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O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO ENTRE A
RETÓRICA E A INSENSIBILIDADE
RESUMO
O presente artigo trata do Estado Constitucional Cooperativo e de suas bases internacionais
originárias de direitos humanos, que lhe dão substância e o orientam em direção à desejada
fraternidade e solidariedade entre os povos. Dentre os objetivos desenvolvidos no texto está a
análise das dificuldades em materializar este modelo de Estado em um período da história no
qual as necessidades do mercado especulativo-financeiro e produtivo, agora globalizado,
acabam por assumir posição central, quebram o sentido clássico de soberania ao retirar dos
governantes o poder de decisão sobre os rumos da economia que, ao final, condicionam a
sanidade fiscal dos Estados e comprometem as políticas públicas de natureza social. Neste
emaranhado de intenções solidárias e de insensibilidade dos números da economia, o ideal
cosmopolita e universal de direitos humanos (ainda que constitucionalizados) permanece cada
vez mais mergulhado no abismo da ilusão sustentada pela retórica.
ABSTRACT
This article deals with the Cooperative Constitutional State and its international bases
originating from human rights, which give it substance and guide it towards the desired
fraternity and solidarity among peoples. Among the objectives developed in the text is the
analysis of the difficulties in materializing this model of State in a period of history in which
the needs of the speculative-financial and productive market, now globalized, end up
assuming a central position, break the classic sense of sovereignty to remove from the rulers
the decision-making power on the directions of the economy, which, in the end, condition the
fiscal sanity of the states and jeopardize public policies of a social nature. In this tangle of
sympathetic intentions and insensitivity to the numbers of economics, the cosmopolitan and
universal ideal of (though constitutional) human rights remains increasingly plunged into the
abyss of illusion sustained by rhetoric.
INTRODUÇÃO
entre os Estados pela busca da paz e pelo bem-estar de todos os povos foi acentuada.
Aos vencedores da guerra não restou somente a tarefa de contribuir para a
reconstrução dos países destruídos pelos seguidos combates. A principal missão endereçada
aos Estados vencedores e por estes mesmos outorgada e proclamada essencial para a
humanidade, foi a de protagonizar uma ofensiva jurídico-cultural em benefício do
estabelecimento de bases internacionais de direito humanos, nas quais, ao menos em tese, a
“pessoa humana”, independentemente de suas condições sociais, econômicas, culturais,
sexuais, dentre outras características, passaria a figurar no plano internacional como sujeito de
direito.
O primeiro passo foi dado em 1945, por meio da elaboração da Carta das Nações
Unidas , inauguradora da era do universalismo humanístico2. Logo em suas primeiras linhas,
1
o texto da carta declara que os povos envolvidos nas Nações Unidas tem a intenção de
“[…] preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no
espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade [...]”, e espraiar e
reafirmar a “[…] fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do
ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas [...]”, em um regime de cooperação internacional que
tem como fim a promoção do “[…] progresso econômico e social de todos os
povos.” (ONU, 1945, Preâmbulo).
1
No Brasil, a Carta das Nações Unidas foi promulgada por meio da edição do Decreto 19.841 de 22 de outubro
de 1945, pouco mais de trinta dias após o governo brasileiro ratificar o documento internacional.
2
“[…] as Nações Unidas nasceram com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à
qual deveriam pertencer, portanto, necessariamente, todas as nações do globo empenhadas na defesa da
dignidade humana.” (COMPARATO, 2013, p. 226)
As bases de cooperação são reforçadas na Carta das Nações Unidas em seu artigo 13,
alíneas “a” e “b”, pertencentes ao Capítulo IV, quando organiza a “Assembleia Geral” da
Organização das Nações Unidas (ONU). Nos termos deste artigo, a cooperação internacional
a ser promovida pelos Estados em cooperação internacional no plano político, tem como
finalidade o desenvolvimento do direito internacional codificado em atendimento às bases
humanísticas (ONU, 1945, Capítulo IV). O artigo ainda vincula o sentido cooperacional ao
desenvolvimento em condições de igualdade,
“[…] nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário [...]”,
objetivando o favorecimento do “[...] pleno gozo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião.” (ONU, 1945, Capítulo IV)
Em vista disso, nota-se facilmente que desde as suas primeiras disposições, a Carta das
Nações Unidas calhou por solidificar a ideia de que todos os países e seus governantes
deveriam planificar as ações em sentido cosmopolita, para universalizar os direitos humanos
de modo igualitário e recorrente, em desprovimento a indicações parciais e restritivas de
interesses particulares em qualquer esfera de atuação política, jurídica e econômica que afete
a sociedade delimitada mundialmente. Supera-se assim, a supremacia do condicionamento das
relações interestatais regionalizadas (não que com isso se as tenha abandonado por completo),
dando-se importância às relações de amplitude global, por meio do reconhecimento de que os
acontecimentos localizados poderão afetar outras partes do globo materialmente ou por
influência política.
A própria Carta das Nações Unidas carrega consigo elementos de viabilização da
cooperação, tanto que o Capítulo IX cuida expressamente de matéria extremamente
importante atualmente, designadamente, a “Cooperação Econômica e Social Internacional”.
Por isso, do artigo 55 e seguintes do Capítulo IX extrai-se que a cooperação
internacional ideal no plano econômico e social deve partir de níveis de cooperação em que os
Estados atuem em pé de igualdade (reafirmação de que os interesses particulares dos Estados
e de instituições privadas não devem prevalecer sobre os legítimos interesses locais, regionais
e mundiais de consagração dos direitos humanos), sem a imposição de modelagens políticas,
institucionais e culturais que venham a violar a autodeterminação dos povos (ONU, 1945,
Capítulo IX).
Este paradigma é reforçado nas alíneas do artigo 55 combinadas ao artigo 56, por
ordenarem que os membros da Organização das Nações Unidas se comprometerão em agir em
cooperação (ONU, 1945, Capítulo IX), para favorecer o desenvolvimento humano nos “[…]
níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento
econômico e social [...]”, por intermédio da “[…] solução dos problemas internacionais
econômicos, sociais, sanitários e conexos [...]”. Tal desenvolvimento foi pensado em para ser
associado à disseminação cultural e educacional em direitos humanos 3 e, por consequência
disso, alcançar o almejado “[…] respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.” (ONU,
1945, Capítulo IX).
Após o estreitamento da vontade política internacional explicitada na Carta das
Nações Unidas, diversos tratados de direitos humanos surgiram para direcionar e condicionar
higidez cooperativa da conduta dos Estados e de seus governantes.
Assim, nos anos seguintes ao encerramento da Segunda Guerra Mundial e à edição da
Carta das Nações Unidas, sobreveio a era dos direitos (BOBBIO, 2004, p. 66-80;
DOUZINAS, 2009, p. 126-129), marcada por textos compromissórios como, por exemplo, a
Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1948, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, o Pacto
Internacional de Direito Civis e Políticos, estes dois últimos estabelecidos em 1966.
Além desses documentos internacionais, outros mais dão vigor documental ao ideal
humanístico que tomou conta do direito internacional e, posteriormente, invadiu as cartas
nacionais compromissórias e dirigentes, como, por exemplo, a Convenção para a Prevenção e
a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, a Convenção sobre a eliminação da
Discriminação Racial, de 1965, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra as
Mulheres, de 1980, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 1992, dentre outros4.
Cada um destes textos apresenta as novas “roupagens” de direitos humanos, cada qual
originada das mazelas e da realidade vivida por determinada parcela da população mundial,
3
Vale frisar que a disseminação cultural e educacional em direitos humanos não autoriza os Estados-membros da
Organização das Nações Unidas a impor a cultura de direitos humanos. A Carta das Nações preza pelo respeito à
autodeterminação dos povos, o que, obviamente, abarca o respeito a cultura de cada um dos povos, não podendo
ser imposto coercivamente a cooperação e o compartilhamento do humanismo entre as sociedades.
4
Inobstante isso, o fortalecimento sistemático da humanização do direito ante a adoção do antropocentrismo
jurídico é fortalecido com a criação de sistemas de proteção internacional de direitos humanos, ainda que
regionalizados, originados das Convenções Europeia de Direitos Humanos de 1950 e Americana sobre Direitos
Humanos de 1960 e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos de 1981. Cada uma dessas
convenções regionais firma o seu próprio rol de direitos humanos e seu sistema jurisdicional especializado nesta
matéria. Os sistemas regionais seguiram o modelo estabelecido na Carta das Nações Unidas (composta pela
Assembleia, Conselhos e Sistema Jurisdicional) quanto a estruturação de seus órgãos.
que em certo momento passa a afetar indiretamente outras regiões do globo e transforma a
questão fática em objeto de debate de todos os povos cooperados.
Por sua vez, deve-se ter na memória que todos os textos de direitos humanos, seja qual
for o tema por eles abarcado, por si só constituem objeto de todos os Estados componentes da
Organização das Nações Unidas, mesmo quando o problema social, político, econômico ou
ambiental não os afete diretamente.
Dos diplomas internacionais acima citados, no que se refere à cooperação
internacional, vale tratar especificamente da Declaração Universal de Direitos Humanos e da
Convenção sobre a Diversidade Biológica.
A Declaração Universal de Direitos Humanos5 trata dos mais variados temas em
caráter recomendatório (COMPARATO, 2013, p. 238), dentre eles o direito à igualdade, o
direito a vida e à liberdade (ONU, 1948, p. 4-5 e 8), o direito ao devido processo legal (ONU,
1948, p. 7), direito à liberdade de opinião, de pensamento e de religião, o direito ao sufrágio,
direito a segurança social, direito a trabalho e ao repouso e lazer (ONU, 1948, p. 10-2), direito
à educação e à participação social (ONU, 1948, p. 14-5). Como se vê a variedade implicou na
inserção textual de direitos civis e políticos (liberdades), direitos econômicos sociais e
culturais (igualdade) e direitos de solidariedade (fraternidade), respectivamente classificados
como direitos de primeira, segunda e terceira geração de direitos humanos.
Mas a importância da declaração não se firma apenas sobre a ordenação do rol
exemplificativo6 distribuído em modalidades de direitos humanos, pois o texto aprovado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em seu preâmbulo justifica a proclamação
internacional da declaração, ao considerar que “[…] o advento de um mundo em que os todos
gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum”, sendo
imprescindível a promoção do “[…] desenvolvimento de relações amistosas entre as nações
5
Sob a perspectiva história, “Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um
processo ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser
humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição, como se diz em seu artigo II. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível
quando, ao término da mais desumana guerra da História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça,
de uma classe social, de uma cultura ou religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da
humanidade” (COMPARATO, 2013, p. 240).
6
O rol de direitos humanos é renovado e atualizado de acordo com as novas necessidades e demandas oriundas
das relações sociais, de violações de direitos humanos ainda não identificados ou relacionados nos tratados e
convenções internacionais.
“[…] o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o
objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade […]”, se esforcem
conjuntamente e promovam, por intermédio da educação e do ensino de viés
humanístico, a obediência às cláusulas internacionais cosmopolitas e
universalizantes, em respeito aos direitos e liberdades adicionados à declaração e
outros tratados, sem declinar da eventual “[...] adoção de medidas progressivas de
caráter nacional e internacional […]”, para consolidar “[...] o seu reconhecimento e a
sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-
Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição” (ONU, 1948, p.
4).
7
O Decreto Legislativo nº 2/1994 Aprova o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada durante a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade do Rio de Janeiro,
inserindo-a definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro.
8
Em que pese este artigo trate da cooperação internacional entre os Estados, vale mencionar que o Relatório
Brundtland de 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”, resultante dos trabalhos da Comissão sobre Meio
Ambiente da Organização das Nações Unidas contribui significativamente para que as bases de cooperação entre
os Estados fosse ampliada, pois definiu de modo claro e conciso o que deveria ser considerado desenvolvimento
sustentável. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 9-10).
9
“De acordo com as novas realidades do entrelaçamento espacial e temporal, deixa de ter sentido entender o
contrato social em sentido exclusivista, isto é, como coisa que só envolve os membros de uma determinada
comunidade ou só envolve os actualmente vivos. O modelo de contrato social que regula unicamente as
obrigações entre os contemporâneos deve ser estendido aos sujeitos vindouros, em relação aos quais nos
encontramos em completa assimetria. As questões de justiça intergeracional não são resolvidas com uma lógica
de reciprocidade, mas com uma ética de transmissão. […] no fundo da questão das gerações vindouras, o que
está em jogo é a própria noção de humanidade.” (INNERARITY, 2011, p. 26-7).
sustentabilidade10.
O preâmbulo da convenção em análise dá mostras da necessidade de cooperação ao
afirmar que
“[…] a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum à
humanidade [...]”, sendo imprescindível a “[…] cooperação internacional, regional e
mundial entre os Estados e as organizações intergovernamentais e o setor não-
governamental para a conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes […]” (BRASIL, 1994).
10
A sustentabilidade é o princípio informador do direito internacional e do direito constitucional, que redefine os
direitos humanos e fundamentais, ao dirigir ao Estado e à sociedade o dever fundamental de atual em regime de
cooperação e solidariedade para promover o desenvolvimento material e imaterial, ético e eficiente, de modo
preventivo e precavido para assegurar às gerações do presente e do futuro o direito ao bem estar e de viver com
dignidade (BOFF, 2014, p. 107; FREITAS, 2012, p. 41 e 77-8).
11
Artigo 10 - Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade Biológica. Cada Parte Contratante deve, na
medida da possível e conforme o caso: a) Incorporar o exame da conservação e utilização sustentável de recursos
biológicos no processo decisório nacional; b) Adotar medidas relacionadas à utilização de recursos biológicos
para evitar ou minimizar impactos negativos na diversidade biológica; c) Proteger e encorajar a utilização
costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências
de conservação ou utilização sustentável; d) Apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas
corretivas em áreas degradadas ande a diversidade biológica tenha sido reduzida; e e) Estimular a cooperação
entre suas autoridades governamentais e seu setor privado na elaboração de métodos de utilização sustentável de
recursos biológicos.
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Artigo l4 - Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos Negativos. 1. Cada Parte Contratante, na medida
do possível e conforme a caso, deve: a) Estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto
ambiental de seus projetos propostos que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim
de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participação pública nesses procedimentos; b)
Tomar providências adequadas para assegurar que sejam devidamente levadas em conta as consequências
ambientais de seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica; c)
Promover, com base em reciprocidade, notificação, intercâmbio de informação e consulta sobre atividades sob
sua jurisdição ou controle que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica de outros Estados
ou áreas além dos limites da jurisdição nacional, estimulando-se a adoção de acordos bilaterais, regionais ou
multilaterais, conforme o caso; d) Notificar imediatamente. no caso em que se originem sob sua jurisdição ou
controle, perigo ou dano iminente ou grave à diversidade biológica em área sob jurisdição de outros Estados ou
em áreas além dos limites da jurisdição nacional, os Estados que possam ser afetados por esse perigo ou dano,
assim como tomar medidas para prevenir ou mínima asse perigo ou dano; e) Estimular providências nacionais
os Estados com vistas a melhor conservação ambiental. Como exemplo de conduta a ser
adotada pelos Estados em cooperação, estão a adoção de medidas que diminuam o impacto
ambiental, o estímulo à troca de experiências sustentáveis entre autoridades governamentais e
representantes do setor privado, a notificação imediata de danos iminentes à diversidade
biológica em área de sua jurisdição ou de jurisdição de outro Estado, intercambiar
informações sobre riscos à diversidade biológica. Por meio destes artigos se tem o reforço da
ideia de que todos podem ser componentes de apenas um grupo, a humanidade, que depende
da cooperação entre os Estados para se manter em linha de desenvolvimento nas mais
variadas áreas de interesse humano individual e coletivo.
Outra significante contribuição trouxe a convenção por intermédio do artigo 1813. Nos
termos deste artigo a cooperação entre os Estados é estendida a aspectos técnicos e científicos
“[…] no campo da conservação e utilização sustentável da diversidade biológica [...]”, o que
deve ser feito inicialmente por meio “[…] da elaboração e implementação de políticas
nacionais [...]”, acompanhadas do “[…] desenvolvimento e fortalecimento dos meios
nacionais mediante a capacitação de recursos humanos e fortalecimento institucional [...]”,
para que assim se possa criar “[…] programas de pesquisa conjuntos e, empresas conjuntas,
para o desenvolvimento de tecnologias relevantes [...]”, que atendam aos objetivos da
convenção em nível satisfatório.
As bases internacionais do Estado cooperativo podem ser exemplificadas nos dois
documentos internacionais examinados nos parágrafos precedentes, por representarem a
sobre medidas de emergência para o caso de atividades ou acontecimentos de origem natural ou outra que
representem perigo grave e iminente à diversidade biológica e promover a cooperação internacional para
complementar tais esforços nacionais e, conforme o caso e, em acordo com os Estados ou organizações regionais
de integração econômica interessados, estabelecer planos conjuntos de contingência 2. A Conferência das Partes
deve examinar, com base em estudos a serem efetuados, as questões de responsabilidade e reparação, inclusive
restauração e indenização, por danos causados à diversidade biológica, exceto quando essa responsabilidade for
de ardem estritamente Interna.
13
Artigo 18 - Cooperação Técnica e Científica. 1. As Partes Contratantes devem promover a cooperação técnica e
científica internacional no campo da conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, caso
necessário, por meio de instituições nacionais e internacionais competentes. 2. Cada Parte Contratante deve, ao
implementar esta Convenção, promover a cooperação técnica e científica com outras Partes Contratantes, em
particular países em desenvolvimento, por meio, entre outros, da elaboração e implementação de políticas
nacionais. Ao promover essa cooperação, deve ser dada especial atenção ao desenvolvimento e fortalecimento
dos meios nacionais mediante a capacitação de recursos humanos e fortalecimento institucional. 3. A
Conferência das Partes, em sua primeira sessão, deve determinar a forma de estabelecer um mecanismo de
intermediação para promover e facilitar a cooperação técnica e científica. 4. As Partes Contratantes devem, em
conformidade com sua legislação e suas políticas nacionais, elaborar e estimular modalidades de cooperação
para o desenvolvimento e utilização de tecnologias, inclusive tecnologias indígenas e tradicionais, para alcançar
os objetivos desta Convenção. Com esse fim, as Partes Contratantes devem também promover a cooperação para
a capacitação de pessoal e o intercâmbio de técnicos. 5. As Partes Contratantes devem, no caso de comum
acordo, promover o estabelecimento de programas de pesquisa conjuntos e, empresas conjuntas.
14
A referência a relações institucionais se deve ao fato de que muitas das políticas públicas (prestacionais ou não)
a serem desenvolvidas pelo Estado tem a sua materialização dependente das boas relações políticas e
institucionais. A título de exemplo pode-se citar as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. Embora
sejam poderes independentes, não há dúvida de que devem atuar de modo coordenado, no sentido de fazer valer
da constituição como instrumento dirigente, dotado de normatividade e eficácia no plano material, instruidora da
cooperação internacional compromissada, cooperação esta que, obviamente, deve começar pelas boas ações
governamentais no plano interno. Vale deixar claro que aqui não se defende a subordinação de um poder em
relação ao outro, pois certamente está condição é indício da captura e dominação das relações institucionais por
interesses particulares.
15
A referência a prestações positivas diretas ou indiretas refere-se ao fornecimento de serviços públicos de
natureza social, tais como educação e saúde, ofertados diretamente pelo Estado ou, indiretamente por meio de
entidades subvencionadas pelo poder público.
16
Enquanto os governos do Ocidente procuram estabelecer um Estado de bem-estar social sobre as bases
cooperativas internacionais de direitos humanos, no Oriente os Estados assumem outra postura. Para
exemplificar citam o modelo de Cingapura, defendido por seu ex-primeiro ministro Lee Kuan Yew: “O modelo
cingapurense de modernização autoritária, portanto, questiona diretamente dois princípios básicos do Estado
Ocidental: o governo democrático e o governo generoso. O paradigma de Lee é elitista e austero. […] Os que
compartilham o com o de Lee é, primeiro, a suspeita de que o Ocidente não tem todas as respostas e, segundo, a
percepção de que o governo é um fator essencial na corrida global para o sucesso. No Ocidente o governo é
caótico, informal e espontâneo. Em Cingapura, é organizado, formal e planejado [...]” (MICKELETHWAIT;
WOOLDRIDGE, 2015, p. 133).
3. RETÓRICA E INSENSIBILIDADE
direitos sociais. Esta afirmação resulta da mera análise comportamental 17 dos países que se
comprometeram a cooperar no plano internacional em matéria de direitos humanos, tomando-
se como ponto de partida nesta constatação o modo de atuar destes mesmos países no meio
internacional globalizado, naquilo se refere à competição entre Estados, sobretudo em matéria
econômica. A “visão economicista da virtude” que hoje prevalece alimenta a
“[…] crença nos mercados e promove a sua intrusão em esferas onde não pertencem
[…]. O altruísmo, a generosidade, a solidariedade e o espírito cívico não são
similares a mercadorias que se esgotam com o uso [...]”, muito pelo contrário, pois
são “[…] mais como músculos que se desenvolvem e fortalecem com o exercício
[...]”, sendo um dos “[…] defeitos de uma sociedade regida pelos mercados é que
permite que estas virtudes definhem” (SANDEL, 2015, p. 135).
17
A questão comportamental em torno de objetivos próprio e cooperantes é bem exemplificada por SEN, (2012,
p. 95), quando explica o dilema dos prisioneiros, em que “[…] cada pessoa tem uma estratégia individual
“estritamente dominante”, no sentido em que, independentemente daquilo que os outros façam, os objetivos
próprios de cada pessoa são mais bem servidos adotando essa estratégia dominante (e de objetivo próprio). Ao
mesmo tempo, os objetivos de todos seriam mais bem respetivamente mais bem servidos se adotassem uma
estratégia diferente (e mais cooperante) dada a escolha do “objetivo próprio”, é claro que cada pessoa adotará a
estratégia não cooperante e, portanto, todos ficarão numa situação inferior à que teriam se seguissem a estratégia
cooperante.”
18
As condições impostas pelo mercado aos Estados não se resume a apenas oferecer meios de atração que
agradem os mercados. Segundo SANDEL (2011, p. 21), quando tudo dá errado e os lucros não aparecem, sobra
para os Estados socorrer, por exemplo, grandes bancos e instituições financeiras, como aconteceu nos Estados
Unidos em outubro de 2008, quando o presidente George W. Bush pediu ao Congresso que liberasse setecentos
bilhões de dólares para socorrer tais instituições, justamente as que obtiveram os maiores lucros durante os
períodos de fertilidade econômica.
Nestas breves linhas se percebe que em nossos dias não há um compromisso com o
passado, e nem mesmo com o futuro. Não existe o comprometimento com o ideal de justiça
intergeracional, sendo que o equilíbrio buscado é o de curto prazo, parcialmente calculado e
sopesado em vantagens para aqueles que têm maiores condições de “barganha” nas “mesas de
negociações”. A cooperação fica em segundo plano, o egoísmo proveniente da competição é o
protagonista.
Logo, no atual modelo econômico em que o mercado impera assentado na
desequilibrada relação entre produção e especulação, enuncia ser desinteressante para os
Estados globalizados e competitivos assumir a propalada cooperação que nutre e caracteriza o
Estado Constitucional Cooperativo. A retórica prevalece, e os compromissos contratados
internacionalmente em regime de cooperação se mostram inviáveis. Dito de outra maneira,
pelo viés econômico,
“[…] os catálogos de direitos humanos reconhecidos pelas constituições modernas
têm vindo a tornar-se crescentemente inclusivos, mas as práticas políticas
prevalecentes continuam a cometer ou tolerar violações, muitas vezes massivas, dos
direitos humanos” (SANTOS, 2013, p. 76).
19
“A confiança é assim vista como um termômetro da vitalidade do sistema democrático que, quando aponta
para valores negativos, significa a prevalência de problemas e dificuldades no funcionamento do mesmo,
podendo em última análise por em causa a estabilidade do próprio sistema. Neste sentido, a desconfiança política
é sinónimo de potencial crise no sistema” (BELCHIOR, 2015, p. 28).
20
“[…] a globalização está mudando a política nacional profundamente. Os políticos nacionais renunciam a cada
vez mais poder, em relação, por exemplo, aos fluxos comerciais e financeiros, para o que poderia ser
denominado, sem muita precisão, de capitalismo global. Outorgaram soberania a várias entidades
supranacionais, como a Organização Mundial do Comércio ou, com efeito, a União Europeia, ou delegam poder
aos tecnocratas, sobretudo a banqueiros centrais, para conquistar a confiança dos mercados. Em tudo isso
sobressai uma lógica cogente: como um país isolado poderia manejar problemas globais a exemplo da mudança
climática? Também se constata um elemento nobre de autocontenção: para os políticos nacionais, a melhor
maneira de resistir ao canto das sereias de imprimir dinheiro é amarrar-se ao mastro da autoridade monetária
[...]”. (MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2015, p. 249).
forma impetuosa, mas sutil e manipuladora, coloca sua “mão invisível”21 por sobre as
políticas econômicas e jurídicas (trabalho legislativo) dos países, direcionando-os, o que calha
por capturar seus governantes e legisladores, em muitas oportunidades congregados a
defender as causas de mercado sob o véu (falácia) (FREITAS, 2012, p. 148) do interesse
público. Sem dúvida, esta coordenação de fatores dificulta a materialização de direitos
humanos e fundamentais, pois onde há o interesse econômico e produtivo de mercado em
primeiro plano, não se tem o interesse público e social como objeto primordial de
materialização. Os resultados cada vez mais expressivos obtidos pelos especuladores e
investidores entrincheirados em suas riquezas e, os resultados sociais e políticos obtidos pelos
Estados submetidos ao seu império, bem mostram que são aspectos segregadores de
coexistência inconciliável com a cooperação internacional proposta após a Segunda Guerra
Mundial.
Assim, pode-se dizer que, a integração global por meio da competição não viabiliza no
plano político-jurídico do próprio Estado o regime de cooperação prevalecendo apenas a
“legitimação” mercadológica da lei do mais forte (MEZÁROS, 2015, p. 16-17). O domínio do
mercado condiciona a vida das pessoas, da sociedade e dos Estados, “[…] para reger a saúde,
educação, segurança pública, segurança nacional, justiça penal, proteção ambiental, recreação,
procriação e outros bens sociais […]” (SANDEL, 2015, p. 18).
Por sua vez, estas condições são agravadas em países de menos capacidade
competitiva e de reduzido poderio econômico.
Nestes casos, além de competir aceleradamente no mercado internacional em meio a
guerra atrativista com países de mesma “hierarquia”, ainda enfrentam a dominação política e
econômica dos países que detém o controle (indireto) do mercado em decorrência da alta
capacidade produtiva e econômica, o que lhes permite participar da criação das regras do jogo
e absorver antecipadamente as exigências do próprio mercado (MEZÁROS, 2015, p. 56-7)22,
21
O interessante é que SEM (2012, p. 43) destaca que “Apesar de Smith ser frequentemente citado por
administradores imperiais como justificação para recusar intervir em carestias em locais tão diversos como a
Irlanda, a Índia e a China, nada indica que a abordagem ética de Smith à política pública se opusesse à
intervenção em apoio aos benefícios dos pobres. Embora se opusesse certamente à repressão do comércio, a sua
chamada de atenção para o desemprego e para os salários baixos como causas da fome sugere uma variedade de
respostas de política pública.”
22
Vale dizer que as regras do jogo não são apenas objetivas. A competição antecede ao estabelecimento das
exigências mercadológicas e dos países beneficiados. Todo o esquema globalizante foi precedido por uma guerra
cultural, por meio da qual se buscou definir uma linha de pensamento acadêmico e instrumental econômico que
beneficiasse os controladores do mercado, sejam eles países centrais ou particulares (especuladores e
investidores), em detrimento aos países periféricos. A estes, desde o início, sobram as migalhas.
às quais também passaram pelo seu crivo antes mesmo de serem impostas aos demais
competidores periféricos.
O enfrentamento e a ausência de cooperação também são agravadas em países
periféricos e incapacitados a competir (atrair todo e qualquer investimento que agregue
receitas e desenvolvimento social e do mercado de trabalho-produtivo, principalmente em
longo prazo) em condições de igualdade, quando se tem em vista que o modelo de Estado
Constitucional por eles absorvidos ainda não saiu do plano imaterial, ao passo que a demanda
por serviços estatais de natureza social cresce a cada dia, sem interrupção.
Ao prevalecerem as concepções de desenvolvimento do mercado, sobressaem os
interesses de poucos, soçobram os interesses da maioria, a economia assume a soberania das
ações, e a cooperação humanística que marcou o pós-segunda guerra mundial cai na retórica
daqueles que utilizam os direitos humanos e fundamentais apenas como instrumento de
“catequização”23 dos Estados (DOUZINAS, 2009, p. 130 e 135; SANTOS, 2013, p. 16-7 e
32; MEZÁROS, 2015, p. 95).
É por isso que o
“[…] hiato entre o triunfo da ideologia dos direitos humanos e o desastre de sua
aplicação é a melhor expressão do cinismo pós-moderno” e também o resultado da
“[…] combinação de iluminismo com resignação e apatia e, com uma forte sensação
de impasse político e claustrofobia existencial, de uma falta de saída no seio da mais
maleável sociedade” (DOUZINAS, 2009, p. 30).
23
Os direitos humanos muitas vezes são instrumento de catequização do ocidente sobre o oriente, utilizados para
justificar ações bélicas e embargos econômicos que ao final não se ajustam às intenções cosmopolitas de
cooperação que, inicialmente, buscaram estabelecer uma nova ordem mundial, ainda que tenha sido
implementada para atender aos interesses dos países mais fortalecidos pelos pós-segunda guerra mundial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constitucional Cooperativo.
A conciliação do desejo de que o Estado Constitucional Cooperativo mantenha-se em
frente e vivo com as relações econômicas que influenciam as decisões governamentais se
mostra cada vez mais difícil e, neste momento, pouco provável. A frieza dos números indica
que nesses idos de 2000 a humanidade está longe ser efetivamente mais humana, enquanto
que o Estado Constitucional Cooperativo existe, mas apenas em termos retóricos, pois não
tem calor suficiente para impor-se sobre a retórica de quem defende a insensibilidade do
mercado.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 05.09.2017
Aprovado em 20.12.2017