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A contribuição de Thomas Ogden para o manejo

da contratransferência na clínica psicanalítica

Maria Luiza Maia de Souza1 e Debora Prata2

RESUMO
Este artigo pretende traçar um percurso histórico da ampliação do conceito da
contratransferência desde os primórdios da psicanálise até a contribuição de Thomas
Ogden, que a partir da leitura original de seus antecessores elabora a construção do terceiro
analítico intersubjetivo. O recorte da pesquisa visa enfocar as teorias dos primeiros
psicanalistas, a partir da relação clínica com seus analisandos: Freud e Ferenczi; Ferenczi e
Klein; Klein e Heimann; Klein e Bion e, finalmente, Bion e Thomas Ogden.

Palavras-chave: contratransferência, intersubjetividade, terceiro analítico

ABSTRACT
THE CONTRIBUTION OF THOMAS OGDEN FOR MANAGEMENT
COUNTERTRANSFERENCE IN THE PSYCHOANALYTIC CLINIC

This article intends to trace a historical expansion of the concept of


countertransference since the begining of psychoanalysis to the contribution of Thomas
Ogden, who from the original reading that makes its predecessors elaborates the
construction of the intersubjective analytic third. The outline of the research aims to focus
on the theories and practices of the early psychoanalysts, from the clinical relationship with
his patients: Ferenczi and Freud, Ferenczi and Klein, Klein and Bion, Klein and Heimann,
and finally Bion and Ogden.

Keywords: countertransference, intersubjectivity, analytic third

1
Aluna do curso de graduação da faculdade de Psicologia da FMU
2
Professora e supervisora da faculdade de Psicologia da FMU
“Quem, como eu, invoca os mais maléficos e
maldomados demônios que habitam o peito humano,
com eles travando combate,
deve estar preparado para não sair ileso dessa luta.”

S. Freud

Desde os primórdios da psicanálise, Freud e seus sucessores se depararam com os

próprios afetos na clínica e todos eles se ocuparam de pensar e buscar um lugar na análise

para os sentimentos do psicanalista. À medida que a psicanálise se desenvolveu, a

transferência, inicialmente considerada um obstáculo na clínica, passou a ser o dispositivo

central no qual reside a situação analítica. O mesmo aconteceu com a contratransferência,

conceito criado por Freud em 1910, relacionado às reações emocionais inconscientes

despertadas no analista pelo paciente. Freud (1910/2013) considerou que a

contratransferência se dava através de sentimentos e reações inconscientes do analista e a

julgou prejudicial à prática clínica, pois essas reações estariam ligadas aos seus próprios

“pontos cegos”. Durante 40 anos, após a criação do conceito, a contratransferência teve um

papel coadjuvante na psicanálise. Desde o final da década de 1950, no entanto, na América

Latina, Europa e Estados Unidos, a inquietação dos psicanalistas diante de suas reações

emocionais em relação aos seus pacientes – sobretudo nos casos de difícil acesso – levou a

contratransferência a protagonizar a investigação psicanalítica, o que resultou na ampliação

e significativa transformação do conceito.

Este estudo pretende apresentar a contribuição original do psicanalista californiano,

Thomas Ogden, como fruto do processo histórico da ampliação do conceito de

contratransferência, a partir das teorias que fundaram a psicanálise e das técnicas que

marcaram as clínicas de Freud, Ferenczi, Klein, Heimann, Bion, até a clínica

contemporânea de Ogden, demasiadamente humana.


O pai da psicanálise reagiu aos sentimentos contratransferenciais, mantendo-os

como um obstáculo para o processo analítico. Embora não tenha aberto mão de sua posição,

a literatura dá indícios de que Freud não se deteve na investigação da contratransferência.

Ao mesmo tempo, é notório como o fenômeno contratransferencial permeia toda sua obra.

Antes mesmo de cunhar o termo, Freud observa em sua clínica que,

Além das motivações intelectuais que mobilizamos para superar a resistência, há um


fator afetivo, a influência pessoal do médico, que raramente podemos dispensar e
em diversos casos só este último fator está em condições de eliminar a resistência. A
situação aqui não é diferente da que se pode encontrar em qualquer setor da
medicina, não havendo processo terapêutico sobre o qual possamos dizer que
dispensa por completo a cooperação desse fator pessoal (Freud, 1893-1895/2006).

Mais tarde, em breves considerações no final da história clínica de ‘Dora’, Freud

questiona-se sobre os possíveis efeitos de sua própria contratransferência:

Quem, como eu, invoca os mais maléficos e maldomados demônios que habitam o
peito humano, com eles travando combate, deve estar preparado para não sair ileso
dessa luta. Será que eu poderia ter conservado a moça em tratamento, se tivesse eu
mesmo representado um papel, se exagerasse o valor de sua permanência para mim
e lhe mostrasse um interesse caloroso que, mesmo atenuado por minha posição de
médico, teria equivalido a um substituto da ternura por que ela ansiava? Não sei. Já
que em todos os casos parte dos fatores encontrados sob a forma de resistência
permanecem desconhecidos, sempre evitei desempenhar papéis e me contentei com
uma arte psicológica mais modesta. A despeito de todo o interesse teórico e de todo
o empenho médico de curar, tenho muito presente que a influência psíquica
necessariamente tem limites, e respeito como tais também a vontade e a
compreensão do paciente (Freud, 1905 [1901]/2006).

Em 1910, pela primeira vez o fundador da psicanálise menciona o termo

contratransferência como uma inovação na técnica psicanalítica e orienta os analistas a

dominarem e a cuidarem dela no âmbito de suas análises pessoais, considerando que “cada

psicanalista consegue ir apenas até onde permitem seus próprios complexos e resistências

internas” (Freud, 1910/2013).


Em seu artigo Recomendações ao médico que pratica a psicanálise, de 1912,

Freud aborda questões relevantes sobre a relação que mantém ambígua entre a urgência

de desenvolver e afirmar uma nova teoria e à condição periférica a que relegou sua

investigação sobre a pessoa do analista. No primeiro parágrafo, Freud deixa

expressamente livre o destino da subjetividade do analista:

devo enfatizar que essa técnica revelou-se a única adequada para a minha
individualidade. Não me atrevo a contestar que uma personalidade médica de
outra constituição seja levada a preferir uma outra atitude ante os pacientes e a
tarefa a ser cumprida (Freud, 1912a/2010).

As duas últimas recomendações, porém, parecem carregar entre si uma contradição.

Com a metáfora do cirurgião, Freud (1912b/2010) propõe que o analista abra mão do

envolvimento emocional com o paciente e de sua ambição terapêutica. Na recomendação

seguinte, propõe que o inconsciente do analista se mantenha como um órgão receptor dos

conteúdos latentes do paciente, usando outra metáfora, a do telefone.

Figueira observa a complexidade da técnica sugerida por Freud, “o analista, além de

aplicar uma técnica ao objeto, tem também de aplicar uma determinada técnica a sua

subjetividade para que a técnica que aplica ao objeto possa funcionar – e sem isso não há

análise possível” (Figueira, 1994). Surge então, a questão, aparentemente contraditória:

como pode o analista abster-se de sua emoção, como o cirurgião, e manter seu inconsciente

disponível para recepção de toda sorte de afetos de seu paciente e sem ser afetado por estes?

Os indícios da técnica psicanalítica freudiana, portanto, formaram uma

intrincada rede de “pontos cegos”, os quais vêm sendo investigados por meio da

experiência clínica e de muitas controvérsias ao longo dos últimos 90 anos. A começar

pelas discordâncias técnicas e teóricas entre Sándor Ferenczi e seu psicanalista. Freud

não aceitou as novidades anunciadas por Ferenczi e sua repercussão no meio


psicanalítico. Roudinesco (1997) apresenta o que pode ser uma hipótese para as

discordâncias que vieram a separar Freud de seu discípulo:

Partindo de um combate contra o niilismo terapêutico, Freud elaborou uma


teoria da neurose e da psicose que superava amplamente os limites da clínica.
Sempre consciente de seu próprio gênio e da importância de sua descoberta,
sabia dominar seus afetos e mostrar-se implacável para com seus adversários.
Acima de tudo, amava a razão, a lógica, as construções doutrinárias. Mais
intuitivo, mais sensual e mais feminino, Ferenczi procurava na psicanálise os
meios de aliviar o sofrimento dos pacientes. Era, pois, menos atraído pelas
grandes hipóteses genéricas do que pelas questões técnicas. Assim, era mais
inventivo que Freud na análise das relações com o outro. Em 1908, descobriu a
existência da contratransferência, explicando a seu interlocutor sua tendência em
considerar os assuntos do paciente como seus próprios (Roudinesco, 1997).

Ferenczi era chamado de enfant terrible da psicanálise exatamente por sua marca de

rebeldia em relação à mestria. “A maior admiração que Ferenczi nos desperta deve-se a sua

coragem e ousadia que advém de duas fontes: sua crença inabalável no método psicanalítico

ao qual atribuía poder de cura e sua preocupação com o sofrimento do paciente. E para isso

voltava seu olhar para a pessoa do analista" (Kezem, 2010).

Em meados dos anos 20 do século passado, a partir de sua experiência clínica, tanto

como analisando de Freud quanto como analista, é possível afirmar que a inteligência e

sensibilidade clínica de Ferenczi o leva a empreender uma inversão lógica à primeira regra

fundamental da psicanálise: “Se é verdade que o analista pode colocar-se em posição

(através da atenção flutuante) de captar e decodificar as mensagens transmitidas pelo

inconsciente de seu paciente, não seria possível pensar que também o paciente pudesse

fazê-lo em relação a seu terapeuta?” (Sanches, 1994). Ferenczi deixa registrado em seu

polêmico texto “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”:

Cheguei pouco a pouco à convicção de que os pacientes percebem com muita


sutileza os desejos, as tendências, os humores, as simpatias e antipatias do analista,
mesmo quando este está inteiramente inconsciente disso... (Ferenczi, 1933/2011).
A experiência clínica de Ferenczi o convenceu de que pacientes com graves

comprometimentos de estrutura egóica (hoje reconhecidos como os pacientes de

organização borderline ou psicótica) demandavam um tipo de relação essencialmente

diferenciada daquela orientada por Freud. A técnica freudiana, portanto, a qual exigia a

posição de neutralidade do analista, parecia incompatível ao trabalho terapêutico que

Ferenczi tinha de empreender com esses pacientes.

Em relação aos sentimentos do psicanalista, a partir da orientação freudiana

Ferenczi aprofunda-se com maior rigor nas questões relativas aos processos mentais do

analista no interjogo psíquico com seus pacientes, ou seja, na contratransferência. Em seu

artigo “A técnica psicanalítica”, Ferenczi expõe sua posição a respeito do manejo dos

fenômenos contratransferenciais: “não apenas os pontos cegos ou os aspectos não

trabalhados em análise do analista, mas absolutamente tudo o que se passasse em relação ao

analista, seja obstáculo ou instrumento para análise, poderia ser definido como parte

integrante de sua contratransferência, devendo, portanto, ser examinado e compreendido

analiticamente” (Ferenczi, 1919/2011). E pontua em seu texto:

Sendo o médico, não obstante, um ser humano e, como tal, suscetível de


humores, simpatias, antipatias e também ímpetos pulsionais – sem tal
sensibilidade não poderia mesmo compreender as lutas psíquicas do paciente –,
é obrigado, ao longo da análise, a realizar uma dupla tarefa: deve, por um lado,
observar o paciente, examinar suas falas, construir seu inconsciente a partir de
suas proposições e de seu comportamento; por outro lado, deve controlar
constantemente sua própria atitude a respeito do paciente e, se necessário,
retificá-la, ou seja, dominar a contratransferência (Ferenczi, 1919/2011).

É importante ressaltar que “dominar a contratransferência” para Ferenczi não

significa recalcá-la, reprimi-la ou abster-se. Ao contrário disso, o que ele espera do

analista é que entre em contato e se mantenha constantemente atento a toda sorte de

afetos e pensamentos que lhe ocorram em relação ao paciente e a si próprio para que
possa manejá-los analiticamente. Mais tarde, Ferenczi radicaliza sua clínica com o a

técnica que ele chamou de ‘análise mútua’, na qual o analista deve comunicar ao

paciente suas emoções contratransferenciais.

A personalidade e as ideias de Ferenczi se mostraram excessivas para o seu tempo e

para a instituição psicanalítica dos anos 1930. Não é por acaso que a investigação da

questão da contratransferência toma em Ferenczi um rumo diferente do que em Freud e

torna-se uma questão fundamental a ser investigada. Os estudiosos de Ferenczi são

unânimes em apresentá-lo como uma pessoa afetiva. Alguns chegam a cogitar certa

carência infantil como característica determinante de sua personalidade. Segundo Michael

Balint (1949), “Ferenczi foi essencialmente uma criança a vida inteira.”

Para Melanie Klein, analisanda por cerca de sete anos e introduzida na psicanálise

por Ferenczi, é possível inferir que foram exatamente a personalidade deste psicanalista

e sua polêmica técnica que a acolheram da depressão aguda, intensificada pela morte da

mãe em 1914, e que permitiram a construção dos fundamentos que deram origem ao

trabalho de toda vida de Klein (Grosskurth, 1992).

A partir da leitura da biografia da Sra. Klein também é possível inferir que

Ferenczi, por meio de sua afetividade, apontou um novo destino para reconhecida

personalidade hostil de Melanie Klein. Ela demonstra gratidão ao seu primeiro

psicanalista “Tenho muito que agradecer a Ferenczi. Uma coisa que ele me transmitiu e

reforçou em mim foi a convicção da existência do inconsciente e de sua importância

para vida psíquica” (Grosskurth, 1992). Enquanto que Karl Abraham, seu segundo

analista, lhe proporcionou a sustentação para o desenvolvimento de sua obra, à qual

Klein se agarrou como meio de se sentir amada. Abraham parece ter sido seu grande

orientador nesse sentido. De acordo com Rache,


[Klein] encontrou em Abraham o adulto firme, perfeccionista, com os pés
fincados na terra, por meio do qual ela readquiriu o seu ‘impulso epistemofílico’
para reviver o antigo mundo ideal da cultura e do saber, e para tratar nas suas
crianças-pacientes o que não tinha sido elaborado por ela própria: a criança
agressiva, não suficientemente amada (Rache, 1993).

A agressividade é um tema relevante na obra de Melanie Klein, assim como a

angústia, o ódio, a culpa e a inveja. A partir da precisa observação de ansiedades primitivas

avassaladoras no bebê, Klein introduz seu conceito de identificação projetiva em 1946, no

artigo “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides”, quando descreve conceitualmente o

que chamou de posição esquizo-paranoide, uma constelação de ansiedades, defesas e

relações de objeto características dos primeiros meses de vida e das instâncias mais

profundas e primitivas da mente adulta (Klein, 1946/2006). Na leitura de Spillius, a

identificação projetiva não era de modo algum o tema central de seu artigo. “Klein a

descreve como uma dentre diversas defesas contra a ansiedade paranoide primitiva, e sua

discussão sobre isto não vai além de umas poucas frases.” (Spillius, 1992). E cita Klein:

Junto com os excrementos nocivos, expelidos com ódio, partes excindidas do


ego são também projetadas na mãe, ou, como prefiro dizer, para dentro da mãe.
Esses excrementos e essas partes más do self são usados não apenas para
danificar, mas também para controlar e tomar posse do objeto. Na medida em
que a mãe passa a conter as partes más do self, ela não é sentida como um
indivíduo separado, e sim como sendo o self mau. Muito do ódio contra partes
do self é agora dirigido contra a mãe. Isso leva a uma forma particular de
identificação que estabelece o protótipo de uma relação de objeto agressiva.
Sugiro o termo ‘identificação projetiva’ para esses processos (Klein, 1946/2006).

Segundo Klein, a ansiedade mais primitiva, da posição esquizo-paranoide,

advém do medo de aniquilação desde o interior da personalidade. Para sobreviver a esse

medo, o bebê usa o mecanismo de defesa da projeção para transferi-lo para dentro da

mãe (ou do analista). Assim, o bebê (ou o paciente) passa a sentir a mãe má, o que o

leva a ter a sensação de que está sendo atacado. Frequentemente, essa sensação que

experimenta a partir da identificação com a mãe má, distorcida pela projeção, volta-se
para dentro do bebê levando-o a sentir que está sendo atacado por perseguidores

internos. Klein afirma que nos primeiros meses de vida e, posteriormente, nas instâncias

mais primitivas do psiquismo adulto, há flutuações extremas entre a representação

psíquica das pulsões de vida e de morte, que são vivenciadas como amor e ódio, além

de uma tentativa constante de mantê-los cindidos com objetivo de preservar o ego. Mas

como assinala Spillius,

É claro que Klein considerava que a cisão normal e a identificação projetiva a


ela associada são partes necessárias do desenvolvimento, e que sem elas a
diferenciação básica entre bom e mau e entre self e o outro não ficariam
firmemente estabelecidas, de modo que a base para a posição depressiva
posterior estaria prejudicada. Na posição depressiva, o self e o outro vêm a ser
distinguidos com clareza, o indivíduo reconhece que a pessoa amada e a pessoa
odiada e atacada são uma e a mesma pessoa, e começa a aceitar a
responsabilidade por seus ataques. Klein fala amiúde de uma identificação
projetiva “excessiva”, na qual o self é esvaziado por esforços constantes de
livrar-se de partes dele, embora ela não dê uma ideia muito clara do que
exatamente leva à identificação projetiva excessiva em alguns casos e não em
outros. É claro também que ela pensava a identificação projetiva como uma
fantasia do paciente. Ela não considerava que o paciente literalmente colocasse
coisas para dentro da mente ou do corpo do analista. Era também sua opinião
que, se o analista era influenciado pelo que o paciente fazia a ele, isto era
evidência de alguma coisa que o analista não estava conseguindo enfrentar, o
que significava que ele próprio precisava de mais análise (Spillius, 1994).

Atualmente, permanece a controvérsia entre os psicanalistas que aceitam, tal como

Klein, a identificação projetiva como uma fantasia e aqueles que entendem a identificação

projetiva como um ato efetivo. Porém, entre as diversas discussões, é unânime a

concordância sobre o fato de que os pacientes comportam-se de tal maneira que o analista

acaba experimentando os sentimentos do paciente que, por uma razão ou outra, não pode

conter dentro de si ou não pode expressar de outro modo, exceto levando o analista com ele

em sua experiência (Zaslavsky e Santos, 2006).

Imediatamente em seguida à publicação do artigo de 1946, seus colegas,

especialmente Herbert Rosenfeld, Hanna Segal, Roger Money-Kyrle, Betty Joseph e


Wilfred Bion, detiveram-se sobre o mecanismo de defesa apresentado por Klein, como se

tivessem encontrado a peça do quebra-cabeça que estava faltando na elaboração de suas

teorias acerca de seus afetos em relação ao paciente, bem como sobre o modo como o

paciente percebe seu analista. No entanto, a ideia de identificação projetiva ficou suspensa

na literatura psicanalítica até meados dos anos 1950.

Em sua pesquisa sobre “O amor e o ódio na contratransferência: considerações

sobre o lugar do analista em casos de difícil acesso”, Elisabeth Antonelli pontua:

A formulação do conceito de identificação projetiva desempenhou um papel


preponderante. A própria noção de transferência sofre uma espécie de torção
acentuada pela introdução da noção de “fantasia inconsciente”. O analista passa
a ser o depositário de projeções de partes do self que são intoleráveis para o
paciente. Quanto mais primitivo o tipo de comunicação, mais grave é a natureza
do funcionamento mental. Como esse funcionamento mental não era objeto de
estudo em Freud, uma metapsicologia dos processos mentais primitivos teve de
ser desenvolvida. (...) Paula Heimann se constituiu em interlocutora privilegiada
nesse trajeto (Antonelli, 2006).

O primeiro artigo específico sobre contratransferência, sob o título “On

countertransference” é apresentado em 1949, por Paula Heimann, no XVI Congresso da

Associação Psicanalítica Internacional de Zurique, contrariando a orientação de Klein, que

se manteve, como Freud, acreditando que os fenômenos contratransferenciais poderiam

servir de alienação dos psicanalistas, que facilmente poderiam atribuir seus próprios pontos

cegos ao paciente. A contrariedade custou à Heimann o rompimento com sua confidente,

analista e supervisora.

Paula Heimann, psiquiatra e psicanalista alemã, desembarca em Londres em 1933 a

convite de Ernst Jones, integrando o primeiro grupo de analistas judeus-alemães refugiados.

É eleita membro associado da Sociedade de Psicanálise de Londres e, em seguida, passa a

ser confidente de Melanie Klein, por ocasião da morte de seu filho em 1934. Em situação de

exílio, recém-separada do marido e da filha, Klein a aceita como paciente. Estabelecem,


portanto, um duplo, intenso e custoso relacionamento, como analista/paciente e colegas do

grupo kleiniano. Suas primeiras contribuições, no desenvolvimento dos conceitos sobre

objetos internos e regressão, foram relevantes para a teoria kleiniana. De acordo com

Oliveira (1994), em outros artigos, levantou a discussão sobre problemas clínicos e questões

técnicas; em particular, sobre diferentes aspectos da formulação e manejo das

interpretações, transferência, setting psicanalítico e, principalmente, contratransferência .

Heimann começa a se interessar especialmente pelo estudo da contratransferência

quando se dá conta da crença difundida entre os participantes dos seminários e análises,

candidatos à formação no Instituto de Psicanálise da Sociedade Britânica. Em seu artigo

“Sobre a Contratransferência”, no qual sintetiza suas observações clínicas e difunde a

utilização da contratransferência como instrumento necessário para investigação da relação

analítica, ela descreve o cenário do início dos anos 1950:

Muitos candidatos sentem medo e se sentem culpados quando se tornam


conscientes de sentimentos em relação a seus pacientes e consequentemente
objetivam tanto evitar qualquer resposta emocional quanto se tornar
completamente sem sentimentos e ‘desligados’ [detached]. Quando tentei
localizar a origem desse ideal do analista ‘desligado’, descobri que nossa literatura
contém realmente descrições do trabalho analítico que podem dar origem à noção
de que o bom analista não sente mais nada além de uma benevolência uniforme e
suave em relação a seus pacientes, e qualquer agitação de ondas emocionais nessa
superfície suave representa uma perturbação a ser superada. Isso provavelmente se
deriva de uma má leitura de algumas afirmações de Freud, tal como a comparação
que fez entre o estado mental do cirurgião durante a operação ou sua analogia com
o espelho. Pelo menos, isso me foi citado desse modo em discussões sobre a
natureza da contratransferência (Heimann, 1950/1987).

A partir de suas observações como supervisora e analista didata, concomitante à

inquietação reinante de seus colegas do grupo kleiniano, Heimann irá esboçar em seu

revolucionário artigo um destino para os inevitáveis sentimentos humanos a que os

psicanalistas estão expostos.


Conhecedora de sua própria luta interna, Heimann (1950) se posiciona: “Minha tese

é a de que a resposta emocional do analista à situação analítica representa uma das

ferramentas mais importantes em seu trabalho. A contratransferência é um instrumento de

pesquisa do inconsciente do paciente.” E sugere em seu artigo que o analista utilize a

mesma técnica da atenção flutuante em relação à escuta de seus pacientes, para acompanhar

suas próprias vivências emocionais no encontro com cada um deles. Diz ela:

Eu sugeriria que o analista, junto com essa atenção que trabalha livremente
[‘freely working attention’], necessita de uma sensibilidade emocional livremente
ligada [‘freely roused emotional sensibility’] de modo a seguir os movimentos
emocionais e fantasias inconscientes do seu paciente. Este vínculo em nível
profundo vem à superfície sob forma de sentimentos que o analista nota como
resposta a seu paciente na sua contratransferência. Este é o modo mais dinâmico
através do qual a voz do paciente o alcança. Na comparação de sentimentos que
são acordados nele com associações e o comportamento do seu paciente, o analista
possui um meio dos mais valiosos para verificar se ele compreendeu ou não
conseguiu compreender seu paciente (Heimann, 1950/1987).

Heimann defende que as respostas emocionais do analista durante a sessão podem

ser determinadas por ansiedades e conflitos inconscientes, cuja fonte deve ser buscada no

analisando. Para ela, portanto, a contratransferência é tida como uma criação do paciente,

carregada de parte de sua personalidade (Heimann, 1950). Noções fundamentais do

pensamento kleiniano estão na base da concepção da autora, na medida em que a

contratransferência é elaborada por ela como uma forma de comunicação primitiva, que

antecede o pensamento, na qual relações objetais e fantasias inconscientes das camadas

mais primitivas da mente são reativadas. No entanto, Heimann não se utiliza do conceito da

identificação projetiva na construção de seu texto que disseminará a urgência da atenção

sobre o fenômeno contratransferencial.

É Wilfred Bion que chama a atenção para a importância da identificação projetiva.

O autor desenvolve uma série de trabalhos ampliando o conceito, a partir de seu


entendimento do mecanismo de defesa kleiniano que passa a ser elaborado como uma

forma de comunicação, a partir de suas experiências com grupos:

... demorei-me sobre minhas próprias reações no grupo por uma razão que espero
poder tornar mais evidente posteriormente. Pode ser justamente argumentando que
interpretações para as quais as provas mais fortes residem, não nos fatos observados
no grupo, mas nas reações subjetivas do analista, têm mais probabilidade de
encontrar sua explicação na psicopatologia do analista que na dinâmica do grupo. É
uma crítica justa, uma crítica que terá de ser enfrentada por anos de trabalho
cuidadoso, por mais de um analista, mas, exatamente por essa razão, deixá-la-ei de
lado agora e passarei a enunciar uma asserção que defenderei durante todo esse
trabalho. É ela a seguinte: no tratamento de grupo, muitas interpretações – e, entre
elas, as mais importantes – têm de ser feitas fiando-se nas próprias reações
emocionais do analista. Acredito que estas reações dependem do fato de o analista
no grupo encontrar-se na extremidade receptora daquilo que Melanie Klein (1946)
chamou de identificação projetiva e que esse mecanismo desempenha um papel
muito importante nos grupos (Bion, 1961/2004).

O médico cirurgião, psiquiatra e psicanalista Wilfred Bion interessa-se pela

psicanálise em 1937, a partir de sua análise com John Rickman, a qual foi interrompida pela

guerra, em 1939. Após a guerra ambos empreenderam um projeto de trabalho com grupos,

na reabilitação de combatentes, o que levou Rickman a sugerir que Bion procurasse

Melanie Klein para fazer sua formação analítica. Bion retoma sua formação, iniciando a

análise com Melanie Klein, que durou de 1945 até 1953. É qualificado como analista em

1947, aos 50 anos, quando se torna membro da Sociedade Britânica de Psicanálise.

Bion merece um lugar de destaque no percurso histórico pós-kleiniano pelo

amplo reconhecimento de seus colegas e pela influência que exerceu no pensamento de

analistas dos grupos independentes e freudianos. Seus enfoques originais para as

relações de objeto e para a identificação projetiva chamaram a atenção. O autor

priorizou mais os vínculos emocionais, os vínculos que conectam os objetos, do que a

relação entre eles propriamente, bem como ampliou consideravelmente o conceito da


identificação projetiva no início dos anos de 1960, o que efetivou sua contribuição no

processo de transformação do conceito da contratransferência.

Em 1955, em seu texto “A linguagem e o esquizofrênico”, Bion problematiza o uso

da contratransferência e o descreve como um recurso técnico, a partir de sua clínica com

pacientes psicóticos. Diz ele:

O analista que ensaia, em nosso atual estado de ignorância, o tratamento de tais


pacientes, deve estar preparado para descobrir que, em uma considerável extensão
de tempo analítico, a única evidência em que uma interpretação pode basear-se é a
que se propicia através da contratransferência (Bion, 1955/2004).

Ilustra sua ideia com a passagem de uma sessão em que o paciente deitado no divã

permanece em silêncio por uns vinte minutos. Bion apercebe-se com medo do que o

paciente o atacasse fisicamente, ainda que não pudesse, de fato, vislumbrar qualquer

mudança na postura do paciente. Sentindo uma tensão crescente, diz ao paciente: “Você

está metendo dentro de mim seu medo de que quer me matar”. Em seguida à

interpretação, o paciente cerra os punhos sem nada dizer. O analista sente então sua

tensão decrescer e prossegue: “Quando lhe falei, você retomou para dentro de si seu medo

de que queria matar-me, você agora está sentindo o temor de que cometerá um ataque

assassino contra mim.” E dá algumas pistas por onde sua clínica está caminhando:

Segui o mesmo método durante toda a sessão, esperando por impressões a reunir até
que senti que estava em posição de formular minha interpretação. Observar-se-á que
minha interpretação depende do emprego da teoria de Melanie Klein da
identificação projetiva, primeiro para esclarecer minha contratransferência e, depois,
para compor a interpretação que dou ao paciente (Bion, 1955/2004).

No final dos anos 1950 Bion publica uma série de artigos, nos quais elabora e

postula uma distinção entre identificação projetiva normal e patológica.


[Bion] trouxe o objeto – a mãe ou o analista – para dentro da concepção do processo
de identificação projetiva. Seguindo Klein, Bion pensa que, quando o bebê se sente
assaltado por sentimentos que não pode governar, ele tem fantasias de evacuá-los
para dentro de seu objeto primário, a mãe. Se for capaz de compreender e aceitar os
sentimentos sem que seu próprio equilíbrio seja por demais perturbado, a mãe
poderá ‘conter’ esses sentimentos e comportar-se em relação ao seu bebê de um
modo que fará com que os sentimentos difíceis sejam mais aceitáveis para ele, que
pode então toma-los de volta para dentro de si numa forma com a qual pode lidar
melhor. Se, no entanto, o processo dá errado – e pode dar errado seja porque o bebê
projeta de modo esmagador e contínuo, seja porque a mãe não pode suportar muito
sofrimento –, o bebê recorre a uma identificação projetiva cada vez mais intensa, e
por fim pode virtualmente vir a esvaziar sua mente de forma que não tenha de saber
quão insuportáveis são seus pensamentos e sentimentos. A essa altura, ele está a
caminho da loucura (Spillius, 1994).

Não só a finalidade da utilização da identificação projetiva pelo bebê é ampliada,

como o nível em que ela ocorre já não é apenas o da fantasia: a partir da concepção de Bion

a mãe passa, de fato, a conter os sentimentos perturbadores do bebê e reage à sua presença.

Há nesse entendimento uma forma especial de comunicação, por meio da qual a mãe pode

compreender e conter os sentimentos do bebê, mesmo que não se dê conta dessa

comunicação, nem da “invasão” e do controle que o bebê exerce através dela.

Na concepção de Bion (1962, 1970/2006) do continente-contido, a mãe (analista)

em um estado de reverie dá sustentação às identificações projetivas de seu bebê (paciente),

por meio de sua própria identificação parcial com o sofrimento do bebê (paciente). É assim

que o bebê pode vir a reintrojetar, por meio da função alfa, não apenas uma sensação, um

medo mais suportável, mas também o próprio objeto (mãe/analista), quando pode, então, vir

a desenvolver sua própria capacidade de ser continente e compreensivo consigo mesmo.

Este conceito amplia consideravelmente o campo de compreensão da experiência das

identificações projetivas, que passa, então, a ser utilizada na clínica como uma forma de

comunicação não verbal, que antecede o pensamento.


Corroborando as ideias de Bion, Thomas Odgen (1994) vai além ao propor o

conceito de terceiro analítico intersubjetivo:

O processo analítico reflete a inter-relação de três subjetividades: a subjetividade do


analista, a do analisando e a do terceiro analítico. O terceiro analítico é uma criação
do analista e do analisando, ao mesmo tempo em que ambos (na qualidade de
analista e analisando) são criados pelo terceiro analítico. (Não há analista,
analisando ou análise na ausência do terceiro) (Ogden, 1994).

Thomas Ogden reside e clinica em São Francisco (EUA). É membro efetivo e

analista didata do Instituto de Psicanálise do Norte da Califórnia. Completou sua residência

em psiquiatria na Yale University School de Medicina e, posteriormente, fez a formação

psicanalítica no San Francisco Psychoanalytic Institute e deu continuidade aos seus estudos

na Tavistock Clinic, em Londres. Seu pensamento parte do questionamento sobre a teoria

estrutural do desenvolvimento da personalidade e sobre a relação analítica entre paciente e

analista, o que resultou na publicação de cerca de 50 artigos e oito livros traduzidos em

diversos idiomas. Em português as únicas obras traduzidas são “Os sujeitos da psicanálise”

e “Esta arte da psicanálise”.

Atualmente é reconhecido como um dos mais importantes analistas e mais

originais pensadores americanos. Entre as suas contribuições para ampliação da teoria e,

sobretudo, da prática psicanalítica, vale citar os conceitos da posição autista-contígua

(1989), no qual o autor postula a existência de um período ainda mais precoce no

desenvolvimento psíquico, anterior à posição esquizo-paranóide de Klein, e a concepção

do “terceiro analítico intersubjetivo” (1994), que descreve o fenômeno intersubjetivo

entre a pessoa do analisando e a do analista, bem como dos fenômenos ligados às

questões transferenciais e contratransferenciais.

Segundo Zaslavsky e Santos (2006) a visão de intersubjetividade de Ogden é

influenciada por sua formação em filosofia, paixão pela literatura e sua insatisfação com
aspectos da psicologia do ego. A forma de pensar e ampliar suas concepções sobre a Matriz

da mente (Ogden, 1986) está baseada em elaborações a partir de sua análise pessoal com

W.R. Bion e de sua releitura de um amplo espectro da teoria psicanalítica, desde sólidos

conceitos, fundamentados em Freud, Klein, Bion e Winnicott, passando por Tustin, Balint,

Grotstein, Winnicott e pelo modelo de campo do casal Baranger, entre outros. Uma parte

essencial da base teórica de Ogden, a partir da qual conceitua a prática da psicanálise, deriva

do que o autor entende por dialética:

É um processo em que elementos opostos se criam, preservam e negam um ao


outro, cada um em relação dinâmica e sempre mutativa com o outro. O movimento
dialético tende para integrações que nunca se realizam por completo. Cada
integração potencial cria uma nova forma de oposição, caracterizada por sua própria
forma distinta de tensão dialética. Aquilo que é gerado dialeticamente está
continuamente em movimento, perpetuamente em processo de ser criado e negado,
de ser descentrado da auto evidência estática (Ogden, 1994).

A partir deste ponto de vista, para Ogden (1994), o sujeito psicanalítico é capaz de

“gerar uma sensação de ‘eu-dade’, que experiencia a subjetividade, por mais rudimentar e

não verbalmente simbolizada que possa ser.” Segundo o autor, o sujeito da psicanálise é

constituído (síntese) ou descentrado (polarizando os opostos) continuamente, tanto na sua

metapsicologia quanto durante o encontro específico da dupla na situação analítica. Em

seu livro “Os sujeitos da psicanálise”, Ogden aprofunda o estudo acerca das dialéticas

centrais do sujeito em Freud, Klein, Bion e Winnicott, em termos metapsicológicos, em

relação à criação do contexto intersubjetivo e sobre a inter-relação dialética dos pares

consciência/inconsciente, presença/ausência, realidade/fantasia, unicidade/separação,

posição esquizo-paranoide/posição depressiva, e afirma que “Freud não concebia a mente

inconsciente como a sede da verdade”, (Ogden, 1994). Diz ele:

[Freud] Reconhecia que as reivindicações do inconsciente quanto a saber e


constituir a totalidade do sujeito têm tão pouco fundamento, quanto as do sujeito
consciente, falante. Consciência e inconsciente são concebidos como
mutuamente dependentes, cada um definindo, negando e preservando o outro.
Ambos ‘co-intencionam’ numa relação de diferença relativa em contraposição à
diferença absoluta; ambos coexistem numa relação de diferença mutuamente
definida (Ogden, 1994).

O princípio de presença em ausência e ausência em presença, de acordo com o

autor, é um conceito central na concepção freudiana do sujeito dialeticamente

constituído/descentrado, o qual subentende o movimento dialético entre as dimensões da

experiência que se negam e preservam mutuamente. “A presença é continuamente negada

por aquilo que não está, embora aluda o tempo todo àquilo que falta em si mesma. Aquilo

que está ausente está sempre presente na falta que presentifica” (Ogden, 1994).

Ogden (1994) entende as posições kleinianas como organizações psicológicas que

determinam formas de atribuir significado à experiência. “Associada a cada uma das

posições está uma qualidade particular de angústia, além de formas de defesa e de relação

objetal, um tipo de simbolização e uma qualidade de subjetividade.” (Ogden, 1994). O autor

ressalta a importância de não se pensar de forma patológica as pressões de negação,

desintegração e descentramento associadas ao componente esquizo-paranoide da dialética

PsD. Diz ele, “na ausência da pressão desintegradora do polo esquizo-paranoide da

dialética geradora da experiência, a integração associada à posição depressiva chegaria ao

fechamento, a estagnação e à ‘arrogância’ (Bion, 1967).”

A identificação projetiva é compreendida por Ogden como “uma dimensão de toda

intersubjetividade, às vezes como qualidade predominante da experiência, outras somente

como um sutil pano de fundo (subtle background)” (Ogden, 1994). Sua concepção de

intersubjetividade analítica enfatiza a natureza dialética:

... representa uma elaboração e uma extensão da noção de Winnicott de que ‘não
existe bebê’ [fora da provisão materna]. Acredito que, em um contexto analítico,
não existe analisando fora da relação com o analista, nem analista fora da relação
com o analisando. A afirmação de Winnicott é, creio eu, intencionalmente
incompleta. Ele pressupõe que se entenderá que a ideia de que não existe bebê é
ludicamente hiperbólica e representa um dos elementos de uma afirmação paradoxal
mais ampla. A partir de outra perspectiva (do ponto de vista do outro ‘polo’ do
paradoxo), obviamente existe um bebê e uma mãe que constituem entidades físicas
e psicológicas separadas A unidade mãe-bebê coexiste em tensão dinâmica com a
mãe e o bebê separados. Da mesma forma, a intersubjetividade analista-analisando
coexiste em tensão dinâmica com o analista e o analisando como indivíduos
separados, com seus próprios pensamentos, sentimentos, sensações, realidades
corporais, identidades psicológicas, funções e assim por diante (Ogden, 1994).

Seguindo descrição, Ogden sugere a noção do “terceiro sujeito analítico” como

criação da dupla a cada sessão, a partir da intersubjetividade que emerge da relação da

pessoa do analista com a pessoa do analisando. De acordo com Coelho (2012), é assim

que Thomas Ogden realiza uma interessante inversão no problema da comunicação e da

relação analíticas:

Ainda que, de um ponto de vista realista e/ou empírico, a situação analítica nunca
deixe de ser a situação de dois sujeitos separados e distintos, em comunicação um
com o outro, o que Ogden nos propõe é que abandonemos esse ponto de vista em
nossa tentativa de compreender os fenômenos analíticos. Dessa forma, aquilo que
antes identificamos como sentimentos e pensamentos comunicados de forma
inconsciente, ou induzidos inconscientemente pelo analisando no analista, Ogden
descreve como sentimentos e pensamentos que são simplesmente sentidos e
pensados pelo terceiro sujeito intersubjetivo. O problema deixa de ser, assim, o da
natureza e dos meios de uma comunicação qualificada de inconsciente, para tornar-
se o problema da natureza desse “sujeito intersubjetivo”. A relação entre analista e
analisando enquanto sujeitos plenamente constituídos e separados continua a ocorrer
no nível verbal e consciente. Por outro lado, ao considerarmos a intersubjetividade,
conforme concebida por Ogden, não encontramos mais relação, nem comunicação
envolvidas. A intersubjetividade, compreendida como um “terceiro sujeito
intersubjetivo”, não é uma relação entre dois sujeitos, mas justamente um novo
sujeito. Aquilo que, de certo ponto de vista, ocorria na relação entre os sujeitos,
agora ocorre como experiência de um terceiro sujeito (Coelho, 2012)

Concluindo, Ogden afirma que o analisando é criado por meio de um processo

similar ao que ocorre na identificação projetiva e que uma análise não é simplesmente um

método de descoberta do que está oculto, é um processo que permite a criação de um sujeito

analítico que não existia antes (Ogden, 1994), e exemplifica sua afirmação,
A história do analisando não é descoberta, ela é criada na transferência-
contratransferência, num fluxo perpétuo em que a intersubjetividade do processo
analítico evolui e é interpretada pelo analista e pelo analisando (ver Schafer, 1976,
1978). Dessa forma, o sujeito analítico é ‘criado por’, e existe em permanente
evolução na intersubjetividade dinâmica do processo analítico: o sujeito da
psicanálise toma forma no espaço interpretativo entre analista e analisando. O
término de uma experiência psicanalítica não é o fim do sujeito da psicanálise. O
analisando apropria-se da intersubjetividade do par analítico e a transforma num
diálogo interno” (Ogden, 1994)

Considerações finais

As ideias de Ogden sobre o manejo da inter-relação analista/analisando na clínica

psicanalítica vão além dessas aqui apresentadas. O recorte do terceiro analítico

intersubjetivo aqui exposto, tem o sentido de evidenciar um modelo clínico contemporâneo,

no qual prevalece a experiência viva do par analítico.

A partir desse estudo foi possível observar que historicamente a psicanálise tem se

debatido com o limite entre a teoria e a prática clínica. A problematização da

contratransferência parece ter se tornado o arcabouço que está esclarecendo esse dilema, à

medida que é notável como não há teoria psicanalítica que se sobreponha à biografia e às

experiências afetivas de seus autores com seus pacientes. A história mostra que os pioneiros

se dividiram entre aqueles que desenvolveram a teoria psicanalítica (Freud e Klein) e os que

investigaram, a partir das teorias, a técnica psicanalítica voltada à pessoa do analista em sua

experiência clínica (Ferenczi, Heimann, Bion e Ogden).

Vinculação acadêmica: trabalho apresentado como exigência parcial da conclusão da


graduação de Psicologia do Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU

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Copyright by Maria Luiza Maia de Souza e Debora Prata

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