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As Trés Economias Politicas Do Welfare State" GOST ESPING-ANDERSEN O LEGADO DA ECONOMIA POLITICA CLASSICA Duas quest6es norteiam a maioria dos debates sobre 0 welfare state. Primeira: a distingao de classe diminui com a extensao da cidadania social? Em outras palavras 0 welfare state pode transformar fundamentalmente a sociedade capitalista? Segunda: quais so as forgas causais por tras do desenvolvimento do welfare state? Essas questdes nfio sio recentes. Na verdade, foram formuladas pelos economistas politicos do século XIX, cem anos antes de se poder dizer com propriedade que ja existia um welfare state. Os economistas politicos clissicos - de convicgdes liberais, conservadoras ou marxistas - preocupavam-se com o relacionamento entre capitalismo e bem-estar social. E evidente que deram respostas diferentes (e, em geral, normativas), mas suas andlises convergiram para o relacionamento entre mercado (e propriedade) e Estado (democracia). O neo-liberalismo contempordneo é quase um eco da economia politi liberal classica. Para Adam Smith, o mercado era o meio superior para a aboligao das classes, da desigualdade e do privilégio. Além de um minimo necessario, a intervengao do Estado s6 asfixiaria 0 processo igualizador do comércio competitivo e criaria monopélios, protecionismo e ineficiéncia: o Estado sustenta a classe; 0 mercado tem a potencialidade de destruir a sociedade de classes (Smith, 1961, II, esp. pp. 232-6)! Os economistas politicos liberais raramente usavam os mesmos argumentos na defesa de seus pontos de vista. Nassau Senior ¢ outros liberais mais recentes de Manchester enfatizavam 0 elemento laissez-faire em Smith, rejeitando qualquer forma de protegdo social além dos vinculos monetérios. J. S. Mill e os “liberais reformistas”, por sua vez, propunham pequenas doses de regulamentagiio polaca. Mas concordavam todos em que 0 caminho para a igualdade a prosperidade deveria ser pavimentado com 0 maximo de mercados livres e o minimo de interferéncia estatal ‘Tradugao de Dinah da Abreu Azevedo, " Adam Smith € muito citado e pouco lido. Um exame mais detalhado de seus escritos revela graus de nuanga e uma série de ressalvas que qualificam substancialmente um entusiasmo delirante pelas bengdos do capitalism, A adeso entusidstica deles ao capitalismo de mercado pode parecer injustificada hoje. Mas nao devemos esquecer que a realidade da qual falavam. era a de um Estado que preservava privilégios absolutistas, protecionismo mercantilista e corrupedo por toda a parte. O alvo de scu ataque era um sistema de governo que reprimia tanto seus ideais de liberdade quanto de iniciativa, Em decorréncia, sua teoria foi revoluciondria e, deste Angulo, podemos entender porque as vezes Adam Smith se parece com Karl Marx’. ‘A democracia tornou-se 0 calcanhar de Aquiles de muitos liberais. Enquanto o capitalismo se mantivesse com um mundo de pequenos proprietarios, a propriedade em si pouco teria a temer da democracia. Mas, com a industrializagao, surgiram as massas proletérias, para quem a democracia era um. meio de reduzir os privilégios da propriedade. Os liberais temiam com raziio 0 sufragio universal, pois era provavel que este politizasse a luta pela distribuigao, pervertesse 0 mercado e alimentasse ineficiéncias. Muitos liberais concluiram que a democracia usurparia ou destruiria o mercado. Tanto os economistas politicos conservadores quanto marxistas compreenderam esta contradigdo, mas propuseram selugdes opostas, é claro. A critica conservadora mais coerente feita ao laissez-faire veio da escola histérica alema, em particular a de Friedrich List, Adolph Wagner e Gustav Schmoller. Estes pensadores recusaram-se a aceitar que s6 os nexos monetirios do mercado fossem a tnica ou a melhor garantia de eficiéncia econémica. Seu ideal era a perpetuacdo do patriarcado e do absolutismo como a melhor garantia possivel, em termos legais, politicos e sociais, de um capitalismo sem luta de classes. Uma importante escola conservadora promoveu a idéia do “welfare state mondrquico”, que garantiria bem-estar social, harmonia entre as classes, lealdade e produtividade. Segundo este modelo, um sistema eficiente de produgdo nao derivaria da competigdo, mas da disciplina. Um Estado autoritario seria muito superior ao caos dos mercados no sentido de harmonizar 0 bem do estado, da comunidade e do individuos sm The of Nations (1961, M, p. 236) (A Rigueca das Nagées), Smith sobre Estados que defendem o priviléyio ea seguranga da seguinte maneira: “o governo civil, na medida em que & seguranga da propriedade € na realidade insttuido para a contra os pobres, ou dos que tém alguma propriedade contra absolutamente nada, Esta tradigdo € praticamente desconhecida dos leitores anglo-saxdes, pois muito pouco foi traduzido para o inglés. Um texto-chave que influenciou muito o debate publico e depois a legislag2o social foi Rede Ueber die Soziale Frage, de Adolph Wagner (1872). Para um exame abrangente desta tradigdo da economia politica em lingua inglesa, consultar Schumpeter (1954) ¢ especialmente Bower (1947), Quanto a tradigao catélica, os textos fundamentais sao as duas encielicas papais, a Rerum Novarum (1891) € Quadrogesimo Anno (1931). A principal demanda social da economia politica catdlica ¢ uma organizagao social ‘onde uma familia forte ¢ integrada em corporagdes distribuidas pelas classes, ajudada pelo Estado em termos do prinetpio de “subsidariedade”. Para uma discussio recente, consultar Richter (1987), ‘Como 0 liberais, os economistas politicos conscrvadores também tém seus ecos contemporiineos, embora seu ‘mero seja muito menor. Houve um renaseimento cam conceito faseista de Estado corporativista (Standisehe) A economia politica conservadora surgiu em reagdo a Revolugo Francesa e & Comuna de Paris. Foi abertamente nacionalista e anti- revolucionatia, e procurou reprimir o impulso democratico, temia a nivelagdo social ¢ era a favor de uma sociedade que preservasse tanto a hierarquia quanto as classes. Status, posigdo social e classe eram naturais e dadas; mas os conflitos de classe, nao. Se permitirmos a participagio democratica das massas e deixarmos que a autoridade e os limites de classe se diluam, 0 resultado é 0 colapso da ordem social. A economia politica marxista ndo abominava sé os efeitos atomizantes do mercado; atacava também a convicgao liberal de que os mercados garantem a igualdade. Uma vez que, como diz Dobb (1946), a acumulagiio de capital despoja 0 povo da propriedade, o resultado final serd divisdes de classe cada vez mais profundas. E como estas geram conflitos mais intensos, 0 Estado liberal sera forgado a renunciar a seus ideais de liberdade ¢ neutralidade ¢ chegar a defesa das classes proprietérias. Para 0 marxismo, este é 0 fundamento da dominagdo de classe. A questo central, no s6 para 0 marxismo, mas para todo o debate contemporaneo sobre o welfare state & saber se - ¢ em que condigdes - as divisdes de classe e as desigualdades sociais produzidas pelo capitalismo podem ser desfeitas pela democracia parlamentar. Temendo que a democracia produzisse o socialismo, os liberais nao sentiam a menor vontade de amplia-la. Os socialistas, ao contrario, suspeitavam que a democracia parlamentar seria pouco mais que uma concha vazia ou, como sugeriu Lenin, mera conversa de botequim (Jessop, 1982). Esta linha de analis que ressoou muito no marxismo contempordneo, produziu a crenga de que as reformas sociais no passavam de um dique numa ordem capitalista cheia de vazamentos. Por definigo, no poderiam ser uma resposta ao desejo de emancipagao das classes trabalhadoras’. Ampliagdes importantes dos direitos politicos foram necessarias antes que 0s socialistas pudessem adotar sem reservas uma andlise mais otimista da democracia parlamentar. As contribuigdes tedricas mais sofisticadas foram ‘de Ottmar Spann na Alemanha, O principio de subsidaridade ainda orienta grande parte da politica dos democratas-rstos alemaes (ver Richter, 1987) * Os principais proponentes desta andlise fazem parte da escola alema “derivagdo do Estado” (Muller ¢ Neususs. 1973); Offe (1972); Gough (1979); € também o trabalho de Poulantzas (1973). Como observaramn Skoepol € Amenta (1986) em seu excelente trabalho, a abordagem ndo tem nada de unidimensional. Assim Offe, O'Connor € Gough identficam a fungdo das reformas Sociais como sendo também coneessdes as demands das massas © como potencialmente contraditrias, Historicamente, a oposigo socialist is reformas parlamentares foi menos motivada pela teoria que pela realidade ‘August Bebel, o grande lider da social

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