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Int J, PayehorAnal (1997) 78, 1-14 Livre Anual de Poieandlise (1997) X00, 1-22 A TRANSFERENCIA E TEMIDA PELO PSICANALISTA? LEON GRINBERG, BARCELONA Neste artigo, tentarci desenvolver uma hipétese sobre porque a variedade de teorias relativas a transferéncia € um dos problemas mais complexos ¢ polémicos da literatura psicanalitics, Na minha opinigo, devido 2 percepgdo de que a transferéncia € uma carge potencialmente perigosa, tratamos de nos proteger através de racionalizagbes teGricas {éenicas que resultam, por fim, em opereeses defensivas. ‘Como sabemos, Freud descobriv a transferéncia em 1895, no decorrer do sew trabalho sobre a histeria; foi nessa época que ele abandonow o método da sugestio em favor 48 associagao livre por parte do paciente, mais tarde complementado pela aio flutuante do analista Entretanto, Freud se deparou com a séria dificuldade clinica da emergéncia do impulso sexual, agor® voltado para o analist. Isso ¢ levou a chamar a transferéncia de “conexio fals", por conta da idemtificagio de urs afeto atual com um do passado, dirigido 20 analista na presente situaglo. O caso Dora (Freud, 1905) foi um ‘exemplo tipico da influéneia da transfertncia cex6tiea substtuindo “alguma pessoa do passado pela pessoa do médico”, ¢ atuando como fesisténcia. Conseqientemente, por algum tempo Freud considerou a transferéncia como cobstéculo pare o principal objetivo do tratamente, 1 suspensio da repressio, porém mais tarde ele a considerou como 0 mais importante ins- trumento terapéuico, Sua ambivaléncia era Sbvia cm 1905, ele considerava a transferéncit como “uma necessidade inevitével", embora per- ccebesse, 0 mesmo tempo, que trabalhar com a transferéncia “era, de longe, a parte mais &rdua de toda a tarefa”, Ainda mais, em “Além do prin- cefpio do prazec” (Freud, 1920), a transferéncia novamente apresentada como elemento de ccompulsdo e repetiglo. A passagem seguinte, de uma de suas cartas ao Pastor Pfister, nao causa, portanto, surpres ‘A teansferéneia 6, realmente, uma cruz. A. obstinads teimosia da doengs, pela qual abar donamos 2 sugestio indireta e 2 sugestio hipn6- ‘iteta, no pode ser toialmente eliminada pele anglise, mas pode apenas ser diminufda, © suas reliquias se fazem presentes na transferéneia, (Freud, 1963, 9.39) Fssas observagdes de Freud me deram muito o que persar, Por que ele sentia a transferéncia como fardo? Seria porgue ele a experimentava como impediment & sua continua busca de investigador nato? Podemos lembrar de duas posigdes opostas, descritas em “A dinamica da transferéacia"; por um lado, ele se refere a cle ‘como a mais poderosaresisténcia ao tratamento; por outro, menciona que o fendmeno dz ‘ransforéncia “nos preste 0 inestimavel servigo de tomar 0s impulsos do paciente imediatos © rmanifestos"; no mesmo contexte, esereve “no hi divida de gue controlar o fendmeno da transfecéncia apresenta as maiores dificuldades 20 analista.. pois, afina, 6 imposs(vel destruit alguém in absentia ou in efiie” (Freud, 1912, p. 108). Voltando a citagio da carta ao Pastor Pister, todos os analistas nio se sentiriam, de fato, sobrecarregados por essa “cruz”, sem 0 per- ‘ccber? Seré que essa experitncia da trans- feréncia como um “fardo” explica porque 2 2 ‘LEONGRINBERG j5es divergem tio amplamente sobre © ‘conceito€, especialmente, no uso ¢ no valoc da twansferéncia na técnice analitics? Sento, como se pode explicar a evident discrepincia entre istas que apoiam certos esquemas de feferencia que consideram tudo 0 que ocorre na sesso. como transferéncia, enquanto outs, de ‘otra convicgio teérica, sustentam que muitas associag6es dos pacientes so, por netureza, exteatransferenciis? ‘0 mesmo se aplica a citrio sobre 0 que & como interpretar. Por que hi tanto desenten- ‘imento entre anaistas que interpretam muito, ou pouco, superficial ou profundamente, deesas antes de impulsos ou defesas © conteddos, 0 passado antes do aqui e agora, ou a0 contro, aqueles que consideram que as interpretagBes ever ser somente transferenciais, ov ex tratransferenciais, ou abs, ¢ assim por diate? ‘Se a transferéncia € realmente nossa “er”, ‘io nos estariamos protegendo dela aravés de todas essas racionalizagies tedricas técnica, que talversejam, em ultima instincia, operagses éefensivas? Entctanto, porque deveramos nos defender 4e algo que 2 maioria dos anslistas ainda considera o mais valioso instrumento da nossa tarefaanaltica com pacientes? Seria porque, som sabermos, embora possamos suspeitat, uti- lizamos um insirumento muito perigoso? Se assim €, qual a naturezn do perigo? Como ele pode nos afetar? Estria Freud realmente certo 20 nos alertar sobre esses perigos, usando ‘metifora do “Raios-X", qe poderia tera efcito sobre n6s, durants o curso do trabalho, que todos analistas preferiiam se submeter a uma realise? ‘As diversas teorias de transferéncia for- rmuladas, embora inconsistentes umas com as utras, podem nos levar mais perto de responder algumas das questdes acima, Em seu artigo sobre a “interpretagio ‘mutativa”, Strchey (1934) sustentou que 0 que cera transferido eram os objets internos, dando special énfase 8 modificasto do superego. ‘Aida de Klein (1952) sobre a existéncia de ‘bjetos intemos ofereceu uma explicagto di- ferente sobre a fungio da transferéncia, Do sou ‘ponto de vista, a ansiedade causada pelos con- fltos entre esses objetos internos dé origem & fuga na directo do objeto externo. Assim, a transferéncia consistiria em igualar o analista {objeto externa) com 0 objeto interno ou com aspectos do self, pelo mecanismo da iden- tiicago projetiva. O analista poderia epresentar parte do paciente € qualquer parte de seus ‘objetos internalizados. ‘Uma maneira de entender a transferéncia seria vé-la como um relacionamento vivo, do- tado de movimento ¢ de rudanga constante, Os pacientes podem, wo atrair 0 analista para seus Sistemas defensivos, tntarinduzilo a etuar. Tals cexperigneias se estendem geralmente para aléin das palavias,e sHo freqientemente detectaveis somente através da contratransferéacia. Os métodos tedricos técnicos de Klein pos- sibiitaram aleangar os pontos mais profundos do psiguismo e analisar as personlidades mais re- igressivas, 2 saber, psictica, borderline, nar- icopfice, perversa € outras. ‘Des autores clissicas que esereveram sobre este assutito, gostaria de mencionar espe ‘Galmente Heinrich Racker ¢ Paula Heimann, egos trabalhos, em minha opinifo, eotibutram muito para a sua compreensto. Racker (1960) assegura que, durante 0 curso do tratamento psicanaitco, 0 analista € 0 foco de todo amor, Gdio, snsiedade e defesas do analisando. “Heimann (1956) esereveu que a tansferéncia é "campo de batalha” onde 03 conflitos stusis ¢ infantis devem ser confrontados. A in- terpretagio da transferéneia € que consegue @ transformagao da repetigdo em modifcagao ~ Jato €, em mudangas dinficas nas quais 0 ¢g0 4o paciente pode perecher suas experiéncias cemocionais e se tornar consciente dos seus impulsos, justamente quando eles estio sendo ‘alivamente drigides para o objeto, oanalista, na ‘clagio imediata. O que caracteriza cssas cexperifncias,¢ leva a convicgdo, € a qualidade do imediatismo. Considero que isso se aplica no ‘6 20 paciente, mas também 20 analista. Voltaci ‘este ponto mais tarde, quando descrever como fesse grau de convicgio pode conferir a con- digdo de expecigncia viva sobre coras Fantasias {que podem aparecer em qualquer dos membros do par anatico. ‘As vezes, analistas da mesma escola adotam posigbes opostas no valor que conferem & ATRANSFERENCIA & TEMIDA PELO PSICANALISTA? transferéncia. Merton Gill (1981, psiblogo do ego, afirma que a interpretagio deve sempre acontecerno “aqui agora” da studio aalica, © que o significado transferencal € inerente 8s astociagies livres do paciente em todos os momentos do tratamento, Carl Adatto (1989), or outro lado, retira a imports do rlaco- snaento transfereneial. Na ua opin deve prestaratengo somente a funcionamento imrapsiquico do anlisando,¢ deve se lembrar «que 0 ponio crucial é a mente do paciente nio ‘aelagh dual apropriado rever as rares desa distinc intransponive entre opnibes sobre transferéncia, sustentadas por analistas que estdo, apa- rentemente, trabalhando com um miniimo de ‘ormas ténieas consensunis. Podera a “cruz” 4a transferéncia ser ainda uma carga tio pesada para alguns a ponto de que precisassem evitar ‘entrar em relacionamento com ela recorrendo a. uma teoria ou outa? Alguns autotes, em anos recentes, on sideram a ansfetncia como um amlgama do pasado e do presente. Conflitos primitivos podem ser entendios e resolvidos somente pot meio de uma experigneia no presents na cago como analista. Nesse sentido, uma entra de dois desses autores, Toras de Bed e Rall, comega com uma cloguente eitagio de Le lan para maravllosa (1925), do esentor espanol RM. del Valle-inlén, que resume, na opinio eles, todo papel da anise: ‘Caminhando através das sombras das me- rmérias, eu mal tinha @ sensagi0 de viver no: vamente naqueles remotos anos: a0 contrério, go indesertve, pois me dei conta de que Jamas algo fora abolido, na minha alma, Nunca eu tinha antes eaperimentado esse pressentimento de ternidade, que subitamente me apareceu, evo- ‘cand a infncia, € tomando-a uma ralidede noatro ireulo de tempo. © passado era como uma distante linha de verso que revive sua evocasto musical em conjuoto com outa linha em harmonia € que, sem ‘ada perder de seu significado iniial, adquite um significado mais profundo, (1986, p. 309) ‘Nada da inffincia foi perdido, diz 0 autor: 0 passado deve ser inscrito no tempo presente s2 ele deve contribuir para um novo © mais rofundo significado, sem perder seu significado 3 ‘original. Concordo: na minha opinito,o passado. ‘std vivo, jf que dew forma a fantasias in Cconscientes, vivas no presenie, Proust, com © _gtnio initivo do artista, ofereceu outra modema efinigdo de transferéncia em Remembrance of Things Past: Quando passamos de certs idade, alma da crianga que fomos ¢ a alas dos manos de que escendemos vém e chovem sobre nbs suas Fiquezas e encantamentos, podindo permissio para ‘contribuir para as novas emogSes que sents, as quais, apagando sua imagem anterior, nds remodelamos, numa criagdo original. [illicos meus] (ctado por Poland, 1992, p. 190) Isso € o que ocorre numa transferéncia clinica; também & uma crag original, em que f presente dé forma ao pasado, 20 mesmo tempo em que o passado dé forma ao presente. Cooper (1987) sugere dois coneits muito portanes de transferéncia: no primero, o modelo histricn, a tansferéncia€ vista como repetig de relages infants digas ao snalista 0 segundo. 0 modelo modernista, enfatiza 0 ‘meditismo da experiencia ajuda o pacente a perceber como seu carater, desejos ¢ ex- pectaivas auais tm sido influenciados pelo passado: aqui o analsta € um participate tivo «um regulador do processo analitico. ‘Cooper comenta que 8s vezes analista no pode tolerar 0 escrutinio imtenso da sua pessoa, de modo que ele nega a veracidade de suas Fraguezas © dois, o que pode fazer pane da transferéncia do paciente: nfo podendo in- texpretac essa transferEncia, com esses con- teddos, ele encoraja a decepeo ne relogio ane — lice, Este skim ponto € consistnte com as bservages acima, relalivas ao possvel emor do analista © a uma rejeigdo nko admitda da transferéncia. Tas rages por parte do analsta podem ser bem mais frequentes do que pen- samos. Consideremos as reagdes do analista a sferéncia negativa. Sabemos que Freud inguia dois ips de transfeéncia,potitiva © negeliva, a primeira envolvende sentimentos ée temura e, 2 sltima, sentimentos hosts. Os termes “postivo" e “negetivo™ qualficam so- ‘mente os aftostransfeidos ¢ nada dizem sobre 1s mepercusstes favordves ou desfavoriveis da

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