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Da encruzilhada a macumba: é no cruzar com os limites que

discorremos fagulhas para reexistir o campo educacional em


meio abordagens afroperspectivistas
Juliana da Silva Rodrigues dos Santos Guimarães1
Thiago Henrique Borges Brito2
Marcelo Donizete da Silva3

Palavras-chave: Macumba; Letramentos de reexistência; Decolonialidade; Afroperspectividade; História

Resumo: Nesta presente exposição reinterpretamos por meio da categoria enegrecimento intrincada em
uma ótica filosófica afroperspectivista a iminente atividade do PIBID-AFRO. Defendemos que o projeto
quanto política pública é centelha causadora de inflexão no significante do educar, mas caso
redimensionada de forma estrutural possa vir a ser rearranjadora de um outro sentir no educar nos espaços
formais. Tencionaremos a necessidade de reorientar os holofotes ao qual o conceito de intelectual é
compreendido no tempo presente uma vez que lidamos com a necessidade de disputar uma outra
educação que incide no âmago do existir da população brasileira. Para tal trazemos à baila o ponto de
vista advindo de bell hooks (1995). Na mesma toada, abarcaremos à conversa métodos pedagógicos não
convencionais como possíveis lócus de tradução de ensino filosófico afroperspectivista de Renato Noguera
(2012), com o alargar gramatical nas manobras postas das encruzilhadas do saber/poder de Luiz Antonio
Simas e Luiz Rufino (2018), a fim de adentrar com a categoria letramentos reexistência de Ana Lúcia Silva
Souza (2011) ao núcleo estruturante da educação convencional. Neste polidiálogo assentado lidamos com
alguns resultados perceptíveis, como por exemplo, o alunado se perceber sujeito do aprendizado, embora
como dizem os mais velhos, precisamos tirar uns “acertos”.

INTRODUÇÃO

Neste presente artigo tentaremos reinterpretar via a categoria enegrecimento 4


intrincado em uma ótica filosófica afroperspectivista a iminente atividade do PIBID-AFRO
aplicada numa turma de ensino médio da Escola Estadual Dom Silvério em Mariana/MG.
Defendemos que o projeto quanto política pública é uma centelha causadora de certa
inflexão no significante de educação, mas caso redimensionada de forma estrutural
possa vir a ser rearranjadora de uma outra intencionalidade do educar nos espaços
formais de educação. Por fim, tencionaremos a necessidade de reorientar os holofotes
ao qual o conceito de intelectual é compreendido no tempo presente uma vez que

1 Discente – UFOP
2 Discente – UFOP
3 Docente – UFOP
4 O verbo “enegrecer” neste artigo é utilizado como sinônimo de elucidar. Como trazido por Renato

Noguera tal léxico é trabalhado como forma contra-hegemônica e assim utilizaremos em nossa produção.
lidamos com a necessidade de disputar uma outra educação que incide no âmago do
existir da população brasileira.

ABRINDO OS CAMINHOS
Pretendemos compartilhar um dos momentos construídos num período referente
a um ano e seis meses na escola estadual Dom Silvério no munícipio de Mariana/MG.
São algumas vivências que poderão contribuir com possíveis potencialidades e limites
pertencentes ao ensino interdisciplinar via PIBID-AFRO (subprojeto interdisciplinar letras
do PIBID-UFOP: história, cultura e literatura africana e afro-brasileira da Universidade
Federal de Ouro Preto). Desejamos oxigenar, analiticamente, a possibilidade de ensino
promissor em acolhimentos das diferenças, pluralidades e transgressões, além de
reverberar ao alunado se reconhecer quanto cidadão em um país que invisibiliza, das
mais diversas formas, as pessoas no exercício do seu existir.

Nesse sentido, conversaremos com métodos pedagógicos utilizados como ensino


de histórias das áfricas e afro-brasileiras e como são possíveis lócus de traduções de
ensino filosófico pluriversal afroperspectivista de Renato Noguera, com o alargar
gramatical nas manobras postas das encruzilhadas do saber/poder de Luiz Antonio
Simas e Luiz Rufino, a fim de adentrar com a categoria letramentos reexistência de Ana
Lúcia Silva Souza ao núcleo estruturante da educação convencional que
destrincharemos mais à frente.

DO PREÂMBULO, ASPECTOS HISTÓRICOS


Este artigo é uma tentativa ousada dado os limites que possuímos de imersão na
área, mas dada as condições que encontramos da conjuntura nacional-mundial temos
precedentes para a escolha. Como é sabido por grande parte das/os educadoras/es a
lei 8.069/90 regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal que relata o dever da
família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Muito se sabe que sem o aporte financeiro,
de alguma entidade que seja, a pessoa sob esta tutela não conseguirá conviver imune
aos problemas sociais acima explicitados. Isto se reverbera dado uma conjuntura política
que no início dos anos dois mil alavancou um denso acolhimento de políticas públicas
que compusessem a solidificação desta lei, muito embora, nos últimos dez anos a tática
e estratégia de acordos partidários, a complexa e falha maneira de organização
institucional e não manutenção da participação cidadã tem eliminado as poucas
conquistas obtidas pelos movimentos sociais.

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Em consonância com o Estatuto da criança e do adolescente temos o Plano
Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
onde ressalta como um dos seus objetivos todo um papel de consolidação institucional
sobre a colaboração e construção com os sistemas de ensino, conselhos de educação,
coordenação pedagógica, gestoras/es educacionais, professoras/es e demais
segmentos afins, políticas e processos pedagógicos para a implementação das leis n°
10.639/03 e n° 11.645/08. Por certo, teoricamente temos uma boa descrição de proteção
e incentivo para que a população possa fomentar um país vivo e composto pelo diverso.
Porém, a divergência se revela quando o assunto perpassa pelo campo econômico
submisso a ordem do capital. Apenas 3,94% do orçamento federal obrigatório, segundo
a Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, é destinado à
educação. Dentro deste percentual 1,29% é destinado a educação básica e, a título de
curiosidade, apenas 0,22% da verba referente a educação básica é destinado a
equipamentos e material permanente. Há de se ter a aproximação existente entre as leis
e a condução da prática defendida em lei.
Ao pensarmos o Estado como um dos promovedores e supostos tutores
educacionais da criança e do adolescente, independente dos atos cometidos, intensifica-
se a cobrança por uma escola que corresponda as necessidades, em todos os âmbitos,
desse momento de aprendizado e, ainda mais, por ser um dos primeiros espaços que as
crianças terão contato com o mundo externo, para além da família. Cavalleiro
acrescenta:
Numa relação dialética homem/sociedade, o novo membro da sociedade
interioriza um mundo já posto, que lhe é apresentado com uma configuração já
definida, construída anteriormente à sua existência. Assim, interagindo com
outros, a criança aprenderá atitudes, opiniões, valores a respeito da sociedade
ampla e, mais especificamente, do espaço de inserção de seu grupo social.
(Cavalleiro, 2000, p. 16)

É de suma importância compreender que o espaço escolar, e vamos além da


citação de Cavalleiro, em qual nível seja possa trazer à/ao estudante referências da
diversidade que a realidade concreta deste se apresenta. É diante da autonomia, tanto
apontada por Paulo Freire, dos educandos que precisamos remodelar aquilo que
chamamos de liberdade e o gozo por aprender. Dialogar e estabelecer uma relação de
amor com o alunado a fim de concretizar qualquer mudança social que venha perpetuar
suavemente a felicidade de se viver em comunidade. Contudo, nada disso se
concretizará enquanto as/os discentes não possuem condições humanas básicas.
A educação como meio transformador das relações sociais pertencentes a uma
determinada sociedade implica que seja mediante dela agirmos e modificarmos
comportamentos que sempre agregaram opressões explícitas na vida das pessoas. São

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os diversos feitios de manifestar a exclusão que sustentam o formato como essas
relações se alocam na vida das mesmas. Interessante notar como Eliane Cavalleiro
expressa essas experiências desde a infância:
De fato, a fonte primeira desse questionamento é minha própria experiência
como criança negra. No contexto escolar, meu silêncio expressava a vergonha
de ser negra. Nas ofensas, eu reconhecia “atributos inerentes” e, assim sendo,
a solução encontrada era esquecer a dor e o sofrimento. Vã tentativa. Pois pode-
se passar boa parte da vida, ou até mesmo a vida inteira, sem nunca esboçar
qualquer lamento verbal como expressão de sofrimento. Mas sentir essa dor é
inevitável. Dada sua constância, aprende-se a, silenciosamente, “conviver”
(Cavalleiro, 2000, p. 10)

Pensar em como reverter este quadro – que não é uma experiência única da
Eliane Cavalleiro – desesperador da juventude negra no Brasil é para além de uma
tarefa, uma missão de sobrevivência. Entender que as/os jovens estão a cada dia mais
submetidos a lógica do sistema capitalista forjada à moda escravocrata – que por sua
vez vigorou por mais de trezentos anos no Brasil – nos remete compreender o problema
geracional que outros enfrentaram e continuamos a enfrentar essa batalha na
contemporaneidade. Entender e assumir que este programa semiocida5 da subjetividade
do povo negro que assola grande parte desta população em suas diversas facetas não
abarca somente a questão da educação, mas também a seguridade de vida, lazer,
relacionamentos afetivos e, portanto, a saúde. Um estudo intitulado Masculinidade,
raça/cor e saúde proposto por Luís Eduardo Batista, pertencente ao Instituto de Saúde,
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Núcleo de Investigação em Saúde da
Mulher e da Criança, indica que:
Considerando que as condições sociais provocam impactos na saúde; que
associamos as piores condições de vida e acesso a bens e serviços de saúde
de qualidade à mortalidade por tuberculose, malária, doença de Chagas,
HIV/Aids, alcoolismo, morte materna, morte sem assistência, morte por causas
mal definidas e causas externas; e sendo a população negra aquela que, em
nossa sociedade, possui as piores condições de vida, então a mortalidade por
tais causas provavelmente será maior para os negros (Batista, 2004, p. 73-74)

5 Muniz Sodré em seu livro Pensar Nagô defende que o universalismo cristão que ressalta o espírito em
detrimento do corpo reflete... a separação radical entre um e outro [espírito e corpo] é um fato teológico
com grandes consequências políticas ao longo da história: no domínio planetário das terras dos povos
ditos “exóticos”, as tropas dos conquistadores pilhavam corpos humanos, enquanto os evangelizadores
(jesuítas, franciscanos), pilhavam almas. A violência civilizatória da apropriação material era, na verdade,
procedida pela violência cultural ou simbólica – uma operação de “semiocídio”, em que se extermina o
sentido do Outro – da catequese monoteísta, para a qual o corpo exótico era destituído de espírito, ao
modo de um receptáculo vazio que poderia ser preenchido pelas inscrições representativas do verbo
cristão (Sodré, 2017, p. 102).
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Estes apontamentos são importantes para estabelecer até que ponto a falta de
oportunidades influenciam os mais distintos ambientes na vida da população negra. A
partir deste ponto conseguimos problematizar que os mais diversos traumas vividos vão
influenciar em como as pessoas lidam com o cotidiano. Assim, a priori, conseguimos
estender o leque de possibilidades do porquê que isso se concretiza a introjeção do outro
como a forma do ser, com diria Sueli Carneiro. Destacamos aqui mais uma delas, cuja
escolha se faz, pelo fato de entendermos como cerne da problemática na educação. Em
Pele negra, máscaras brancas lemos:
A ontologia, quando se admitir de uma vez por todas que ela deixa de lado a
existência, não nos permite compreender o ser do negro. Pois o negro não tem
mais de ser negro, mas sê-lo diante do branco. Alguns meterão na cabeça que
devem nos lembrar que a situação tem um duplo sentido. Respondemos que não
é verdade. Aos olhos do branco, o negro não tem resistência ontológica. De um
dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de
referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente, seus costumes e
instâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com
uma civilização que não conheciam e que lhes foi imposta. (Fanon, 2008, p. 104)

Neste momento, apesar da escolhermos Fanon para legitimar nossas


argumentações sabemos o seu momento histórico e o recorte de análise que faz sobre
o negro martinicano que experienciou vivências na França e Argélia diante o movimento
de libertação africano. No entanto, o processo de inserção do colonizador possui
diversas semelhanças também na América onde ressaltamos algumas ações existentes
para complementar este artigo. Assim, são as diversas deformações no momento de se
aprender o que é ser negra/o na sociedade brasileira e a sua condição humana, pelo
mesmo motivo citado acima por Fanon, de um processo civilizatório que não pertence a
essa parcela da sociedade, mas que o é imposto. São esses heterogêneos viveres que
impulsionam uma educação que condicionará, mais tarde, uma idiossincrasia
populacional mantenedora – que o martinicano chamara de mumificação cultural por não
saber mais suas raízes e consequentemente tentar ser aquilo que nunca lhe
considerarão: o ser branco, ser o outro, ser aquilo que lhe impuseram como referência;
provoca agonia e aflição que transcende das ações individuais às coletivas – da
vergonhosa sensação de ser negra/o.
Ao passo que entendemos a areia movediça que compõe o método de
aprendizado das/os jovens – pois quanto mais se procura saídas, mais perdidos os
docentes se veem – e em como pensar os espaços informais de educação como
alternativa de ensino, Nathália Pereira de Araújo salienta o quão hostil a educação formal
se manifesta:
Nesses espaços, as concepções de currículo escolar estão carregadas de
dicotomias segregadoras e hierarquizantes que não contemplam a sua dinâmica.
Muitos currículos são pensados separadamente das experiências concretas e

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seus métodos estão distantes das experiências cotidianas e não considera a
contribuição do povo negro na construção da nação brasileira assim como da
cultura afrodescendente que está fortemente presente em nosso cotidiano e em
todos os espaços de educação. (ARAÚJO, 2016, p. 11-12)

Então, dado o panorama que nos encontramos, a ideia das atividades em meio
as ações do PIBID AFRO e de toda ação educacional se prevalecerá para além das
quatro paredes que venham formar a sala de aula. Não podemos entender o termo
escola como algo desgarrado dos outros ambientes sociais. Usaremos da janela para
ampliar uma visão de mundo na qual a cortina sempre esteve entrefechada.

DAS AÇÕES AFIRMATIVAS: POTENTES SAÍDAS PARA OS ENTRAVES


Temos como parâmetro toda uma história que compõe rupturas brutais com a
nossa identidade quanto africanos em diáspora. Ao mesmo tempo encontramos na
contramão estratégias que perpassam desde o aquilombamento, uma das experiências
vividas por negras/os que concretizaram maneiras alternativas de se relacionar
socialmente, entre outras estão as reformulações dentro do sistema capitalista para
compor o mínimo de dignidade para determinada população. Ressaltamos as leis de
cotas para ingresso nas universidades federais e instituições federais de ensino técnico
de nível médio (lei nº 12.711/12) e nos serviços do setor público (lei nº 12.990/14); lei
que obriga a inserção do estudo da cultura afro-brasileira e indígena em todo currículo
escolar do ensino fundamental e médio (lei nº 11.645/08); Estatuto da Igualdade Racial
(lei nº 12.288/10) e tramitação do projeto de lei 296/15 no Congresso Nacional, que
define o Dia da Consciência Negra como feriado nacional.
Por outro lado, com o meu ingresso ao ensino superior temos as ações do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), em nosso caso, voltado
para a Cultura Africana e Afro-Brasileira e que, por meio da literatura, concede a
oportunidade de concretizar atividades que possam trazer reflexões ao alunado numa
experiência mútua de vivências que se mesclam e compõem novas abordagens para
entender a construção da sociedade brasileira. Tecer essa linha tênue das mazelas que
a população negra foi submetida, seus erros em determinadas estratégias, mas em
contrapartida toda a riqueza que a mesma trouxe de tempos longínquos, resvala em
bases epistemológicas para o nosso presente e futuro, sempre pautado em nossa
ancestralidade para que saibamos – como menciona o doutor Steve Biko – de onde
viemos, onde estamos e para onde iremos.
Ao persistir nessa abordagem a construção por novas narrativas têm sido um dos
pontos mais almejados pelos movimentos negros desde seus tempos imemoriáveis e
presente em grande parte dos séculos 19, 20 e 21. Não somente a questão da
alfabetização da população, mas para além de saber interpretar os fatos com mais

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cautela e sagacidade, revelar fatos históricos além da dicotomia bem e mal, preservar a
memória que nos foi negada da cultura africana e afro-brasileira são pontos que orientam
nossas práxis. Nesta toada analisaremos uma das atividades realizadas em no plano de
aula do projeto Ahón: similaridades linguísticas entre Nigéria e Brasil a partir do uso
didático de Orikis intitulada “Conhecendo a Nigéria”.

TENTANDO CONHECER A NIGÉRIA


Dados os limites que existiam em nosso cotidiano no exercer do projeto a ideia de
conhecer a Nigéria se manifestou ao interligarmos assuntos que são próximos em nosso
cotidiano brasileiro e que também estão presentes na sociedade nigeriana. Pensamos,
assim, em uma forma de reconstruir os conhecimentos e a relação africana e afro-
brasileira com nossa turma. Nos colocarmos como sujeitos da história, pois vemos como
uma constante da noção decolonial do conhecimento (Asante, 2009) e nesse sentido
trabalhamos com a necessidade de uma educação denegrida e filosoficamente
afroperspectivista. Mas o que estas categorias ajudam a pensar nossa proposta?
Vejamos. Uma vez que estamos estreitamente vinculados ao que Paulo Freire ressalta
em Pedagogia da Autonomia:
O professor que desrespeita a curiosidade dos educandos, o seu gosto estético,
a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e sua
prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele
se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto
quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites
à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente
presente à experiência formadora do educando transgride os princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência. (Freire, 1996, p. 59-60)

Por isso enfatizamos a necessidade de uma construção de conhecimento


pluviserval e plurirracional, ou seja, um conhecer com várias perspectivas e
racionalidades almejaria juntamente ao histórico do alunado trazida em sua bagagem
quanto ser humano algo que desabrocha naquilo que Noguera cunha como uma filosofia
afroperspectivista:
Por outro lado, a pluriversalidade filosófica aqui defendida concebe a educação
como um exercício policêntrico, perspectivista, intercultural que busca um
polidiálogo considerando todas as particularidades. Na nossa reivindicação pela
pluriversalidade da filosofia, nós trazemos à baila a filosofia afroperspectivista
(NOGUERA, 2011a, 2011b) com o intuito de denegrir a educação. Filosofia
afroperspectivista é uma expressão conceitual guarda-chuva, isto é, reúne
diversas perspectivas e olhares, significando neste caso: “a reunião de
produções filosóficas africanas, afrodiaspóricas e comprometidas com o
combate ao racismo epistêmico” (NOGUERA, 2011, p. 44). Em outras palavras,
filosofia afroperspectivista é todo exercício filosófico protagonizado por pessoas

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com pertencimentos marcados principalmente pela afrodiáspora. (Noguera,
2012, p. 65)

E complementa, pautado numa visão afroperspectivista, o conceito de denegrir:


Em termos mais precisos, se trata de amplificar a capacidade criativa e
regeneradora como método. Ou seja, não se trata de dividir e divorciar os
elementos, mas, compreendê-los de modo articulado, policêntrico, dentro de um
polidiálogo, uma efetiva pluriversalidade. Denegrir é pluriversalizar as
abordagens, revitalizando e regenerando as redes de relacionamentos políticos,
econômicos, etnicorraciais, de gênero, exercícios de sexualidade etc. (Noguera,
2012, p. 69)

Estes apontamentos ficam mais evidentes quando tentamos abordar um pouco da


prática em sala de aula. Por pensamos numa proposta que não se desgarresse daquilo
que a/o aluna/o conhecesse e já tivesse experienciado escolhemos temas para que o
sentido do aprendizado e das informações pudessem se fazer presentes durante toda a
atividade. Adentramos a proximidade com o ocidente africano6 por meio do jogo da
memória onde ligamos as semelhanças entre os símbolos Adinkras e os ditos populares
brasileiros. Segue a tabela criada por nós:

Tabela 1: símbolos Adinkras e ditos populares brasileiros


IDEOGRAMAS
NOME E SIGNIFICADO DITO POPULAR
ADINKRAS

Camarão que dorme a


AKOBEN – Vigilância.
onda leva.

DWENNIMMEN –
A união faz a força.
Humanidade com a força.

AKOMA – Paciência e Quem espera sempre


tolerância. alcança.

NKYI– Símbolo da
Quem tem boca vai a
iniciativa, do dinamismo e
Roma.
da versatilidade.

6 Nessa atividade ainda não trabalhamos especificidades nigerianas, mas uma abordagem ampla
pertencente aquela região. Defendemos o processo de aproximação com o diferente de maneira
cadenciada, mandingada e que efetive a proposta do projeto.
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NYAME NTI - Pela graça
Deus dá o frio conforme
de Deus Simboliza a fé e a
o cobertor.
confiança em deus.
NKONSONKONSON – Elo
da corrente. Unidade entre A união faz a força.
os seres humanos.
BOA ME NA ME MMOA – A felicidade é algo que
Ajude-me e deixe-me se multiplica quando se
ajuda-lo. divide.
MATE MASIE - O que eu
O silêncio vale ouro, a
faço fica comigo.
palavra vale prata.
Conhecimento e sabedoria

Seria então neste exato entrecruzamento simbólico e vivo do arcabouço profundo


dos ditos populares brasileiro e cosmograma filosófico Adinkra do oeste africano que
recuperamos o alargamento da gramática e utilizamos o conceito da encruzilhada para
estimular o rompimento com a colonialidade do saber/poder/ser. Vemos que a
encruzilhada:
seus domínios e potências são campos proeminentes para o que viemos a
indicar como rasura conceitual. Em uma perspectiva macumbística a rasura se
compreende como ponto riscado, amarração, um emaranhado de símbolos
imbricados que enigmatizam e ressignificam os sentidos. A rasura praticada
invoca os princípios assentes nas dimensões do inacabamento e da
imprevisibilidade, vindo a produzir efeitos de encantamentos. O encante, por sua
vez, vem a configurar-se com a prática/rito de potencialização dos princípios que
inferem mobilidade. Estes, por sua vez, designam caminhos enquanto
possibilidades. Assim, a rasura e o encante de determinados conhecimentos por
outros só é possível a partir do que compreendemos como a arte de cruzamento.
(SIMAS; RUFINO, 2018, p. 25)

O processo decolonial é regido por enxergar todos os meios necessários, como


diria Al Hajj Malik Al-Shabazz, para descontruir essa percepção de condenados da terra
trazido por Fanon. É utilizar dos provérbios judaico-cristãos introjetados durante grande
parte do processo colonizador no Brasil e confrontá-los com diferentes epistemes de
outros povos também inseridos nesta sociedade como os nagôs que desestabilizamos e
recriamos o existir. A encruzilhada quanto conceito se amalgama com a inevitabilidade
do denegrir a educação trazido por Noguera. Esta se apresenta, via interpretação da
filosofia egípcia, o torna-se negro como a revitalização da existência. Ao levarmos as
folhas sulfites A4 com os ideogramas, ditos populares e seus respectivos significantes

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foi pedido para que em grupo relacionassem ambos os símbolos e explicassem as
semelhanças que fizeram gerar tais associações. Em seguida, por meio de um jogo da
memória embaralhamos todas as figuras e fomos tentar encontrar cada dupla de
ideograma e ditos populares. Esse desfecho promove os outros sentidos do aprender:
coletivo-dedutivo, retórico, argumentativo, leitura, escrita e afins das/os estudantes.
Para além desta atividade em seguida foi proposta a encruza musical. Uma
análise do discurso presente nas músicas Bogotá e Zombie dos artistas Criolo e Fela
Kuti, respectivamente. Primeiro reproduzimos a música Zombie de Fela Kuti e
pontuamos para analisarem quais instrumentos eram utilizados, tempos de batidas dos
mesmos, melodias e afins e na sequência ao reproduzimos a música Bogotá de Criolo
ouvimos as reflexões trazidas por elas e eles sobre os pontos convergentes e
complementares das variadas linguagens compreendidas. O processo de rasura e o
denegrir existente entre o cruzo do RAP (rhyme and poetry) e do afrobeat (batidade
africana) diante o inacabamento e imprevisibilidade propicia o encantamento aos jovens
da mesma forma que saber outros signos para os ditos populares suscite compor o
poder/saber deste alunado. Dialogar com a existência das levadas do afrobeat na música
de Criolo possibilitou potencializar, uma vez encantados, o vínculo existente na força da
criação de uma população historicamente excluída da sociedade brasileira. Basicamente
os discentes se veem representados, pois o conhecimento e o existir também está
vinculado a performance de quem temos como parâmetro de inspiração. É preciso ver
Criolo, Fela Kuti, Yorubás, pessoas negras, ideogramas antes vistos em portões de suas
casas, mas não compreendidos o signo para o aprender fazer sentido 7; enuciamos que
na aula é preciso fazer macumba8.
Nos propormos a disputar outros sentidos de escola quando arriscamos
abordagens por meio dessas práxis. Pensar a diversidade de locais ocupados pelas
crianças, adolescentes e adultos nos conduz a seguinte percepção trazida por Eliane
Cavalleiro:

7 Interessante lembrar que uma das possibilidades do ideograma Sankofa é uma espécie de símbolo em
formato de “coração” muito visto nos portões de nossas casas.
8 Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino ao denegrirem a palavra macumbeiro escrevem: definição de caráter

brincante e político, que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo
repudiado e admite impurezas, contradições e rasuras como fundante de uma maneira encantada de se
encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas. O macumbeiro reconhece a plenitude de beleza,
da sofisticação e da alteridade entre as gentes.
A expressão macumba vem muito provavelmente do quicongo Kumba: feiticeiro (o prefixo “ma”, no
quicongo, forma o plural). Kumba também designa os encantadores das palavras, poetas.
Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem
fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência pela radicalidade do
encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular da
morte.
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O que para a escola pode representar um problema ou um momento de conflito,
no interior do grupo familiar pode representar, apenas, parte do modo habitual
da vida do grupo. Problemas não encontrados pela criança no grupo familiar
poderão ser encontrados no cotidiano escolar. Conseqüentemente, a ausência
de relação entre a família e a escola impossibilita, a ambas as partes, a
realização de um processo de socialização que propicie um desenvolvimento
sadio. Coloca em jogo não só o mundo a ser interiorizado pela criança, mas
principalmente, o seu lugar nesse mundo, lugar de seu grupo social e, sobretudo,
a sua própria existência. (Cavalleiro, 2000, p. 18).

Se faz relevante propiciar experiências nas escolas que possam canalizar pontes
para além da gestão familiar ou somente escolar. Como Sobonfu Somé, pertencente aos
povos Dagara em Burkina Faso, Oeste Africano retrata em seu livro O Espírito da
Intimidade:
Talvez seja difícil, para quem sempre morou no Ocidente [a partir de uma visão
de mundo mencionada e não geograficamente] ver tudo aquilo que possui como
pertencente a toda a comunidade, mas este é o caso na aldeia. Como resultado,
cada pessoa na aldeia contribui para o bem-estar dos outros. (Somé, 2007, p.
42)

E complementa:
Quando você tem um filho, por exemplo, não é só seu, é filho da comunidade.
Do nascimento em diante, a mãe não é a única responsável pela criança.
Qualquer outra pessoa pode alimentar e cuidar da criança. Se outra mulher tiver
um bebê, ela pode dar de mamar a qualquer criança. Não há o menor problema.
(Somé, 2007, p. 42)

Em síntese temos:
Se uma criança cresce achando que sua mãe e seu pai são sua única
comunidade, quando tem um problema e os pais não conseguem resolvê-lo, ela
não tem ninguém a recorrer. Os pais são os únicos responsáveis pelo que aquela
criança se torna, e isso é pedir demais de apenas duas pessoas. Pior ainda:
muitas vezes, uma única pessoa é deixada com os filhos. (Somé, 2007, p. 43)

Tais trechos são retirados dos livros não para transpassá-los para as nossas vidas
diretamente, mas para que possamos pluralizar as percepções de aprendizado e
relevância na construção quanto pessoa e, em nosso caso, o quanto Eliane Cavalleiro e
Sobonfu Somé abordam e realçam as possibilidades de vida. Percebemos diante a
dinâmica inusitada do entrecruzar e o encantamento como feitios possibilitadores de
outras percepções do educar e que o projeto quanto política pública é uma centelha
causadora de certa inflexão no significante de educação, mas caso redimensionada de

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forma estrutural possa vir a ser rearranjadora de uma outra intencionalidade do conhecer
nos espaços formais educativos.

DAS CONDIÇÕES PARA CONCRETUDES ESTRUTURAIS MULTIFACETADAS


Abrimos esta terceira diante a abordagem de Mariléia dos Santos Cruz 9, de olho
nas produções historiográficas da história da educação brasileira, onde ressalta algumas
questões sobre as metodologias abordadas para entender como a escrita da história da
educação foi tecida e a relação que possui com a educação fornecida para com a
população negra. Em sua análise os autores que realizam a crítica a historiografia acima
descrita revelam que estes trabalhos possuem algumas limitações como:
termo educação restrito ao sentido de escolarização da classe média;
periodização baseada em fatos político-administrativos; temáticas mais
enfocadas em contemplar o Estado e as legislações de ensino; ausência da
multiplicidade dos aspectos da vida social e da riqueza cultural do povo
brasileiro. (Cruz, 2005, p. 22)

Se faz importante compreendermos que as lentes que visualizam e interpretam a


realidade ou o mais próximo possível não tem sido feito com integridade por alguns
setores da pesquisa científica no que tange a relação da educação. Partir de
metodologias não pensadas da construção de sociedade brasileira pode ter seus limites
e desaguar nas incoerências acima citadas mesmo possuindo fontes históricas. O
problema é como interpretar e reconsiderar uma gama de sujeitos importantes para
compreendermos a complexa sociedade brasileira.
Em consonância com uma possibilidade de melhor leitura do campo
historiográfico da educação nacional, uma vez que compreendemos o conhecimento
científico como sempre em construção, defendemos a necessidade também de uma
aplicação educacional que dilate as regras e o como lidar com o fazer educacional
teórico-prático. Se no passado a forma de compreender a educação não abrangeu os
povos afro-brasileiros e indígenas, foi por uma não institucionalização da
pluviversalidade do educar ou o que viemos defendendo de enegrecimento da educação
a partir deu uma ótica afroperspectivista, mas sim o reforço de tradições intelectuais da
colonialidade do saber/poder/ser nas esferas de poder do Estado brasileiro regada a um
eurocentrismo que invisibilizava as formas de letramentos das populações aqui referidas.
Entendemos que experiências válidas são encontradas em demasia como é o caso da
aula apresentada neste artigo, porém o embate pensado não se restringe a apelos
pontuais e sim estruturantes como, por exemplo, a verticalização de refundação do Plano
Nacional de Educação. Esse mesmo dilema nos leva ao cerne do que defendemos de

9Texto da Coleção Educação para Todos. No volume 6 onde o recorte aplicado é para a História da
Educação dos Negros e outras histórias
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estruturas concretas multifacetadas e simultâneas. Para tal necessitamos rever o
conceito de intelectualidade ou, minimamente, reposicionar os holofotes de seu
significante. Agucemos nossas cognições a partir do seguinte excerto de bell hooks em
Pedagogia Engajada:
Os professores que esperam que os alunos partilhem narrativas confessionais
mas não estão eles mesmos dispostos a partilhar as suas exercem o poder de
maneira potencialmente coercitiva. Nas minhas aulas, não quero que os alunos
corram nenhum risco que eu mesma não vou correr, não quero que partilhem
nada que eu mesma não compartilharia. Quando os professores levam
narrativas de sua própria experiência para a discussão em sala de aula, elimina-
se a possibilidade de atuarem como inquisidores oniscientes e silenciosos.
(Hooks, 2013, p. 35)

Tentemos juntas/os reaticular o convívio docente-discente a partir de hooks. A


mesma esboça a necessidade de uma relação que estrapole o conteudismo daquilo que
se trabalha nas salas de aula. Analisamos em sua escrita a defesa de aproximação e
relação com o alunado mediante algo que dê sentido, que demonstre afeto (do verbo
afetar) e crie uma relação mútua de trocas a partir da/o docente quanto referência e não
quanto retentor/a do saber. É uma reafirmação das relações pontuadas na educação
pelas/os outras/os autoras/es utilizados neste artigo. Neste mesmo prisma trabalhamos
a necessidade de valorização de um conceito, pouco frequentado, cunhado por hooks
de intelectualidade:
Sem jamais pensar no trabalho intelectual como de algum modo divorciado da
política do cotidiano optei conscientemente por torna-me uma intelectual, pois
era esse trabalho que me permitia entender minha realidade e o mundo em volta
encarar e compreender o concreto. Essa experiência forneceu a base de minha
compreensão de que a vida intelectual não precisa levar-nos a separar-nos da
comunidade, mas antes pode capacitar-nos a participar mais plenamente da vida
da família e da comunidade. Confirmou desde o início o que os líderes negros
do século XIX bem sabiam – o trabalho intelectual é uma parte necessária da
luta pela libertação fundamental para os esforços de todas as pessoas oprimidas
e/ou exploradas que passariam de objeto a sujeito que descolonizariam e
libertariam suas mentes. (Hooks, 1995, p. 466)

Apesar do longo e imprescindível trecho pontuamos a utilidade, dado os


problemas encontrados de forma macro e micro da educação brasileira, das/os
leitoras/es o esforço de ressignificar e entender o deslocamento estratégico de
composição do ser intelecutal em uma nação que nega a ser conhecer por completo ou
chegar o mais próximo disto. São estas condições vividas do cotidiano que embasam o

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intervir criticamente nas vidas das pessoas. Ou aquilo que Pereira 10 tenciona na
discussão do tempo presente para a produção do/a historiador/a: a importância em
atentar para a dimensão cívica e social dos profissionais das ciências históricas.
Extrapolamos o campo das/os historiadoras/es e advogamos pela necessidade de
transbordar o que está posto pela intelectualidade resguardada a produção textual e
transmissão de aulas aos moldes vistos durante décadas.
Se faz necessário frizar que não estamos a criar a roda, mas tencionando com
intuito dela ser usufruída a partir de seu fio condutor e de forma plena em âmbito
nacional. Isso implica dialogar com as propostas percebidas por Ana Lúcia Silva Souza
e como conhecimentos historicamente marginalizados compõe o existir desta população
por meio do que chama de letramentos de reexistência, ou seja, as mais diversas formas
de reinventar os usos sociais da linguagem (dentro ou fora das esferas institucionais
educadoras), os seus valores e intenções que recaem num caleidoscópio sempre em
movimento a depender dos contextos locais, de referenciais culturais específicos e
também da estrutura que caracteriza os processos sociais mais amplos (SOUZA, 2011).
Estão dentro deste mundo-educar o hip-hop, os terreiros de candonblés, os sambas de
roda, as capoeiras, congados, etc, uma nação criada e refeita nas encruzilhadas,
encantos, magias e mandingas baseadas numa realidade cruel e cindida entre os tons
das cores que cobrem as peles da brasilidade.
Dada a constatação precisamos de pessoas capazes de disputar as instituições
com perspicácia em trazer resultados que contemple a efetivação de aulas alicerçadas
a partir da cosmovisão não ocidental, vivida há séculos nas bandas deste Pindorama,
porém ocultado como dito anteriormente. Assentamos o apelo a desgastes que
conduzam o refundar da atmosfera educacional. Este teorizar-prático perpassa por uma
combinação de fatores políticos, sociais, econômicos, culturais e todas as instâncias que
regem o existir do todo brasileiro. Uma vez vista a intelectualidade aos moldes hookianos
acreditamos que, no mínimo, novos erros serão cometidos e que para isso possamos ter
como base a acepção do ideograma Sankofa dentro dos Adinkras: Se wo were fi na wo
sankofa a yenkyi (Não é tabu voltar para trás e recuperar o que você perdeu).

DOS POSSÍVEIS INACABADOS ENTENDIMENTOS E COMPREENSÃO DA REALIDADE MEDIANTE


ABERTURAS DIANTE AS ENCRUZILHADAS

Em tom de desfecho para a breve reflexão aqui adotada, muito embora não
esgotada, compreendemos o mar de possibilidades da compreensão das verdades
concretas existentes nas relações construídas diante os processos históricos africanos

10Neste artigo Mateus Henrique de Faria Pereira trabalha como repensar as noções da história do tempo
presente, suas possibilidades e novos diálogos. É nesta mesma intenção abrimos o diálogo com nossa
proposta.
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e sua diáspora. Percebemos que uma análise pautada através do pensar
afroperspectivista em meio aos traços das encruzilhadas conduzem aos mais sólidos
letramentos de reexistência da população tratada neste trabalho. Se por um lado
percebemos o esgotar de certo paradigma na construção do existir, por outro
encontramos caminhos abertos para lidar com os entraves. Assim, mostramos que, a
partir de nossa ótica, não é interessante a disputa por outra postura cognitiva e estrutural
apenas, mas também o aspecto funcional. Percebemos que a ação concreta em função
de um mundo cindido pela racialidade conduz a ordem do dia. Os desafios por uma
intelectualidade ressignificada potencializa legados e reencontros com o bem viver dos
povos diversos. Se faz, então, tecermos ações que venham desencadear as cabulosas
práxis para as tantas teorias escritas pelo mundo acadêmico e reconstruir uma crônica
esquizofrenia pulsante entre cientificidade e politização da mesma na dita sociedade
azul-anil.

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