Agrárias e da Saúde
ISSN: 1415-6938
editora@uniderp.br
Universidade Anhanguera
Brasil
1
Este artigo é parte do trabalho de monografia realizada na conclusão do curso de psicologia da Universidade
para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP);
² Psicóloga formada pela UNIDERP em 2004;
³ Orientadora da monografia e Professora do Curso de Psicologia da UNIDERP, Psicóloga e Psicanalista.
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo compreender a visão da mulher da terceira idade sobre a sua sexualidade, a partir de
questões sociais e emocionais, como também das modificações físicas que ocorrem com a menopausa. Foram utilizados
como amostra, mulheres da terceira idade, entre 65 e 73 anos, pertencentes ao grupo do Serviço Social do Comércio
de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Foram realizadas pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo; usou-se a
metodologia qualitativa para avaliar os resultados. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com perguntas
abertas, os quais foram compilados e descritos em cinco aspectos essenciais sobre a sexualidade, como resultado deste
trabalho de pesquisa. Concluiu-se que a mulher da terceira idade não se vê como assexuada, embora consiga apontar
as várias modificações que ocorrem. Os resultados das respostas vão ao encontro dos achados bibliográficos, apontando
que o envelhecimento não interfere no desejo sexual da mulher da terceira idade.
Palavras-chave: Mulher. Terceira idade. Sexualidade. Desejo sexual.
Entretanto, outros critérios podem ser autora acredita que a sociedade é a responsável,
adotados que não são unicamente o da faixa etária, na medida em que impõe a desvalorização diante
físicas, mentais, sociais e existenciais, assim como a Independente dos atributos e visões
capacidade e a vitalidade para o trabalho útil, lazer existentes sobre a velhice, a realidade mundial
e sexo (ZIMERMAN et al., 1997). indica uma elevação da expectativa média da
vida humana. Oliveira (2001) cita Gregário (1999)
apontando dados das projeções populacionais
sintomas surgem nesse período da vida e poderão como um fato biológico, mas também como um
aumentar pela falta de atividade sexual. fato cultural. E nesse aspecto, recorre-se à autora
Estudos têm demonstrado que o impulso francesa Beauvoir (1970), quando diz que a
sexual não diminui na medida em que envelhecem, velhice, como todas as outras situações humanas,
na verdade, alguns estudos relatam um aumento do tem uma dimensão existencial: modifica a relação
impulso sexual. Willian Masters e Virgínia Johnson do indivíduo com o tempo e, portanto, sua
(apud KAPLAN, 1997) relataram o funcionamento relação com o mundo e com sua própria história,
sexual em indivíduos na casa dos 80 anos. e o homem não vive nunca em estado natural a
sua velhice como em qualquer idade, seu estatuto
Segundo Butler e Lewis (1985), muitas
lhe é imposto pela sociedade a qual pertence.
mulheres na terceira idade sentem-se mais
relaxadas em relação ao sexo e podem mesmo A partir do começo do século XX, Jordão
passar a gostar mais de fazê-lo, pois a menopausa Neto (1997) escreve que o envelhecimento passa a
as liberta do temor da gravidez não desejada. ser mais amplamente estudado, dando ênfase não
apenas nos aspectos biológicos, mas também nas
Quando se discutem aspectos sociais
suas condicionantes sociais e psicológicas. Porque,
do envelhecer entre os seres humanos, Jordão
com as transformações corporais e interagindo
Neto (1997) relata o envelhecimento como
com essas transformações, as pessoas apresentam
um processo natural, dinâmico, progressivo e
mudanças de comportamento, de papéis, de
irreversível. Instala-se em cada indivíduo desde o
valores, de status, de crenças, de acordo com as
seu nascimento e o acompanha ao longo da vida,
diferentes fases e grupos etários a que pertence.
culminando com a morte, quando esta ocorre por
causas naturais. Essa concepção embute a idéia de que
o desenvolvimento humano é comandado por
Velhice era apenas uma condição
três tipos de influências, ou seja, as genéticas
humana temporal, uma fase até mesmo de
ou biológicas, as ambientais ou sociais e as
desfrute, e de prestígio social, representado pela
relacionadas com as escolhas e as adaptações
experiência vivida e do saber acumulado, servindo
individuais, ou sejam, as psicológicas.
de exemplo para os mais jovens. No período
posterior às revoluções industrial e burguesa, de Se biologicamente o avançar do tempo
inspiração capitalista, a velhice foi transformada tende a provocar muitas limitações e perdas
em um fenômeno social. nas condições físicas e mentais dos indivíduos,
Jordão Neto (1997) acredita que psicologicamente
É preocupante observar que, em uma
e socialmente o envelhecer de cada um vai
sociedade como a brasileira que vem passando
depender da maneira pela qual conseguiu
por tantas mudanças de valores, e principalmente
enfrentar as diferentes situações vivenciadas ao
no que se refere ao comportamento, ainda
longo de toda a sua vida e não apenas em uma
persiste o olhar de reprovação sobre a sexualidade
etapa ou em outra..
da mulher na terceira idade.
Goldfarb (1998) diz que a vida se
A velhice para ser compreendida em
desenvolve entre o nascimento e a morte; esse
sua totalidade deve ser analisada não somente
tempo vivido é o tempo subjetivo de formação do
eu. Para Goldfarb (1998), o eu que se estrutura Kaplan (1997), ao citar os estágios da
no tempo exige continuidade, é um projeto generatividade e a estagnação de Erik Erikson, fala
sempre inacabado. A velhice não tem idade fixa que a generatividade consiste na tendência de
ou conveniente para começar, e cada sujeito transmitir à geração seguinte sua contribuição de
inaugura o tempo de ser velho, e quando esse vida, seja por meio de apoio emocional ou valores
tempo é imposto, opera com ele de acordo com o práticos, e a estagnação é o fracasso desse desafio.
que sua própria história lhe determina. Assim, a generatividade pressupõe a capacidade de
[...] ao lado da velhice cronológica e da sublimar, investindo libidinalmente em outros objetos
velhice burocrática, existe também a
velhice psicológica ou subjetiva. Enquanto
para substituir aqueles perdidos na estagnação.
o ritmo da vida do velho fica cada vez
mais lento, o tempo que tem pela frente
A mulher, por ser fruto de um contexto
fica cada dia mais curto. Quem chegou a sociocultural, aprendeu a temer as perdas e os
uma idade avançada vive o contraste, ora
mais, ora menos ansiosamente, entre a desafetos da velhice, mas ao mesmo tempo essa
lentidão com a qual é obrigado a proceder
no cumprimento do próprio trabalho, que mulher da terceira idade usa sua experiência para
requer mais longos para sua execução, e compensar as perdas. E para isto acontecer, são
a inevitável aproximação do fim. O jovem
segue adiante com maior desenvoltura e tem necessários ajustes e reconfigurações de ordem
mais tempo pela frente. O velho não apenas
caminha mais lento, mas o tempo que está interna e externa, para serem capazes de amar,
empenhado é cada vez menor (BOBBIO serem amadas com o vigor e as limitações, com os
apud GOLDFARB, 1998, p.115-116).
encantos e desencantos característicos da idade.
Costa (1998) escreve que a mulher
Sabe-se que a sexualidade adulta é
da terceira idade não comprometida
derivada da sexualidade infantil, que existe desde
psicologicamente é aquela que ainda vive e quer
o início da constituição do indivíduo e que seu
continuar vivendo a vida em toda a sua plenitude,
objetivo é a satisfação das necessidades orgânicas,
usufruindo daquilo que ela ainda pode oferecer
a busca do prazer e o encontro com o outro. As
e para a qual ela pode responder. Percebe-se a
primeiras interações psicossociais entre o bebê e
mulher da terceira idade que não vive à sombra
seu cuidador produzem os registros emocionais
das perdas ou à sombra do que não pode mais
que formarão o aparelho psíquico do recém-
atingir, em razão de sua idade, ainda tem, mesmo
nascido e que determinarão o comportamento
com medo, desejos de realização pessoal.
sexual e afetivo da mulher na terceira idade,
2.3 ENVELHECIMENTO E AFETIVIDADE enfim, de todo o futuro adulto. Portanto, a
capacidade de amar é aprendida nas primeiras
Segundo Néri (2001), a vivência dos afetos no relações e fortalecida por outras vivências, em
percurso da vida envolve diferenciações importantes, diferentes etapas da vida (BALBINOTTI, 2003).
como ódio e ressentimento, amor objetal, amor Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999),
erótico. Portanto, na fase da longevidade, esses a vida afetiva, ou os afetos, abarca muitos estados
afetos têm colorações próprias e podem contar com pertencentes à gama prazer-desprazer, a angústia em
a capacidade de tolerar conflito e ambivalência, por seus diferentes aspectos, a dor, o luto, a gratidão, a
tudo que viveu, por tudo que deu e recebeu, pelo despersonalização, os afetos que sustentam o temor do
que foi realizado e pelo que não foi realizado. aniquilamento, o desaparecimento do desejo sexual.
se adquire e é aperfeiçoada durante toda a vida. A mesmo que não admitida conscientemente,
fecundidade não é o objetivo único da sexualidade, revela o que somos. E o que somos traz em si
é preciso humanizar o ato sexual independente o que já fomos, e a possibilidade de vir a ser. É
da procriação. A união sexual simboliza a busca na sexualidade de cada um que está impressa e
da unidade, a realização plena do ser. Para esses expressa a história pessoal, bem como o modo
segundo duas vertentes: a primeira, diz respeito à aprendendo como lidar com essa incontrolável
à sexualidade erótica ou de produção do prazer. Veras et al. (1995) relatam que a visão
Assim, pode existir um envelhecimento biológico, sexuada do idoso faz lembrar a do trabalho de
porém o erotismo persiste. O sexo desaparece com Freud, “os três ensaios sobre sexualidade”, do
o fim da vida não com o avançar da idade. final do século XIX e início do século XX no qual
Butler e Lewis (1985) relatam que só expunha que a sexualidade já era presente na
seus últimos estágios de desenvolvimento, o sexo que vivia em uma educação vitoriana. Dentre os
e a forma de amar alcançam seu mais profundo fatores e formas de expressão da atividade sexual,
crescimento. A sexualidade, em geral, é uma Veras et al. (1995) mencionam pesquisa realizada
importante questão. Embora William Masters por Masters e Johnson (1981), o ciclo de resposta
e Virginia Johnson relatem, assim como Alfred sexual esclarece questões importantes não só para
Kinsey e outros (apud KAPLAN, 1997), que a o grupo da terceira idade, mas também para todos
atividade sexual prazerosa, incluindo o coito, que supõem que a vida dos idosos seja assexuada.
pode continuar até a velhice, também pode A sexualidade muda no decorrer do tempo
porque as pessoas mudam, crescem, tornam-se vaginal, uma demora em atingir o orgasmo, e
cada vez mais elas mesmas. Na terceira idade, muitas vezes a incompreensão do companheiro.
pode-se dizer que se perde em quantidade, mas As mulheres que são viúvas ou separadas,
seguramente pode se ganhar em qualidade. falaram da impossibilidade de manterem relações
Conforme Azevedo (2002), os aspectos sexuais pela falta do companheiro. Outras, embora
psicológicos e emocionais afetam de maneira com seus companheiros relatam que estes, por
acentuada, interferindo no comportamento sexual, causa das mudanças fisiológicas, dos problemas
porém a função sexual continua por toda a vida. de saúde, ou da tensão socioeconômica,
apresentam uma inapetência sexual, ou não têm
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES mais condições de manterem relações sexuais e,
mesmo ainda sentindo os desejos, deixam passar,
As entrevistas foram analisadas vão sublimando toda a sua libido por meio de
individualmente e permitiram uma compreensão outras atividades.
singular de posicionamento de cada entrevistada. Segundo essas mulheres entrevistadas, as
Além disso, por meio da análise qualitativa das necessidades sexuais da mulher da terceira idade
entrevistas, manteve-se o eixo do objetivo de são diferenciadas das necessidades das mulheres
compreender como as mudanças que ocorrem mais jovens, porque agora vivem outros momentos
no processo de envelhecimento interferem na da vida, em que prezam mais a intimidade, o
vivência da sexualidade das mulheres da terceira aconchego e o companheirismo.
idade. Organizou-se a análise descritiva em cinco
Entre os fatores mais significativos
questões básicas para a compreensão dos aspectos
para a expressão dessa sexualidade situam-se a
biológicos, sociais e psicológicos, referentes ao
cultura, a família, as normas sociais, a educação
tema proposto.
e a religião. A educação e a escolaridade das
Cada uma das mulheres entrevistadas pôde vivenciais, de forma muito cautelosa ao falar de sua
expressar livremente suas opiniões. Ressaltaram as sexualidade, de seus desejos e, também, sobre os
manifestações de seus pensamentos, todas falaram prazeres que a relação sexual lhes proporciona.
3.2 COMO SÃO OS DESEJOS SEXUAIS DAS mesma mulher, dependendo do contexto da
MULHERES NESSA FASE DA VIDA relação sexual e da idade. Não existem parâmetros
de normalidade para a intensidade, a duração
Ficou muito claro que na velhice o desejo e a quantidade de orgasmos, visto que são
sexual não desaparece. Ele pode ser alterado características individuais e sujeitas as inúmeras
temporariamente, apenas o menor vigor, ou a variáveis culturais, psicológicas, fisiológicas, às
menor vitalidade física, impede de ser o desejo tão etárias e religiosas.
ativo como antes. As freqüências das atividades
sexuais são menores e menos intensas, porém 3.3 COMO AS MUDANÇAS QUE
mais sensíveis. OCORRERAM NO CORPO DA