre partes supostamente livres e iguais,
fragmenta o coletivo de classe em setores, é refratária à regulamentação salarial e permite a
desregulamentação das relações de trabalho nos setores sindicalmente pouco organizados. O
contratualismo sindical é uma espécie de adaptação do liberalismo pelo e para o sindicalismo.
A real dimensão dos efeitos destrutivos dessa proposta sobre os trabalhadores pode ser
avaliada quando se considera a importância da legislação, na regulamentação do mercado de
trabalho no Brasil, os desequilíbrios e instabilidades do capitalismo periférico, a burocratização e o
governismo, entre outras situações.
A concepção e a linguagem da CUT também mudaram, evidenciando o impacto da
ideologia neoliberal no interior da central. A concepção da década de 1980 centrava-se na oposição
entre “classe trabalhadora” e o bloco formado pelo “governo” e “empresários”. Na década de 1990,
passou a se centrar numa suposta oposição entre a “sociedade civil” e o “governo”, e não mais
entre os capitalistas e os trabalhadores.
Várias propostas da CUT aceitaram alguns dos pressupostos neoliberais. O sindicalismo
propositivo é, no sentido estrito da expressão, um método de ação sindical: elaborar propostas
próprias para negociá -las com os empresários e os governos (neoliberais). Esse método propositivo
condiciona uma postura conciliatória com o neoliberalismo, como é dado ver nos casos dos
conteúdos das propostas de política industrial e da política educacional.
249

A introdução de novas tecnologias, a reformulação dos processos de trabalho, a abertura do


comércio exterior e a especialização produtiva, que vêm sendo apresentadas como algo inexorável
pela política neoliberal, são aceitas pela CUT.
O crescimento e a reestruturação seriam obtidos mediante alguns recursos como o aumento
dos investimentos estrangeiros na economia brasileira e os incentivos fiscais e creditícios às
empresas provadas, eufemisticamente denominados “políticas públicas”, a abertura do comércio
exterior, que são as condições no interior das quais pretende intervir o sindicalismo propositivo da
CUT, não são compatíveis com a política de distribuição de renda. O capital estrangeiro vem para
o Brasil para usufruir, dentre outras coisas, do baixo custo da mão-de-obra e da inexistência de
legislação de proteção ambiental. Se o governo alterar drasticamente esses pontos, ficará em
desvantagem na concorrência com os demais países periféricos. Essas considerações da executiva
da CUT podem ser identificadas com a nova vertente cepalina denominada neodesenvolvimentista
ou neoestruturalista.
Tal corrente pretende constituir uma terceira via. Nem dirigismo estatal, nem liberalismo
absoluto. Aceita o papel da empresa privada e do mercado como o motor do desenvolvimento
econômico nos países latino-americanos e atribui também aos monopólios nacionais e estrangeiros
um papel importante nesse desenvolvimento. Acredita na necessidade da abertura comercial e da
privatização. Diferencia -se do neoliberalismo puro porque advoga a manutenção de um mínimo de
intervenção reguladora do Estado. Essa concepção neode senvolvimentista foi introduzida na CUT
pelo antigo Desep, o departamento de estudos e assessoria da central que reunia teóricos e
pesquisadores influenciados pela teoria econômica.
Já a proposta de política educacional, lançada pela Executiva Nacional da CUT em 1995,
não defende o ensino público e gratuito como solução para a educação brasileira. Estabelece que a
rede privada de ensino integra, e deve continuar integrando, o “sistema nacional de educação”
(Boito Jr., 1999, p. 162). Ou seja, aceita por omis são os objetivos da política neoliberal para o
ensino. O sindicalismo não está impedido, por causa disso, de denunciar a rede privada e propor
objetivos intermediários na luta pela universalização do ensino público. Mas não é isso o que faz o
documento da CUT. Ele não denuncia as práticas mercantilistas da rede privada e sua natureza
elitista. Portanto é uma proposta de política educacional conivente com a nova burguesia de
serviços do setor educacional. Mas os governos neoliberais no Brasil não se interessaram por essas
e outras propostas. O sindicalismo propositivo e participativo só obteve alguma efetividade prática
na câmara do setor automotivo e, mesmo assim, por um período muito breve.
Com as câmaras setoriais, a CUT pretendeu explorar a contradição existente no interior do
bloco no poder para fortalecer a luta contra o desemprego. Mas o caminho escolhido, um
250

organismo tripartite – reunindo governo, empresários e sindicatos de trabalhadores de um setor


econômico ameaçado pela abertura comercial, com a finalidade de assumir a responsabilidade
pelas medidas de políticas econômicas destinadas ao setor –, demonstrou ser ineficaz para barrar o
crescimento do desemprego e a desindustrialização e colocou a CUT a reboque dos interesses das
montadoras de veículos . As câmaras não são a mesma coisa que uma frente contra o desemprego.
No caso da câmara tripartite, o operariado se associou à burguesia industrial para obter regalias
fiscais e creditícias para o setor automotivo, desviando-se da defesa dos seus interesses específicos
e desinteressando-se pela sorte dos demais setores da indústria. Assim, após terem obtido redução
do IPI, facilidades creditícias para a venda de veículos e aumentado seu faturamento, as
montadoras não viram nenhum mal no fim da câmara setor ial. Valeram-se de sua desativação para
começar a demitir trabalhadores, como ocorreu na Ford e na Mercedez-Benz.
Num plano mais geral, instaurou-se no Brasil uma luta entre os sindicatos, de diferentes
categorias, por verbas públicas para sua empresa ou setor, e por investimentos privados. Além do
compromisso da parceria, as câmaras alimentam um exclusivismo ou egoísmo de fração,
insulando os diferentes setores das classes trabalhadoras (Boito Jr., idem). Em suma, as câmaras,
comparadas à estratégia sindic al da década de 1980, representam um retrocesso político ou um
movimento de despolitização do sindicalismo. Esse novo sindicalismo, distinto do corporativismo
de Estado populista, é uma estrutura de dominação e não uma estrutura de representação de
interesses. Essa estrutura envolve, divide, despolitiza o movimento sindical. Ela realiza, na base da
central, a concepção e a estratégia do sindicalismo propositivo que orienta a Executiva Nacional da
CUT.
Através do sindicalismo neocorporativo, o neoliberalismo logra manter a ação
reivindicatória dos trabalhadores dentro de limites compatíveis com a hegemonia neoliberal. Esse
novo corporativismo está vinculado à desvalorização da mobilização e da luta. Outra atitude, típica
do sindicalismo propositivo, consistiu em apresentar às empresas a proposta do banco de horas .
Esta proposta, aceita pelas montadoras do ABC, flexibiliza a jornada semanal de trabalho, cuja
extensão passa a variar de acordo com as necessidades da empresa. O banco de horas anualiza a
jornada de trabalho, prejudica a vida pessoal e familiar do trabalhador e inviabiliza a fiscalização
da duração da jornada pelos inspetores do trabalho. A flexibilização/anualização da jornada de
trabalho, como inúmeras outras propostas, embora cause danos aos traba lhadores, foi encampada
pela direção nacional da CUT como solução para todo o país. Em abril de 1996, a CUT distribuiu
um documento oficial intitulado “Propostas para a geração de empregos”, no qual a flexibilização
da jornada de trabalho, acompanhada da redução da jornada semanal para 40 horas, é defendida
pela CUT como um instrumento de combate ao desemprego (Boito Jr., 1999, p. 170-171).
251

A ideologia neocorporativa setorial materializava-se em uma linha de ação sindical que


desviava o sindicalismo tanto da luta por transformações estruturais da sociedade brasileira quanto
da luta por reformas estruturais da sociedade brasileira quanto da luta por reformas tendentes a
erigir, no Brasil, um Estado de bem-estar social. Se de um lado o movimento sindical era levado a
buscar soluções setorizadas, através da livre-negociação e da elevação do consumo individual no
mercado, para necessidades, que num Estado de bem-estar seriam atendidas pela manutenção e
ampliação dos serviços e equipamentos públicos, a proposta de contrato coletivo de trabalho e a
prática da câmara setorial valorizavam a negociação de convênios de saúde com grupos privados,
aposentadoria privada complementar, auxílio educação, etc. De outro, o apoio aos esforços dos
capitalistas pela redução da carga tributária e por crédito subsidiado minava a base financeira sobre
a qual se assentavam os direitos sociais. Isso levou o movimento sindical a legitimar um dos
principais objetivos políticos da política neoliberal, em relação às classes trabalhadoras, que é a
restrição dos direitos sociais.
O resultado desse irrealismo que informa também a ação do Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC foi que os trabalhadores se colocaram a reboque dos interesses das montadoras. Ignoraram os
interesses pragmáticos e a força das montadoras, seu peso político junto ao governo e os limites da
divergência das montadoras com a política econômica governamental. Assim que lhes interessou, o
governo e as montadoras desfizeram a câmara e, graças à redução de tributos e créditos
subsidiados, a política de desindustrialização foi deslocada das montadoras, que pareciam
ameaçadas sob o governo Collor, para o setor de autopeças, onde está o médio capital nacional.
Quanto à democratização da política econômica, autores como Francisco de Oliveira
cometem o equívoco de deslocar a análise do terreno dos interesses de classe e de fração e da
correlação política de forças para o terreno idealizado dos valores democráticos. Bastou uma
intervenção pontual do governo para que a expectativa democrátic a se frustrasse.
No que tange à privatização e resistência sindical, o mesmo autor observa que a CUT não
aderiu ao neoliberalismo. No movimento sindical, quem aderiu à política neoliberal foi a central
rival da CUT, a Força Sindical. A Articulação Sindical não logrou estabelecer nenhum acordo com
os sucessivos governos neoliberais porque as tentativas de acordo não frutificaram, pois a
Articulação se opunha a desindexação dos salários. Importante é salientar que a corrente
majoritária da CUT assumiu posições abertamente contrárias à política neoliberal ao longo da
década de 1990. No movimento sindical dos funcionários públicos, a Articulação Sindical assumiu
a luta contra a reforma administrativa e da previdência. Ressalta-se ainda que todas as correntes
internas da CUT mantiveram-se unidas contra as privatizações no início da década de 1990, porém
as ações e movimentos contra as privatizações, dos quais a CUT participou, foram efêmeros e
252

pouco representativos. Os atos públicos que a central organizou por ocasião de cada leilão de
privatização de empresa estatal, fosse para impedir a realização do leilão, ou simplesmente para
protestar, mobilizaram poucos trabalhadores.
Entretanto já no governo Fernando Henrique Cardoso a CUT alterou sua posição frente ao
governo federal e deixou de lutar contra as privatizações. As derrotas que a CUT acumulou contra
as privatizações nos governos Collor e Itamar, o impacto da vitória de FHC em 1994 e a ascensão
de Vicente Paulo da Silva (Vicentinho) à presidência da central foram os fatores, externos e
internos à CUT, que parecem ter concorrido para essa mudança de orientação. Jair Meneguelli fora
presidente da CUT na década de 1980, quando a central aplicava uma linha de ação de massa e de
oposição à política de desenvolvimento. Vicentinho destacou-se como o dirigente que revogou essa
linha no principal sindicato operário da CUT, o sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e se
mostrava, mais do que Meneguelli, interessado em aprofundar a linha sindical propositiva.
Desde 1991, por ter colocado o sindicato que dirigia fora da greve geral, Vicentinho passou
a receber elogios da imprensa e de lideranças patronais, interessadas em pressionar a CUT para
uma atuação mais moderada. Logo após o IV Concut, Vicentinho ameaçou publicamente rachar a
central se as correntes de esquerda insistissem em contestar a fraude ocorrida naquele congresso,
quando da apuração da votação sobre os critérios de composição da executiva nacional da central.
Eleito presidente da central, Vicentinho pareceu preocupado em remover o foco de tensão entre a
CUT e o governo, gerado pela luta da central contra as privatizações.
Em abril de 1995, a CUT/SP reunia 15 mil manifestantes na Praça da República, no Dia
Nacional de Luta contra as reformas Constitucionais. No dia 3 de maio, sindicatos cutistas do setor
público federal organizaram uma greve geral contra as privatizações. Dois dias depois, a direção
nacional da central decidiu por iniciativa da corrente Articulação Sindical abrir as negociações com
o governo em torno das reformas constitucionais. Dos 90 sindicalistas presentes à reunião, 55 deles
defenderam a tese vencedora, pela qual a CUT não deveria apenas contestar as reformas
neoliberais, mas, sim, apresentar suas propostas de reformas ao governo FHC. E ape nas 28
sindicalistas defenderam o combate às reformas. Essa decisão representou um aprofundamento da
estratégia sindical propositiva.
As contradições da linha sindical propositiva, como vem sendo aplicada pela CUT,
permitem falar de uma política hesitante e contraditória, que leva à conciliação com o
neoliberalismo. A CUT abandonou a estratégia da luta unificada contra a política econômica do
governo e substituiu a prática das greves gerais de protesto pelas sucessivas tentativas de acordos
com os governos neoliberais; desarmou ideologicamente os trabalhadores frente à
desregulamentação, devido à sua proposta de contrato coletivo de trabalho; não assumiu uma luta
253

conseqüente com a desindustrialização e o desemprego, por ter aceito a idéia da inevitabilidade de


uma certa abertura e uma certa “modernização” da economia; no que a CUT mais resistiu ao
neoliberalismo foi na política de privatização. A transição de um sindicalismo de oposição para um
sindicalismo de participação não foi completada. Na gestão de Vic entinho, a luta contra as
privatizações foi, durante 1995 e 1996, relegada a segundo plano, só recobrando vigor na luta
contra a privatização da Companhia do Vale do Rio Doce em 1997.
A direção da CUT nutriu ilusões na fase inicial do governo FHC, à semelhança do que
ocorrera no início do governo Itamar. As montadoras radicalizaram a política de demissões, a
insatisfação operária cresceu, e o resultado foi que a Articulação Sindical teve dificuldade para
vencer a esquerda da CUT no processo de escolha dos delegados para o VI Congresso da central
em 1997.
Fora do movimento sindical, o movimento popular entrou numa fase de reativação, a partir
do MST. A Marcha Pela Terra, em abril de 1997, foi um marco nessa nova fase.
Em 1999, a Articulação Sindical não cogit ou mais realizar nenhum desses acordos e
recomeçou a agir contra a Reforma da Previdência e contra as privatizações. Até esse
momento, o que vinha caracterizando a ação da CUT sob o comando da Articulação Sindical
era a oscilação. Os movimentos para a esquerda e para o centro dependiam das circunstâncias
– situação econômica, atitude governamental diante do movimento sindical, situação dos
demais movimentos populares.
A adesão do peleguismo ao neoliberalismo – O peleguismo é a corrente dirigente da
central Força Sindical. A Força Sindical foi criada congregando “sindicatos de carimbo”:
sindicatos pequenos, com menos de 500 associados, alocados em setores de pouca capacidade de
pressão, dispersos pelas pequenas e médias cidades, e cuja maioria dos dirigentes jamais tinha
participado, até o congresso de fundação da Força sindical, de qualquer congresso sindical. De
acordo com Leôncio Martins Rodrigues e Adalberto Moreira Cardoso, citados por Boito Jr. (1999,
p. 183), “era de se esperar que a central mais ‘adaptada’ ao ambiente que os autores chamam ‘pós-
socialista’ apresentasse um grande crescimento e se consolidasse. Não foi o que ocorreu. (...) a
‘adaptada’ força Sindical’ já sofreu um ‘racha’ importante e não conseguiu reduzir a enorme
distância que a separa da capacidade de organização e de luta ostentada pela sua rival, a
‘inadaptada’ CUT”.
Nos sindicatos sob seu controle, a Força Sindical defendeu ativamente a privatização. Esse
apoio à privatização se desenvolveu em dois planos: a) propaganda e agitação contra a linha da
CUT, taxando-a em sintonia com o discurso neoliberal, de ‘estatista e retrógrada’; b) negociavam
com as direções das empresas estatais o montante de ações que seria reservado para os
254

funcionários da empresa a ser privatizada, o preço dessas ações e o financiamento a juros


subsidiados para a sua compra. A atuação da liderança da Força Sindical obteve, portanto, adesão
de parte importante dos trabalhadores à política de privatização.
A comparação entre o que se passou nos setores siderúrgico, petroquímico e de
fertilizantes, e mais tarde no setor de mineração e da energia elétrica, permite algumas conclusões:
1ª) na maioria dos casos, tem havido uma aceitação passiva do processo de privatização; 2ª) a
reação dos funcionários diretamente envolvidos e dos demais setores sociais varia de acordo com o
setor ou empresa a ser privatizado; 3ª) os dirigentes da Força Sindical são vistos como pelegos:
dependem dos sucessivos governos e, por causa disso, agem em consonância com a política
governamental.
A desregulamentação do mercado de trabalho é outro eixo da ideologia e da política
neoliberal que tem sido defendido pela Força Sindical. Defendendo a privatização e a
desregulamentação, a Força Sindical tem podido contar com o apoio passivo de parte dos
trabalhadores.
No que tange ao neoliberalismo e estrutura sindical, o silêncio dos governos neoliberais
frente ao aparelho sindical brasileiro é significativo, e Boito Jr. (1999) entende que esse governo
não tem o objetivo de desmontar a estrutura sindical. No caso brasileiro, houve apenas um ensaio
passageiro do governo Collor para modificar, não extinguir a estrutura sindical, através do projeto
de lei encaminhado ao Congresso Nacional em 1991. O governo FHC tem reforçado a unicidade
sindical e, desse modo, todo o corporativismo de Estado.
O projeto de lei sobre o contrato de trabalho por tempo determinado prevê a anuência do
sindicato para que uma empresa possa contratar trabalhadores dentro das novas normas contratuais.
Tal medida aumenta o poder do sindicato oficial e pressupõe a manutenção da unicidade sindical.
Outra medida governamental relativa ao aparelho sindical é o convênio assinado entre o Ministério
do Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, transferindo para esse pilar da Força
Sindical a verba e a tarefa de requalificação dos desempregados de sua base. Tal convênio insere-
se na orientação da política social neoliberal de desconcentrar a prestação de serviços sociais,
incorporando associações de diversos tipos em atividades que até então eram obrigação do Estado.
Em resumo, o peleguismo tem apoiado a política neoliberal e o governo tem mantido
fortalecido tanto a estrutura sindical quanto a corrente de dirigentes pelegos que essa estrutura
produz. Mas uma parcela do movimento sindic al procura transformar esta realidade. As lutas de
massa em defesa dos direitos econômicos básicos foi articulada a uma forte crítica a esse
sindicalismo pelego, burocratizado e legalista.
255

Condições históricas da mudança do sindicalismo brasileiro – Há duas variantes


explicativas para essa mudança. Uma variante considera a ideologia e as decisões da corrente
majoritária da CUT, a Articulação Sindical, como fator explicativo da estratégia propositiva
implantada pela central na década de 1990; a segunda varia nte considera as condições objetivas
como o fator explicativo das decisões estratégicas que a corrente Articulação Sindical implantou na
central.
Boito Jr. (1999) entende que as dificuldades do movimento sindical e sua tendência à
moderação são fenômenos de amplitude internacional. A dimensão internacional do fenômeno
mostra que a explicação para a mudança da CUT extrapola as fronteiras nacionais. Alguns autores
firmaram a idéia de que a fragmentação da classe operária seria o elemento básico para explicar as
dificuldades do sindicalismo. Essa tese contém equívocos. A classe operária sempre foi
fragmentada pelo grau de qualificação, nível salarial, condições de trabalho, tamanho e poder
econômico das empresas, acesso diferenciado a direitos e garantias socia is, língua materna dos
trabalhadores, nacionalidade. De resto, uma segmentação básica e decisiva que tem dividido as
classes trabalhadoras frente à política neoliberal é a segmentação entre trabalhadores do setor
privado e trabalhadores do setor público. Mas a heterogeneidade e a fragmentação são
características constitutivas das classes trabalhadoras, e por isso não podem explicar o fato novo
que são as dificuldades e o refluxo do sindicalismo no final da década de 1990.
O sindicalismo deve ser inserido no conjunto dos conflitos de classe. O movimento sindical
é parte de um todo – o conjunto das relações de classes – e é desse todo que se deve partir, caso se
queira conhecê-lo. Assim, o fato mais importante para entender o refluxo e a moderação do
movimento sindical é a ofensiva neoliberal. Essa ofensiva é um fenômeno internacional e está
vinculada a fatores econômicos e políticos que se processam também em escala internacional. Não
se nega a existência de particularidades nacionais. O fato inicial para se analisar a mudança de
estratégia da CUT é a eleição de Fernando Collor, realizada em dezembro de 1989. No final da
década de 1980, o sindicalismo do setor público era o movimento em ascensão no cenário sindical.
Esse pilar do sindicalismo também foi vitimado pela ofensiva neoliberal. Entrou-se na década de
1990, numa fase de conflitos de baixa intensidade no seio da burguesia brasileira. A reunificação
burguesa em torno da plataforma neoliberal na década de 1990 deixou a CUT e os movimentos
populares com menos de um quarto de votos no Congresso Nacional, o que tem permitido as
vitórias de FHC nas reformas liberais da Constituição, e a mobilização do conjunto da imprensa
burguesa contra a luta popular – greves, protestos, ocupações, tudo era condenado unanimemente
na imprensa e na mídia.
256

Os trabalhadores têm, devido ao desemprego, menos disposição para a luta sindical, e os


organismos de cúpula do movimento popular, como no caso da CUT, encontraram-se isolados
politicamente. Numa situação em que o movimento sindical era jogado para a defensiva e
encontrava-se debilitado, a direção do movimento adquiria novas funções.
As concepções e as vinculações políticas da Articulação Sindical também contribuíram
para a mudança de estratégia da CUT.
No início do novo sindicalismo, a influência católica foi, fundamentalmente, a influência
ideológica dos teólogos da libertação.
A intransigência patronal diante dos grevistas do ABC, a repressão desencadeada pela
ditadura contra as greves e a solidariedade, política e financeira, que os movimentos populares
prestaram à luta grevista – experiência prática vivida –, contribuiu para que a liderança sindical
abandonasse sua postura até certo ponto isolacionista e procurasse inserir a luta sindical do ABC
nos conflitos econômicos e políticos mais amplos que dividiam o Brasil de então.
A apologia do ser humano feita por Frei Betto e o teólogo Leonardo Boff deslocou para um
segundo plano a defesa da luta dos pobres e oprimidos contra os ricos e opressores. Mudou a Igreja
Católica Romana e mudaram também as centrais sindicais européias e latino-americanas mais
próximas da Articulação Sindical.
Na elaboração de sua nova estratégia, a Articulação não apenas inspirou-se no sindicalismo
católico e social-democrata europeu, mas contou com a assessoria direta de tais sindicalistas. Boito
Jr. (1999) admite a hipótese de que as relações políticas, ideológicas e financeiras da corrente
Articulação Sindical com a social-democracia européia e com a igreja católica pesaram na guinada
para o centro empreendida pelo sindicalismo cutista. No plano interno, a mudança no cenário
sindical, com a criação da Força Sindical, uma central que ostentava suas boas relações com o
governo federal contribuiu para aproximar a CUT do sindicalismo propositivo, gestado pela social-
democracia européia.
O declínio e a desagregação do bloco soviético também repercutiram na luta interna da
CUT, abalando ideologicamente a maior parte das correntes que se colocavam à esquerda da
Articulação.
Tudo isso levou o movimento socialista e as correntes à esquerda da CUT a entrarem em
crise ideológica e perderem a iniciativa.
Outro fator que dificultou a resistência dos trabalhadores à política neoliberal foi o impacto
popular que a ideologia neoliberal obteve no Brasil. A ideologia neolibe ral penetrou, no
movimento popular, e talvez esteja a assistir a um processo de constituição de uma nova
hegemonia ideológica burguesa no Brasil. A apologia do mercado e da empresa privada, como
257

espaços da eficiência e da iniciativa inovadora e progressista, e a correspondente condenação do


Estado, das empresas públicas e do intervencionismo estatal, como fontes de desperdício, de
burocratismo e de privilégios, foram idéias e valores que ganharam condição de “senso comum”
difundindo-se e penetrando, de modo desigual e contraditório, no conjunto da sociedade brasileira,
inclusive nas classes populares.
Dialogando com as aparentes divergências – As diferenças político-ideológicas que
marcam as trajetórias das correntes sindicais no Brasil se manifestaram também na década de 1990
e no limiar do novo século que se inicia, principalmente quando crescem as discussões sobre as
estratégias para enfrentar os desafios da reestruturação produtiva e as mudanças no mundo do
trabalho e por conseqüência no mundo da vida. Se , por um lado, constata-se que diante das
dificuldades impostas pela realidade da década de 1990, a CUT, a CGT e a Força Sindical
identificaram-se na questão educacional, com ênfase na educação profissional, aspecto importante
é ter presente que estas entidades sindicais tiveram que se adaptar à nova situação gerada pela
globalização da economia e a abertura do mercado para os produtos estrangeiros.
Uma análise cuidadosa dos documentos e manifestações das Centrais demonstra, contudo,
que há diferenças quant o à concepção e o alcance da ação educativa, que se manifestaram através
das propostas políticas e das perspectivas de transformação social assumidas por cada Central
(Souza, Santana e Deluiz, 2001).
Tendo em vista a realidade atual, o posicionamento das Centrais, no que diz respeito à
questão educacional, cinge -se aos princípios teórico-pedagógicos que norteiam as análises críticas
sobre educação e reestruturação produtiva; problemas decorrentes da vinculação da educação com
o mercado de trabalho, em um contexto de políticas neoliberais e globalistas; implicações da
educação profissional com respeito às questões da cidadania e a formação de formadores; e
discussão acerca da flexibilização dos processos educacionais do ensino profissionalizante, com
destaque para o sistema modular e a educação à distância.
No entanto, a justificativa para o envolvimento das Centrais na área da educação geral e
específica não só reflete as diferentes vertentes político-ideológicas, mas também apresenta as
tensões entre o plano discurso e o plano das proposições práticas. A CUT refuta o ajuste da
educação somente segundo os interesses dos empresários que estariam atuando estrategicamente
no sentido de controlar a educação e a qualificação profissional do trabalhador. As outras Centrais,
mesmo sem uma proposta contestadora, também assumem compromissos com a tarefa
educacional, reconhecendo nela elemento estratégico da nova conjuntura.
Quanto às mudanças no mundo do trabalho em geral, as diferenças são também visíveis. A
CUT alerta de forma mais abrangente sobre os sérios riscos porque passam os trabalhadores nesse
258

contexto, denunciando uma lógica de desenvolvimento econômico pouco preocupada com o fator
trabalho e empenha-se na busca de eficiência para integrar os trabalhadores nos princípios do
sistema econômico vigente. A Força Sindical e a CGT, por outro lado, não demonstram nenhuma
preocupação com os aspectos de contestação ao sistema. De um modo mais pragmático, se
dedicam a discutir de forma objetiva as possibilidades abertas pelas transformações, para que os
trabalhadores possam conseguir melhores condições de vida. Enfatizam a necessidade do
trabalhador “se potencializar” para poder participar do novo sistema, daí uma preocupação
constante com a questão da “empregabilidade”. Todas as Centrais, no entanto, defendem uma
ampla mobilização contra o desemprego, identificando na necessidade da qualificação do
trabalhador a alternativa para escapar da exclusão do trabalho.
Sobre a noção de empregabilidade, as divergências se acentua m pelo lado ideológico. As
formulações da CUT consideram o desemprego como possível de ser combatido nos seus aspectos
estruturais e não unicamente reduzindo o ensino profissional ao adestramento da mão-de-obra,
segundo requisitos do mercado de trabalho. E pregam uma educação voltada para a transformação
da realidade. A CGT e a Força Sindical simplesmente reconhecem a situação precária do
trabalhador diante dos requisitos da reestruturação, mas estariam mais preocupadas com a
adequação às novas exigências do que com o questionamento da noção de empregabilidade.
É importante que se ressalte que os cutistas discutem a incorporação dos desempregados na
classe trabalhadora. Mas no interior da CUT também há divergências, muitas vezes aparentes, com
respeito à me lhor forma de agregar os desempregados nas lutas da classe trabalhadora. Todos os
cutistas parecem querer uma CUT revigorada e “para toda a classe trabalhadora”, contudo alguns
entendem ser mais adequada a criação de associações de desempregados, e estas associações
filiarem-se à CUT, estabelecendo aí o debate unificador sobre os desafios que
contemporaneamente se apresentam. Outros, particularmente aqueles que fazem parte do
movimento sindical combativo, partem do pressuposto de que as lutas dos desemprega dos são, em
grande parte, as mesmas dos empregados e, portanto, os “sem emprego” devem estar reunidos nos
próprios sindicatos daqueles que ainda têm emprego.
A idéia de integrar os desempregados nos sindicatos tem como marco inicial a seguinte
visão de organização de base das entidades: nos locais de trabalho, as OLTs (Organização por
Locais de Trabalho) tratariam essencialmente dos temas ligados às condições específicas de
trabalho. Nos Locais de Moradia, os trabalhadores (e os integrantes dos novos movime ntos
sociais), seriam organizados em Núcleos de Base dos Sindicatos Cutistas (unificados), e estes
“fóruns” tratariam das demandas gerais da classe trabalhadora (vinculadas ao mundo do trabalho e
ao mundo da vida), em especial àquelas relacionadas com a redução da jornada de trabalho, etc.
259

Plenamente favoráveis a que a CUT represente e, portanto, aceite e estimule filiações de


organizações da economia informal e da chamada economia popular e solidária, entende -se que a
cidadania desempregada deve ser o “sangue novo” que está faltando aos sindicatos para animá-los
a empreitadas mais ousadas.
Três razões justificam esta forma de integrar os desempregados às lutas gerais da classe
trabalhadora:
1ª) O desemprego (especialmente o desemprego crônico) integra um setor social que já não
tem mais nada a perder, portanto é potencialmente revolucionário. Este agente político será
essencial para revitalizar a ação sindical. Vide exemplo dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos
indígenas.
2ª) Na situação atual (que parece não ser meramente conjuntural), o emprego é o bem mais
valioso que cada trabalhador possui. Portanto o empregado “virará as costas” ao sindicalista e ao
sindicato se ele perceber que qualquer atitude sua, de apoio, possa significar a perda da sua
condição de empregado. Neste caso, a presença dos desempregados, na mesma luta, cumpriria um
papel de estímulo e resgate de princípios comuns de toda a classe trabalhadora.
3ª) Grande parte das demandas dos trabalhadores empregados é também dos
desempregados. Alguns exemp los: luta pela redução da jornada de trabalho; luta pelo fim das
horas-extras e “bancos de horas”; luta pela valorização das horas-extras; debate sobre o significado
e luta contra o contrato temporário; luta pela ampliação do Seguro Desemprego; luta por
investimentos públicos para a geração de empregos; debates e lutas contra as estratégias patronais,
eliminação de direitos e muitas outras lutas comuns.
Por último impõe-se uma reflexão acerca da histórica visão anticorporativa da organização
sindical, princ ipalmente da ala combativa. Assim, enquanto a proposta de criação de Núcleos de
Base de Sindicatos Cutistas (que contemplaria os desempregados) rompe frontalmente com a
lógica corporativa, já que todos os sindicatos estariam juntos no mesmo fórum local (à semelhança
do que vem ocorrendo nos Fórum Social Mundial), a proposta de criação de Associações de
Desempregados significaria o surgimento de uma nova corporação, a dos desempregados.
Em síntese, na disputa da CUT com as outras centrais sindicais e em especial com a Força
Sindical, o que está em jogo são diferentes projetos para a sociedade, a possibilidade de defender
de forma independente os interesses da classe trabalhadora ou subordiná -los aos interesses do
capital e da classe dominante.
Mais do que nunca, faz-se necessária uma política clara da Central no sentido de disputar a
base dessas centrais com propostas claras capazes de mostrar aos trabalhadores as diferenças entre
os projetos e os compromissos de cada uma das centrais.
260

A disputa pela representação dos trabalhadores que ainda não estão na base da CUT, o
enfrentamento quotidiano em cada setor, em cada Estado com a Força Sindical exige uma trégua
nas disputas internas. A unidade da Central Única dos Trabalhadores é condição para que isso se
transforme em uma tarefa prioritária.
Só assim se poderá lutar contra as mazelas do capitalismo, pela conservação dos direitos
sociais e pela aplicação da Declaração dos Princípios sobre os Direitos Fundamentais dos
Trabalhadores, aprovada em 1998 pela OIT. Nesse sentido, parafrasea-se González (2001),
dizendo que uma vez que se apóia e defende -se a aplicação sistemática desses princípios chama -se
a atenção sobre a necessidade desses direitos não ficarem à margem de uma conceituação justa e
integral dos direitos humanos que tenha em conta o direito à vida, ao emprego, à saúde, à
educação, à igualdade social ao direito de todas as nações ao desenvolvimento e à livre
autodeterminação e soberania.

3.10.11 Como o CPERS se coloca diante dessa conjuntura

O CPERS-Sindicato, historicamente, significa um grande avanço na implantação de


uma estrutura sindical democrática e profundamente inserida nas bases, através da
organização dos representantes municipais, por escolas: funcionários e professores.
O CPERS é o maior sindicato de trabalhadores do Rio Grande do Sul e representa
uma categoria com algumas especificidades que interferem na condução e direção desta
entidade. Não se pode deixar de assinalar que

...o CPERS representa uma categoria majoritariamente feminina. Essas


trabalhadoras carregam consigo uma história de opressão da mulher e a
imagem de que a função de professora, na sua origem, era exercida por
membros da elite dominante como um hobby, com um caráter até mesmo
sacerdotal, ou porque proporcionava um certo status para quem a exercia
(Oliveira, 2001, p. 2).

As trabalhadoras e os trabalhadores da educação por muito tempo não foram


considerados como integrantes da classe trabalhadora e ficaram de fora dos espaços de
participação política. Por outro lado, os governos de direita não tiveram a vontade política
para estabelecer uma política salarial para essas trabalhadoras e trabalhadores que resgatasse a
dignidade dessa categoria.
Apesar disso, o CPERS-Sindicato conseguiu superar algumas das dificuldades e hoje é
reconhecido como um sindicato que organiza e representa uma categoria de luta.
261

Por muitos anos, o CPERS ocupou-se de forma corporativa das questões específicas
das(os) trabalhadoras(es) da educação, sem fazer o debate mais geral e a disputa de projetos
na sociedade.
Nos últimos anos, mais precisamente na disputa de projetos na campanha ao governo
do Estado, o CPERS-Sindicato, mais uma vez, conseguiu superar as dificuldades, colocar o
debate de projetos na categoria e desempenhar um papel fundamental na vitória do projeto
dos trabalhadores.
Com a vitória da candidatura de Olívio Dutra, o CPERS-Sindicato, que tem uma
história de enfrentamento com os governos do Estado, historicamente de direita, passou a
viver um período de duras contradições. Diante de um governo de esquerda, o Sindicato vive
a tensão entre a preservação de sua independência e autonomia em relação ao governo
estadual e o reconhecimento de que integra o mesmo campo estratégico e compartilha um
projeto comum de transformação da sociedade. De forma equivocada, o sindicato faz da
opção para provar sua independência o objetivo político central, colocando isso acima de
tudo. Essa opção política equivocada não elimina o problema e leva a uma postura sectária
que impede o Sindicato de compreender a amplitude das questões em disputa no Estado do
Rio Grande do Sul. Isso levou a categoria a um retrocesso no seu acúmulo político. O giro
esquerdista da direção do CPERS-Sindicato despolitiza a relação com a categoria, produz
momentos de confusão que favorecem o crescimento da direita, que com seu discurso
imediatista e oportunista consegue aproveitar essa nova situação. Dessa forma, a direção do
CPERS não consegue se diferenciar da política da direita na categoria, pois não enfrenta as
contradições de manter o compromisso com os interesses das/os trabalhadoras/es da educação
e ao mesmo tempo assumir a defesa do projeto democrático popular expresso pelo novo
governo do Rio Grande do Sul.
Em suma, no contexto da burocratização da CUT e Sindicatos Cutistas, o próprio
CPERS-Sindicato sofre recuos importantes na organização de base, mas o projeto continua na
ordem do dia.
Os grandes desafios que estão colocados para o CPERS-Sindicato retomar uma
prática classista que se integram na disputa mais ampla de projetos e de poder instalada no
Rio Grande do Sul são:
1) Assumir sua condição de sindicato de esquerda, de lutas, sem que seja
necessário a cada momento provar sua autonomia perante o governo.
A história do CPERS constitui uma referência muito forte para que a entidade
mantenha e preserve seus princípios e por isso a atual direção não pode seguir sendo pautada
262

pela pressão da mídia burguesa e pelo setor de direita da categoria. Esses sabem muito bem o
que querem, sabem reconhecer qual é a disputa central colocada no Estado e sabem como
aproveitar a reconquista de um espaço na categoria que há muito haviam perdido. Esses não
se confundem e como não têm compromisso com a emancipação98 dos trabalhadores atuam
reforçando valores conservadores e despolitizando os desafios colocados para recuperar a
dignidade e melhorar as condições de trabalho e de vida da categoria. Uma posição de
esquerda precisa se colocar na contracorrente do senso comum, buscar construir um novo
horizonte para a luta dos trabalhadores, que incorpora as suas reivindicações específicas, mas
que vai mais além, construindo uma perspectiva de classe, de transformação social.
Para tanto, o CPERS precisa assumir um discurso e uma prática política que enfrentem
as contradições colocadas pela existência de um governo democrático-popular no Estado que
tem compromisso com as reivindicações e os interesses das trabalhadoras da educação, mas
também com as desempregadas, com as agricultoras, as mulheres sem terra, sem casa, com os
diversos setores que compõem a classe trabalhadora gaúcha. Nessa luta, O CPERS deve situar
a solidariedade e a abertura para conhecer e compreender as demandas sociais reprimidas por
décadas de governos conservadores.
Uma política de formação sindical que enfrente os desafios, que abra o debate com o
conjunto da categoria sobre esses desafios e sobre questões gerais da classe trabalhadora, que
fazem parte do quotidiano da categoria, através de mecanismos de opressão e discriminação,
mas que não são abordados pelo Sindicato, como é o caso da questão de gênero, raça,
orientação sexual.
O CPERS-Sindicato representa mais de 80.000 trabalhadoras e trabalhadores da
educação com um imenso peso na formação de opinião em cada localidade e com grande
responsabilidade na transformação da sociedade.

98
Uma das premissas do Sindicato-cidadão que “ao reconhecer a degenerescência da participação popular na
esfera pública como fenômeno moderno, e ao entender que este fato contradiz qualquer projeto de ação coletiva,
tensionará permanentemente pela mobilização, se constituindo enquanto espaço público para manifestação da
cidadania” (Vieira, 1991, p. 2). Cidadania entendida, “não a declaração de direitos políticos formais do cidadão
abstrato, mas os direitos concretos do homem real, o que pressupõe, no caso brasileiro, a radicalização da
democracia com o resgate à vida digna e a emancipação da maioria da população” ( ibidem). Ferreira (1991, p.
15) esclarece que “a realização do sindicato-cidadão significa um duro combate ao corporativismo, pois esta
concepção sindical (sindicato-cidadão) tem por base o envolvimento de cada trabalhador, enquanto cidadão, nas
lutas e nos processos de organização que lhes dizem respeito direta e indiretamente. Entende-se que, mesmo as
lutas mais específicas, como salário de determinada categoria, por exemplo, trazem em si elementos de rebeldia,
portanto trazem elementos educativos, libertários. (...) o sindicato-cidadão entende que cada luta diz respeito a
todos, significando que todos estarão envolvidos desde a sua organização até o desfecho e o pós -desfecho”.
263

Se como educadores e educadoras concebe -se a educação como um processo de


humanização, de construção da autonomia de mulheres e homens, esse também deve ser o
compromisso da categoria na luta sindical.
Na sala de aula, na comunidade ou no sindicato valorizam-se as reivindicações
imediatas do povo. Mas o papel político como militantes, que se coloca como educadores,
leva também à mudança na visão de mundo, na consciência da categoria e da população,
buscando sua adesão ativa a um projeto de transformação social, de construção de uma
sociedade justa, solidária e igualitária.
2) Manter-se na diretriz de seu sindicato comprometido com o projeto histórico
da classe trabalhadora: fim da opressão e exploração capitalista e construção de um
projeto social socialista.
Na conjuntura atual do Estado diante da vigência do governo democrático-popular,
liderado por Olívio Dutra, o CPERS-Sindicato vive forte tensão provocada pelo setor da
direção que adota linha esquerdista e pragmática, que não consegue distinguir o caráter
profundamente diferenciado do atual governo em relação aos governos burgueses do período
anterior.
Entre as lutas centrais que o CPERS-Sindicato deve executar, destacam-se:
a) Denúncia do caráter perverso e excludente do projeto neoliberal liderado por FHC
e seus aliados;
b) Defesa de um projeto econômico-social alternativo para o país;
c) Defesa do governo democrático-popular do Estado, mesmo mantendo sua
autonomia;
d) Defesa dos interesses imediatos por melhores condições de vida e de trabalho da
categoria.
Mas, então, qual deve ser o trabalho de base no CPERS-Sindicato? O trabalho de
base que deve ser feito no próprio CPERS-Sindicato é retomar com determinação o trabalho
de organização e inserção de base, principalmente de formação de uma nova camada de
lutadores sociais numa perspectiva anti-capitalista.
A ligação do CPERS com os demais sindicatos operários e as possibilidades de
lutas em conjunto ou separadamente apontam o CPERS-Sindicato como uma das maiores
categorias organizadas do sul do país e da América Latina, e, por natureza, como uma
categoria bastante corporativa. Porém, parafraseando Corazza (2001), “historicamente existiu
uma vanguarda consciente, que buscou articular-se e implementar lutas e mobilizações
conjuntas e em especial com os sindicatos operários, e, também, com os trabalhadores rurais”.
264

Como já mencionado, o CPERS/Sindicato é por natureza muito corporativo. A maioria


da categoria move-se por questões econômicas e imediatas, por isso é óbvio a tendência por
lutas específicas e isoladas. Mas a intervenção consciente dos setores de base e da direção
com maior politização e visão classista sempre foi e será decisiva para a implementação das
lutas unitárias.
265

4 – CRISE E PERSPECTIVAS

O sindicalismo está vivendo um período extremamente difícil, e de tudo o que foi


referido anteriormente é possível dizer que, do ponto de vista internacional, as décadas
derradeiras do século XX podem ser consideradas de crise para as organizações sindicais. Em
grande parte, este impasse histórico do sindicalismo está associado às grandes mudanças
advindas do mundo do trabalho, no contexto da reestruturação capitalista. Com a crise do
Estado Liberal nos anos que se seguiram a Primeira Guerra Mundial e a adoção da teoria
Keynesiana, os países capitalistas vive ram um período de grande crescimento econômico-
industrial.
Ainda hoje a Alemanha e o Japão são exemplos bem sucedidos de implementação das
idéias Keynesianas. O Estado atuando como protetor, regulador e controlador das relações
sociais, não permitindo um “laissez-faire”, deu nascimento ao Estado Propulsor, que passou a
garantir a estabilidade econômica mediante a regulamentação e a intervenção no mercado, e a
promover o bem-estar social, desenvolvendo políticas compensatórias e integrando todos os
setores da sociedade na perseguição deste ideal.
Mas com a crise da década de 1970, marcada principalmente pela crise do petróleo de
1973, foi estagnando e gerando problemas – altas taxas de desemprego, altos índices de
inflação, estagnação nos índices de crescimento da economia – que pareciam colocar um
termo na organização sócio-política nos princípios liberais do capitalismo. Os teóricos
tiveram que encontrar novas saídas para a crise instalada no capitalismo. Neste contexto
surgiram os pensadores classificados como neoliberais, oriundos de três fontes ideológicas: 1)
a visão microeconômica neoclássica da Escola Austríaca, cujo principal representante é
Friedrich von Hayek; 2) a visão macroeconômica monetarista de Milton Friedman, norte-
americano, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1976; 3) a crítica econômica e política
266

do Estado, produzida pela Escola de Chicago, tendo como maiores expoentes Buchaman e
Olson (Dalló, 2001).
Para o neoliberalismo, ao contrário do pensamento de Keynes, a intervenção estatal na
economia é prejudicial para as relações mercadológicas. Nessa direção, Friedman (apud
Dalló, 2001, p. 11) afirma que o mercado é autorregulável, e que “a crise econômica é
resultado da excessiva presença e intervenção do Estado na economia e do excessivo poder do
movimento operário que corrói as bases da acumulação capitalista com suas pressões
reivindicatórias”. A prática dessa formulação, baseada na teoria da concorrência perfeita e no
papel do Estado como garantidor da estabilidade monetária, trouxe sérias conseqüências.
Tanto nos países mais industrializados como nos menos, no contexto da reestruturação
do sistema capitalista, as transformações no mundo do trabalho atingiram brutalmente as
organizações dos trabalhadores, minando suas bases sociais e restringindo seu poder de
barganha na sociedade.
O balanço das últimas décadas permite dizer que o sindicalismo passa por um forte
momento de crise e cujas evidências são vistas em todas as instâncias e ramos do conjunto do
sindicalismo, particularmente na CUT. Esta crise parece apresentar duas faces. Uma com
origem nas heranças do sindicalismo corporativo e que ainda não foi superado, apesar do
fortalecimento das bases políticas e ideológicas do novo sindicalismo. Outra que, a partir da
década de 1980, uma parcela do movimento sindical se propôs a transformar esta realidade,
desenvolvendo uma forte crítica ao sindicalismo pelego e a burocratização.
Com a enorme expansão do neoliberalismo a partir do final da década de 1970, e a
conseqüente crise do Welfare State, ocorreu um processo de regressão da social- democracia,
passando esta a atuar muito próximo da agenda neoliberal. O projeto neoliberal passou a ditar
o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas e subordinados,
contemplando a reestruturação produtiva, o aceleramento das privatizações, o enxugamento
da máquina público-estatal através de reformas políticas fiscais e monetárias sintonizadas com
os organismos mundiais de hegemonia do capital como FMI e BIRD, a desmontagem dos
direitos sociais dos trabalhadores, o combate ao sindicalismo classista, propagação de um
subjetivismo e de um individualismo exacerbado da cultura “pós-moderna” contra qualquer
proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, entre outras particularidades.
A análise dessa processualidade complexa indica quatro pontos: 1) que há uma crise
estrutural do capital cujo efeito depressivo acentua seus traços destrutivos; 2) deu-se no Leste
europeu, onde parcelas importantes da esquerda se social-democratizaram; 3) esse processo
efetivou-se num momento em que a própria social- democracia sofria uma forte crise; 4) forte
267

expansão do projeto econômico, social e político neoliberal. Tudo isso acabou por afetar
fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões (Antunes, 2001).
Como resposta do capital à crise estrutural, várias transformações fundamentais vêm
ocorrendo nesta viragem do século XX para o século XXI, caso se queira analisar suas
diferentes formas de desenvolvimento, particularmente nas últimas décadas, deve -se analisar
a crise do sindicalismo, mesmo que em suas dimensões mais gerais.

4.1 DIMENSÕES DA CRISE SINDICAL

O sindicalismo brasileiro vivencia nestes últimos 25 anos um processo de expansão e


crise. Neste sentido, observa -se que, em contraposição ao avanço do movimento sindical a
partir de 1978, a situação se inverteu no final da década de 1980 e início da década de 1990. A
partir daí, intensificaram-se as transformações no processo produtivo, gerando o que se
convencionou chamar de “crise do sindicalismo”. Crise que, em suas dimensões mais gerais, é
marcada por lutas defensivas, perda progressiva de articulação dos sindicatos com suas bases
e das organizações sindicais entre si, dificuldades para preservar antigas conquistas e obter
novas, dificuldades igualmente para mobilizar os trabalhadores no setor privado e público,
lutas neocorporativas e centradas na força-de-trabalho empregada, ficando à sua própria sorte
os trabalhadores temporários, terceirizados, da economia informal ou desempregados.
Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista e dada pela
necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar
profundamente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical.
A crise do sindicalismo se consolidou no Brasil com a implementação das políticas
neoliberais do governo Fernando Collor de Mello, cujas ações estimularam a reestruturação
produtiva no país, com base no incremento das novas tecnologias poupadoras de mão-de-
obra. A isto se acrescenta a abertura comercial e o aumento do desemprego, as investidas
contra a legislação trabalhista para flexibilizar a força de trabalho, acentuando sua
precarização.
Essas iniciativas repercutiram decisivamente sobre o movimento sindical de
trabalhadores, resultando na queda relativa e absoluta do número de trabalhadores
sindicalizados; dificuldades de representação, por parte das organizações sindicais, de
camadas de assalariados cada vez mais heterogêneas e refratárias à padronização dos salários
e demais benefícios; baixa disposição, por parte dos trabalhadores, de participar das
mobilizações determinadas pelas lideranças sindicais; queda das taxas de greves; diminuição
268

do operariado manual, fabril, concentrado, típico do fordismo e da fase de expansão daquilo


que se chamou de regulação social-democrática; diminuição do número de trabalhadores
cobertos por acordos coletivos de trabalho; aumento acentuado das inúmeras formas de
subproletarização do trabalho parcial, temporário, subcontratado e terceirizado; aumento
expressivo do trabalho feminino e do trabalho infantil no interior da classe trabalhadora,
aumento este que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado,
subcontratado, terceirizado, part-time, etc.; enorme expansão dos assalariados médios,
especialmente no setor de serviços, que inicialmente aumentaram em ampla escala, mas que
vem presenciando também níveis de desemprego tecnológico; exclusão dos trabalhadores
jovens e dos trabalhadores “velhos”; e, conseqüentemente, no enfraquecimento do poder
sindical.
Observadores e analistas do movimento sindical comumente associam uma série de
fatores econômicos, sociais, ideológicos, culturais, políticos e sindicais capazes de explicar a
crise do sindicalismo em nossos dias. Assim, segundo Rodrigues (1992), ter-se-ia:
No plano econômico: dispersão industrial e aumento da proporção das pequenas e
médias empresas, pondo fim à tendência às grandes concentrações de trabalhadores numa área
limitada; as novas tecnologias poupadoras de mão-de-obra; o acirramento da competição
internacional; as novas modalidades de gestão empresarial e políticas de relações humanas
destinadas a melhorar a relação das empresas com os empregados, e evitar que suas queixas
cheguem ao sindicato; fle xibilização do emprego e dos procedimentos produtivos;
terceirização do emprego; individualização dos salários, promoções, benefícios, etc.; melhoria
nas condições de trabalho; elevação do padrão de consumo das classes assalariadas; altos
índices de desemprego; e baixos índices de inflação.
No plano da estrutura social e do mercado de trabalho: redução relativa e absoluta
dos trabalhadores industriais e manuais que compunham, classicamente, a classe operária;
aumento da proporção de técnicos e de trabalhadores em tempo parcial e por período
determinado; ampliação do mercado informal de trabalho; aumento da proporção de mulheres
na força de trabalho; maior heterogeneidade das camadas assalariadas.
No plano político-institucional: ascensão de governos conservadores; declínio dos
partidos de ideologia socialista; crise das políticas sociais e dos Estados de Bem-Estar; fim
dos regimes socialistas do Leste europeu.
No plano ideológico e valorativo: avanço das ideologias individualistas e das
concepções ditas neoliberais; declínio de valores igualitários e coletivistas; revalorização dos
direitos individuais e dos direitos do cidadão diante do Estado e da coletividade; rejeição da
269

crença de que o bem-estar e a felicidade individual são alcançáveis por meio do bem-estar
coletivo; valorização da competição e do mérito; rejeição do estatismo e do dirigismo
econômico; maior hostilidade de opinião com relação ao poder das lideranças sindicais;
desconfiança com relação aos partidos e à classe política; descrença e desinteresse,
especialmente da juventude, com relação às modalidades de atuação política tradicional
destinadas a mudar os partidos no poder; valorização dos movimentos sociais e de outras
formas de atuação política apartidária com objetivos precisos (movimentos ecológicos,
feministas, etc.).
No plano sindical: dificuldade de o sindicato representar grupos assalariados mais
qualificados, internamente mais heterogêneos e desejosos de que sua capacitação profissional
seja avaliada individualmente; burocratização das organizações sindicais e distanciamento das
lideranças sindicais da massa de trabalhadores; dificuldade de sindicalizar os jovens, as
mulheres e os trabalhadores em tempo parcial das pequenas empresas ou das atividades
terceirizadas.
No entanto, a determinante central da crise do sindicalismo moderno no limiar do
século XXI é a instauração do novo complexo de reestruturação produtiva capaz de precarizar
o mundo do trabalho.
Dentre os complexos da nova crise do sindicalismo, é importante considerar que a
crise do sindicalismo moderno possui duas dimensões históricas: 1) a dimensão
socioinstitucional, caracterizada pelo declínio da representação sindical, que significa a crise
do sindicalismo como crise de representação de classe, e constitui um dos aspectos mais
realçados pelos sociólogos para comprovar a crise do sindicalismo; 2) a dimensão político-
ideológica, caracterizada pela integração plena dos sindicatos à lógica mercantil, com a práxis
de luta sindical, em maior ou menor proporção, limitada ao horizonte da mercadoria, procura
garantir tão-somente o melhor preço da força de trabalho. É a crise do sindicalismo como
predomínio de estratégias sindicais (e políticas) de feição neocorporativo. O ponto central da
crise do sindicalismo é a sua incapacidade ou limitação estrutural de preservar o seu poder de
resistência de classe contra a fúria da valorização diante da nova ofensiva do capital na
produção e do novo e precário mundo do trabalho (Alves, 2000).
A profundidade das transformações que se operaram no mundo do trabalho se
mostrou, no caso brasileiro, mais evidente no setor automobilístico do ABC paulista. A crise
do sindicalismo no setor automobilístico do ABC, articulada ao processo de reestruturação
produtiva, serve como referencial analítico para Alves (2000), citado por Santos (2001), o
qual salienta que o novo e precário mundo do trabalho apresenta três grandes hipóteses:
270

A primeira destas hipóteses é que, a partir do governo Collor de Mello, se instaura


uma crise do sindicalismo no Brasil, sendo o principal sintoma a crise das estratégias
políticas do novo sindicalismo. Esta crise se expressa pelo desenvolvimento de práticas
sindicais neocorporativistas de cunho propositivo e em debilidades estratégicas de cunho
obreirista das práticas sindicais de contestação à lógica do capital na produção.
A segunda hipótese é que esta crise, no Brasil, foi determinada pelo
desenvolvimento de um novo complexo de reestruturação produtiva marcado pela
passagem de um “toyotismo restrito” para um “toyotismo sistêmico”.
O toyotismo restrito marcou a reestruturação produtiva na década de 1980, cuja
palavra-chave do discurso empresarial era qualidade e as alterações nos padrões tecnológicos
e padrões de gestão da força de trabalho na indústria brasileira, principalmente no complexo
automotivo, ainda eram de caráter restrito (e seletivo). Quanto ao padrão tecnológico,
observa -se a introdução de inovações de produto e de processo (utilização dos sistemas
CAD/CAM/CAE, MFCNC, robôs, introdução de just-in-time , celularização de produção,
tecnologia de grupo, sistemas de qualidade total) relacionadas com o processo de difusão da
microeletrônica, que se acelera durante a crise, enquanto a mudança do padrão de gestão se dá
de forma mais lenta, por meio da introdução de métodos gerenciais mais participativos,
revisão das estruturas de cargos e salários, políticas de estabilização da mão-de-obra,
valorização dos setores de recursos humanos.
Quanto às principais determinações do processo de reestruturação produtiva nesta
década, é possível relacionar:
a) A crise do capitalismo industrial, cuja maior expressão é a crise da dívida externa.
A recessão e seu ajuste exportador conduziram o país a um verdadeiro choque de
competitividade nas principais indústrias do país.
b) O processo de luta de classes no país, caracterizado pela ascensão do “novo
sindicalismo”, voltado para maior intervenção nos locais de trabalho, pondo em
questão o controle do trabalho.
c) As novas estratégias das corporações transnacionais, que implicariam a adoção,
ainda que em caráter restrito e seletivo, por parte das subsidiárias no Brasil,
principalmente no caso da indústria automobilística, de novos padrões
organizacionais -tecnológicos, inspirados no toyotismo, o “momento
predominante” do complexo de reestruturação pr odutiva sob a mundialização do
capital (Carvalho e Schmitz, apud Alves, 2000).
271

Com o novo sindicalismo, ressurgiu o movimento operário e a necessidade de


reapropriação, pelo capital, do controle da força de trabalho sob novas bases técnicas,
impostas pelas novas condições da concorrência capitalista no mercado mundial.
O novo sindicalismo da década de 1980, com suas comissões de fábrica, surgiu como
um desafio à dominação do capital nos locais de trabalho, nas condições do capitalismo
retardatário no Brasil. O caráter classista e de combatividade do novo sindicalismo, vinculado
à CUT, apresentava obstáculos a qualquer tipo de cooptação ideológica ou política das novas
lideranças operárias e sindicais. Por isso, o complexo de reestruturação produtiva,
impulsionado a partir desta década, possuiu um sentido de nova ofensiva do capital na
produção, devido às inovações organizacionais e tecnológicas que surgiram no campo da
produção industrial no Brasil permitiram dar, para o capital, uma resposta estratégica às novas
determinações da economia política mundial – o incremento da competitividade e
produtividade –, bem como às novas determinações da política de classe, apresentando a
necessidade de uma nova hegemonia do capital na produção, adequada às novas condições da
Terceira Revolução Industrial (Revolução Tecnológica).
Nas condições do capitalismo brasileiro desta década, a ofensiva do capital possuía um
caráter restrito e seletivo, tendo em vista que o toyotismo (“momento predominante” do
complexo de reestruturação produtiva que ocorria nos países centrais) surgia articulado com
um aprofundamento do fordismo, o que debilitava a nova hegemonia do capital na produção.
Era isso considerado um “toyotismo restrito”.
O movimento dos CCQs (Círculos de Controle de Qualidade), pequenos grupos de
operários voluntários que se reuniam, com certa periodicidade, para analisar e propor idéias
para a melhoria do processo de trabalho, é o que se pode chamar de toyotismo restrito. Os
CCQs surgiram e se desenvolveram no período do novo sindicalismo no Brasil. A difusão dos
círculos no Brasil ocorreu após o vigoroso processo de mobilização operária que marcou o
final da década de 1970, coincidindo a mesma com o fortalecimento da organização dos
trabalhadores nos locais de trabalho, por meio da constituição das comissões de fábrica.
Nessa época, a luta de classes na produção, no Brasil, assumiu papel preponderante
no plano do processo de trabalho, pois estava em jogo o controle do trabalho pelo capital.
Assim, a combatividade sindical, leia-se CUT, procurava denunciar o objetivo manipulatório
do capital, impedindo desse modo uma apropriação plena dos CCQs e esvaziando muitas das
iniciativas empresariais.
272

Outra estratégia do toyotismo na década de 1980 foi o sistema just-in-time/kanban.99


Ele parecia mais abrangente que o CCQ em seus impactos sobre o complexo de produção de
mercadorias, tendo em vista que envolvia a produção como um todo: trabalhadores, gerência e
até clientes e fornecedores. O desenvolvimento desta estratégia ocorreu sob uma dimensão
perversa, pois caracterizou-se como uma “nova rotinização do trabalho”, simplificando e
padronizando as tarefas, além de intensificar o trabalho pela eliminação do tempo ocioso. Isso
instaurou novas relações de trabalho, advindas do maior controle do trabalho, que era uma
necessidade do capital diante da contestação operária à lógica do despotismo tradicional.
A adoção do just-in-time/kanban, em meio à crise do capitalismo brasileiro da década
de 1980, permitiu que o novo salto de racionalização da produção ocorresse sem que houvesse
o incremento de novas tecnologias microeletrônicas na produção, o que era compatível com a
situação de crise do balanço de pagamentos do país. Desse modo, alteraram-se apenas a
organização do processo de produção e a organização do trabalho, se bem que de modo
restrito. O novo padrão de organização industrial, centrado nos CCQs e just-in-time/kanban,
surgiu, então, como o momento predominante do complexo de reestruturação produtiva na
época da mundialização do capital.
Com o toyotismo restrito, não se conseguia articular, de modo sistêmico, o que era
essencial no espírito do toyotismo, era o controle do trabalho e comprometimento operário, a
subsunção real da subjetividade operária à lógica do capital. 100
Seria apenas a partir da captura da subjetividade operária no interior do novo espaço
de controle do trabalho que se poderia constituir uma nova hegemonia do capital na produção.
O toyotismo restrito não conseguiu captar na plenitude essa nova subjetividade operária, pois
predominava nos pólos industriais mais desenvolvidos do Brasil, por essa época, a indiferença
operária às novas técnicas de administração da produção e a oposição sindical conduzida pelo
novo sindicalismo, de modo que o toyotismo restrito apenas contribuiu para reproduzir a
superexploração do trabalho.
A intensificação e enrijecimento do fordismo não impedem que o toyotismo se
desenvolva como uma das características do novo complexo de reestruturação produtiva no

99
O just-in-time/kanban é aplicável principalmente na produção em série, ocorre na indústria automobilística e
na indústria metal-mecânica.
100
O sistema JIT/CQT envolvia tanto consentimento e aquiescência quanto engajamento e controle. Não
funcionaria se os trabalhadores se re cusassem a participar das atividades de grupo ou a assumir a
responsabilidade pelo seu próprio trabalho. No entanto, ao mesmo tempo, o sistema requeria um conformismo e
um direcionamento de todos os esforços no sentido do cumprimento das metas empresariais. As gerências não
toleravam qualquer oposição ou mesmo uma postura indiferente da parte de seus operários. A maior estabilidade
no emprego e a perspectiva de promoção permaneceram fortemente vinculadas à dedicação total e à
subordinação às metas da empres a (Humphrey, apud Alves, 2000, p. 133).
273

Brasil na década de 1980. Portanto o novo complexo de reestruturação produtiva que ocorria
no país nesta década não pode ser desvinculado da nova lógica da reestrutiração produtiva que
ocorria no centro capitalista, cujo “momento determinante” era o toyotismo. Assim, foi a
preservação e intensificação de padrões fordistas-tayloristas, determinados pela
particularidade concreta do capitalismo brasileiro da década de 1980, que contribuiu para o
caráter restrito dos novos métodos de gerenciamento da produção capitalista no país. Na
década de 1990, seriam as novas condições de inserção na mundialização do capital, na era
neoliberal, que iriam propiciar maior desenvolvimento das novas estratégias capitalistas de
produção toyotista no Brasil, surgindo o “toyotismo sistêmico”, vinculado à mundializaçã o do
capital, com avanço na automação microeletrônica.
Em resumo, verifica-se que o novo complexo de reestruturação produtiva na década de
1980 atingiu uma pequena parcela do mundo do trabalho no Brasil: os pólos operários das
principais indústrias modernas do país, tais como a indústria automobilística no ABC
paulista, berço do novo sindicalismo, da CUT e do PT. A resistência operária caracterizou-se
pela luta contra as novas condições de superexploração do trabalho e contra a subordinação
operária às intervenções estratégicas do capital na produção.
A superexploração do trabalho era caracterizada, primeiro, pelo arrocho salarial, que
impulsionou os movimentos de contestação operária nesta década, e, depois, pela rotinização
do trabalho. A luta sindical contra o arrocho sindical possuía o potencial para articular as
várias frações da classe trabalhadora contra a acumulação capitalista. Ela conseguiu agregar
as diversas categorias da classe trabalhadora, o que não ocorria com a luta operária pela
organização por local de trabalho (Antunes, 1990). Entretanto era no plano das relações de
trabalho que o antagonismo de classes permeava a relação entre capital e trabalho assalariado.
As novas metas de produção passaram a exigir maior comprometimento dos operários
de manutenção e de produção. Esta exigência implicava para o capital garantir uma força de
trabalho cooperativa, responsável e habilidosa para manejar as novas tecnologias. Essa nova
abordagem das relações industriais no setor automobilístico representa va um aspecto da luta
de classes na produção, uma vez que o capital procura diminuir a hegemonia do sindicato e
constituir, a partir daí, um novo consentimento operário ativo e propositivo. Mas isso só foi
ocorrer no final da década de 1980, com o desenvolvimento do toyotismo sistêmico.
Na década de 1980, no entanto, já podiam ser constatados indícios de outro aspecto da
crise do mundo do trabalho, imposto pela terceirização, um tipo de descentralização produtiva
e componente da flexibilização produtiva voltada para a racionalização de custos, que
irrompeu na década de 1990. Foi o impulso à descentralização produtiva desta década que
274

promoveu com maior amplitude e intensidade a desconstrução do mundo do trabalho no


Brasil, constituindo um dos principais traços do novo complexo de reestruturação produtiva
sob a era neoliberal.
A utilização da flexibilidade estrutural, baseada na rotatividade do trabalho e na
variação do salário nominal como estratégia de racionalização de custo, tendeu ao
esgotamento, exigindo do capital a criação de novas estratégias de flexibilização do trabalho
baseadas na racionalização de custos, desverticalização produtiva, especialização das
atividades econômicas, subcontratação, uso de força de trabalho temporária, jornada de
trabalho parcial e jornada de trabalho modulada, muitas vezes negociada com os sindicatos
operários.
A ofensiva neoliberal na década de 1990, voltada para a desregulamentação do direito
do trabalho, cujo maior exemplo foi a Lei do Contrato Temporário, aprovada em 1997, no
governo de Fernando Henrique Cardoso, imprimiu as características necessárias à
flexibilização estrutural do trabalho no Brasil. A flexibilização da força de trabalho surgiu
como a nova lógica capitalista no Brasil, procurando criar as condições de flexibilidade
estrutural adequados à nova revolução científica e tecnológica. Ela implicava a redução de
custos sem prejudicar a qualidade e atingiu os mais diversos aspectos da prática operária.
Com a competitividade imposta pelas transformações neoliberais no início da década
de 1990, o novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil adquiriu um novo impulso.
As grandes empresas passaram a incorporar um conjunto de novas estratégias produtivas que
atingiram com maior intensidade e amplitude o mundo do trabalho. Passou a ser constituído
um toyotismo sistêmico, caracterizado pelo avanço quantitativo e um salto qualitativo de
inovações tecnológico-organizacionais. Tal complexo, constituindo-se em um esforço de
reestruturação mais integrado da adoção de estratégias mais sistêmicas 101, atingiu os
principais núcleos do sindicalismo de classe no país, caracterizando-se como grande ofensiva
do capital na produção, com resultados devastadores sobre o trabalho organizado no Brasil.
A indústria automobilística é um dos principais setores industriais do capitalismo
mundial a evidenciar, com maior visibilidade, a natureza da crise da acumulação do capital na
mundialização. A crise de superprodução de mercadorias, seguindo a lógica da produção

101
Diferentemente dos momentos anteriores, em que inovar significava, para muitas empresas, comprar
equipamentos e/ou introduzir pacotes e programas organizacionais ou de motivação, que eram implantados em
setores das empresas, muitas vezes por iniciativa deste ou daquele departamento, com resultados heterogêneos, a
partir do final da década de 1980, passa-se a encontrar um conjunto cada vez maior de empresas em processo de
profunda reestruturação a partir de uma decis ão da direção, introduzindo todo um conjunto de inovações
articuladas entre si. Esses esforços de reestruturação mais integrados se manifestaram a partir da introdução de
algum tipo de Programa de Qualidade Total (Gitahy, Leite e Rabelo, apud Alves, 1993, p. 180).
275

destrutiva, tendia a experimentar um processo de aceleração. Mesmo a capacidade produtiva


sendo bem maior que a necessidade do mercado, continuava crescendo, principalmente nos
países capitalistas emergentes, como o Brasil. A tendência mundial era a instalação de novas
linhas de montagem da indústria automobilística nos países emergentes, tais como o Brasil e a
China, particularmente em virtude da estagnação da demanda nos países capitalistas centrais.
Além disso, as subsidiárias das montadoras nos países capitalistas emergentes tendiam a
assumir, cada vez mais, parcelas crescentes dos mercados desenvolvidos. Por exemplo, a meta
da Mercedez-Benz do Brasil, para o ano de 2000, era exportar 50% da produção – já
exportava, em 1997, 25% para os mercados da Ásia, África do Sul ou Austrália (Betting,
1997).
A adoção da automação microeletrônica na produção e a utilização de novas
estratégias organizacionais articularam nova flexibilidade da produção no processo de
trabalho intra-empresa – criando um novo perfil operário – e na relação entre empresas, na
qual se desenvolveram novas estratégias de subcontratação ou descentralização produtiva,
surgindo a terceirização, que permitiu às corporações transnacionais do setor automobilístico
desenvolverem laços de subcontratação. As montadoras instaladas no país apresentaram, no
aspecto da organização da produção, novos tipos de flexibilidade, de estratégias de
racionalização de custos, como o “consórcio modular”, utilizado pela Volkswagen, em
Resende, RJ, e o “condomínio industrial”, da General Motors, em Porto Alegre, RS.
Entretanto o impacto sobre o mundo do trabalho surgiu a partir de 1993, ao lado dos
recordes de produção da indústria automobilística no Brasil, destacando-se o declínio dos
postos de trabalho nas montadoras e nas indústrias de autopeças, que viveram um intenso
processo de centralização e concentração do capital, devido as aquisições, fusões e novas
estratégias das corporações transnacionais do setor automobilístico mundial. Essas e outras
ocorrências possibilitaram, parafraseando Alves (2000), relacionar as principais
determinações sócio-históricas do novo complexo de reestruturação produtiva no Brasil da
década de 1990, capazes de impulsionar nova ofensiva do capital na produção e instaurar
nova crise do sindicalismo brasileiro, tal como ocorre nos países capitalistas centrais:
1) a reestruturação produtiva era decorrente da nova etapa do capitalismo mundial,
caracterizada pela mundialização do capital, que projetou nas subsidiárias das empresas
transnacionais, desde a déca da de 1980, novas estratégias de produção, exigências da
acumulação flexível. Essa determinação atingiu a produção do capital monopolista em cada
país capitalista, em maior ou menor graus, conforme seu nível de integração à mundialização
do capital.
276

2) as políticas neoliberais tenderam a impulsionar, a partir da década de 1990, a


modernização industrial no Brasil, então adotou-se uma liberalização comercial abrupta e
desregulada, e formulou-se a política industrial de não proteger a indústria nacional, todavia
apoiou-se a indústria estrangeira localizada no país com isenções fiscais ou abertura de canais
de crédito.
3) a crise das estratégias políticas e sindicais de matiz socialista no Brasil, decorrentes
da derrota política do PT e da CUT nas eleições presidenciais de 1989 e em 1994, atingiu
importantes parcelas do movimento sindical vinculado à perspectiva socialista na década de
1990. A nova ofensiva do capital na produção aproveitou-se da situação de recuo político e
ideológico da classe trabalhadora para promover uma nova hegemonia do capital na produção,
de cunho neocorporativo.
As determinações estruturais como a integração do país à mundialização do capital
pela abertura da economia atingiram a subjetividade da classe trabalhadora e impulsionara m
mais ainda a crise das estratégias sindicais e políticas de matiz classista, contribuindo para o
aprofundamento da crise do socialismo no Brasil, caracterizado pelo predomínio defensivo de
novo tipo, de cunho neocorporativo.
A crise política e ideológic a das estratégias de classe criou as condições para a nova
hegemonia do capital na produção, pois procurou-se constituir com o novo complexo de
reestruturação produtiva, caracterizado pelo toyotismo sistêmico, uma captura da
subjetividade operária pela lógica do capital, um novo consentimento ativo e propositivo. Por
conta das alterações na natureza do capital e do trabalho, impuseram-se novas formas de
contratação e gerenciamento da força de trabalho para que as empresas enfrentessem as
transformações do mercado.
Com o surgimento do defensivismo de influência propositiva, operou-se, em vez do
avanço nas relações de capital e trabalho, um recuo político-ideológico do trabalho diante da
crise do mundo do trabalho no Brasil.
Mas não são só os avanços do desemprego e da precarização do trabalho que
quebraram a resistência sindical, nem a linha política de “concertação social” – incorporada
até mesmo por partidos da esquerda social-democrata – adotada pela parcela hegemônica da
CUT e do PT, mas a derrocada do socialismo real e a crise da ideologia socialista, que já
ocorriam no cenário internacional.
A partir da década de 1990, as transformações neoliberais tenderam a debilitar a luta
de classes na produção, considerando-se que, ao constituírem um novo e precário mundo do
trabalho, atingiram o sindicalismo de classe. Este cenário propiciou à investida do capital na
277

captura da subjetividade operária, embora a passagem do toyotismo restrito para o toyotismo


sistêmico fosse complexa, descontinua e contraditória, pois era determinada pelo cenário
macroeconômico do Brasil.
A partir daí, distinguiram-se dois períodos na era neoliberal no Brasil: o governo
Collor (1990-1993), período caracterizado pelo sentido inercial na valorização do capital; e o
período do gover no FHC, a partir do Plano Real, em 1994, quando se estabeleceram com
maior eficácia as novas bases da hegemonia do capital no país, criando um clima
macroeconômico capaz de impulsionar a constituição do novo complexo de reestruturação
produtiva nas principais indústrias do país.
O cenário da economia, sob o governo Collor, caracterizado pela recessão, crescente
desemprego na indústria e o predomínio da racionalização predatória de custos nas empresas,
preparou o capital para a adoção de novas estratégias de negócios, ou seja, criou as condições
macroecômicas para o sucesso da estabilização monetária, ocorrida com o Plano Real no
governo FHC, e, em especial, as condições políticas e ideológicas para o desenvolvimento do
toyotismo sistêmico, cuja característica central é a parceria entre capital e trabalho no campo
da produção.
Sob o governo de FHC, o novo cenário macroecômico impulsiona os investimentos
produtivos em capital fixo, acelerando-se, assim, a automação microeletrônica na produção
que propicia, junto com o consentimento operário, novos padrões de qualidade e
produtividade, atributos indispensáveis para a inserção do país no mercado mundial.
O processo político-ideológico de construção do consentimento operário no interior de
um complexo coercitivo posto pelo capital tem como característica principal a precariedade
do mercado de trabalho – crescente desemprego estrutural e a precarização de emprego e
salário. O medo da exclusão social contribui para debilitar a solidariedade de classe, além de
gerar uma crise dos sindicatos e partidos.
O objetivo do novo complexo de reestruturação produtiva é instaurar, de modo
sistêmico, a acumulação flexível no Brasil. Um dos seus principais aspectos é a
descentralização produtiva, caracterizada pelo processo de terceirização. O que se observa é
que a terceirização ao atingir tarefas menos estratégicas e especializadas (atinge os serviços de
apoio à produção, tais como alimentação, transporte, vigilância, assistência médica), passa
também a atingir atividades diretamente vinculadas à esfera da produção, o trabalho mais
qualificado, oferecendo uma divisão especializada do processo produtivo aliada à manutenção
do nível tecnológico – de atividades de manutenção, ferramentaria, estamparia, fornecimento
278

de peças e subconjuntos, anteriormente realizados pelos operários da montadora das


atividades.
A terceirização opera a externalização das atividades produtivas (trabalho doméstico
ou domiciliar, com a subcontratação de trabalhadores autônomos, em geral, sem contrato
formal, é a prática mais recorrente; empresas fornecedoras de componentes/peças;
subcontratação para serviços de apoio; subcontratação de empresas e/ou trabalhadores
autônomos nas áreas produtivas; quarteirização – terceirização da terceirização –, empresas
contratadas com a única função de gerir os contratos com as terceiras e pela deslocalização
industrial) – descentralização produtiva em seus múltiplos aspectos. Os processos tipicamente
produtivos passam a ser executados nas instalações da empresa subcontratada pela montadora,
ou nas próprias instalações da montadora, que cede espaço e equipamento para que o
fornecedor opere internamente em sua própria fábrica, como é o caso do consórcio modular
ou do condomínio industrial. É uma nova e radical terceirização, que se caracteriza pela
desverticalização total da empresa, criando uma rede de subcontratação com as empresas das
quais passam a comprar o produto que antes produziam. Por isso, a grande divulgação na
mídia de incentivo à criação de novos, pequenos e médios negócios surge como uma das
saídas do desemprego estrutural, resultado da própria “produção enxuta”. Os apologistas da
terceirização não querem saber se o mercado não é para todos, enquanto o pequeno
empresário, sob pressão do mercado, se obriga, dia -a-dia, a aumentar a intensidade do
trabalho e o prolongamento da jornada de trabalho, de si e de seus trabalhadores assalariados,
sob pena de ir à ruína, quando isto não ocorre por falta de conhecimentos administrativos e
gerenciais.
Diante da competitividade do capitalismo mundial, a estratégia da terceirização traz
uma série de vantagens para o capital, tais como níveis ótimos de escala, redução dos custos
administrativos, possibilidade de determinação ótima de custos e preços, maior concentração
em atividades estratégicas – logística da produção, planejamento, marketing, vendas, etc. – e
maior controle da gestão da produção. Entretanto os problemas de custos e qualidades têm
contribuído nos últimos anos para que algumas grandes indústrias recuem, pelo menos
temporariamente, da terceirização, praticando a desterceirização.
Na perspectiva da luta de classe, a terceirização é um processo que tende a debilitar a
solidariedade do mundo do trabalho, tornando precária a constituição de estratégias de classe
e contribuindo para a captura da subjetividade operária pela lógica do capital.
É claro que, em alguns casos, dependendo do grau do poder sindical, pode prevalecer,
em maior ou menor proporção, a precariedade de emprego ou de salários. Mas são
279

reconhecíveis as dificuldades de organização sindical nas pequenas e médias empresas, nas


quais o controle capitalista é maior. Por isso, o crescimento da estratégia de terceirização,
destinado a “enxugar” a montadora e a incentivar a proliferação das empresas subcontratada s,
tende a debilitar o poder de barganha sindical da classe. A estrutura de organização sindical
no Brasil constituiu-se, em termos históricos, no sentido verticalizado; incapaz, portanto, de
organizar uma categoria assalariada cada vez mais horizontalizada pela nova terceirização e
de contribuir para a resistência da classe contra a sanha destruidora do capital.
A adoção sistêmica dos nexos contingentes do toyotismo foi impulsionada a partir da
década de 1990 e caracteriza-se principalmente pelos Programas de Qualidade Total; just-in-
time (JIT), interno e externo; do Controle Estatístico de Processo (CEP), do sistema de
Estoque Mínimo (SEM), além das formas de gestão participativa do trabalho como o Skokai
(sistemática de reuniões matinais) e dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), além dos
novos sistemas de pagamento como os programas de participação em lucros e resultados
(PLP).
O caráter mais amplo da modernização, no entanto, se observa no vasto complexo de
reestruturação produtiva o qual inclui a instituição de células de produção, a reorganização
espacial de fábricas, a divisão de instalações industriais em minifábricas e seu desdobramento
radical no consórcio modular e condomínios industriais, o desenvolvimento de relações de
clientes entre setores da fábrica, o kanban, a flexibilização das funções e dos direitos
trabalhistas, e a polivalência.
Todas as novas técnicas de organização da produção capitalista incorporam o espírito
do toyotismo – a captura da subjetividade operária pela lógica do capital diante da
constituição de um novo e precário mundo do trabalho. Esta, portanto, é a terceira grande
hipótese da crise sindical, o toyotismo, enquanto “momento predominante do novo
complexo de reestruturação produtiva (...) tende a instaurar, pelo obscurecimento da
perspectiva de classe, uma nova subjetividade operária pela lógica do capital”.
A principal peculiaridade da busca do toyotismo sistêmico sob o governo Collor era
porque ele ocorreria e se propagaria nas condições de crise do capitalismo brasileiro, com seu
cenário recessivo, impedindo que as empresas adotassem, com eficácia, novas estratégias de
envolvimento dos operários, tais como bônus de salários vinculados à lucratividade e à
obtenção de metas de qualidade e produtividade. Os sindicatos passaram a reivindicar o
repasse para os operários metalúrgicos dos resultados do aumento da produtividade e
lucratividade. A prioridade dos capitalistas era instaurar um processo de racionalização da
280

produção pela adoção da “produção enxuta” (lean production), pré-condição para a adoção do
toyotismo sistêmico.
Por meio do downsizing , algumas empresas adotaram as demissões em massa,
transformando a força de trabalho em descartável, de modo que a tendência à diminuição das
taxas de rotatividade vem convivendo muitas vezes com processos de demissões em massa.
Assim, a destruição de velhos coletivos assalariados e a constituição de um novo e precário
mundo do trabalho tornaram-se pressupostos necessários para o desenvolvimento do
toyotismo sistêmico.
Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, a busca do toyotismo sistêmico
instaura uma nova era do capital no Brasil. Surgem novos horizontes de valorização e
recuperação da economia brasileira, cuja principal característica é o crescimento dos
investimentos externos diretos. A partir do Plano Real de 1994, os capitalistas encontraram
melhores condições para promover o envolvimento estimulado do operário à lógica da
produção capitalista, através das condições macroeconômicas, tais como redução brusca da
inflação, mas também através das condições sociais e políticas, como o surgimento de um
novo e precário mundo do trabalho e um sindicalismo debilitado em seus aspectos estruturais
e político-ideológicos.
Ocorreu, assim, o crescimento do desemprego estrutural na indústria, debilitando o
poder de barganha sindical. Desenvolveu-se, então, nova cisão no pólo moderno do mercado
de trabalho: por um lado, os operários sobreviventes da nova ordem do capital, os mais
qualificados e os mais organizados, tornaram-se alvos prioritários dos vários mecanismos de
consentimento à nova lógica da parceria com o capital; por outro, os demais, a massa de
operários menos qualificados, instáveis, temporários e subcontratados na borda da cadeia
produtiva, são excluídos da produção enxuta e compõem uma nova exclusão social no Brasil.
Esse novo – e precário – mundo de trabalho passa a exercer um efeito sociopsicológico
perverso sobre a nova classe operária que, sob o signo do medo, vê instigados seus
sentimentos corporativos, debilitando-se a solidariedade de classes e contribuindo para o
desenvolvimento de uma crise do sindicalismo no Brasil em sua dimensão político-ideológica.
A introdução de novas tecnologias e formas de organizar o trabalho no setor produtivo
e nos serviços desmantelaram a tradicional estrutura ocupacional, racionalizando mão-de-obra
e elevando as taxas de desemprego existentes em níveis antes impensáveis. A
desregulamentação do trabalho, a precarização do emprego – flexibilização, terceirização –, o
desemprego, etc., são todos elementos que permitem compreender o enfraquecimento das
organizações sindicais e a crise do sindicalismo
281

Na opinião dos observadores e analistas do movimento sindical, a crise do


sindicalismo seria ainda mais forte se não fosse o fenômeno da sindicalização dos grupos
chamados de classe média, notadamente do setor público.
De modo geral, a grande expansão do sindicalismo dos trabalhadores não-manuais, do
setor público e privado, teve início a partir da Segunda Guerra Mundial e se acelerou durante
as décadas de 1960 e 1970. Com isso, a composição da massa de sindicalizados tornou-se
mais heterogênea internamente, enquanto as organizações sindicais tornavam-se mais
diferenciadas do que na época em que os sindicatos representavam quase exclusivamente os
trabalhadores manuais e tinham a sua espinha dorsal no proletariado das grandes indústrias.
Indicadores da crise para as organizações sindicais foram os fracassos relativos ou os
parcos êxitos, conseguidos com muito esforço de luta, na defesa dos interesses dos
trabalhadores, tanto como as dificuldades para transformar em bandeira de luta a alternativa
de uma sociedade diferente no futuro, num marco histórico caracterizado pela derrota das
realidades e utopias do socialismo real. Um outro elemento crítico foi que os professores, em
termos de formas de luta perante os descasos governamentais, chegaram praticamente a uma
situação insustentável. A greve no serviço público tem sido muito criticada pela sociedade,
mas até esta data ninguém inventou nada melhor para protestar e pressionar as autoridades a
atender às reivindicações.
As greves do funcionalismo aprofundaram a visão de desvalorização incentivada pela
mídia pró -governamental. Na verdade, houve deterioração salarial e das condições do
trabalho, e esses tipos de reivindicações deveriam ser colocadas no plano da reivindicação de
direitos cidadãos e bem menos como demandas simplesmente corporativas. Mas é certo que a
política governamental assentada na desvalorização do servidor levou a uma postura reativa e
de acirramento do corporativismo em alguns setores do funcionalismo público.
Assim, num contexto como o atual, caracterizado pela aplicação em maior ou menor
grau de políticas de orientação neoliberal, que restringem o investimento nas políticas
públicas (educação, saúde, habitação), apenas reivindicar por aumentos salariais ou melhorias
nas condições do trabalho leva, em geral, ao desgaste dos trabalhadores que participam das
lutas sindicais ou daqueles mais atuantes que colocam maiores expectativas no poder do
sindicato.
O problema fundamental é a conjuntura histórica atual que parece colocar num
terreno de ambigüidade os propósitos históricos dos sindicatos; conjuntura praticamente
fechada para a atenção das reivindicações dos trabalhadores.
282

As reivindicações, sejam elas salariais, sejam de condições do trabalho do professor,


estão sendo pouco ou nada atendidas na atualidade. Por isso, colocar a categoria numa luta em
torno desses aspectos é, para o sindicato, muito complicado, levando-se em conta que as
possibilidades de sucesso são bastante difíceis. Isso leva ao desgaste e geralmente ao
esvaziamento do movimento. Mas, por outro lado, o sindicato tem que agir de algum modo,
tem que levantar e se fazer ouvido das demandas de seus representados e, por isso, opta por
conduzir suas lutas estabelecendo elo entre reivindicação e estratégias de pressão, como as
greves, por exemplo.
Os trabalhadores da educação que preferem que o sindicato leve adiante suas
reivindicações e participam ativamente ou nas decisões do sindicato vivem menos a exaustão
emocional. Mas, nem por isso, estão livres da exaustão, pois a participação no sindicato num
momento como o atual faz maior estrago entre os trabalhadores atuantes na organização.
Qualquer participante, que segue a orientação corporativa pura, ou seja, o que acredita que o
sindicato tem fundamentalmente que reivindicar aqueles aspectos que só interessam à
categoria, sofrerá através desta prática implicações nas relações com seus amigos, família,
colegas da escola, alunos e pais desses alunos.
Dupla jornada, crises ou rupturas dos laços de sustentação emocional, discriminação
no local do trabalho, são situações que acontecem em tempos “normais”, mas o que acontece
quando os conflitos com o Estado se fazem visíveis e começa um período de luta, isto é, um
contexto de greve, o que pode levar ao desgaste emocional na medida em que essa
participação pode criar um campo de tensão psicológica para os trabalhadores. No trabalho,
há um incremento das agressões de parte dos colegas; na família, crises familiares, porque o
trabalhador está dedicado completamente à luta; no sindicato, num contexto de luta sindical,
de paralisação, o sindicato ferve de atividades, notícias, a mídia se transforma em inimigo
contra o qual há que se lutar. Sem dúvida, a participação pode levar ao maior ou menor
desgaste emocional devido à tensão que se cria entre a disposição maior ou menor para lutar
pelos direitos e interesses individuais e coletivos, num contexto de adversidade generalizada.
Mas, num contexto de crise sindical, bem como de desvalorização dos funcionários e
ataque às suas conquistas sociais, tudo isto se torna dramático. Ele quer fazer algo e não ficar
apenas criticando ou lamentando pela situação. Mas ele sabe dos obstáculos, das crises, da
caída do muro, da situação sindical internacional, dos planos do governo para racionalizar o
serviço público, dos embates pela perda da estabilidade, do enfraquecimento das organizações
políticas, enfim ele também participa da luta contra o descaso do projeto neoliberal e busca
integrar-se nas lutas dos trabalhadores, produzindo formas de pressão diversas sobre as
283

autoridades em defesa da escola pública e de qualidade para todos e pela utopia de que “um
mundo novo é possível”.
O Fórum Social Mundial (FSM) realizado em janeiro de 2001, em Porto Alegre,
constituiu-se em um momento-chave para o debate e articulação entre movimentos e
organização antiglobalização neoliberal no mundo todo, assim como o Fórum Mundial de
Educação, em outubro de 2001.
Chegado ao fim do ano de 2001, a classe trabalhadora não teve muito que comemorar.
Um balanço sucinto mostra o sofrimento de pesadas derrotas. Capitulou-se em várias
negociações de contratos coletivos: redução da jornada, com redução salarial; perdas
significativas de postos de trabalho em várias categorias profissionais, particularmente na área
das montadoras; eliminação de 97% das vagas abertas no setor industrial, no ano 2000, o que
implicou um aumento do desemprego; os trabalhadores de baixa renda tiveram redução
salarial em torno de 25%, com reajustes abaixo da inflação; a rotatividade da mão-de-obra
implicou salários rebaixados e 8 em cada 10 trabalhadores que perderam seus empregos
tinham salários inferiores a 3 salários mínimos. O governo conseguiu avançar na política do
desmanche nacional. A aprovação pela Câmara Federal do projeto de lei da flexibilização das
leis trabalhistas é negativa para os trabalhadores: perda de vários direitos adquiridos, como é o
caso da estabilidade para os acidentados de trabalho ou dos que contraíram doença
profissional; a divisão das férias conforme os interesses das empresas, entre outros.
Entretanto o 2º FSM, realizado em janeiro de 2002, está servindo de apoio para a
mobilização e um novo espaço de lutas, pois abriu novas perspec tivas para o sindicalismo, na
medida que trouxe para discussão novos elementos de luta contra a ofensiva neoliberal. Entre
estes elementos, destacam-se o reconhecimento de que os movimentos que aconteceram e
acontecem dão aberturas e possibilidades para o sindicalismo internacional, dizer não ao
neoliberalismo e à guerra.
Hoje não é possível fazer movimento sindical sem ser internacional. Os sindicatos
precisam fazer alianças entre trabalhadores do campo e da cidade, tornar os jovens
conscientes das lutas sindicais.
Vinte anos de neoliberalismo produziu para o sindicalismo uma classe trabalhadora
precarizada, baixa da sindicalização, terceirização...; os que estão dentro das fábricas não
conhecem os direitos sociais.
284

4.2 PERSPECTIVAS DO SINDICALISMO

A recomposição do capitalismo para sair da crise cíclica, iniciada no final da década


de 1960, enseja um novo modelo de acumulação. O projeto neoliberal coloca o movimento
sindical numa situação de resistência. Mas, mesmo estando ciente que a primeira cois a a fazer
é resistir, há que se ter bem claro que não é possível mais agir com os mesmos métodos, pois
a organização do trabalho está totalmente alterada. É preciso inventar novas formas de
proteção do trabalho que não passe apenas pela luta economicista e corporativa.
Contemporaneamente, o desgaste do projeto neoliberal e a crise de legitimidade de
seus protagonistas não significam que esteja sendo desmontada a arquitetura do poder
mundial.
Na conjuntura internacional, a globalização tem representado de semprego,
instabilidade e insegurança, permitindo o acúmulo de riquezas e o desenvolvimento
tecnológico das grandes empresas, que não se traduz no bem-estar das pessoas. Esta é a
principal contradição que se está vivendo. À exceção dos Estados Unidos, que mantêm
índices decrescentes de desemprego ancorados na oferta de trabalho precário e baixos
salários, o desemprego permanece como principal problema na Europa ocidental, nos países
em desenvolvimento e nas economias em transição.
A crise financeira global e seus impactos sobre a economia real bem demonstram as
tendências negativas da globalização. A produção hoje é especulação, especulação não do
bem-estar. Na América Latina, a ofensiva do grande capital passa pela tentativa de formação
da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, e pela retomada da intervenção direta do
imperialismo norte -americano, como é o caso do Plano Colômbia.
O que está por trás da ALCA não é integrar o continente para construir seu
desenvolvimento. A propaganda alardeada pelos órgãos de comunicação da elite colonizada é
a de que a integração visa à prosperidade dos países e que o Brasil terá enormes vantagens
com a eliminação progressiva de todas as barreiras impostas à livre circulação de mercadorias
e investimentos entre as nações do continente. O que interessa realmente aos EUA é o
mercado consumidor brasileiro, as grandes estatais que não foram privatizadas e a
biodiversidade amazônica. Caso haja a integração, o Brasil será mais prejudicado que outros
países da América, devido a o porte de sua economia e grau de industrialização.
Os impactos do livre comércio sobre o emprego, a democracia, o meio ambiente, as
mulheres, as populações indígenas, os direitos humanos e tantos outros grupos e dimensões
sociais vêm sendo motivo de mobilizações em nível nacional e internacional. A CUT confere
285

prioridade ao tema e vem intervindo nos fóruns nacionais e internacionais, contrapondo à


lógica do livre comércio a exigência do comércio regulado e conjugado com a definição de
políticas nacionais de desenvolvimento sustentável. O movimento sindical internacional
também tem atuado sobre o problema, mas, embora importantes tais iniciativas, ainda são
insuficientes para sensibilizar e conscientizar amplos setores sociais para os efeitos negativos
dos acordos predominantemente comerciais. A iniciativa da CUT de participar da criação de
uma rede de organizações sociais frente ao livre comércio visa a somar esforços com outras
organizações democráticas e representativas da sociedade civil para combater a abertura
irresponsável dos mercados. A aprovação da Declaração Sócio Laboral do Mercosul, em
1999, revela que é possível intervir no curso dos processos de integração.
Se não ocorrer um freamento nas intenções norte-americanas com respeito à América
Latina, os países periféricos da região, com a implantação da ALCA, serão palco da
recolonização sofisticada dos EUA, uma vez que leva os países da América à perda do que
ainda existe de soberania.
O projeto neoliberal desorganiza e empobrece as economias nacionais. A Argentina é
um exemplo. Esse país foi precoce no neoliberalismo e esteve na primeira fileira neoliberal na
década de 1990, tendo aplicado o receituário prescrito. O resultado foi o saqueamento do
patrimônio nacional argentino através das privatizaçõ es, de volumosos recursos terem sido
consumidos com a dívida externa e dos lucros das multinacionais ali instaladas, de terem
imposto ao país a desestruturação de seu mercado de trabalho e de seu sistema de seguridade
social. A exigência que hoje fazem, através do FMI e o governo dos EUA é que a Argentina
cumpra seus compromissos com o capital internacional, e única forma de o governo conseguir
garantir esses recursos é reduzindo os salários de seus trabalhadores e das aposentadorias.
A esse cenário desfavorável, o sindicalismo internacional e os movimentos sociais de
diversas partes do mundo vêm impondo crescente resistência. Entretanto as organizações
sindicais vêm enfrentando grandes dificuldades para se contrapor à globalização dos capitais.
Essas organizações ainda não são capazes de impulsionar campanhas mundiais em favor do
emprego e dos direitos sociais.
Apesar de importantes movimentos sociais nacionais de resistência ao desmanche do
Estado de Bem-Estar ocorrido nos últimos anos, estes não têm sido capazes de constituir um
pólo de articulação e maior irradiação de resistência ao neoliberalismo. A CUT em sua
atuação, no entanto, coloca como uma de suas prioridades o desenvolvimento de ações que
visem ao fortalecimento do sindicalismo internacional.
286

Cada vez mais coloca-se como indispensável lutar unificadamente, o que não é fácil,
ante problemas de várias ordens: o referencial é de um trabalho fragmentado; há preconceito
de algumas categorias em relação a outras; o desemprego estrutural obstaculariza uma ação
mais ofensiva; grande parte das lideranças sindicais de todos os níveis está se burocratizando,
tornando-se profissionais do sindicalismo e isto traz acomodação e limita o movimento. É
preciso renovação, mas é fundamental muita formação – vive-se na era do conhecimento –
para que os novos dirigentes consigam responder a contento os desafios.
Um outro aspecto que deve ser abordado quando se fala em rumos do sindicalismo é
sobre a atuação sindical nos governos democráticos e populares. As lideranças têm que fazer
uma profunda reflexão para entender o mundo atual, independente de qualquer governo. Mas
quando se trata de um governo que comunga com um mesmo projeto de sociedade, esta
reflexão tem de ser mais acurada. Um sindicalismo autônomo, independente de partidos
políticos e de governos, é um valor inquestionável, porém, quando governo e categoria
defendem um mesmo projeto de sociedade, o papel e a ação do sindicato não podem ser
idênticas àquela levada a efeito num governo neoliberal.
De qualquer forma, já são visíveis as conseqüências nefastas do projeto neoliberal.
Muito mais cedo do que se esperava, ele está mostrando o seu esgotamento, apesar de sua
hegemonia. No entanto, a partir dos Fórum Social Mundial, o movimento antiglobalização
toma corpo. Um vigoroso movimento de resistência, em nível mundial, está se consolidando e
isto é muito promissor. Começa um novo tempo que ainda não é possível visualizar bem os
seus contornos, o movimento sindical precisa estar muito atento.
O surgimento de blocos comerciais (ALCA, União Européia, Mercosul, etc.) é uma
tentativa de melhorar as condições de barganha no comércio internacional e passa a ser
determinante para que os setores e/ou empresas sobrevivam ou deixem de existir. E se no
meio da ofensiva imperialista formou-se dentro do movimento sindical, em nível mundial,
toda uma corrente que defendia a conciliação e a parceria com setores da patronal com o
objetivo de amenizar a crise dos setores mais carentes da população e se baseava em pactos
sociais e acordos entre as classes sociais. No entanto a violência da ofensiva neolibral e a
ganância dos grandes empresários têm levado esta corrente a uma crise. Crise que leva a
rupturas e reorganizações no movimento operário e conseqüentemente à sua recomposição.
Esta recomposição caracteriza-se pelo declínio de setores burocráticos, atrelados à
conciliação de classes, que buscavam ampliar a competitividade, diminuindo e flexibilizando
direitos dos trabalhadores. No mundo todo surgem novos ativistas e militantes do movimento
287

sindical e popular que resistem a esta política e ganham espaço nas organizações de base e
sindicais.
Nessa perspectiva, a CUT deve aproveitar a possibilidade de realizar ações unificadas
entre trabalhadores de vários países e deve buscar a aglutinação de um setor dentro do
movimento sindical internacional que paute a sua intervenção pelo internacionalismo da
classe trabalhadora, a independência de classe e defenda uma ruptura com a ordem atual, se
negando a gerir a crise deste modo de produç ão.
Enfim, contra a ofensiva neoliberal, a 9ª Plenária Nacional da CUT, realizada em
agosto de 1999, em São Paulo, já indicava que a política internacional da CUT deve fortalecer
as ações que conduzam a solidariedade a todas as lutas de trabalhadores que ocorram,
buscando contatos e estimulando a organização autônoma e independente dos trabalhadores
em nível internacional, seja geral ou de um mesmo setor econômico, ou ainda da empresa
multinacional; propor uma campanha mundial contra o modelo neoliberal, tendo como eixo a
luta pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários e contra a precarização das
condições de trabalho; e priorizar as relações com organizações de outros países que estejam
dispostas a assumir uma perspectiva de luta de independência de classe que negue a parceria
com os patrões e os pactos sociais, combata as privatizações e a flexibilização dos direitos
dos trabalhadores.
Na conjuntura nacional, depara-se com a América Latina e o Brasil que passaram
nos últimos anos por um gigantesco processo de fusões e aquisições de grandes empresas
estatais e de capital nacional pelas empresas multinacionais que atuam nos setores mais
dinâmicos da economia – eletroeletrônica, sistema financeiro, informática, autopeças,
siderurgia, telecomunicações, papel e celulose, comércio varejista, etc. Processo que,
associado à abertura indiscriminada às importações, promoveu a desorganização das cadeias
produtivas mais representativas da economia.
A fuga de capitais e a redução das reservas internacionais criaram forte descrença na
política econômica. Frente à desconfiança da comunidade financeira internacional, a
declaração de moratória da dívida do Estado de Minas Gerais resultou no estopim de nova
crise cambial. Além disso, os resultados das eleições do ano de 1998 não confirmaram todas
as expectativas governamentais com a oposição ganhando no Rio Grande do Sul, Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
O governo FHC reagiu à crise alterando a política cambial, desvalorizando a moeda
em relação ao dólar em 40%, mas já alcançou 79,34%. Esse processo de desvalorização
reflete a inconsistência do modelo de ajuste das economias na América Latina e Ásia,
288

comandada pelos princípios do “Consenso de Washington”, resultando na submissão dessas


economias a políticas de estabilização ancoradas no dólar, no aprofundamento das
privatizações das empresas estatais e do modelo de eliminação das barreiras à livre circulação
das mercadorias e capitais, principalmente do capital financeiro especulativo.
Para reverter o descontrole da situação, o governo elevou a taxa de juros, editou novo
pacote fiscal com cortes em investimentos nas áreas sociais (educação, saúde, educação
profissional e segurança na geração de emprego e renda), reduziu o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) e elevou o compulsório sobre os bancos, visando a reduzir a
disponibilidade de recursos para empréstimos dos bancos privados. Somou-se a essas
iniciativas a resposta da base governista no Congresso Nacional, fazendo aprovar todas as
medidas de ajuste fiscal anunciado no final de 1998.
Os compromissos assumidos pelo governo FHC junto ao FMI para garantir
antecipações do programa de socorro da comunidade financeira internacional tiveram a
direção do ajuste neoliberal para enfrentar a crise do capitalismo com novos cortes no
orçamento de 1999 e a ampliação do programa de privatizações. Em 1999, o FMI ainda exigiu
a colocação na agenda do Congresso Nacional da segunda fase do ajuste estrutural,
direcionada a eliminar mais direitos sociais históricos (criando novas e variadas modalidades
de contratação, retirando o preceito semanal da jornada de trabalho, entre outras coisas) com o
objetivo de precarizar ainda mais as condições e relações de trabalho. Nesse quadro, se
inscreve a discussão do artigo 7º da Constituição e a partição da Emenda Constitucional
623/98 em três, com o congelamento do debate sobre organização sindical. Como na
Argentina, os neoliberais preferem flexibilizar os direitos dos trabalhadores sem mexer na
estrutura corporativa.
A conjuntura brasileira evidencia um aprofundamento da crise do modelo político-
econômico implantado na década de 1990 e da legitimidade do governo FHC. A corrupção é a
parte mais visível deste desgaste e faz parte do método de exercício do poder pelas classes
dominantes, de usurpação do Estado pelas elites.
A principal causa da crise econômica nacional é o modelo econômico que subordinou
a economia nacional ao capital financeiro internacional e transformou o país em mero
apêndice das decisões dos especuladores internacionais e do governo norte-americano. Essa
perda de soberania expressa-se, também, no acordo com o governo dos EUA visando à
instalação de uma base militar em Alcântara (MA) ou do SIVAM, o projeto de vigilância
aérea da Amazônia. Quem tem ganho mais com essa política são os setores econômicos e os
grandes bancos, pois o enxugamento de suas carteiras de créditos e a especulação com títulos
289

públicos mostram, claramente, que as instituições financeiras foram beneficiadas pela política
de juros altos e pela desvalorização do real.
A crise energética, que revela o descaso do projeto neoliberal com a produção de
condições para uma retomada do desenvolvimento, agrava o problema do desemprego e
repercute para o aprofundamento da recessão.
Nesse quadro de crise, os empresários demitem, pressionam pela flexibilização de
direitos, por mais arrocho salarial e pelo rebaixamento das conquistas nas negociações
coletivas.
Prevê-se, ainda, a busca de novas fontes de receita como é o caso, já anunciado, da
contribuição previdenciária dos aposentados do funcionalismo federal. Outro compromisso
com o FMI, cuja definição pelos senadores, no ano de 2002, foi a apresentação de medidas de
flexibilização de direitos fundamentais inscritos na CLT e na Constituição Federal, trazendo a
ameaça do estabelecimento da supremacia do negociado sobre o legislado.
A reforma trabalhista e sindical de caráter neoliberal, na prática, já está acontecendo,
desde que, de forma unilateral, o governo federal promove, através de medidas
administrativas , legislativas e judiciais, uma redefinição do papel do Estado nas relações de
trabalho, a desregulamentação, a flexibilização de direitos, realizando um verdadeiro cerco à
organização sindical, com demissões de militantes e dirigentes sindicais, multas exorbitantes
aplicadas aos sindicatos e à criminalização do direito de greve.
Novos ataques foram feitos quando o Tribunal Superior do Trabalho, passando por
cima dos estatutos das entidades sindicais, colocou em questão o número de dirigentes
sindicais e de sua estabilidade. Outra medida foi a Portaria nº 1, de 3 de maio de 2001, do
Ministério do Trabalho e Emprego, que estabeleceu um novo modelo de certidão de registro
sindical, válida por 2 anos, para as entidades sindicais organizadas depois de outubro de 1988,
de modo que o Ministério retoma a carta sindical, agora, com prazo determinado (10ª Plenária
Estatutária da CUT/RS, 2001).
Nesse quadro de crise e transformações no campo da economia, da tecnologia, da
organização das empresas, o sindicalismo deve rá aprender a viver nesta sociedade em
processo de rápida transformação derivada de iniciativas que partem das grandes organizações
empresariais e sobre as quais tem escassa capacidade de controle. Se a idéia neoliberal é a
globalização da economia, a idéia dos trabalhadores deve ser globalizar também os
movimentos sociais, constituir um sindicato sócio-político, um sindicalismo transformativo,
que propugne pelo social, político e participativo, justiça social globalizada, base comum para
campanhas, globali zação dos direitos humanos dos trabalhadores, luta pela renda básica,
290

desenvolvimento de um programa para construção da cidadania global, justiça social concreta,


mobilização e alternativas globais.
À medida que o mundo neoliberal coloca em perigo a democracia e somente unidos os
trabalhadores e todas as parcelas da população prejudicadas ou excluídas da sociedade devem
juntos lutar contra com um projeto alternativo, só assim um outro mundo será possível.
Mais do que nunca, o futuro da instituição sindical dependerá das opções estratégicas
que as suas lideranças fizerem hoje. Para isso, o sindicato deve continuar sendo combativo e
ter capacidade para interpretar os fenômenos, analisar e, em cima disso, fazer a mobilização.
Buscar alianças, aumentar a participação, promover a unidade do movimento sindical,
organizando os não organizados (trabalhadores informais), para que os direitos sociais
superem as contradições e passem a ser usufruídos por todos.
Um tema que o sindicato deveria encampar com principialidade é a questão ecológica,
pois ele está intrinsecamente ligado ao resgate da humanização que, em última instância, é o
que se busca. A destruição do planeta pelo capital numa busca irrefreada do lucro está no
cerne dos problemas sindicais. Outro tema é a superação da democracia formal e a defesa da
democracia participativa. Só esta permite uma cidadania de fato, ou seja, que vá além do
salário e do emprego. O sindicalismo através da ação cidadã é chamado a tomar seu lugar de
ator para que a democracia se afirme.
Se a mundialização neoliberal descarta o bem comum, requer-se do sindicalismo que
reconheça a necessidade da união das frentes comuns e o funcionamento democrático das
organizações sindicais e dos novos movimentos sociais, com democracia interna e
canalização de objetivos comuns.
O sindicalismo deve cada vez mais ser um sindicalismo cidadão, entendendo a defesa
da cidadania como a defesa dos interesses do conjunto da classe trabalhadora, tanto nos
setores formais da economia, como dos trabalhadores superexplorados do setor informal.
A Força Sindical avançou em sua tarefa de traição aos interesses dos operários.
Deixou explícita sua ligação com vários setores patronais. Além da organização do megashow
do 1º de maio, contando com a colaboração, em dinheiro e prêmios, de grandes empresas
nacionais e estrangeiras, uniu-se aos setores empresariais para combater o IPTU progressivo,
em São Paulo, e deu ampla cobertura aos projetos governamentais, recebendo dinheiro vivo
em troca (Rossi, 2001).
A perspectiva do sindicalismo classista é continuar sendo combativo e avançar na
luta assumindo as contradições. O diálogo estará alicerçado no respeito à liberdade e
autonomia sindical, que é um princípio cutista.
291

A CUT, apesar das dificuldades, deu passos significativos no sentido de superar seu
isolamento. Quer participando ativamente de lutas, quer se organizando e participando das
mobilizações para fazer valer os direitos dos trabalhadores. Neste esforço, conta com apoios
importantes no cenário nacional, como a UNE, o MST, a OAB, setores da Igreja e outros.
Como parte integrante de um campo político do qual fazem parte partidos políticos de
esquerda, organizações populares e progressistas, a CUT deve explorar a contradição
crescente entre a estratégia do governo para enfrentar a crise e a perda cada vez maior de
legitimidade do paradigma neoliberal no país.
A CUT assume, em sua plataforma de ação, a formação de um sujeito coletivo, ativo,
pautado na idéia de um sindicalismo de massas, o que supõe o envolvimento dos
trabalhadores nas decisões e em grandes mobilizações.
É fundamental o papel da CUT na ampliação da capacidade de ação do Fórum
Nacional de Lutas (FNL), no aprofundamento das relações e da identidade das entidades que
o compõem. O FNL e Fórum Social Mundial (FSM) poderão se transformar em instrumento
organizativo que contribua para a unidade de ação na base desses movimentos. O papel a ser
exercido pela CUT nessa conjuntura é o de liderar a oposição ao projeto neoliberal
articulando essas várias iniciativas (movimento popular e sindical, de trabalhadoras rurais e
urbanas, dos Sem Terra, etc.). A bandeira do Fora FHC e FMI sintetiza essa visão da
conjuntura e a compreensão de que não há alternativa para os trabalhadores dentro do atual
modelo e que a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras só tem a
ganhar com o fim desse governo (10ª Plenária Estatutária da CUT/RS, 2001).
Todo o movimento sindical de luta está preocupado com a flexibilização dos direitos e
deve se preocupar da mesma forma com a Reforma do Judiciário, que volta à pauta, no
Senado federal.
A flexibilização será definida pelos senadores neste ano de 2002. O Projeto de Lei
5483/01 visa a alterar o artigo 618 da CLT, fazendo com que as negociações coletivas
prevaleçam sobre a legislação (Fraga, 2001). A CUT, a OAB, juízes do Trabalho, CNBB,
políticos e a sociedade devem permanecer mobilizados em torno da votação do projeto no
Senado. Pois, se na Câmara ganharam os banqueiros e os empresários, a sociedade, no
entanto, é contra a defesa da empresa pautada na retirada de direitos dos trabalhadores.
“Temendo não ter forças para mexer na Constituição em final de mandato, FHC
pretende adulterar o que está determinado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”
(Borges, 2001, p. 4). No dizer do ministro Francisco Dornelles esta mudança permitirá que “o
292

negociado prevaleça sobre o legislado” (ibidem). Isso não passa de argumentos para esconder
os caminhos destrutivos dos direitos sociais que o governo alcançar.
Pelo artigo 7º da Constituição, o trabalhador tem direito a “gozo de férias anuais
remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. Mas é a CLT que
define as regras sobre a duração e forma de pagamento. O texto constitucional também
garante a “irredutibilidade do salário, salvo em convenção ou acordo coletivo”. Prevalecendo
o negociado, os salários poderiam ser cortados. No caso do adicional noturno, a sua proporção
é fixada pela legislação infraconstitucional e também poderá sofrer retrocesso. O mesmo
perigo correm a hora extra, o descanso semanal, a licença paternidade, os adicionais por
insalubridade, penosidade e periculosidade, entre outros direitos.
Se o Projeto de Lei 5483/01 for aprovado no Senado, não poderá contrariar a
Constituição e as le gislações previdenciária, tributária e do FGTS, além das regras de saúde e
segurança do trabalhador, mas os direitos regulamentados na CLT, como férias, 13º, adicional
noturno e até os salários poderão ser negociados e até reduzidos. “O governo não sabe
explicar o porquê de apresentar um projeto extremamente pesado e cruel como esse sem abrir
uma discussão junto à sociedade. É uma ofensa aos trabalhadores. Isso me cheira a um grande
negócio”, diz o deputado federal Pedro Celso, do PT/DF (Fraga, 2001, p. 7). O mercado
internacional, leia -se o FMI e o Banco Mundial, credores do Brasil, conforme diz o sociólogo
Giovanni Alves: “...exige uma consolidação legal de uma precarização efetiva que se
caracteriza pelo desmonte paulatino da legislação trabalhista” (ibidem). Essa precarização do
mundo do trabalho parece ser irreversível. O que resta então fazer? Na opinião de Alves,
poder -se-ia procurar outro projeto social que faça com que a economia seja regulada pelos
interesses da classe trabalhadora e, à semelhança da Lei de Responsabilidade Fiscal, que se
apóia no congelamento dos gastos sociais e pune os gestores públicos que gastarem além dos
limites orçamentários, os trabalhadores deveriam lutar pela instituição de uma Lei de
Responsabilidade Social que puna os governos que provoquem o desemprego e façam
aumentar a pobreza e a exclusão social.
“Por que não punir governos que permitam que o nível de vida da classe trabalhadora
caia e que suas condições sociais e de vida se precarizem?” (ibidem). Essa é no momento uma
grande utopia. Mas poderá ser sonho realizável, desde que a CUT consiga a unidade do
movimento sindical e implemente o sindicalismo-cidadão, utilize a mundialização como um
meio para amplificar a solidariedade no Brasil e no mundo. Para isso, é necessário a inserção
no quotidiano dos trabalhadores, de suas famílias, e maior aproximação dos novos
movimentos sociais. Essa é uma outra face do movimento sindical que deve ser assumida pela
293

CUT, não importa que a entidade fique “com cara de ONGs”, crítica do sociólogo da USP,
José Pastore (apud Debate Sindical, n. 39, p. 31, 2001), ao projeto cutista para a economia
solidária.
Vicentinho (Vicente Paulo da Silva) aborda essa “outra face do movimento sindical”,
referindo que o crescente desemprego, as transformações no mercado de trabalho e na própria
organização econômica no Brasil e no mundo estão desencadeando um forte processo de
expansão de novas formas de organização do trabalho e da produção. Fala sobre o grande
número de experiências coletivas de trabalho e produção que está se disseminando em todo o
país, sendo exemplos as diversas formas de cooperativas de produção, de serviços, de crédito
e de consumo, associações de produtores, empresas em regime de autogestão, bancos
comunitários e organizações populares, no campo (a luta pela reforma agrária, a corajosa luta
do MST contra o latifúndio e a política agrária e agrícola do governo FHC; e dos pequenos e
médios agricultores prejudicados pela política agrícola) e na cidade (movimento dos sem teto,
dos traba lhadores informais, dos professores, dos estudantes, etc.), que compõem a chamada “
economia solidária”.
Reconhece-se, conforme assinala Vicentinho (ibidem), que o crescente desemprego e a
insuficiência das políticas de geração de emprego levaram trabalha dores a buscar formas
alternativas de trabalho e renda, seja na economia informal (em 1997 já existiam, segundo o
IBGE, mais de 12 milhões de trabalhadores no mercado informal) ou em cooperativas de
diferentes tipos. Para a viabilização desses novos empreendimento, formaram-se organizações
que prestam serviços de assessoria, sendo exemplos as Organizações Não Governamentais
(ONGs) e as Incubadoras de Cooperativas Populares.
Outro exemplo é o Projeto Integrar criado pela Confederação Nacional dos
Metalúrgios da CUT, no ABC paulista, que vem desenvolvendo um trabalho de organização
dos trabalhadores desempregados para a constituição de cooperativas. O Projeto Integrar
apóia os grupos por meio de atividades de formação e discussões sobre o trabalho, tendo
como referência o trabalho coletivo e a economia solidária.
A economia solidária é um setor crescente da economia e da sociedade brasileira e
com grandes possibilidades de expansão. O movimento sindical, as universidades e outras
organizações da sociedade estã o construindo um intenso processo de incentivo e articulação
de um grande número de empreendimentos solidários no país. A própria CUT caminha nessa
direção, realizando intercâmbios nacionais e internacionais para o fortalecimento do projeto.
Bem disse o canadense Caro, ao pronunciar-se no 2º Fórum Social Mundial, “para
avançar na luta precisamos assumir as contradições” e “lutar pelas alternativas”. Na mesma
294

ocasião, o francês Christophe Aguitton observou que “é preciso fortalecer os movimentos” e


“batalha r contra o FMI”. Há várias lutas, mas mal organizadas, há barreira física entre os
sindicatos e o Estado, falta representação e democracia.
Os trabalhadores estão reagindo contra a luta de FHC para mudar os rumos do país. A
resistência cresceu com a maior greve do funcionalismo e a campanha salarial unificada,
levada a efeito em 2001. A CUT deve aprofundar sua reação à ofensiva neoliberal e à
globalização, desencadeando uma campanha de denúncia e de condenação, em âmbito
nacional e internacional do governo Fernando Henrique Cardoso, do empresariado e do
Tribunal Superior do Trabalho pelas suas práticas anti-sindicais.
Para que os trabalhadores possam enfrentar de forma geral os patrões e se contrapor à
política implementada pelo governo, é preciso construir uma central que em nível nacional
expresse esta necessidade. Rafaela Bolini, participante da Itália no 2º FSM, trouxe
experiências do Fórum Social de Gênova e observa que “os grandes sindicatos têm
capacidade de falar com os governos e empresários, mas, às vezes, não têm capacidade de
comunicar com a sociedade. Em Gênova, no G8, conseguimos mostrar 300 mil nas ruas e
propriamente não tinha a presença dos sindicatos”. As comunicações é um dos desafios do
sindicalismo brasileiro e mundial, e assim como derrubam fronteira entre os países, e são
desencadeadoras do processo globalizante que beneficia o capitalismo, devem ser utilizadas
pelo sindicato para aproximar os trabalhadores e os populares que lutam isolados nos novos
movimentos sindicais. Segundo Habe rmas (apud Antunes, 2000, p. 161), “caberá à esfera da
linguagem e da razão comunicacional um sentido emancipatório”.
Se as idéias neoliberais estão tirando os direitos sociais, é necessário que os sindicatos
entendam que é preciso se juntar para defender os direitos de todos. Os trabalhadores e os
excluídos socialmente precisam tomar consciência de que os direitos para os quais estão
lutando são globais. Os sindicatos e os movimentos sociais tem que se juntar e pensar um
mundo diferente juntos. “Unificados e organizados (trabalhadores urbanos e rurais,
empregados e desempregados, estudantes, mulheres, índios, negros, sem terra e sem teto,
enfim trabalhadores precarizados e excluídos da sociedade), farão de sua debilidade força
transformadora, com que poderão recriar o mundo, tornando-o mais humano” (Freire, 1982, p.
171). Essa força transformadora é encontrada na união e no diálogo. Uma revolução pode ser
um meio de dominação ou um caminho de libertação.
Freire (idem, p. 149) considera a necessidade da dialogicidade entre uma liderança
revolucionária e as massas oprimidas para que, no processo de busca de sua libertação, tomem
consciência da contradição em que se encontram, como um dos pólos da situação concreta de
295

opressão. O diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução
autêntica. Diz ainda o autor:

A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo corajoso


com as massas. Sua legitimidade está no diálogo com elas, não no engodo,
na mentira. Não pode temer as mas sas, a sua expressividade, a sua
participação efetiva no poder. Não pode negá-las. Não pode deixar de
prestar-lhes conta. De falar de seus acertos, de seus erros, de seus
equívocos, de suas dificuldades.
A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais será
revolução (ibidem).

Este diálogo, como exigência radical da revolução, ou seja, da mudança de rumo que
se impõe à política neoliberal, das transformações que se quer na sociedade, responde à outra
exigência radical, à dos homens como seres que não podem ser fora da comunicação, pois que
comunicação são práxis, fazer, ação.
A DS entende que a CUT representa a construção dessa central sindical capaz de
contrapor -se à política implementada pelo governo, pois é resultado dos avanços que os
trabalhadores tiveram nos últimos anos, em termos de lutas, mobilização e consciência, de
organização sindical. Igualmente, a DS defende a unidade orgânica do movimento sindical,
uma vez que entende que esta unidade é fundamental para que os sindicatos possam
organizar o conjunto dos trabalhadores que representam na luta por suas reivindicações.
A Alternativa Sindical Socialista (ASS), que surgiu de um acordo político entre
correntes, setores e militantes da esquerda sindical cutista, num período de descenso das lutas
e de impasses no movimento sindical classista, num período de embates com o projeto
neoliberal, e que pretendia ser uma frente de alianças estratégicas entre os setores que a
compunham, não produziu uma identidade política nem um acordo suficiente para aprofundar
a sua construção como corrente orgânica 102, sem pique para avançar, teve reconhecido pelos
militantes sindicais da DS o seu esgotamento e a discussão de seus desdobramentos, bem
como a importância de se fortalecer a intervenção sindical em diferentes frentes.
Na concepção deste pesquisador, como cutista e membro atuante do CPERS, o
trabalho sindical de uma corrente da esquerda revolucionária visa ao diálogo político com a
vanguarda ampla dos movimentos da classe trabalhadora e dos novos movimentos sociais.
Trata-se de estabelecer vínculos com militantes para além da própria esfera orgânica dessa
corrente. Disso decorre que a construção de uma central sindical que una todos os
trabalhadores e os vários segmentos excluídos da socie dade deve combinar duas dimensões, o

102
Frente às polêmicas, decidir pelo voto; ter representações definidas coletivamente, etc.
296

da identidade restrita (da corrente político-partidária a que se pertence) e o da identidade


ampla (de uma corrente sindical).
Essa compreensão significa que o esgotamento do projeto da ASS deixa de ser para a
ala combativa da CUT e, também, para todos os setores que trabalham com perspectiva
similar, a identidade ampla. Coerente com essa visão constituiu-se uma nova corrente
sindical, CUT Socialista e Democrática, sendo através dessa corrente que os militantes que
se referenciam na DS e aqueles que compartilham uma concepção e uma prática político-
sindical irão atuar no movimento sindical cutista.
Quanto às perspectivas do CPERS, o IV Congresso Estadual da entidade realizado
em dezembro de 2001 sintonizou o debate orga nizativo com uma análise do período de luta de
classes, ou seja, integrar à agenda organizativa a tarefa de impulsionar as lutas sociais contra o
governo FHC, a globalização e as aspirações de retorno da burguesia neoliberal ao comando
do Rio Grande do Sul. Com isso, abre -se, concretamente, uma perspectiva de vitória do
projeto democrático e popular no país e as tarefas que estão colocadas para a classe
trabalhadora são grandes, acrescida ainda a de imprimir mais uma derrota ao projeto burguês
no Estado e o CPERS deverá ter um papel de protagonista nestes desafios.
Com esta concepção, reafirma-se a disposição de combate ao neoliberalismo, de
defesa do socialismo como alternativa à barbárie neoliberal, de defesa da democracia e da
independência e solidarie dade de classe. Também reafirma o seu compromisso com o
fortalecimento do CPERS, pois entende -se imprescindível para a luta da classe trabalhadora
por uma nação soberana, democrática e com justiça social.
Assim como no plano internacional, no âmbito nacional observa-se uma retomada e
uma ampliação das resistências políticas à globalização neoliberal. As mobilizações dos
servidores públicos federais na luta contra o desmonte do Estado e pela recuperação de suas
perdas salariais, ao se combinarem com as campanhas das demais categorias em luta, podem
estabelecer um novo patamar para a luta dos trabalhadores contra o governo neoliberal de
Fernando Cardoso.
O Rio Grande do Sul, embora tenha conquistado a condição de Estado com melhor
qualidade de vida do país, não escapa das conseqüências do modelo neoliberal. O fato de mais
de dois milhões de gaúchas e gaúchos viverem em situação de indigência comprovam a
incapacidade do neoliberalismo em cumprir as falsas promessas de um mundo de riqueza para
todos. Isto porque o neoliberalismo está associado ao desmonte do Estado, a transferência de
responsabilidades estatais para a esfera de mercado e por planos econômicos que geram o
desemprego e a exclusão social.
297

Este foi o quadro vivido aqui no Rio Grande do Sul com o governo Britto: com o
baixo investimento nas áreas sociais; com acordos privilegiados com a FORD e GM, com a
concessão de pedágios, com o Plano de Demissão Voluntária e o abandono de setores
produtivos tradicionais, como o coureiro-calçadista.
Neste cenário, o projeto democrático e popular vence as eleições em 1998. Na
contramaré da vida política e nacional e contra os interesses da classe dominante, de imediato
instala-se o conflito político institucional. São as ações da Assembléia para bloquear projetos
como a Lei de Gestão, a Matriz Tributária e a UERGS, as decisões impeditivas na Justiça na
tentativa de inviabilizar o Orçamento Participativo e o Piso Salarial. É o ataque quotidiano do
monopólio das comunicações à CUT e ao MST. Estes elementos dão conta de que a direita
conservadora, a despeito da derrota sofrida em 1998, preserva muitos e importantes espaços
de poder do Rio Grande do Sul.
Enquanto isso, na base social dos movimentos populares, existem atritos, frutos das
tensões decorrentes de uma aguda e prolongada crise financeira do Estado, como aconteceu
quando da discussão do primeiro projeto de alteração da matriz tributária. A CUT/RS assume
a sua defesa, mas no CPERS escassas foram as discussões nesse sentido, o que acabou sendo
uma vitória para a direita conservadora que, além de ter interesse na manutenção das
distorções tributárias, explorou a falta de unidade no campo adversário. Esta unidade, no
entanto, é condição indispensável para avançar na construção do projeto democrático e
popular, cria as condições para que, mesmo num quadro de crise do Estado, as reivindicações
populares sejam atendidas.
O balanço das últimas décadas mostra uma intensa luta política contra as reformas de
caráter neoliberal e o CPERS foi sujeito desta história. Neste período, a luta dos trabalhadores
em educação transpôs o limite do corporativismo e, através do debate político constante, o
CPERS buscou influenciar a construção de uma sociedade mais justa. Foi assim na luta contra
a ditadura militar, no debate da Constituição de 1998, no impeachment do presente Color de
Mello, nas discussões da LDB e na disputa pelo PNE. Nas resoluções dos seus Congressos, o
Sindicato colocou-se como aliado e sujeito do bloco histórico que luta contra o
neoliberalismo.
As experiências de combinar a luta reivindicativa e a luta geral de transformação da
sociedade marcaram profundamente o CPERS. A garra e a perseverança da militância dos
professores aliada a esta postura garantiram, embora as contínuas conquistas e perdas das
décadas de 1980 e 1990, o fortalecimento do CPERS e sua grande aceitação pela sociedade
gaúcha. Simbolizam bem estas conquistas e perdas: a suspensão dos 2,5 salários mínimos, a
298

superposição de níveis que achatou e descaracterizou o Plano de Carreira dos professores e a


aprovação, pela Assembléia Legislativa, do novo Plano do Governo Britto que, praticamente,
extinguia a carreira do magistério. Estas foram marcas dos governos e deputados do PPB,
PMDB, PTB/PFL, PSDB e PDT.
A investida pela retirada de conquistas dos trabalhadores foi orquestrada no país
inteiro e se acentuou nos governos neoliberais. Num grande número de Estados, os
trabalhadores em educação sequer têm um plano de carreira, e a política neoliberal de
demissões, municipalização, mecanismo de privatização de escolas e de institutos de
previdência foram largamente efetivadas.
As discussões na entidade, fortalecidas e legitimadas pelas instâncias da categoria,
construíram uma sólida democracia interna e um acúmulo político, que permitiram enfrentar
com dignidade os governos neoliberais no Rio Grande do Sul e contribuíram, inclusive, para
sua derrota. Isso possibilitou pôr fim a um ciclo crescente de perdas e iniciar um processo de
recuperação e conquistas.
A história de lutas do CPERS, no entanto, exige um olhar rigoroso sobre o atual
momento vivido pela entidade, pois a tradição democrática construída ao longo de décadas
tem sido arranhada. Alguns fatos ocorridos não podem deixar de ser analisados, pois
marcaram o início da degeneração de uma tradição de ma is de 50 anos. O setor majoritário da
direção do CPERS – MES/CST – não se empenhou em negociar com o governo antes e
durante a greve de 2000 e rejeitou propostas no comando de greves sem consulta às bases,
ignorando, literalmente uma proposta salarial que continha avanços em relação à anterior.
Em âmbito geral, a direção do CPERS, não tem capitalizado os avanços obtidos pela
categoria, vacilando diante das pressões e tornando-se cúmplices da retirada de conquistas e
direitos históricos e do esquerdismo. A derrubada do Plano de Carreira do Governo Britto, o
início da recuperação do Plano de Carreira, Plano de Carreira dos Funcionários de Escola,
concursos públicos para professores, contratação de funcionários de escola, o fim da
municipalização da educação e o início da incorporação do abono são conquistas que não
podem passar despercebidas. Para continuar no caminho de conquistas, é necessário resgatar o
método de discussão política, com respeito às diferentes correntes de opinião, em todas as
instâncias da categoria, e, a partir das questões imediatas, contextualizar e ampliar a visão do
sindicato sobre a conjuntura como sujeitos transformadores da sociedade.
Por falta desta visão, os setores majoritários do sindicato não possibilitaram a
participação da cate goria em importantes discussões como a da “matriz tributária” que
possibilitaria mudar a estrutura desequilibrada e injusta dos tributos, a qual privilegia os
299

setores rentáveis da economia e os grandes empresários. Esta omissão favoreceu a direita no


Estado e na Assembléia Legislativa. Além disso, impediu a abertura do debate da matriz
salarial que buscava a correção nas distorções entre os altos salários, pagos a poucos, e os
baixos salários pagos à maioria do funcionalismo público.
O FSM testemunhou a nova e rica experiência que se está vivendo no Rio Grande do
Sul. Por isso, para garantir uma vida digna aos trabalhadores em educação e, solidariamente, a
todos os trabalhadores, é fundamental retomar as lutas. A força e a mobilização da categoria
sempre estiveram alicerçadas na discussão democrática, com a participação de todos nas
instâncias do CPERS-Sindicato. Também é importante, por outro lado, assegurar uma direção
com esta visão e estes compromissos, demonstrando a responsabilidade profissional e o
compromisso da categoria com os grandes desafios a toda a classe trabalhadora.
Neste período, o CPERS-Sindicato não privilegiou a discussão educacional e a
elaboração de políticas pedagógicas que contribuíssem para repensar a escola atual,
limitando-se a compilar propostas antigas de eixos de um projeto político-pedagógico, sem
aprofundar e incorporar novas discussões, principalmente no que respeita às questões
curriculares, centrais na perspectiva de romper com a exclusão escolar. A escola, na
contemporaneida de, ainda é uma instituição que reproduz a desigualdade e a exclusão que
caracterizam a sociedade. A categoria tem consciência disso e, por essa razão, tem sede de
discussão, já que está comprometida com a construção de uma escola que garanta a
aprendizage m e seja uma instituição multicultural, construtura e reprodutora do conhecimento
científico, haja vista a sua participação em Seminários, nos CONEDs, no Fórum Mundial de
Educação.
Todavia a postura do Sindicato, não possibilitando aos profissionais aprofundar
questões fundamentais num momento de perspectivas importantes para a educação no Rio
Grande do Sul, fez com que parcela da categoria, à revelia das decisões, participasse da
Constituinte Escolar (CE). Era de se esperar que, a partir da decisão de não participar da CE,
uma entidade do porte do CPERS tivesse proposto um fórum de discussão das questões
educacionais. O fato de não oferecer opção à categoria caracteriza bem esta despreocupação
com a definição das políticas educacionais, sem avaliar as mudanças de conjuntura.
A não participação do CPERS nessa discussão, se não inviabilizou a CE, reduziu e
ofuscou os debates que poderiam ter tido uma repercussão e eficácia muito maior e ter, de
fato, produzido uma proposta pedagógica com uma aglutinação e cons istência fundamentais
para dar um salto de qualidade na educação no Estado.
300

A trajetória do CPERS-Sindicato, no entanto, é uma caminhada rumo a uma sociedade


mais justa e humana. A partir da defesa de condições de trabalho, escola pública democrática
e de qualidade para todos a entidade construiu mais do que uma pauta de reivindicações;
construiu um referencial de luta para os movimentos que lutam por um outro mundo. Esta
história de protagonismo nos grandes embates políticos no Estado do Rio Grande do Sul e no
país foi rica: debates internos, avanços e recuos, mas, sobretudo, respeito pelas decisões
tomadas nas instâncias de base do sindicato. Foi o que tornou possível a resistência da
entidade mesmo nos períodos mais duros do autoritarismo e do desmando ne stas últimas seis
décadas no Brasil. Olhar para estes fatos e refletir sobre a necessidade de preservar e
aprofundar os processos democráticos no CPERS-Sindicato, é tarefa de todas as correntes
políticas que querem um sindicato forte e combativo.
Uma das questões cruciais para evitar a hesitação do CPERS-Sindicato em momentos
fundamentais é a questão da autonomia sindical e da independência de classe. O sindicato
deve primar por sua autonomia em relação a qualquer iniciativa do seu enquadramento em
amar ras institucionais que tentam impor obrigações à entidade. A independência de classe
deve orientar a ação sindical em relação ao Estado e aos outros agentes e instrumentos da
burguesia. Em relação aos agentes do bloco histórico onde se situam os trabalhadores e as
trabalhadoras e suas organizações, o sindicato deve ter uma postura de autonomia e
independência intra -classe, preservando uma ação política e uma programática, que, sem
atrelamentos e adesismos, saiba fazer a defesa de pontos -chave para o acúmulo de forças e o
aumento da consciência social para o atendimento dos interesses imediatos e históricos da
classe trabalhadora.
O CPERS-Sindicato precisa retomar o seu protagonismo político, sem abrir mão das
reivindicações da categoria e dos métodos de pressão legítimos para alcançar os objetivos
salariais, funcionais e educacionais. A entidade precisa estar à frente dos movimentos em
defesa de um programa para a classe trabalhadora e que desenvolva o Estado com inclusão
social. Para , é necessária a unidade no campo da CUT. Defende-se a convenção cutista para
definir o programa, a composição e o plano de lutas para a direção da entidade, só assim serão
construídas as condições necessárias para um período de avanço nas conquistas do CPERS-
Sindicato e do conju nto da classe trabalhadora.
Não é diferente o balanço e as conclusões alcançadas na Confederação Nacional de
Trabalhadores da Educação (CNTE) durante o XXVIII Congresso Nacional dos
Trabalhadores em Educação, realizado em janeiro de 2002, em Blumenau-SC. Reconheceu-se
que o momento é de consolidação dos movimentos iniciados desde meados dos anos de 1990:
301

o levante zapatista no México de 1994; as greves na França, em dezembro de 1995; e a


Marcha Européia contra o Desemprego em 1996.
Na conjuntura internacional, vive-se uma transição contraditória. Vale repetir, o
desgaste do modelo neoliberal e a crise de legitimidade de seus protagonistas não significam
que esteja sendo desmontada a arquitetura do poder mundial. O cenário internacional tem dois
elementos dominantes na atualidade: as Forças Armadas dos EUA e o dólar. Estes fazem da
maior potência industrial do pós-guerra a maior potência rentista do planeta, a partir da
década de 1990.
O governo americano impõe sua política através de acordos e convênios de
cooperação intermediados pelo FMI e pelo BIRD. Na América Latina, a ofensiva do grande
capital passa pela tentativa de formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)
que representa a redução das já precárias formas de regulação comercial nos países latino-
americanos e a conseqüente recolonização econômica; e pela retomada da intervenção direta
do imperialismo norte -americano, como é o caso do Plano Colômbia, que tem sido um dos
caminhos para a intervenção física dos Estados Unidos no território latino-americano, no
intuito de dominar as bacias hidrográficas, florestas tropicais e jazidas minerais da Amazônia.
Nesse processo de crescimento contraditório de hegemonia financeira e militar norte-
americana sobre os destinos das nações alinhadas, se contrapõ em focos de resistências
regionais. De um lado, reforçam-se as críticas européias à regulação dos EUA baseada na
supremacia do dólar, no rentismo especulativo e na força militar. De outro, se estabeleceram
os ativistas do Islã médio -oriental. Ao elegerem os EUA como seu principal inimigo, algumas
lideranças religiosas do oriente Médio souberam aproveitar dos treinamentos e dos recursos
reciclados na ciranda financeira internacional, bem como dos financiamentos a fundo perdido
para a guerra contra a extinta União Soviética e outras nações vizinhas, preparando-se para o
ataque terrorista que culminou na derrubada das duas torres do World Trade Center e sobre o
Pentágono, no dia 11 de setembro de 2001.
De lá para cá, o mundo vive sob expectativas quanto ao des tino da regulação norte-
americana sobre os mercados internacionais. Entretanto, no âmbito político, acirram-se as
tensões internacionais à medida que os EUA começam a pressionar nações alinhadas para
guerra e, internamente, iniciam uma série de ataques sobre os direitos civis dos cidadãos
norte-americanos e estrangeiros. O controle estatal retoma sua histórica trajetória,
contrariando todas as ideologias das últimas décadas de reinado do neoliberalismo pelo
mundo.
302

No âmbito nacional, vive-se crise e resistência. O governo FHC passa por um de seus
piores momentos. Os escândalos de Brasília e a crise energética colocam ainda mais lenha na
fogueira da crise econômica num momento em que acirram as disputas pré-eleitorais para
2002. Os confrontos entre Antônio Carlos Magalhões (PFL/BA) e Jader Barbalho
(PMDB/PA) desnudaram os esquemas de corrupção na base de sustentação política do
governo Fernando Cardoso, demonstrando a conivência do presidente com a roubalheira de
recursos públicos de norte a sul do país.
Enquanto isso, a política econômica no Brasil continua subordinada aos interesses
externos controlados pelo governo norte-americano e agenciados pelo FMI e pelo BIRD. A
armadilha financeira, intensificada com o Plano Real, agora mostra sua face mais rude.
Mesmo com a desvalorização do real, as exportações brasileiras são insuficientes para
produzir grande superavit na Balança Comercial, continuando este insuficiente para cobrir os
rombos causados pelo pagamento de juros da dívida externa e pela crescente remessa de
lucros e dividendos para o exterior e as empresas brasileiras vão sendo vendidas para
empresas multinacionais estrangeiras.
Enquanto o país fica sem as empresas privatizadas, a população brasileira é forçada a
pagar mais impostos para bancar a especula ção internacional. Este círculo vicioso, que se
retro-alimenta na ciranda financeira, traz como conseqüência o sucateamento do parque
industrial, pois, enquanto as empresas preferem emprestar seus lucros ao Banco Central, em
vez de investirem na ampliação de suas unidades ou na criação de novas plantas industriais,
milhões de pessoas ficam desempregadas, sem comer e sem onde morar, as cidades
continuam inchando num país que paga uma grande soma de impostos aos banqueiros
internacionais, mas não promove uma política agrária que permita a manutenção da vida no
campo, com dignidade.
Com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), exigência dos acordos com o FMI,
aprofundam-se as pressões no serviço público, com demissões, arrocho salarial, instabilidade
e quebra da proteção social.
Nesse quadro de crise, os empresários demitem, pressionam pela flexibilização de
direitos, por mais arrocho salarial e pelo rebaixamento de conquistas.
O ataque aos direitos sociais vem através de uma combinação perversa entre restrições
dos investimentos federais nas políticas públicas e do sufoco provocado pela LRF aos Estados
e Municípios, cujo principal objetivo é garantir o pagamento do serviço da dívida. A retomada
das privatizações já está em marcha (Correios, setor elétrico). Mas, assim como no âmbito
internacional, no âmbito nacional observa-se a retomada das resistências políticas à
303

globalização neoliberal. O resultado das eleições municipais revelaram a insatisfação popular


com o projeto neoliberal e o governo FHC e revelam um cenário mais favorável para a
disputa de projetos na sociedade brasileira.
Na luta pela reforma agrária, a luta do MST contra o latifúndio e a política agrária e
agrícola do governo FHC vêm acompanhada da construção de experiências de auto-
organização da produção e trazem elementos importantes para um debate estratégico. O Grito
da Terra, coordenado pela CONTAG e com a participação de diferentes organizações e
entidades, expressa a indignação e as propostas alternativas dos trabalhadores para o campo.
O sucesso da Marcha Mundial de mulheres representa uma possibilidade de
fortalecimento da ação feminista e anticapitalista na luta pela igualdade, justiça, distribuição
de renda e poder. Os eixos de luta contra a pobreza e a violência sexista revelaram seu
potenc ial para juntar o movimento de mulheres, o movimento popular e sindical.
As mobilizações de greves nas redes estaduais e municipais de ensino básico e as dos
servidores públicos federais na luta contra o desmonte do Estado e pela recuperação de suas
perdas salariais combinadas com as campanhas das demais categorias que estiveram em luta
no segundo semestre de 2001 podem estabelecer um novo patamar para a luta dos
trabalhadores contra o governo neoliberal de FHC.
Nesse contexto, fica claro que a disputa de rumos do país está aberta e que as
condições para a vitória de um projeto democrático e popular estão muito favoráveis. Uma
das evidências é a busca de alternativas com vistas às eleições de 2002 dentro do próprio
bloco governante; pré-candidatos buscam se apresentar em oposição ao que seria o “núcleo
duro” do governo FHC (Pedro Malan e José Serra). A Força Sindical, central sindical
neoliberal, transita entre um governismo servil e o apoio a um dos candidatos alternativos de
bloco dominante.
Os ataques que a classe trabalhadora vem sofrendo devido à implementação do
receituário neoliberal colocam os sindicatos, de forma geral, num momento de grandes
dificuldades. Para reduzir os impactos deste processo, em alguns municípios os trabalhadores
municipais se organizaram nos sindicatos estaduais. Onde isto não aconteceu, a organização
sindical é extremamente precária e até mesmo inexistente.
No entanto, as alterações estruturais ocorridas na educação, especialmente a partir da
promulgação da LDB e da lei do Fundef tendem a generalizar a fragmentação da educação e,
por conseguinte, da organização sindical. Por isso, impõem-se o desafio de buscar a
unificação de todos os trabalhadores em educação – estaduais e municipais.
304

Esta consolidação, entretanto, depende da priorização das ações unificadas ou


articuladas e de uma aproximação maior entre os próprios sindicatos, por isso, onde for
possível, é importante que se busque a unificação a partir da construção do sindicato único.
Nestes três últimos anos de atuação da CNTE, a Alternativa Sindical Socialista se fez
presente contribuindo de forma propositiva e participativa, possível e permitida, na construção
deste período de vida da CNTE. Mas, para fazer a CNTE cada vez mais forte e democrática
na defesa da educação e na representação dos trabalhadores em educação, é preciso criar
instrumentos que permitam dividir o grau de responsabilidade entre as forças eleitas para
dirigir a CNTE, radicalizando a democracia através da proporcionalidade qualificada.
Por fim, coloca-se que, do ponto de vista do plano de lutas, tanto a CUT como CNTE
e o CPERS defendem ações para o avanço nas suas conquistas e de um projeto histórico para
o conjunto da classe trabalhadora.
Enquanto as lutas cutistas nacionais definem-se em torno do avanço para a formação
de instâncias nacionais (sindicatos nacionais, confederações ou federações nacionais que
unifiquem nacionalmente a luta das categorias; instâncias intermediárias para superar a
fragmentação, formação de sindicatos por ramos de atividades de abrangência territorial
maior que um município – podendo chegar a estadual ou nacional de acordo com a decisão
dos trabalhadores; organização do sindicato da CUT por local de trabalho (para complementar
a organização autônoma e unitária dos trabalhadores e servir para que os cutistas disputem a
hegemonia dentro das empresas); aprofundar a democracia das assembléias, adotando
instrumentos como plebiscitos, e combater a ausência do debate político; contra o pacto
neoliberal de FHC/FMI, realizando encontros em defesa do movimento sindical e das
conquistas sociais; construção de um amplo movimento em defesa do movimento sindical e
dos direitos trabalhistas com as demais centrais, entidades independentes, confederações,
parlamentares no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas; realizar uma ampla
denúncia das medidas do pacote trabalhista sindical (imprensa, jornal, cartilhas, boletins, etc.)
desmascarando seu caráter anti-social e antidemocrático; desenvolver atos políticos unitários,
envolvendo amplos setores da sociedade, manifestações de rua, denunciando o desemprego e
a recessão, criando condições para a construção de uma greve geral contra a política de FHC e
do FMI; construir na prática uma nova organização sindical, uma central sindical em nível
nacional, e, a partir da unidade, organizar o conjunto dos trabalhadores, mobilizar e
conscientizar para a luta por suas reivindicações, o fortalecimento da CUT, da solidariedade
classista, da democracia nas entidades e das eleições sindicais.
305

No plano estadual, é fundamental para a CUT/RS, articulada com os demais Estados


e/ou países, intensificar cada vez mais a luta contra o projeto neoliberal do governo FHC e do
FMI e, ao mesmo tempo, buscando alternativas para o fortalecimento da classe trabalhadora
como um todo. Nesse sentido, defende -se a participação nos Fórum Social Mundial,
entendendo estes como um grande momento de articular o combate à ALCA; luta contra as
privatizações e defesa do serviço público; disputa com a Força Sindical; agricultura fa miliar;
campanha salarial unificada; campanha de sindicalização articulada; busca de alternativas de
emprego e renda; eleições 2002; inserção no quotidiano do povo, conscientizando-o com
palavras e fatos sobre a falsa realidade neoliberal, e criar novas realidades, humanizadas, e um
sujeito social livre capaz de superar os engodos do capital e interessado na construção do
socialismo.
Quanto à CNTE, propõe lutas gerais: pela anulação das dívidas interna e externa e das
reparações das dívidas históricas, sociais e ecológicas; pela cessão da interferência do FMI e
BIRD nas políticas públicas internas de cada Estado-Nação; pela ampliação da reforma
agrária e pela retomada da política de redistribuição de riquezas nos países da América Latina
e outras regiões equivalentes do globo; contra a ALCA por esta representar a redução das
precárias formas de regulação comercial nos países latino-americanos; contra as cláusulas dos
acordos da OMC que impedem a formação de barreiras alfandegárias; contra o Plano
Colômbia por ser um caminho para a intervenção dos EUA sobre o território latino-
americano; contra o embargo econômico a Cuba, defendendo a soberania nacional e a
solidariedade internacionalista.
A CNTE luta também em defesa da escola pública, contra os vetos do PNE e em
defesa do PNE construído democraticamente a partir do II CONED; pela ampla discussão na
categoria e na sociedade sobre reformulação curricular a fim de construir uma escola
includente e sintonizada com as demandas globais; reedição anual da Semana e da Marcha em
Defesa e Promoção da Educação Pública; trabalho de conscientização na comunidade escolar
sobre o significado da Campanha “Amigos da Escola”, mostrando que a mesma faz parte do
processo de desmonte da escola pública.
No Rio Grande do Sul, as lutas gerais do CPERS-Sindicato são pela participação
massiva e organização nos Fórum Social Mundial; pelo engajamento na construção do
Tribunal da Dívida Externa durante o FSM; organização de um grande plebiscito continental
contra a ALCA em setembro de 2002; contra a intervenção imperialista dos Estados Unidos
na parte mais ao sul do continente através do Plano Colômbia e da ALCA; contra o arrocho
salarial, o desemprego, a precarização e a flexibilização das relações de trabalho; a defesa e a
306

prática da ple na liberdade e autonomia sindical e da democracia interna nos sindicatos e na


CUT; e contra a subtração de direitos sociais e trabalhistas.
Para finalizar, como perspectivas sindical e políticas permanentes, para a construção
da CNTE solidária com independência de classe e pela base, a Confederação propõe às
entidades a reedição da Marcha dos “Sem” em defesa do emprego, salário, terra e moradia;
defesa da liberdade irrestrita para organização de base (grêmio de alunos, de professores,
associação de pais); pluralismo na organização das atividades de formação política com a
representação das diversas correntes de opinião existentes na base; organização com suas
afiliadas de seminários nacional, regional, estadual e municipal para tratar de temas sobre
aposentados/as; lutar por políticas afirmativas de gênero e raça; ampliar e consolidar a
organização das mulheres na organização de base e em nível nacional; lutar pela inclusão dos
funcionários de escola como profissionais de educação em todos os textos legais que
embasam a organização do sistema educacional; transformar o Departamento Nacional de
Funcionários da CNTE em Secretaria de Funcionários; Implementar a proporcionalidade
qualificada como forma de radicalizar a democracia interna na CNTE; e eleições gerais 2002.
Portanto o movimento sindical brasileiro está chamado a desempenhar um papel
bastante diferente daquele que teve a partir de 1978 e no início da década de 1980.
Naquela época, foi o momento de rompimento com o velho sindicalismo
pelego/conciliador. Foi a época de desafiar e enfrentar a ditadura militar. Foi o lançamento
das bases do sindicalismo que se expressa hoje na CUT.
Hoje o movimento sindical logicamente precisa manter o tom reivindicatório e
oposicionista. Afinal isso representa a própria natureza da organização sindical. Mas precisa-
se ter claro que isso, isoladamente, não responde mais às questões e aos dilemas que a classe
trabalhadora tem diante de si.
O sindicalismo precisa existir como sujeito social que luta, mas luta pensando que é
capaz de conversar e sempre que reúne senta às mesas de negociação com os mais
surpreendentes adversários, sem medo de ser tragado ou perder a identidade pelo simples fato
de conversar.
Um sindicato que, mesmo sendo expressão de uma categoria, não deve e não pode
limitar-se às estreitas fronteiras da própria categoria.
307

CONCLUSÃO

A história do sindicalismo iniciou-se no século XVIII, e, foi marcada pelo surgimento do


capitalismo e da sociedade industrial. Os estudos empreendidos, evidenciam que as primeiras
experiências dos camponeses urbanos foram desenvolvidas na Europa no século XII, quando no
âmbito do senhorio efetua-se a organização da produção e a extorsão do sobretabalho, do qual se
beneficia o detentor das prerrogativas políticas e jurisdicionais.
A primeira etapa da marcha do capitalismo caracterizou-se pela pilhagem colonial levada a
efeito na América. Paralelo ao surgimento do capitalismo, a classe dos comerciantes realizava o
lucro do sobretrabalho. Firmam-se, então, as duas formas principais de acumulação: a estatal e a
burguesa. Os populares descontentes fazem reivindicações, dando surgimento às primeiras
aspirações modernas, resumidas nas palavras democracia parlamentar, liberdade e propriedade.
Em meados do século XVII, ante a miséria camponesa, toma-se consciência da
interdependência das atividades num sistema mercantil generalizado. Reclama-se a liberdade de
preços e a liberdade do comércio exterior. O principal modo de extorsão de sobretrabalho nas
formações européias é de natureza “tributária”.
O século XVIII, o século das luzes, era também o século da produção mercantil, agrícola
ou manufatureira, multiplicam-se as riquezas e agrava -se a pobreza. Fortalece-se o capitalismo
inglês e a proletarização das massas. Acentuam-se as contradições vinculadas ao capitalismo e a
burguesia na França faz a revolução de 1789 apoiando-se no descontentamento do camponês e no
movimento popular, enquanto na Inglaterra os intercâmbios mercantis e os limites da produção
manufatureira dão início à revolução industrial.
A economia política e o liberalismo progridem. Surgem os fisiocratas e a exaltação do
papel econômico dos proprietários fundiários. David Hume enfatiza a lógica liberal e Adam Smith
expõe a tese da “mão invisível” em defesa do capital.
308

O século XVIII com a fábrica vê o capitalismo se introduzir como modo de produção e


feito com base na acumulação de riquezas vindas do sobretrabalho camponês e da sobreexploração
colonial. Expande-se o trabalho assalariado e as lutas operárias se multiplic am. Os trabalhadores
descobrem a luta revolucionária, unem-se e organizam-se, para defenderem-se da exploração
capitalista. Assim surgem as primeiras organizações de trabalhadores, combatidas pela burguesia e
o Estado.
No século XIX o liberalismo é a doutrina dominante, traz na sua essência a defesa da
liberdade (do capital) e da propriedade privada. O sindicato era uma anomalia e a greve trazia
riscos à liberdade. Estão formadas as condições para todas as lutas operárias que se seguiram e para
a afirmação do sindicalismo nacional e internacional.
A Revolução Industrial, introduz e amplia a lógica capitalista de produção: exploração
crescente de trabalhadores e produção de massa, acumulação de riquezas de alguns e ampliação da
miséria em geral. Essas contradições são traduzidas em críticas e confrontos ideológicos.
Denuncia-se a desigualdade, a exploração do trabalho e os ricos que dela se beneficiam. A lógica
social dessa exploração é posta a descoberto. A visão liberal e a visão fundamentada na
organização da sociedade garantem a felicidade de todos: estas são as bases ideológicas do
pensamento econômico dos séculos XIX e XX e sintetizam que produzir é aumentar a utilidade,
dos “fatores da produção”: trabalho, capital e terra.
O movimento operário amadurece em face à miséria, à fome, ao abaixamento do salário, ao
alargamento da jornada de trabalho e ao endurecimento do regulamento de trabalho. Os artesãos-
operários reagem e criam sociedades de auxílio, mutuais, cooperativas. A República na França,
reconhece o direito ao trabalho, mas é com o reconhecimento do direito de greve, em 1864, que o
sindicalismo conhece seu primeiro impulso. Sindicalistas de várias nacionalidades criam em
Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores que abre e concretiza a nova dimensão do
movimento operário: o internacionalismo. A luta e a organização sindical espalhou-se por toda a
Inglaterra e disseminou-se pela Europa e pelo mundo inteiro. A organização política-partidária dos
trabalhadores atuava como uma força de apoio e, a centralização no partido permitia que os
trabalhadores enfrentassem o aparelho estatal. As leis do Estado, não conseguiam evitar a
organização dos trabalhadores.
A Trade Union Congress (criada na Inglaterra, em 1868) é a primeira confederação
sindical nacional. Aglutina várias associações regionais e apresenta como característica congressos
anuais, fóruns de debates e uma estrutura sindical descentralizada, com peso nos sindicatos e nos
locais de trabalho. Logo as uniões sindicais disseminaram-se nos demais países, tendo em vista que
309

a indústria capitalista do século XIX, desenvolvia -se com base na dura exploração das massas
operárias, em todos os países da Europa e da América.
A desumana exploração mediante a remuneração por peça, joga as massas trabalhadoras na
miséria e traz como resposta os avanços do movimento sindical e da legislação social nacional.
Portanto, o sindicalismo surgiu e ganhou expressividade no mundo, sobretudo, para fazer frente à
exploração capitalista e melhorar as relações entre capital e trabalho.
Na América, os movimentos sociais deixaram um legado importante para os trabalhadores
do continente. O sindicalismo mexicano, mais assemelhado ao sindicalismo sul-americano, como o
brasileiro, foi construído ao longo do período revoluc ionário (1910/1920) e ganha impulso com
Cárdenas (1934-1940). O cardenismo, configurou uma resposta política nacionalista com
características populistas e determinado pela Revolução Mexicana. A partir de 1986, no entanto,
com a queda dos preços do petróleo no mercado internacional, o México começou a viver o início
da reestruturação produtiva e reorganização sindical.
Os sindicatos da América Latina, principalmente dos países do sul do continente, se viram
confrontados com problemas idênticos e o desafio de encontrar novas formas de superar a estreita
visão nacional que haviam herdado. No caso brasileiro, a organização dos trabalhadores é distinta
da Europa e do restante da América, constituiu-se como associação mutualista.
A luta dos operários no Brasil em busca de organização e equilíbrio na relação capital e
trabalho, de 1889 à década de 1990, passou por várias fases. O Decreto-Lei 19.770/31 criou
condições para que, pouco a pouco, se consolidasse a estrutura sindical brasileira, subordinada ao
Estado, a dos sindicalistas “pelegos”. O Estado forja um movimento sindical sem movimento,
buscando as lutas e conquistas da classe trabalhadora. Os trabalhadores resistem ao controle
sindical do Estado, e entre 1930 e 1935 efetiva-se o confronto entre o sindicalismo independente e
o atrelado. Os sindicatos que resistiram à tentativa de tutela do governo, sofreram a intensa
repressão policial levada a efeito contra o sindicalismo, e viram destruida por completo a
organização independente e estabelecida a hegemonia dos sindicatos oficiais e da burocracia
sindical sobre os trabalhadores.
Logo, a Consolidação das Leis Trabalhistas proibiu a sindicalização dos funcionários
públicos, mas a resistência dos trabalhadores cresceu com a criação da Justiça do Trabalho, embora
ela intensificasse a presença do Estado no condicionamento da relação capital e trabalho, a favor
das classes dominantes. O controle dos sindicatos foi uma conseqüência da estrutura sindical
montada. O Estado impôs um estatuto padrão, controlou o processo eleitoral, as finanças do
sindicato e os próprios recursos financeiros. Essa estrutura sindical, tem sido o espaço do
sindicalismo de Estado.
310

O período de 1945 até 1964 caracterizou-se pela ascensão das lutas dos trabalhadores. Em
1946 foi criada a CGTB, como resposta à fragmentação do movimento sindical e à proibição dos
sindicalistas terem uma representação central forte. Muitos dos sindicalistas romperam com o
trabalho de massas e foram para organizações paralelas (CISG, PUI, PUA, CGT). Os pelegos se
aproveitaram disso e se fortificaram. Essa fase se caracteriza pelo sindicalismo populista, uma
forma de organização inacabada porque estatista.
De 1964 a 1978 surgiu o sindicalismo populista e burocrático, que lutava pelas reformas de
base, mas foi atingido pela repressão dos militares e abolição da lei de greve. A partir de então, os
sindicatos passaram a participar da renovação dos acordos salariais coletivos, mas faltava
organização nos locais de trabalho. A dimensão e profundidade da penetração da ideologia
populista nas classes trabalhadoras é entrevista nas duas modalidades de greves típicas desse
sindicalismo: a greve de adesão passiva e a greve demonstrativa à guisa de súplica. O movimento
sindical voltou a articular-se através de greves localizadas e os Sindicatos dos Metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema procuraram superar seu distanciamento da base, moldando uma linha de
resistência coletiva alterando as relações de trabalho nas empresas, tornando-se referência para o
conjunto do país.
As lutas dos trabalhadores, a partir das greves do ABC paulista, em 1978 e 1979, se
estenderam para todo o país. A organização sindical foi revolucionada e tem intensa participação
dos trabalhadores. Os funcionários públicos e os professores também são influenciados pela nova
conjuntura, constroem as suas entidades de classe, estando o CPERS entre esses movimentos.
De 1978 a 1990, o sindicalismo combativo abriu um novo período no desenvolvimento do
movimento operário brasileiro, considerado o mais importante de sua história, recebeu a
denominação de novo sindicalismo brasileiro. Na década de 1980, esse sindicalismo viveu sua
expansão em meio aos assalariados médios e aos setores de serviços, nasceram as centrais sindicais
e os avanços nas tentativas de organização nos locais de trabalho e na luta pela autonomia e
liberdade dos sindicatos em relação ao Estado. Dentro do sindicalismo brasileiro, neste período,
despontaram duas correntes: uma delas, surgida entre os metalúrgicos do ABC paulista,
reivindicou mudanças na legislação trabalhista e na política salarial. Essa corrente, a do novo
sindicalismo ou sindicalismo autêntico deu origem à CUT. A outra corrente, a Unidade Sindical,
lutava também por mudanças na CLT, mas não via na legislação vigente um entrave para um
sindicalismo forte e organizado.
Na década de 1990, com a entrada do Brasil em processo de reforma econômica e de
redefinição das funções e estrutura do Estado, o sindicalismo entra em crise, já não se caracteriza
somente pela mobilização em torno das negociações de data-base, dos reajustes salariais e das
311

greves massivas de categorias. O papel do sindicato foi sendo redefinido pelo surgimento de uma
nova agenda de questões, como desemprego, participação nos lucros e resultados, remuneração
variável, produtividade, flexibilização das normas reguladoras das relações capital-trabalho,
reestruturação das empresas e dos setores, reforma do Estado, privatização, redução e
flexibilização da jornada de trabalho, abertura da economia, integração regional, questões de
gênero, trabalho infantil, reforma agrária, entre outras. Evidencia -se, também, um avanço de ação,
com maior participação no espaço das políticas públicas.
A CUT luta para avançar na elaboração de uma proposta de uma nova estrutura sindical,
voltada para a ampla democracia; um sindicato classista e de luta; a mais ampla liberdade e
autonomia sindical; organização sindical por ramo de atividade produtiva, desde os locais de
trabalho até a Central Sindical, seu órgão máximo; sindicalização de todos os trabalhadores
visando ao fortalecimento da luta, da organização e da autonomia financeira; e unidade sindical,
pela base. Entretanto a legislação imposta à época de Getúlio Vargas, que organizou os sindicatos
por categorias profissionais, manteve uma estrutura vert ical, dificulta a organização dos
trabalhadores no local de trabalho, pois a estrutura sindical ainda é definida pela CLT, embora a
Constituição de 1988 consagre o princípio da liberdade e autonomia sindical, não permitindo a
organização entre sindicatos de diversas categorias. O sindicalismo de Estado apresentado, é a
forma organizativa oficial, sendo que a maioria dos sindicalistas e trabalhadores associou esse
estatismo ao reformismo, buscando na implementação de reformas, melhores condições de
trabalho e de vida.
Esse regime suprime a liberdade sindical, na medida em que, concede privilégios à
atividade sindical desenvolvida no interior do sindicato oficial, gera um aparelho sindical separado
dos trabalhadores, porque dependente do poder do Estado, e por isso considerado governista e
defensivo.
A CUT não tem uma posição clara e consistente contra a estrutura sindical. As correntes
sindicais mais poderosas que integram a CUT lutaram, fundamentalmente, contra esse modelo
ditatorial de gestão do aparelho sindical de Estado. Nada do que os petistas propõem, pode ser
obtido sem a destruição do sindicato de Estado.
O esgotamento dos modelos estatizantes e a crise mundial de 1973 recolocaram o
neoliberalismo como a grande saída para o progresso da humanidade, embora destruidor das
conquistas sociais. No Brasil, na década de 1980, com o colapso do socialismo real no Leste
Europeu, o liberalismo embalado de neoliberalismo voltou à cena política, e, procura, assumir a
hegemonia à custa da destruição dos direitos do trabalhador, pressionando por mudanças no texto
constitucional. Contra essas mudanças orientam-se hoje, as grandes lutas do PT e da CUT, já que
312

fazem o corte generalizado dos direitos trabalhistas, privatização da previdência e da saúde e maior
enfraquecimento da negociação e contratação coletivas do trabalho.
O neoliberalismo no Brasil tem ganho espaço, também, devido a existência de uma
burocracia sindical neoliberal – a Força Sindical – que vem apoiando as propostas governamentais,
como a reforma administrativa e o fim da estabilidade dos servidores. A implantação do
neoliberalismo no Brasil se encontra numa fase avançada. Os governos Fernando Collor e
Fernando Henrique Cardoso, adotaram uma ampla abertura comercial; desregulamentação dos
fluxos financeir os; privatização do patrimônio público; reforma administrativa e ameaça com a
retirada dos direitos trabalhistas e previdenciários. E mais que isso, uma segunda geração das
reformas liberais já está sendo preparada, focalizando reforma da previdência, da administração do
Estado e tributária. Diante dessa situação, não resta alternativa às forças de esquerda senão a da
resistência. É nas questões relativas ao emprego, ao contrato de trabalho e aos direitos sociais que o
neoliberalismo vem demonstrando o seu significado mais perverso e onde vem encontrando as
maiores reações populares.
Os governos neoliberais no Brasil da década de 1990, ensaiam modalidades de
desconcentração industrial e buscam novos padrões de gestão da força de trabalho. O toyotismo
penetra, se mescla ou substitui o padrão taylorismo-fordismo. Os sindicatos abandonam o
sindicalismo de classe das décadas de 1960/1970, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação
e de negociação, que no geral aceita a ordem do capital e do mercado. Abandonam as perspectivas
emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela emancipação do gênero humano e operando uma
aceitação também acrítica da “social-democratização”, assumem uma postura marcadamente
defensiva diante da onda privatista.
As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de privatização acelerada, de
desindustrialização, tiveram nos últimos anos, forte impulso. Operou-se a retração da força de
trabalho industrial, ampliou-se o subproletariado do mercado informal.
Na resistência à reestruturação industrial, um dos pontos principais de ação sindical dos
setores modernos e internacionalizados da indústria brasileira, tem sido a luta pela manutenção dos
postos de trabalho, contra o desemprego, com foco na indústria automobilística do ABC paulista.
Entretanto, as dificuldades da ação sindical diante das estratégias da reestruturação industrial se
manifestam no interior das grandes empresas, e, nas diversas formas do trabalho precarizado
(autônomo, part-time, informal), incluindo o trabalho em do micílio. A força acumulada pelo
movimento sindical brasileiro, coloca-o numa situação sui generis, que pode significar uma base
para a criação de novas situações de intervenção no processo de reestruturação e uma alternativa
diferente dentro do mundo industrializado.
313

A esquerda, os partidos, sindicatos e organizações populares não aderiram à política


neoliberal, embora a tendência seja conciliar com o neoliberalismo, enquanto a política neoliberal
tem avançado sem se descaracterizar. Entretanto, as expectativas de estabilidade econômica e
inflação baixa geradas no seu início, junto ao povo, começam a se frustrar. Mas, embora o
aguçamento das contradições no interior da burguesia e os sintomas de descontentamento popular,
o programa neoliberal continua forte e avançou na década de 1990.
O neoliberalismo contemporâneo enquanto liberalismo econômico, não tem como objetivo
a defesa da democracia, mas a exaltação do mercado. A concorrência perfeita nunca existiu. Ao
contrário do que afirmam os neoliberais, é prec iso desenvolver a capacidade de iniciativa para
conquistar e manter os serviços públicos e os direitos sociais. O mecanismo que governa o
processo seletivo de redução/reformulação da intervenção do Estado na economia são os interesses
de classe representados pelo neoliberalismo, cuja política está assentada no tripé, privatização,
abertura comercial e desregulamentação financeira e do mercado de força de trabalho.
Na América Latina o objetivo do neoliberalismo é ampliar a exploração financeira da
região, sendo a economia chamada a se readaptar. A desregulamentação financeira neoliberal, visa
atender essa nova demanda especulativa do capital imperialista e submete, ao mesmo tempo, a
política econômica das nações latino-americanas – juros, câmbio, crescimento, salários – às
exigências do capital financeiro internacional.
O Brasil ingressou na era da política neoliberal na década de 1990. A Zona Franca de
Manaus é o carro-chefe do processo de expansão da indústria de material de informática, produtos
eletrônicos e montadoras de automóveis processo, transformando-se num parque de montagem de
componentes importados. A desindustrialização não exclui o crescimento do setor industrial
voltado para o processamento de recursos naturais exportáveis – papel, celulose, petroquímica,
ferro e aço, etc. Mas, o ganho é desigual, não existe no Brasil uma fração da burguesia que esteja
desempenhando o papel de uma burguesia nacional.
A abertura comercial, a desregulamentação financeira e o elevado montante pago como
serviços da dívida externa, integram a política econômica neoliberal, e obrigam os sucessivos
governos a elevarem as taxas de juros, para compensar esse deficit, através da obtenção de
investimentos financeiros internacionais e elevadas taxas de juros, configurando nova forma de
dependência pela remuneração do capital financeiro internacional. Essa política vem gerando
protestos e pressões. O sindicalismo brasileiro, na década de 1990 viu-se às voltas com tais
contradições. A desigualdade diante da política neoliberal torna muito complexa as relações das
diferentes frações burguesas entre si e com o neoliberalismo. O setor bancário do grande capital e o
capital financeiro internacional são os dois únicos setores que ganham com todas as políticas
314

neoliberais – desregula mentação do mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais,


privatizações, e abertura comercial e desregulamentação financeira. O seu horizonte é um
colonialismo de novo tipo.
O neoliberalismo brasileiro, no entanto, tem encontrado mais dificuldade para avançar. O
governo FHC trava uma batalha para efetivar a reforma da administração e da previdência, devido
a resistência do sindicalismo dos funcionários públicos. A política social neoliberal, a despeito do
avanço obtido sob o governo FHC, está inacabada. Entretanto, é doloroso constatar, que a
implantação do neoliberalismo na América Latina, e, no Brasil, transcorreu quase sem luta, dando
esse lugar para os novos movimentos sociais, como é o caso do MST.
O acontecimento que direcionou os sindicalistas à busca de um sindicalismo autêntico, foi
a mudança da definição da política sindical que, inversamente à concepção de uma atividade
exclusivamente institucional e regulada no âmbito do Estado corporativista, passou a incluir
práticas até então proibidas pela legislação trabalhista, tais como a representação interna, as
negociações diretas com a administração e o recurso à greve. Rompendo com o padrão regulado de
organização vertical, o novo sindicalismo criou representações horizontais alternativas e uma nova
confederação de trabalhadores controlada diretamente pelos sindicatos.
Esses atores à procura de sua identidade coletiva como forma de obterem um espaço de
intervenção na esfera pública, dão contornos ao novo sindicalismo brasileiro, ao nascimento da
CUT e do PT. Representativa das aspirações trabalhistas por direitos sociais, políticos e
econômicos, a CUT defende um lugar para os trabalhadores na sociedade brasileira, mas não tem
lutado de modo consistente pela liberdade e pela autonomia sindical. Entretanto, a trajetória do
novo sindicalismo e, por extensão, da CUT, não pode ser dissociada da demanda geral das classes
populares por direitos democráticos. Esse movimento se consolidou enfrentando o regime de
exceção e defendendo a democratização no Brasil, mudanças sociais e econômicas benéficas aos
trabalhadores e associando essas reivindicações gerais com a defesa de melhores condições de vida
e trabalho para os assalariados.
Simultaneamente, criaram as condições para o surgimento de um sindicalismo
diferenciado, mais preocupado com os trabalhadores em seus locais de trabalho e com sua
organização a partir das empresas. A 1ª Plenária Nacional, em 1985, encerra os elementos do
discurso fundador do novo sindicalismo, classificado como “radical”. O compromisso histórico da
CUT é impulsionar a luta sindical dos trabalhadores na perspectiva de construir uma sociedade
socialista. Entretanto as Resoluções do III CONCUT acusam as primeiras rachaduras do novo
sindicalismo, pois distanciando-se do posicionamento de denúncia/confronto/superação, nas
resoluções anteriores, passaram para um discurso marcado pelo tom de
315

análise/cautela/negociação, face à conjuntura internacional (novas tecnologias, dívida externa e


desemprego).
Nas duas últimas décadas o sindicalismo cutista vive desafios e impasses, expressos na
relação da CUT com o Estado e os patrões, como organização de todos/as os/as
trabalhadores/trabalhadoras, e na relação com os excluídos, ao assumir um caráter marcadamente
“federativo”, embora para responder às estratégias neoliberais e empresariais, é necessário um alto
grau de unificação no ramo.
Em contrapartida, o movimento do funcionalismo público é mais maciço e unificado. Não
realiza greves demonstrativas, mas de luta. Esse perfil contrasta com o padrão de ação sindical
próprio do sindicalismo populista como mostra o caso do CPERS.
O CPERS é um dos maiores sindicatos da América Latina e sua trajetória é marcada pela
luta em defesa dos direitos de seus associados e da liberdade e organização da sociedade. Mas
encontra-se nele, o mesmo clima de insatisfação dos trabalhadores gerada pela política salarial do
governo militar, aliada ao processo de abertura política, que vai gerar a rearticulação do movimento
sindical, impulsionado pela emergência do “novo sin dicalismo”, nascido no ABC paulista. Sua
grande característica, na conjuntura de abertura política e de emergência do novo sindicalismo, é
representada pelas formas de reivindicação e ao perfil sindical da entidade, de ação concreta.
Mesmo sem ser sindicato oficializado, o movimento dos professores gaúchos tem atuado como um
sindicato combativo.
Atento às transformações estruturais por que passa o mundo e consciente de sua
importância política nos marcos regionais, o CPERS entende que é de extrema importânc ia
promover o debate sobre a problemática da classe trabalhadora, apontando para sindicato-cidadão,
um sindicalismo comprometido que deseja ver a classe trabalhadora no exercício pleno da
cidadania definindo os rumos do país. Entre os desafios que se coloc am ao CPERS/Sindicato cabe
também manter a sua autonomia em relação ao governo e partidos políticos, aprimorar a
democracia interna, respeitar as instâncias de deliberação e, principalmente, fortalecer a
organização na base da categoria.
Os sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras, pesquisadores, governo, empresários e os
meios de comunicação de massa participam, cada um a seu modo, desse processo de formação das
classes trabalhadoras e da história do movimento operário e sindical brasileiro. A proposta de um
novo sindicalismo é produzida e reproduzida nos protestos sociais e manifestações operárias que
eclodem nas várias cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, partindo de um conjunto de
estratégias sindicais, que inclui a politização do cotidiano de vida e de trabalho e a organização dos
trabalhadores nas empresas no confronto direto e na discussão política com os representantes
316

patronais e/ou governamentais para a conquista de reivindicações econômicas e sociais, busca


estabelecer as regras mínimas de controle e fiscalização dos acordos assinados com o objetivo de
viabilizar a sua aplicação nas empresas.
Os problemas gerados na política de chão de fábrica, trazem os sindicatos para mais
próximo dos trabalhadores e faz transparecer uma das características mais inovadoras e
democráticas deste movimento, enquanto promove a democracia sindical e a descoberta de formas
de incorporá-la e encaminhá-la como demanda coerente dos trabalhadores, sem, contudo, alterar a
estrutura burocrática que herdaram.
A maior presença dos sindicatos, enquanto instituição, no quotidiano de trabalho e de vida
dos trabalhadores/trabalhadoras dentro e fora da empresa opera, pouco a pouco, o distanciamento
da sua face institucional. Na evolução desse processo, os sindicatos, como instituição,
transformam-se em referência política para os trabalhadores/trabalhadoras e seus representantes
passam a ser reconhecidos como porta-vozes políticos aceitos pelo patronato e Estado,
predominando sobre as rupturas, a persistência de certas práticas sindicais, como a negociação,
mais apropriada às transformações no mundo do trabalho.
O toyotismo surge como a expressão maior da acumulação flexível no complexo de
reestruturação produtiva. Seu objetivo como “momento predominante” do complexo de
reestruturação produtiva, é instaurar uma nova hegemonia do capital, no plano da produção de
mercadorias, articulando, de modo original, coerção capitalista e consentimento operário. A
flexibilidade é pensada e construída como alavanca e fator -chave determinante da produtividade.
A flexibilização das formas de contratação, constitui um segundo elemento do processo
dissociativo atual entre os trabalhadores. Diante da terceirização, a mais nova forma de
precarização do mundo do trabalho, o empregado deixa de ser trabalhador para assumir a condição
de autônomo, por sua conta e risco, compreende -se aqui o porquê da ampla divulgação da
terceirização de produtos e/ou serviços. Não há nesse processo qualquer “economia de trocas”, a
terceirização é a prime ira fase de um estágio hiperavançado do novo modo de produção capitalista,
no qual o fabricante tradicional abandona suas linhas industriais próprias em benefício de
fornecedores mais preparados em termos de custos. A terceirização é apenas uma das modalidades
de redimensionamento dos valores absolutos de extração da mais -valia, enquanto a subcontratação
é uma espécie de variante da terceirização.
O resultado de todo esse processo é o aprofundamento da pobreza diante de um modelo
socialmente excludente. Na análise da fragmentação do trabalho e deterioração dos salários, face a
introdução da automação, do toyotismo e da terceirização, as conclusões são orientadoras de que os
arranjos de empregos flexíveis pode, às vezes, ser benéfica para a empresa e o empregado. Porém,
317

os efeitos agregados, quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis


salariais e a segurança no emprego, de modo algum são positivos do ponto de vista da população
trabalhadora como um todo. Em um país subdesenvolvido em termos de industrialização, como o
Brasil, os efeitos combinados dessa malha de exclusão social são muito mais perversos que nos
países do Primeiro Mundo. E por isso a incapacidade de um agente social, como o sindicalismo,
que agora se encontra diante de impasses e desafios.
O caráter de resistência da luta sindical sempre vai continuar porque a super-exploração do
trabalho é um traço do capitalismo. Dentro da CUT, a saída desse impasse estaria num
sindicalismo voltado para a participação, para a negociação com a ordem dominante, procurando
conquistar melhorias para os trabalhadores no limite dessa ordem. A luta reivindicativa tem de
estar ligada a um projeto econômico para o Brasil, tendo como eixo as classes trabalhadoras.
O impasse do movimento operário e sindical brasileiro é um impasse no plano político e
ideológico, e está aquém do que um movimento sindical de esquerda deveria ser. Quem ganha
nesse quadro é a direita sindical que tem negociado dentro da ordem.
Há um impasse que faz com que a luta sindical seja centralmente defensiva. O movimento
sindical teve força para tornar irreversível a crise da ditadura militar. Mas, esse fortalecimento não
serviu para se organizar politicamente e acumular forças o quanto poderia ter sido acumulado.
Nasceu a CUT e o PT, no entanto, algumas debilidades persistem, como o baixo índice de
sindicalização que se registra ainda hoje no Brasil.
A aceitação de negociar dentro da ordem foi uma das possibilidades do sindicalismo
brasileiro na década de 1990. Entretanto, é percebida como trágica para o caso brasileiro, porque
no Brasil dominam políticas econômicas recessivas, os resultados se apresentavam como terríveis.
O novo sindicalismo emergiu e cresceu em meio a uma crise prolongada e aguda, que
estimulou a ação sindical e restringiu os seus resultados. Todavia, se o novo sindicalismo se
diferenciava das práticas sindicais do passado, ele também não deixava de ser uma manifestação
tardia. Sua existência só foi possível graças às transformações econômicas e sociais que tiveram
lugar a partir da segunda metade do século XX e que foram responsáveis pelo aparecimento de
uma nova classe trabalhadora, numerosa, diversificada, cuja trajetória política havia sido
interrompida pelo golpe de 1964.
A reorganização dos trabalhadores ocorreu por dentro da estrutura sindical oficial, único
instrumento legal disponível num contexto de exceção e pela importância da máquina sindical na
arregimentação dos trabalhadores. Ainda que tenha ocorrido uma ruptura parcial com o
corporativismo, problemas, de certa forma presentes desde a origem do novo sindicalismo,
começaram a se tornar visíveis no final da década de 1980, evidenciando os avanços e os limites do
318

novo sindicalismo e os impasses político e organizativo que tenderiam a prevale cer durante a
década de 1990.
Os avanços e os limites do movimento sindical evidenciados ao final da década de 1980,
envolvem quatro aspectos: a mudança no cenário político, com a vitória de Fernando Collor nas
eleições presidenciais de 1989, o agravamento da crise econômica e social e seu equacionamento
com base em uma agenda neoliberal. O segundo aspecto, é o papel das greves e mobilizações
sindicais, que representaram a principal forma de luta dos trabalhadores e mobilização social, mas,
no início da década de 1990, o movimento grevista já apresentava sinais de declínio.
O terceiro aspecto importante refere-se aos problemas organizativos do novo sindicalismo,
expressos sobretudo na trajetória da CUT. A revitalização da estrutura sindical oficial pesou
decisivamente na reorganização do movimento sindical.
O quarto aspecto, foi a tendência geral das negociações coletivas. Mas, a grande
capacidade de pressão e negociação não trouxe mudanças substanciais quanto à participação dos
salários na renda nacional, ainda que tenha impedido que perdas maiores se evidenciassem. De
qualquer forma, as conquistas sociais inscritas na Constituição e os avanços da negociação
coletiva, logo seriam confrontados com as metas de desregulamentação e flexibilização das
relações de trabalho.
Enquanto cresce a pressão no sentido de que sejam eliminadas as formas de intervenção do
Estado no âmbito do direito individual do trabalho, aumenta em sentido contrário, a pressão pela
restrição do poder sindical. Os contratos e acordos de trabalho estão se moldando às características
específicas de cada uma das empresas. Essa é a tendência das relações de trabalho no cenário
internacional. O maior poder da empresa sobre os sindicatos e sobre o mercado de trabalho ocorre
graças ao baixo crescimento econômico e ao aumento do desemprego.
A representação trabalhadora nos locais de trabalho, é um componente da democratização
das relações de trabalho. O Brasil não possui uma legislação específica sobre esse tipo de
representação. A representação de base, tem importante papel na reestruturação produtiva:
estimular a composição de controvérsias trabalhistas no âmbito da empresa e assistir ao trabalhador
no acordo; etc. Também assegura a reunião dos representantes nos locais de trabalho.
Para a liberdade e autonomia sindical é fundamental que se conquiste o direito à
organização dos trabalhadores nos locais de trabalho. A organização no local de trabalho (OLP) é o
principal pressuposto para a constituição de um sistema democrático de relações de trabalho, ao
qual aspira todo trabalhador filiado a CUT. As tendências, no entanto, de enfraquecimento do
movimento sindical, de fragmentação das formas de representação e de pulverização das
319

negociações coletivas, no final da década de 1990, se agravaram com os processos de


reestruturação produtiva e de estabilização econômica.
A crise em que os sindicatos se encontram não decorre, apenas do processo de
reestruturação produtiva ao qual os trabalhadores devem se ajustar. Há uma crise interna no
movimento sindica l, relacionada com a tendência progressista de acomodação de todas as correntes
sindicais ao sistema corporativo. No caso da CUT, os sindicatos de categorias continuam a ser a
sua principal fonte de poder. Mesmo derrotados seus rivais das CGTs e da Força Sindical, crescem
as disputas entre os próprios membros da CUT pelo controle da máquina sindical: de um lado, a
corrente Articulação Sindical hegemônica, defendendo um “sindicalismo propositivo”; de outro, as
demais correntes, pregando um “sindicalismo combativo”, luta contra a política neoliberal. O
sindicalismo brasileiro no seu conjunto continua a pagar o tributo à tradição corporativa.
O sindicalismo passa por um forte momento de crise. Um grande número de evidências
nesse sentido tem sido expresso em todas as instâncias e ramos do conjunto do sindicalismo, e
particularmente na CUT. Diversas mudanças na prática sindical já foram forçadas pelas
transformações no mercado e na gestão da força de trabalho, mas vários são ainda os desafios
trazidos pela economia globalizada aos sindicatos e a CUT. O problema central hoje é a destruição
do emprego, trazida pela reestruturação produtiva e a flexibilização dos direitos.
O mundo está assistindo a uma brutal ampliação da distância entre os países desenvolvidos
e os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como vem ocorrendo na Argentina. A barbárie no
entanto continua. Na lógica da ordem internacional hoje emergente, o desenvolvimento nacional
ficou excluído do horizonte de possibilidades dos países periféricos. O grande desafio, portanto, é
transformar o sentido meramente econômico da internacionalização. Trata-se de criar a
possibilidade e as condições políticas para a globalização dos direitos, da cidadania, da
integração cultural e da democratização do acesso a todas as conquistas da humanidade, e
romper com as forças de sustentação do sistema capitalista.
Para quem pensa o futuro do Brasil, o principal desafio consiste em definir o raio de
manobra de que se dispõe para enfrentar a adversidade do contexto histórico pela globalização.
Denunciar a falta de horizonte do movimento de globalização e construir um amplo arco de
alianças, capaz de impulsionar as transformações sociais indispensáveis para a superação da
modernização perversa, são tarefas fundamentais das forças políticas que atuam no Brasil. O
enfrentamento desses desafios, requer que se vença outros desafios, entre os quais estão os que
devem ser enfrentados pelos sindicatos e à CUT, tais como:
1) O sindicato deve se capacitar a representar, organizar e mobilizar os mais amplos
setores da classe trabalhadora. O sindicato e a central sindical são ferramentas-chaves para essa
320

luta pela hegemonia. A conquista do apoio ativo da maioria na luta contra a exploração capitalista
não acontece espontaneamente, deve ser organizada.
A formação da consciência de amplos setores da sociedade, requer compreender a eclosão
dos novos movimentos sociais a partir de uma perspectiva de classe. Trata -se de mobilizar os
trabalhadores e excluídos, para a tomada de consciência das condições materiais e de sua própria
capacidade para mudar. A aquisição dessa consciência pode encontrar fatores adversos e fatores
que aceleram os acontecimentos, como determinadas condições econômicas. Porém, se estes
fatores podem acelerar a tomada de consciência, não podem, de nenhuma maneira, ser a causa que
a produza, ser sua origem. Em termos de massa, se está a falar da consciência empírica,
desenvolvida diretamente da experiência prática da luta, e isso só pode surgir nas massas de uma
forma automática, ante determinadas experiências, o que significa que o espontaneismo puro não
existe. Para que os fatos brutais incidam sobre a ação da massa é necessário que esta os considere
como tais. Para que isto ocorra, há necessidade de total solidariedade com os trabalhadores, e, que,
se estabeleçam, na massa, os laços afetivos determinados entre seus integrantes.
Buscar esses vínculos não é tarefa fácil. Índios, negros, camponeses, trabalhadores
informais, desempregados, mulheres, etc., cada grupo a sua maneira foi atingido em tempos
diferentes, pelo processo de penetração das relações de produção capitalista.
A paralisia sindical da última década do século XX, quanto a efervescência recente dos
movimentos sociais, é o neoliberalismo. A ideologia neoliberal afetou o movimento dos
assalariados urbanos ao estimular a competitividade e produtividade, legitimando a redução dos
custos do trabalho e favorecendo as parcerias capital/trabalho. Convertido em programa político, o
neoliberalismo contribuiu para o enfraquecimento do sindicalismo, aumentando a precarização das
condições de trabalho e o desemprego, repercute sobre as condições de vida de todos.
O sindicato deve se inserir no quotidiano do povo e promover um processo de
conscientização através de palavras e fatos, capacitando-os para ver e ouvir a realidade, participar e
dialogar sobre suas angústias. O povo deve ser orientado para a análise das idéias que lhes são
incompreensíveis; para perceber, incorporar e tornar coerentes as expressões que manifesta m seus
fragmentos de dignidade, resistência e rebeldia, construindo a dúvida no coração do senso comum
e começar um processo pelo qual se torne possível questionar os elementos que levam à resignação
e ao conformismo diante do quotidiano da exploração.
Não é possível construir uma sociedade justa sem criar os meios para que as pessoas
tenham ao seu alcance as ferramentas que lhes permitem interpretar a realidade a agir para mudá-
la. O trabalho de organização de base, o envolvimento e uma inserção no quotidiano do povo capaz
de educá-lo e fazê-lo avançar na conquista de novas realidades, são alguns desses meios. O dia -a-
321

dia do partido e do sindicato pode elevar a consciência do povo e unir os demais movimentos
populares.
2) Tornar o sindicato um órgão de frente única dos trabalhadores e do povo simples .
O desafio do sindicato é dialogar com os/as trabalhadores/as e todos os populares que vivem
dificuldades e sentem-se ameaçados e/ou prejudicados pela economia global, mas que ainda estão
sob a hegemonia das idéias e propostas burguesas; fazer um trabalho político e pedagógico,
mostrando que elas buscam legitimar e perpetuar a exploração e a miséria da classe trabalhadora e
excluir da sociedade cada vez mais os diversos segmentos sociais.
Cabe ao sindicato resgatar o sujeito social, usando a comunicação interpessoal como um
processo dialético, no qual os indivíduos partilham códigos, mensagens e sentidos, para demonstrar
como a experiência pessoal é intermediada pelas relações que se dão no trabalho e, que as
mediações que essa realidade apresenta compõem o universo dos trabalhadores, e atua sobre os
sentidos e as maneiras de ver e entender que os colegas de trabalho representam para esses
trabalhadores um meio de informação importante.
O que o neoliberalismo está destruindo é um modo inteiro de viver, é o mundo de vida do
trabalho. O sindicato deve se organizar pela base, é da experiência acumulada no quotidiano que o
trabalhador constrói seu aprendizado, constitui seu ponto de vista, formula sua ideologia.
O espaço do trabalho é um espaço de reconhecimentos, de aproximações, de emoções, de
envolvimentos afetivos, onde o trabalhador, enquanto sujeito social se realiza como sujeito e como
profissional. No espaço da fábrica se constrói boa parte das representações e se processa a
identidade de ser trabalhador, cidadão político-social. A leitura coletiva dos jornais do sindicato e
da empresa devem ser mais exploradas pelo sindicato, pois são as pautas prediletas do dia -a-dia no
local de trabalho, no bar, no ônibus para casa.
O mundo do trabalho é também o mundo da vida, portanto esfera comunicativa e espaço da
intersubjetividade, da interação. Hoje, as condições capazes de possibilitar uma vida emancipada,
não mais emerge da revolucionarização das condições de trabalho, mas ação comunicativa, onde se
encontra o novo núcleo do conhecimento, da conscientização, da auto-determinação, da
mobilização para ação e luta no interior de uma formação social
A conquista da democracia e da cidadania passa pelo sindicato e sua organização, pela luta
contra o corporativismo, pela solidariedade, pela ação comunicativa e os discursos diferenciados,
pela consciência de amplas massas e pela ação reivindicativa.
O acesso aos discursos que circulam no mundo do trabalho, são fundamentais na formação
de um ponto de vista crítico. O sindicato deve partir das reivindicações imediatas dos
trabalhadores, somar sua luta aos dos movimentos sociais e mostrar como elas levam a outras
322

esferas de disputa. A luta pelo salário, por emprego, por terra, por moradia, devem se articular com
a luta política, com o questionamento da forma como se exerce o poder político e como se faz a
distribuição da riqueza e da renda na nossa sociedade; combinar com o questionamento das formas
como o capital organiza o trabalho e a produção na sociedade, como são elaboradas e votadas as
leis, quais os interesses e as armadilhas que as mesmas escondem. Nessa perspectiva, o sindicato
deve ser uma escola de socialismo, para que todos saibam do mau uso que é feito de boas idéia s e
conheça suas armadilhas.
Em suma, o movimento sindical brasileiro, à semelhança do que ocorre em outros países,
está perante um desafio global, em diversos níveis: o desafio da solidariedade, o desafio da lógica
organizativa, o desafio da lógica reivindicativa, entre outros. E para que cumpra sua função
estratégico-socialista deve ser construído sobre alguns princípios básicos, como: o sindicato deve
ser uma organização democrática; o sindicato deve se organizar pela base; o sindicato deve ter
independência de classe. Estes são três princípios que devem ser respeitados para que o sindicato
seja uma autêntica organização de frente única da classe trabalhadora e a partir dessa experiência,
articule-se com outros movimentos sociais progressistas, para que no aprofundamento das relações
e da realização da cidadania, caminhem em direção a uma sociedade verdadeiramente democrática
e solidária.
O sindicato deve também ser uma organização sindical dos excluídos, colocar-se contra
todas as opressões. Defende -se um sindicalismo que organize os trabalhadores contra todas as
formas de opressão e que seja capaz de abrigar espaços no seu interior para a auto-organização dos
coletivos específicos que assim o reivindicarem. O sindicato deve construir uma nova direção, pa ra
a liberdade e autonomia sindical, é fundamental que se coloque o sindicato dentro do local de
trabalho. Para alcançar esse objetivo, precisa-se construir um movimento social de resistência que
articule os setores democráticos e populares, também para de fender a organização sindical.
Para fazer frente aos desafios enfrentados pelo sindicalismo surgem diversas estratégias
para os sindicatos, entre as quais destaca-se a oferta de novos serviços, a captação de novos
membros, desenvolvimento de programas de comunicação, descentralização da ação sindical,
intensificação da cooperação sindical internacional e o estabelecimento de novas alianças. O
sindicalismo deve ser um veículo vital na construção da consciência coletiva, evidenciando o
exercício da cidadania como pressuposto básico de uma sociedade mais justa e igualitária. As
dificuldades porque passam os movimentos sociais dizem respeito a todo o povo simples. Todos
fazem parte do problema e da sua solução. Os sindicatos precisam tornar-se um instrumento a
serviço do processo de apropriação da cidadania e de politização da sociedade.
323

É imperioso que os sindicatos contribuam no processo de alteração do comportamento


social. A sociedade precisa abandonar a cultura de passividade, de apatia, de acomodação, de
priorização da esfera privada e passar a ter uma cultura de participação, de mobilização de
priorização da esfera pública. Não é tarefa fácil, mas é o desafio do movimento sindical.
É necessário que a sociedade veja que há sindicatos comprometidos com os ni teresses da
população, com um projeto de desenvolvimento nacional.
O setor majoritário da CUT abandonou a luta prática e a agitação de idéias contra o modelo
de desenvolvimento econômico brasileiro e não assumiu a luta e a denúncia sistemática contra a
política neoliberal no seu conjunto. Desenvolve um sindicalismo propositivo, e acredita ser
possível conciliar a burguesia com os trabalhadores e os trabalhadores com o neoliberalismo. Essa
nova estratégia da CUT, desestimula e desvaloriza a mobilização e a luta de massa, dissemina, nos
sindicatos, a idéia de que não há caminho alternativo à situação econômica do país, desvalorizando
reivindicações e greves. Essa situação tem de ser revertida.
O sindicalismo que busca a unificação da luta reivindicativa dos trabalhadores assalariados
em torno dos direitos sociais e trabalhistas, é um princípio, antagônico à ideologia e à política
neoliberal. A luta pelos direitos sociais deve unificar nacionalmente os trabalhadores num coletivo
de classe e pleiteiar a interve nção do Estado para impor limites (jurídicos) à exploração praticada
pelos capitalistas. Esse novo sindicalismo, distinto do corporativismo de Estado populista, é uma
estrutura de dominação e não uma estrutura de representação de interesses. Envolve, divide,
despolitiza o movimento sindical e realiza, na base da central, a concepção e a estratégia do
sindicalismo propositivo, que orienta a Executiva Nacional da CUT.
As contradições da linha sindical propositiva aplicada pela CUT evidenciam uma política
hesitante, contraditória e de conciliação com o neoliberalismo.
Na disputa da CUT com as outras centrais sindicais e em especial com a Força Sindical o
que está em jogo são diferentes projetos para a sociedade, a possibilidade de defender de forma
independente os interesses da classe trabalhadora ou subordiná-los aos interesses do capital e da
classe dominante. Mais do que nunca é necessária uma política clara da Central no sentido de
disputar a base dessas centrais, com propostas claras capazes de mostrar aos trabalhadores as
diferenças entre os projetos e os compromissos de cada uma das centrais.
A disputa pela representação dos trabalhadores que ainda não estão na base da CUT, o
enfrentamento quotidiano em cada setor, em cada estado com a Força Sindical exige uma trégua
nas disputas internas. A unidade da Central Única dos Trabalhadores é condição para que isso se
transforme em uma tarefa prioritária.
324

No que concerne ao CPERS-Sindicato, o giro esquerdista da direção do mesmo despolitiza


a relação com a categoria, produz momentos de confusão que favorecem o crescimento da direita,
que com seu discurso imediatista e oportunista consegue aproveitar essa nova situação. Dessa
forma a direção do CPERS não consegue se diferenciar da política da direita na categoria pois não
enfrenta as contradições de manter o compromisso com os interesses das/os trabalhadoras/es da
educação e ao mesmo tempo assumir a defesa do projeto democrático popular expresso pelo novo
governo do Rio Grande do Sul.
Grandes desafios que estão colocados para o CPERS-Sindicato, retomar uma prática
classista: assumir sua condição de sindicato de esquerda, de lutas, sem que seja preciso a cada
momento achar que precisa provar sua autonomia perante o governo; manter-se na diretriz de seu
sindicato comprometido com o projeto histórico da classe trabalhadora: fim da opressão e
exploração capitalista e construção de um projeto social socialista.
CPERS-Sindicato tem como lutas centrais a executar, a denúncia do caráter perverso e
excludente do projeto neoliberal liderado por FHC e seus aliados; a defesa de um projeto
econômico-social alternativo para o país; a defesa do governo democrático-popular do Estado,
mesmo mantendo sua autonomia; e a defesa dos interesses imediatos por melhores condições de
vida e de trabalho da categoria. O trabalho de base que deve ser feito no próprio CPERS-Sindicato,
é retomar com determinação o trabalho de organização e inserção de base, principalmente, de
formação de uma nova camada de lutadores sociais numa perspectiva anti-capitalista. A ligação do
CPERS com os demais sindicatos operários e as possibilidades de lutas em conjunto ou
separadamente, apontam o CPERS-Sindicato como uma das maiores categorias organizadas do sul
do país e da América Latina, e por natureza como uma categoria bastante corporativa.
O 1º Fórum Social Mundial (FSM), constituiu-se em um momento chave para o debate e
articulação entre movimentos e organização anti-globalização neoliberal no mundo todo.
Enquanto, o 2º FSM, constituiu-se em um novo espaço de lutas, abrindo novas perspectivas para o
sindicalismo, na medida que trouxe para discussão novos elementos de luta contra a ofensiva
neoliberal como possibilidades para o sindicalismo internacional dizer não ao neoliberalismo e a
guerra.
Os movimentos sociais nacionais de resistência ao desmanche do Estado de Bem-Estar não
tem sido capazes de constituir um pólo de articulação e maior irradiação de resistência ao
neoliberalismo. Em face disso, a CUT coloca como uma de suas prioridades o desenvolvimento de
açõ es que visem o fortalecimento do sindicalismo internacional.
325

Ao trabalho fragmentado, o desemprego estrutural e outras situações obstacularizam uma


ação mais ofensiva, mas os cutistas sabem da necessidade de renovação e muita formação para que
os novos dir igentes consigam responder a contento os desafios.
A violência da ofensiva neolibral e a ganância dos grandes empresários tem levado o
movimento sindical, a nível mundial, à uma crise, rupturas e reorganizações do movimento
operário e conseqüentemente à sua recomposição. No mundo todo surgem novos ativistas e
militantes do movimento sindical e popular que resistem a esta política e ganham espaço nas
organizações de base e sindicais. Nessa perspectiva, a CUT deve aproveitar a possibilidade de
realizar ações unificadas entre trabalhadores de vários países e deve buscar a aglutinação de um
setor dentro do movimento sindical internacional, que paute a sua intervenção pelo
internacionalismo da classe trabalhadora, a independência de classe e defenda uma ruptura com a
ordem atual, se negando a gerir a crise deste modo de produção.
Contra a ofensiva neoliberal, a política internacional da CUT deve fortalecer as ações que
conduzam a solidariedade a todas as lutas de trabalhadores, buscando contatos e estimulando a
organização autônoma e independente dos trabalhadores a nível internacional; e priorizar as
relações com organizações de outros países que estejam dispostas a assumir uma perspectiva de
luta de independência de classe que negue a parceria com os patrões e os pactos sociais, combata
as privatizações e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
No plano nacional, diante das transformações impostas pela ofensiva neoliberal e do
quadro de crise, o sindicalismo deverá organizar-se, globalizar a idéia dos trabalhadores e os
movimentos sociais, constituindo um sindicato sócio-político, transformativo, para enfrentar a
globalização da economia. Um sindicalismo que propugne pelo social, político e participativo,
justiça social globalizada, e seja base comum para campanhas, globalização dos direitos humanos
dos trabalhadores, luta pela renda básica, desenvolvimento de um programa para construção da
cidadania global, justiça social concreta, mobilização e alternativas globais.
O sindicato deve continuar sendo combativo e ter capacidade para interpretar os
fenômenos, analisar e em cima disso, fazer a mobilização. Buscar alianças, aumentar a
participação, promover a unidade do movimento sindical, organizando os não organizados, para
que os direitos sociais superem as contradições e passem a ser usufruídos por todos. Praticar um
um sindicalismo cidadão
A perspectiva do sindicalismo classista é continuar sendo combativo e avançar na luta
assumindo as contradições. Alicerçar o diálogo no respeito à liberdade e autonomia sindical, que é
um princípio cutista. O papel a ser exercido pela CUT nessa conjuntura é o de liderar a oposição ao
projeto neoliberal articulando as várias iniciativas populares.
326

Contra o desmonte paulatino da legislação trabalhista, a CUT poderia procurar um projeto


social para que a economia seja regulada pelos interesses da classe trabalhadora, e criar lei
específica para regulamentação do artigo 11, da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a
figura do representante dos empregados em estabelecimentos com mais de duzentos trabalhadores.
A CUT deve utilizar a mundialização como um meio para amplificar a solidariedade no
Brasil e no mundo. E para começar deve inserir-se no quotidiano dos trabalhadores, de suas
famílias, e dos novos movimentos sociais. Essa é uma outra face do movimento sindical que deve
ser assumida pela CUT.
Um grande número de experiências coletivas de trabalho e produção já estão sendo
disseminadas em todo o país, a exemplo das cooperativas de produção, de serviços, de crédito e de
consumo, etc., compondo a chamada “ economia solidária”, um setor crescente da economia e da
sociedade brasileira e com grandes possibilidades de expansão. A CUT já caminha nessa direção,
realizando intercâmbios nacionais e internacionais para o forta lecimento do projeto cutista, mas
para avançar na luta é preciso assumir as contradições e lutar pelas alternativas, fortalecer os
movimentos e batalhar contra o FMI. Aprofundar sua reação à ofensiva neoliberal e à globalização,
desencadeando uma campanha de denúncia e de condenação, em âmbito nacional e internacional
do governo Fernando Henrique Cardoso, do empresariado e do TST pelas suas práticas anti-
sindicais.
Os trabalhadores e os excluídos, precisam tomar consciência de que os direitos para os
quais estão lutando são globais, os sindicatos e os movimentos sociais tem que se juntar e pensar
um mundo diferente juntos. O diálogo das lideranças sindicais com as massas populares é uma
exigência radical de toda revolução autêntica. Este diálogo, como exigência da mudança de rumo
que se impõe à política neoliberal, das transformações que se quer na sociedade, responde a outra
exigência radical, a dos homens como seres que não podem ser fora da comunicação.
A CUT representa a construção de uma central sindical capaz de contrapor-se à política
implementada pelo governo. Trata-se de estabelecer vínculos com militantes para além da própria
esfera orgânica dessa corrente. A nova corrente sindical que emerge, a CUT Socialista e
Democrática, é constituída daqueles que compartilham uma concepção e uma prática político-
sindical e irão atuar no movimento sindical cutista.
O CPERS é protagonista destes desafios, sintoniza o debate organizativo e a tarefa de
impulsionar as lutas sociais contra o governo FHC, a globalização e as aspirações de retorno da
burguesia neoliberal ao comando do Rio Grande do Sul, abrindo uma perspectiva de vitória do
projeto democrático e popular no país.
327

Assim como no plano internacional, no âmbito nacional observa-se que o Rio Grande do
Sul não escapa das conseqüências do modelo neoliberal. O CPERS é sujeito desta história. A luta
dos trabalhadores em educação transpôs o limite do corporativismo e através do debate político
busca influenciar a construção de uma sociedade mais justa. Foi e é um aliado e sujeito do bloco
histórico que luta contra o neoliberalismo.
Do ponto de vista do plano de lutas, tanto a CUT como CNTE e o CPERS, defendem ações
para o avanço nas suas conquistas e de um projeto histórico para o conjunto da classe trabalhadora.
O ano de 2002 reserva ainda uma dura batalha para o sindicalismo. O capital continuará a
jogar duro, o governo FHC vai tentar impor no senado a Lei de flexibilização, o desânimo e a
desesperança, ao que tudo indica crescerão no meio do povo.
Prever é temerário, mas não impossível. Existem algumas constantes e outras variáveis no
sindicalismo que permitem ver um possível amanhã.
Aos que desejam construir um mundo alicerçado na justiça social e na solidariedade,
caberá responder com força e coragem a tão grandes desafios.
A força do sindicalismo combativo e dos movimentos sociais não tem mais a mística
revolucionária, o espírito guerrilheiro e apaixonado do Chê. Está dando lugar aos administradores
da crise. Há que se mudar as direções.
A direção do CPERS atualmente é contraditória. Parte não crê na sinceridade do governo
do PT no Estado do Rio Grande do Sul e o magistério possui um baixo nível de consciência
política. Porém, há boa parte do magistério que lê a realidade corretamente, e entre estes estão
aqueles que tem consciência da importância de contribuir eficazmente com a CUT, no seu intento
de organizar uma paralização nacional contra a Lei de flexibilização. Este acontecimento poderá
ser o grande marco da retomada da resistência nacional contra a barbárie que se implanta no país. É
preciso lutar contra a implantação da ALCA, uma vez que ela aprofunda o neocolonialismo, é
preciso encontrar formas de investir contra as novas forças da ofensiva neoliberal e para que o
plebiscito sobre a ALCA seja um sucesso incontestável.
Entre tantas outras iniciativas que se crê importantes para a classe trabalhadora, deve
prevalecer a defesa das causas sociais, a união das esquerdas e de todos os ludibriados pela
ideologia do exportador, para o enfrentamento com a direita entreguista que vem dominando
politicamente o país. A caminhada rumo ao rompimento com a política intervencionista e
expansionista do capital internacional, particularmente dos interesses hegemonistas norte-
americanos deve começar com a escolha das forças populares para governar o país. Essa não é uma
tarefa fácil, pois os limites do sindicalismo e dos sindicatos postos pelas transformações capitalistas
no limiar do século XXI, não são limites meramente conjunturais, que possam ser revertidos
328

simplesmente por políticas operárias ofensivas no interior do aparelho sindical. Contra a lógica do
capital, cabe a lógica da solidariedade, a lógica organizativa, da conscientização através do diálogo,
da informação, da mobilização e da reivindicação, para se atingir um projeto de ruptura com o
status quo.
ABSTRACT

The new syndicalism is a consequence of a combination of international, regional and local


factors as well as an opposition against the economic policy of the government and its negative
consequences upon the workers, which is taking place to some extent in all segments of society. In
order to undertake a deep reflection about the new syndicalism in Brazil and the stalemates which
occurred in the last decades, this work aims to analyze the syndicates, emphasizing the new
Brazilian syndicalism and the factors which can explain the modern crisis of syndicalism, its
transformation since the restructuring of the production methods, its innovations, its limits and its
challenges in order to get to know the perspectives of the syndicalism in Brazil facing the new
realities brought forth by the globalization of the economy and the disbelief in the new-liberalism.
To proceed in this direction and to reach its aim the methodology used has been a bibliographic
research. Historical facts have been analyzed and the background criteria states that much of the
recent crisis of the new syndicalism is a consequence of the crisis which pervades capitalism, and
to overcome it requires a social subject, conscious and able to be recognized as the political and
social strength capable of creating alternatives for a new society without individuals who explore
and who are explored. The research has been divided into four chapters. The first chapter presents
the history of syndicalism, emphasizing the experiences which have occurred in America and in
Europe. In the second chapter the organization of Brazilian syndicalism has been analyzed,
emphasizing the hard times laborers had to go through, in order to get organized, the crisis of
syndicalism after 1990, the structure of the Brazilian syndicalism, the State syndicalism and the
conflicting approaches of new-liberalism.The third chapter deals with the paths to be followed by
the new syndicalism: the antecedents and the strategies in order to face the “old syndicalism”, the
new status of union workers, the organization of the Central Única dos Trabalhadores (CUT) and
of the Centro de Professores do Rio Grande do Sul (CPERS). The research also gives theoretical
orientations and the praxis to be followed in the new syndicalism in order to make clear the crisis
and the perspectives of syndicalism, discussing the problems syndicalism is going through, the
hypothesis, the possibilities of a work on an international level as well as the perspectives of
syndicalism in an antagonism imposed by the new liberal project.
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