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Encontro Internacional dos Estudos Medievais - ABREM

Aproximações para um modelo das relações de dominação no mundo feudal:


os casos visigodo e português

Eduardo Cardoso Daflon


PIBIC-CNPq/ UFF/ NIEP-PréK/ Translatio Studii
Thiago Pereira da Silva Magela
PPGH-UFF/ NIEP-PréK/ Translatio Studii

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo debater questões acerca da natureza
do Estado no período medieval. Para tanto, partimos da crítica das perspectivas
consolidadas que, ou negam veementemente a existência dessa instituição, ou a
percebem apenas como origem mais ou menos remota do paradigma da Monarquia
Absolutista. Assim sendo, julgamos que assumem pressupostos que, mais do que
esclarecer o tema, o põe sob a sombra da Era Moderna ou mesmo do Império
Romano. Dessa forma, tentamos aqui dar um primeiro passo em direção a uma
tentativa de superação do problema, voltamo-nos para dois contextos bem
diferentes, o do Reino Visigodo e o do Portugal sob o reinado de Afonso III,
atentando em especial para as relações de dominação e para as relações pessoais.

Palavras-chave: Estado. Espanha Visigótica. Portugal Medieval.

No âmbito dos estudos sobre a Idade Média, ocorre um amplo debate


historiográfico acerca da questão do Estado, em especial no contexto da Baixa
Idade Média. Contudo, há aqui um problema. Os estudos concentram-se, em
especial, em questões de ordem institucionalista, associando o Estado aos órgãos
por ele gerados, e de ordem simbolista, dedicados às imagens e funções
autopropaladas pelas monarquias, dedicando-se muito menos à tentativa de
apreensão da estrutura e da dinâmica subjacente às organizações políticas
medievais. Ou seja, as abordagens desviam o foco das relações de dominação para
centrar-se nos aparatos burocráticos enrijecidos de um único poder dominante (o
triunfante poder central...) em dado local, ou na explicitação de suas deficiências.
Parte-se sempre, mais ou menos explicitamente, de noções pré-concebidas do
conceito de Estado, atrelando-o geralmente a sua versão estatal moderna como

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definida por Weber.1 Tendo em vista o atual estado da historiografia, diremos um


pouco do óbvio: se projetarmos o tipo ideal de Estado Moderno definido por Weber
para tentar encontrá-lo em realidades medievais, não o conseguiremos!
Dois dos principais clássicos relativos à temática do estado medieval são as
obras de Strayer2 e de Guenée,3 que influenciam vários historiadores, especialmente
no Brasil. Quando esses autores tentam localizar as origens do Estado Absolutista
nos séculos XIV-XV, vinculam-na ao momento em que o rei conseguiu controlar a
emissão de moedas, e aos exemplos do crescimento das chancelarias régias.
Contudo, não podemos conceber uma mudança de paradigma simplesmente
através de mudanças na captação de rendas e do corpo administrativo.
O problema nas duas temporalidades (Alta e Baixa Idade Média) é a
associação do Estado meramente a partir de perspectiva institucionalista, embora
isso ocorra de formas distintas entre os primeiros e últimos séculos medievais. No
primeiro associa-se ao fim das instituições romanas e o segundo ao
desenvolvimento de aparatos que, na visão corrente da historiografia, serão os
responsáveis pelo surgimento do Estado Absolutista. Análises pautadas com tais
premissas apenas reduzem a complexidade das relações humanas, algo inaceitável
quando queremos compreender sociedades de maneira mais profunda, fugindo aos
primitivismos de natureza diversa que põe a Idade Média seja a sombra do Império
Romano, sejam as sombras das monarquias absolutas da XVII e XVIII. Eis aqui uma
das grandes lacunas da historiografia: a caracterização das articulações, ou talvez
inserção (como discutiremos mais a frente) do poder central nos poderes locais
durante a época medieval. Portanto, objetivamos aqui, tratando do caso visigodo,
desvendar as relações de dependência nesse contexto histórico para tentar
entender de fato o que foi a configuração política visigótica. Isso sem recorrer a
termos como “reino”, extremamente vazios, que põe um importantíssimo debate de
lado. O que tentaremos avançar é uma análise das relações intraclasse na esfera do
Estado.
Começaremos por fazer uma brevíssima caracterização da fonte que
trabalharemos para atingir os objetivos previamente traçados no âmbito do período

1
GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. Trad. Dario Canali. 5.ed. Porto Alegre: L&PM
Editores, 1986.
2
STRAYER, Joseph R. As Origens Medievais do Estado Moderno. Lisboa: Gradiva, 1969.
3
GUENÉE, B. O ocidente nos séculos XIV e XV: os Estados. São Paulo: EDUSP/Pioneira, 1981.
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visigodo. A Lex Visigithorum4 é um corpo legislativo que agrega leis de diversos


contextos históricos5, alguns mais evidentes, quando a lei faz referência ao monarca
que a anexou ao código, e outros mais nebulosos, nas leis que aparecem sob a
denominação genérica de Antiqua6. De qualquer forma, é uma fonte riquíssima para
abordar o problema que nos propomos, pois entendemos que aparecem ali
claramente os conflitos entre classes sociais, e a forma de relacionamento entre
frações da aristocracia fica bastante evidente.
Primeiramente, gostaríamos de ressaltar que a construção discursiva do
código é bem evidente, situando o rei como fonte de toda a justiça7 e cabeça do
corpo social,8 associando o seu poder à escolha de Deus. Assim sendo, o papel do
rei se apresenta como fundamental à reprodução da vida social em um mundo justo
e ordenado. Entretanto, uma análise cuidadosa da obra revela que as relações da
realeza com as frações aristocráticas não era de modo algum absoluta, mas uma
postura muito mais negociada que expressa conflitos vários.
Um primeiro exemplo de como se dava essa relação é bem caracterizada na
seguinte lei:
Nós devemos, entretanto, recusar interferir quando um crime desse tipo
tiver sido cometido contra a nação ou o país. Ainda assim, se um príncipe
desejar ser misericordioso com pessoas de tão perverso caráter, ele deve
ter o direito de fazê-lo, com a aprovação dos eclesiásticos e dos principais
oficiais da corte. 9

Nessa lei é possível claramente a relação estreita do rei com uma nobreza
eclesiástica e com um grupo da aristocracia laica. Mas essa relação evoca uma
tensão, pois o rei é forçado a dialogar com aristocracias locais que em diversos
níveis competem com seu poder, especialmente no que tange ao controle de
patrimônio fundiário e consequentemente o controle sobre a mão-de-obra
camponesa.

4
Lex Visigothorum, original disponível em: http://daten.digitale-
sammlungen.de/~db/bsb00000852/images/index.html?fip=193.174.98.30&seite=70&pdfseitex=,
tradução para o inglês disponível em: http://libro.uca.edu/vcode/visigoths.htm
5
ZEUMER, Karl. Historia de la Legislación Visigoda. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1944,
pp 73.
6
Ibidem, p. 13.
7
L. V.3.5.4
8
L. V. 2.1.4
9
L. V. 6.1.6
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Essa competição acirrada é atestada na infinidade de leis que regulam o


controle das terras:
Pela razão de que, em tempos passados, a cobiça desenfreada dos
príncipes desapropriou as pessoas de suas posses, e a riqueza do estado
estava persistentemente aumentada a partir da miséria dos cidadãos. (...),
Deus nosso mediador; nós decretamos que nenhum rei deve, por quaisquer
meios, extorquir ou fazer com que sejam extorquidos, quaisquer
documentos reconhecendo qualquer dívida, em que qualquer pessoa pode
injustamente, e sem o seu consentimento, ser privada de sua
propriedade.10

Nota-se que a competição por terras se dava de maneira recorrente, o que


está intimamente ligado à reprodução material daquele grupo social, assim como do
Estado. Pois, a manutenção das relações sociais entre o rei e as frações da
aristocracia que o apoiavam envolvia a distribuição (e a dilapidação) do patrimônio
régio.
Claramente, não há um centro de poder que consiga suprimir e/ou submeter
os poderes locais e isso é apresentado como defesa da inexistência estatal, sendo
fundamental a troca de presentes para a manutenção das alianças. Também não há,
como na Baixa Idade Média, instituições controladas pelo rei para realizar
fiscalização, a não ser que atribuamos tal função à Igreja.11
Por determinação régia,
(...), está decretado que um duque, conde, vigário, deputado, e qualquer
outro funcionário, que, quer pela ordem real, ou por consentimento das
partes, tenha sido ou deve ser, selecionado para determinar questões de
direito, ou qualquer pessoa de qualquer classe investido com o direito legal
de presidir em tribunal, (...).12

Vemos que a alta nobreza era encarregada de funções que nós, atualmente,
atribuiríamos ao Estado, e por isso historiadores diversos atribuem a essa sociedade
uma extrema debilidade política graças à pulverização estatal cujas funções são
apropriadas privada e localmente. Contudo, olhando por outro ângulo, essa
aristocracia desempenha um papel essencial ao rei fazendo chegar a justiça nas
localidades.

10
L. V. 2.1.5
11
CASTELLANOS, Santiago; MARTIN VISO, Iñaki. The local articulation of central power in the north
of Iberian Peninsula (500-1000). In: Early Medieval Europe, 13 (2005), p. 1-42.
12
L. V. 2.1.25
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O que se argumenta aqui é algo que a Antropologia vem estudando desde


fins da década de 80 e que a historiografia tem negligenciado. O antropólogo Aidan
Southall defende a noção de um Estado Segmentário,13 que seria uma “pirâmide de
segmentos semiautônomos” na qual as elites vivem uma existência bastante
independente do Estado e que conviveria com um território com fronteiras mais
fluidas.14 Nesse modelo de estrutura estatal, o foco é retirado de um centro de poder
que tenta (ou que pelo menos deveria tentar) agregar as periferias a todo o custo.
Passaríamos, assim, a valorizar uma perspectiva que julgamos mais condizente com
esse momento histórico. Ou seja, volta-se para uma noção de inserção da realeza (e
de sua fração de classe) nas realidades locais, estando, desse modo, a capacidade
desse Estado relacionada aos diversos laços de natureza pessoal que se
conjugavam na dominação sobre o campesinato.
Vejamos, por exemplo, dois contextos específicos da sociedade visigoda: os
reinados de Recaredo e o de Rodrigo. O primeiro é considerado o unificador da
península sob o domínio godo, efetivando o projeto político do seu pai, Leovigildo,
com a conversão à fé nicena, e o segundo foi o último rei anterior à conquista árabe,
deposto em 711. Por que esses dois exemplos?
Justamente por eles serem ótimos para nos demonstrar o argumento de que
os visigodos constituíram um Estado articulador das tensões aristocráticas.
Recaredo é um rei que se insere em um contexto de conversão à ortodoxia católica,
o que lhe garantiu um grande apoio da aristocracia eclesiástica. Seu pai fora
responsável por grandes conquistas em toda a península, destacadamente a dos
suevos no noroeste peninsular, submetendo a aristocracia daquelas regiões ao seu
poder e incorporando enormes patrimônios fundiários, facilitando suas relações com
a nobreza.
Por outro lado, Rodrigo é um rei que se encontra em uma situação
completamente diferente, e menos favorável, pois é um rei que ascende a partir de
uma usurpação do trono e enfrenta revoltas em toda a península.15 Nesse contexto
de instabilidade, os muçulmanos invadem e conquistam uma considerável porção da

13
SOUTHALL, Aidan. The Segmentary State in Africa and Asia. In: Comparative Studies in Society
and History, Vol. 30, No. 1, p. 52-82”. Cambridge: Cambridge University Press: 1988.
14
Idem.
15
THOMPSON, E.A.. Los Godos en España. Madrid: Alianza Editorial, 2007.

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Spania. A falta de apoio da aristocracia, a dificuldade de fazer frente às revoltas, e a


incapacidade de formar alianças foram as principais causas para uma desarticulação
que permitiu uma desagregação bastante rápida da articulação social visigoda.
Os dois reis lidavam com enormes limitações estruturais. Mas, a diferença na
inserção dos monarcas nas várias realidades locais e a capacidade de interagir de
forma mais eficiente com a aristocracia, seja eclesiástica, seja laica foi o que em
grande medida diferenciou seus reinados.
Muito se fala sobre as chamadas “fases de recuos e avanços” no que diz
respeito ao problema do Estado na Idade Média em sua longa temporalidade (1000
anos no mínimo). A negação da existência de uma esfera estatal na Idade Média
Central também tem sido uma constante na historiografia atual sobre o período.
Sendo assim, tratemos do Estado português do século XIII. Quando Afonso III
ascende de fato ao trono português parece-nos claro o seu objetivo de
reorganização administrativa. No âmbito da construção territorial do reino, Afonso III,
animado pela conquista de Fernando III (tomada de Sevilha em 1248) se volta para
a conquista do Algarve. Embora o monarca tenha obtido sucesso em sua
empreitada, alguns tratados se fizeram necessários com o estado castelhano para a
que as fronteiras entre Portugal e Castela fossem respeitadas.
Além disso, tratou-se de um rei que fez justiça, assim é lembrado Afonso III e,
de fato, quando em 1254 ele convocou as cortes em Leiria com o objetivo de
restabelecer a moeda e defender o Reino dos “abusos” eclesiásticos e da nobreza, o
monarca pretendia legislar e regular as ações dos nobres. As inquirições, levadas a
cabo no ano de 1258, foram um importante instrumento para o conhecimento da
situação do reino e de seus poderes.
Um rei que subiu ao trono objetivando reorganizar o reino assolado por uma
crise interna (o reinado de Sancho II foi marcado por uma desordem no Reino
português). Porém, qual a política levada a cabo por este monarca? A tendência da
historiografia é considerar este período como um momento no qual o Estado
Moderno dá seus primeiros passos em direção à sua solidificação na chamada
Idade Moderna. Contudo, um olhar atento sobre a chancelaria nos remete a pensar
a política classista levada a cabo por esse monarca.
Afonso, rei de Portugal e Conde de Bolonha por graça de Deus, saúda a
todos os concelhos da Beira e de Trás-os-Montes sob domínio de Dom.
Pedro Ponces . Mando-vos que deis a Dom Pedro Ponces o portágio e
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montago segundo os destes no tempo de meu avô, bem como de meu pai e
do meu irmão Rei Dom Sancho(II) e pagá-los-eis muito bem, como se
melhor pagou a rico-homem no tempo do meu avõ ou do meu pai e do meu
irmão o rei D. Sancho e quanto D. Pedro Ponces tiver perdido por vossa
causa desse montado e desse portado, mando-vos que lhe ressarçais
completamente. E que não façais mais outra coisa. Dada em Coimbra 19 de
Agosto, Era de 1262. A mando do rei por seu capelão
João Soares o fez.16

O rei intervém em favor de Dom Pedro Ponces de Baião, exigindo dos


concelhos que mantenham sua obrigação de pagar portagem e montado àquele
rico-homem. Evidentemente que o monarca estava privilegiando sua base social.
Em diversos outros documentos da chancelaria vemos a presença de ricos-homens
sendo agraciados com benesses régias. Outro elemento que destacaremos é a
constante presença de nobres e bispos como conselheiros régios. Segundo a carta
de povoamento de Santa Senhorinha de Lobela, o monarca contou com a presença
de seus conselheiros,
Dom João Afonso Telo de Albuquerque Alferes-mor, Dom Gil Martins Riba
de Vizela Mordomo-mor, Dom Mem Garcia de Sousa tenente da terra de
Panoias, Dom Gonçalo Garcia de Sousa tenente de Neiva, Dom Fernão
Lopes de Baião tentente de Bragança, Dom Afonso Lopes de Baião tentente
de Sousa, Dom Diogo Lopes de Baião tentente de Lamego, Dom Pedro
Ponces de Baião tenente de Trás-os-montes, Dom João arcebispo de
Braga, Dom Aires Vasues bispo de Lisboa, Dom Egas Fafes de Lanhoso
bispo de Coimbra, dom Rodrigo Fernandes Bispo da Guarda, Dom Julião
Fernandes bispo do Porto, Dom Egas Pais bispo de Lamego, Dom Martim
Peres bispo de Évora, Dom Mateus eleito bispo de Viseu confirmam. Dom
Estevão Anes chanceler. João Soares torna conhecido.17

Ou seja, o Estado observa a lógica do feudalismo. Afonso III consultava seus


servidores, assim como um grande senhor requisitava o auxilium de seus vassalos.
É importante frisar que o rei estava num documento aforando e noutro dando uma
carta de povoamento. Em outros documentos desse tipo é frequente a presença
desses ricos-homens. Parece claro que não eram todos os grandes aristocratas que
participavam e havia uma alternância significativa na presença de cada um. Além
disso, o lugar em que estava o rei também influenciava na presença deste ou
daquele aristocrata, mas o importante é retermos a ideia de que o rei consultava sua
nobreza em decisões de grande porte.

16
VENTURA, Leontina; OLIVEIRA, António Resende de (Eds.). Chancelaria de D. Afonso III. Livro I,
Vols. 1-2, Coimbra, IUC, 2006. Doc. 58.
17
VENTURA, Leontina; OLIVEIRA, António Resende de. Op. Cit.Doc. 70.
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Na concessão do foral de Vila Nova de Gaia o rei contou com um bom


número de ricos-homens,
Dom Gonçalo Garcia de Sousa Alferes-mo, Dom Gil Martins Riba de Vizela
Mordomo-mor, Dom Fernão Lopes de Baião tentente de Bragança, Dom
Afonso Lopes de Baião tentente de Sousa, Dom Diogo Lopes de Baião
tentente de Lamego, Dom Pedro Ponces de Baião tenente de Trás-os-
montes, Dom João arcebispo de Braga, Dom Aires Vasues bispo de Lisboa,
Dom Egas Fafes de Lanhoso bispo de Coimbra, dom Rodrigo Fernandes
Bispo da Guarda, Dom Julião Fernandes bispo do Porto, Dom Egas Pais
bispo de Lamego, Dom Mateus eleito para Viseu, Dom Martim Peres bispo de
Évora, confirmam. Dom Estevão Anes chanceler, Dom João de Avoyno, Dom
João Soares diácono Kalagurritanus, Lopes Rodrigues, Martinho Pedro
clérigo, testeminharam. Domingos Pedro fez.18

De fato, observamos nos três exemplos que embora os participantes não se


repitam sempre, a frequência é dada pelos bispos e ricos-homens de Portugal. É
claro que o termo Estado desperta “paixões mil”, mas parece-nos claro que Afonso
III gozava de um mínimo de consenso entre a classe dominante e um aparelho de
governo eficaz para as demandas de seu tempo. Desconsiderar que o rei se
articulava com os ricos-homens para governar o Portugal medieval é não dotar o
Estado de historicidade. O rei e os ricos-homens no plano ideal estavam trabalhando
para o bem-comum e na prática social para reafirmação das relações de dominação.
A inserção dos ricos-homens na esfera do Estado é representativa para
entendermos que o rei é uma esfera de atração, mas não é capaz de controlar
Portugal sem bases de apoio. Dizer que Afonso III, quando leva a frente às
inquirições de 1258, contraria a nobreza não traduz o que a documentação aponta,
pois o monarca continua concedendo benesses e inclusive coutos.
O Estado português dos duzentos é um Estado pessoalizado nos quais as
relações de parentesco carnal e de parentesco artificial são elementos importantes
para a compreensão de sua organicidade. O Estado está atuando dentro dos limites
de seu período. O rei amplia o número de leis e se coloca como rei de Portugal ou
rei dos portugueses, fazendo referência ao território e a seus habitantes. A
aparência não pode confundir a essência, o Estado é um espaço das lutas de
classes, o Estado aparece como amortizador das tensões sociais, e os ricos-
homens, longe de enfraquecer o Estado, são seus braços em cada localidade.

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VENTURA, Leontina; OLIVEIRA, António Resende de. Op. Cit.Doc. 78.
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Finda essa breve análise, cremos ter deixado bastante claro nosso argumento
de que é a partir das relações e conflitos de classes (e intraclasse) que podemos
compreender o funcionamento do Estado Pessoalizado (Medieval). Dessa forma,
assim como no Portugal Baixo Medieval a aristocracia era base para Afonso III
também o era no período visigodo para Recaredo, e até mesmo para Rodrigo.
Somente assim, é possível entendermos a essência das relações de dominação no
mundo feudal.

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