Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Nesta presente exposição reinterpretamos por meio da categoria enegrecimento intrincada em
uma ótica filosófica afroperspectivista a iminente atividade do PIBID-AFRO. Defendemos que o projeto
quanto política pública é centelha causadora de inflexão no significante do educar, mas caso
redimensionada de forma estrutural possa vir a ser rearranjadora de um outro sentir no educar nos espaços
formais. Tencionaremos a necessidade de reorientar os holofotes ao qual o conceito de intelectual é
compreendido no tempo presente uma vez que lidamos com a necessidade de disputar uma outra
educação que incide no âmago do existir da população brasileira. Para tal trazemos à baila o ponto de
vista advindo de bell hooks (1995). Na mesma toada, abarcaremos à conversa métodos pedagógicos não
convencionais como possíveis lócus de tradução de ensino filosófico afroperspectivista de Renato Noguera
(2012), com o alargar gramatical nas manobras postas das encruzilhadas do saber/poder de Luiz Antonio
Simas e Luiz Rufino (2018), a fim de adentrar com a categoria letramentos reexistência de Ana Lúcia Silva
Souza (2011) ao núcleo estruturante da educação convencional. Neste polidiálogo assentado lidamos com
alguns resultados perceptíveis, como por exemplo, o alunado se perceber sujeito do aprendizado, embora
como dizem os mais velhos, precisamos tirar uns “acertos”.
INTRODUÇÃO
1 Discente – UFOP
2 Discente – UFOP
3 Docente – UFOP
4 O verbo “enegrecer” neste artigo é utilizado como sinônimo de elucidar. Como trazido por Renato
Noguera tal léxico é trabalhado como forma contra-hegemônica e assim utilizaremos em nossa produção.
lidamos com a necessidade de disputar uma outra educação que incide no âmago do
existir da população brasileira.
ABRINDO OS CAMINHOS
Pretendemos compartilhar um dos momentos construídos num período referente
a um ano e seis meses na escola estadual Dom Silvério no munícipio de Mariana/MG.
São algumas vivências que poderão contribuir com possíveis potencialidades e limites
pertencentes ao ensino interdisciplinar via PIBID-AFRO (subprojeto interdisciplinar letras
do PIBID-UFOP: história, cultura e literatura africana e afro-brasileira da Universidade
Federal de Ouro Preto). Desejamos oxigenar, analiticamente, a possibilidade de ensino
promissor em acolhimentos das diferenças, pluralidades e transgressões, além de
reverberar ao alunado se reconhecer quanto cidadão em um país que invisibiliza, das
mais diversas formas, as pessoas no exercício do seu existir.
Pensar em como reverter este quadro – que não é uma experiência única da
Eliane Cavalleiro – desesperador da juventude negra no Brasil é para além de uma
tarefa, uma missão de sobrevivência. Entender que as/os jovens estão a cada dia mais
submetidos a lógica do sistema capitalista forjada à moda escravocrata – que por sua
vez vigorou por mais de trezentos anos no Brasil – nos remete compreender o problema
geracional que outros enfrentaram e continuamos a enfrentar essa batalha na
contemporaneidade. Entender e assumir que este programa semiocida5 da subjetividade
do povo negro que assola grande parte desta população em suas diversas facetas não
abarca somente a questão da educação, mas também a seguridade de vida, lazer,
relacionamentos afetivos e, portanto, a saúde. Um estudo intitulado Masculinidade,
raça/cor e saúde proposto por Luís Eduardo Batista, pertencente ao Instituto de Saúde,
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Núcleo de Investigação em Saúde da
Mulher e da Criança, indica que:
Considerando que as condições sociais provocam impactos na saúde; que
associamos as piores condições de vida e acesso a bens e serviços de saúde
de qualidade à mortalidade por tuberculose, malária, doença de Chagas,
HIV/Aids, alcoolismo, morte materna, morte sem assistência, morte por causas
mal definidas e causas externas; e sendo a população negra aquela que, em
nossa sociedade, possui as piores condições de vida, então a mortalidade por
tais causas provavelmente será maior para os negros (Batista, 2004, p. 73-74)
5 Muniz Sodré em seu livro Pensar Nagô defende que o universalismo cristão que ressalta o espírito em
detrimento do corpo reflete... a separação radical entre um e outro [espírito e corpo] é um fato teológico
com grandes consequências políticas ao longo da história: no domínio planetário das terras dos povos
ditos “exóticos”, as tropas dos conquistadores pilhavam corpos humanos, enquanto os evangelizadores
(jesuítas, franciscanos), pilhavam almas. A violência civilizatória da apropriação material era, na verdade,
procedida pela violência cultural ou simbólica – uma operação de “semiocídio”, em que se extermina o
sentido do Outro – da catequese monoteísta, para a qual o corpo exótico era destituído de espírito, ao
modo de um receptáculo vazio que poderia ser preenchido pelas inscrições representativas do verbo
cristão (Sodré, 2017, p. 102).
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs
Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)
Estes apontamentos são importantes para estabelecer até que ponto a falta de
oportunidades influenciam os mais distintos ambientes na vida da população negra. A
partir deste ponto conseguimos problematizar que os mais diversos traumas vividos vão
influenciar em como as pessoas lidam com o cotidiano. Assim, a priori, conseguimos
estender o leque de possibilidades do porquê que isso se concretiza a introjeção do outro
como a forma do ser, com diria Sueli Carneiro. Destacamos aqui mais uma delas, cuja
escolha se faz, pelo fato de entendermos como cerne da problemática na educação. Em
Pele negra, máscaras brancas lemos:
A ontologia, quando se admitir de uma vez por todas que ela deixa de lado a
existência, não nos permite compreender o ser do negro. Pois o negro não tem
mais de ser negro, mas sê-lo diante do branco. Alguns meterão na cabeça que
devem nos lembrar que a situação tem um duplo sentido. Respondemos que não
é verdade. Aos olhos do branco, o negro não tem resistência ontológica. De um
dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de
referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente, seus costumes e
instâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com
uma civilização que não conheciam e que lhes foi imposta. (Fanon, 2008, p. 104)
Então, dado o panorama que nos encontramos, a ideia das atividades em meio
as ações do PIBID AFRO e de toda ação educacional se prevalecerá para além das
quatro paredes que venham formar a sala de aula. Não podemos entender o termo
escola como algo desgarrado dos outros ambientes sociais. Usaremos da janela para
ampliar uma visão de mundo na qual a cortina sempre esteve entrefechada.
DWENNIMMEN –
A união faz a força.
Humanidade com a força.
NKYI– Símbolo da
Quem tem boca vai a
iniciativa, do dinamismo e
Roma.
da versatilidade.
6 Nessa atividade ainda não trabalhamos especificidades nigerianas, mas uma abordagem ampla
pertencente aquela região. Defendemos o processo de aproximação com o diferente de maneira
cadenciada, mandingada e que efetive a proposta do projeto.
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs
Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)
NYAME NTI - Pela graça
Deus dá o frio conforme
de Deus Simboliza a fé e a
o cobertor.
confiança em deus.
NKONSONKONSON – Elo
da corrente. Unidade entre A união faz a força.
os seres humanos.
BOA ME NA ME MMOA – A felicidade é algo que
Ajude-me e deixe-me se multiplica quando se
ajuda-lo. divide.
MATE MASIE - O que eu
O silêncio vale ouro, a
faço fica comigo.
palavra vale prata.
Conhecimento e sabedoria
7 Interessante lembrar que uma das possibilidades do ideograma Sankofa é uma espécie de símbolo em
formato de “coração” muito visto nos portões de nossas casas.
8 Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino ao denegrirem a palavra macumbeiro escrevem: definição de caráter
brincante e político, que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo
repudiado e admite impurezas, contradições e rasuras como fundante de uma maneira encantada de se
encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas. O macumbeiro reconhece a plenitude de beleza,
da sofisticação e da alteridade entre as gentes.
A expressão macumba vem muito provavelmente do quicongo Kumba: feiticeiro (o prefixo “ma”, no
quicongo, forma o plural). Kumba também designa os encantadores das palavras, poetas.
Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem
fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência pela radicalidade do
encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular da
morte.
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs
Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)
O que para a escola pode representar um problema ou um momento de conflito,
no interior do grupo familiar pode representar, apenas, parte do modo habitual
da vida do grupo. Problemas não encontrados pela criança no grupo familiar
poderão ser encontrados no cotidiano escolar. Conseqüentemente, a ausência
de relação entre a família e a escola impossibilita, a ambas as partes, a
realização de um processo de socialização que propicie um desenvolvimento
sadio. Coloca em jogo não só o mundo a ser interiorizado pela criança, mas
principalmente, o seu lugar nesse mundo, lugar de seu grupo social e, sobretudo,
a sua própria existência. (Cavalleiro, 2000, p. 18).
Se faz relevante propiciar experiências nas escolas que possam canalizar pontes
para além da gestão familiar ou somente escolar. Como Sobonfu Somé, pertencente aos
povos Dagara em Burkina Faso, Oeste Africano retrata em seu livro O Espírito da
Intimidade:
Talvez seja difícil, para quem sempre morou no Ocidente [a partir de uma visão
de mundo mencionada e não geograficamente] ver tudo aquilo que possui como
pertencente a toda a comunidade, mas este é o caso na aldeia. Como resultado,
cada pessoa na aldeia contribui para o bem-estar dos outros. (Somé, 2007, p.
42)
E complementa:
Quando você tem um filho, por exemplo, não é só seu, é filho da comunidade.
Do nascimento em diante, a mãe não é a única responsável pela criança.
Qualquer outra pessoa pode alimentar e cuidar da criança. Se outra mulher tiver
um bebê, ela pode dar de mamar a qualquer criança. Não há o menor problema.
(Somé, 2007, p. 42)
Em síntese temos:
Se uma criança cresce achando que sua mãe e seu pai são sua única
comunidade, quando tem um problema e os pais não conseguem resolvê-lo, ela
não tem ninguém a recorrer. Os pais são os únicos responsáveis pelo que aquela
criança se torna, e isso é pedir demais de apenas duas pessoas. Pior ainda:
muitas vezes, uma única pessoa é deixada com os filhos. (Somé, 2007, p. 43)
Tais trechos são retirados dos livros não para transpassá-los para as nossas vidas
diretamente, mas para que possamos pluralizar as percepções de aprendizado e
relevância na construção quanto pessoa e, em nosso caso, o quanto Eliane Cavalleiro e
Sobonfu Somé abordam e realçam as possibilidades de vida. Percebemos diante a
dinâmica inusitada do entrecruzar e o encantamento como feitios possibilitadores de
outras percepções do educar e que o projeto quanto política pública é uma centelha
causadora de certa inflexão no significante de educação, mas caso redimensionada de
9Texto da Coleção Educação para Todos. No volume 6 onde o recorte aplicado é para a História da
Educação dos Negros e outras histórias
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs
Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)
estruturas concretas multifacetadas e simultâneas. Para tal necessitamos rever o
conceito de intelectualidade ou, minimamente, reposicionar os holofotes de seu
significante. Agucemos nossas cognições a partir do seguinte excerto de bell hooks em
Pedagogia Engajada:
Os professores que esperam que os alunos partilhem narrativas confessionais
mas não estão eles mesmos dispostos a partilhar as suas exercem o poder de
maneira potencialmente coercitiva. Nas minhas aulas, não quero que os alunos
corram nenhum risco que eu mesma não vou correr, não quero que partilhem
nada que eu mesma não compartilharia. Quando os professores levam
narrativas de sua própria experiência para a discussão em sala de aula, elimina-
se a possibilidade de atuarem como inquisidores oniscientes e silenciosos.
(Hooks, 2013, p. 35)
Em tom de desfecho para a breve reflexão aqui adotada, muito embora não
esgotada, compreendemos o mar de possibilidades da compreensão das verdades
concretas existentes nas relações construídas diante os processos históricos africanos
10Neste artigo Mateus Henrique de Faria Pereira trabalha como repensar as noções da história do tempo
presente, suas possibilidades e novos diálogos. É nesta mesma intenção abrimos o diálogo com nossa
proposta.
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs
Universidade Federal de Uberlândia – (UFU)
e sua diáspora. Percebemos que uma análise pautada através do pensar
afroperspectivista em meio aos traços das encruzilhadas conduzem aos mais sólidos
letramentos de reexistência da população tratada neste trabalho. Se por um lado
percebemos o esgotar de certo paradigma na construção do existir, por outro
encontramos caminhos abertos para lidar com os entraves. Assim, mostramos que, a
partir de nossa ótica, não é interessante a disputa por outra postura cognitiva e estrutural
apenas, mas também o aspecto funcional. Percebemos que a ação concreta em função
de um mundo cindido pela racialidade conduz a ordem do dia. Os desafios por uma
intelectualidade ressignificada potencializa legados e reencontros com o bem viver dos
povos diversos. Se faz, então, tecermos ações que venham desencadear as cabulosas
práxis para as tantas teorias escritas pelo mundo acadêmico e reconstruir uma crônica
esquizofrenia pulsante entre cientificidade e politização da mesma na dita sociedade
azul-anil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Bahia: Editora da Universidade Federal
da Bahia, 2008. p. 1-104.
LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o
racismo. Belo Horizonte: Nandyala, 2012. p. 15-41.
NOGUERA, Renato. O ensino da Filosofia e a lei 10.639. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.
SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: as ciências encantadas das
macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.