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Paradigmas de segurança

Artigos

no Brasil: da ditadura aos


nossos dias

Moema Dutra Freire


Moema Dutra Freire é bacharel em Relações Internacionais, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília,

especialista em Desenvolvimento Humano pela PUC-MG e doutoranda em Sociologia na Universidade de Brasília, na linha de

pesquisa “violência, gênero e cidadania”. É membro da equipe de Segurança e Justiça do Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento.

moemafreire@gmail.com

Resumo
Para melhor compreender a dinâmica atual da violência e as alternativas de políticas públicas disponíveis para

sua prevenção e controle, é imprescindível retomar a reflexão sobre o histórico das políticas de segurança no país.

Considerando as múltiplas possibilidades de especialização e diferenciação das instituições e suas respectivas formas

de atuação, a configuração exata escolhida em determinado local e período estará fortemente relacionada aos

conceitos e paradigmas que são a base da formulação da política pública de segurança. Dessa forma, este artigo realiza

uma análise histórica e propõe a caracterização de três paradigmas que influenciaram a formulação de políticas de
segurança desde a ditadura militar até hoje: a Segurança Nacional, a Segurança Pública e a Segurança Cidadã. São

apresentadas as características fundamentais de cada um dos paradigmas, bem como uma análise comparada dos

elementos que formam o núcleo paradigmático dessas três perspectivas conceituais. Segue-se o exame da trajetória

que caracterizou a transição entre paradigmas, adotando-se como marcos o advento da Constituição de 1988 e as

tendências em políticas públicas que acompanharam a promulgação da Constituição. Por fim, é realizado o debate

sobre os desafios e limites à aplicação prática da nova tendência paradigmática examinada: a Segurança Cidadã.

Palavras-Chave
Segurança Pública. Segurança Nacional. Segurança Cidadã. Políticas públicas.

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O aumento da percepção de insegurança
e a elevação dos índices de criminali-
dade têm colocado o debate sobre a efetividade
terminado local e período estará fortemente
relacionada aos conceitos e paradigmas que
são a base da formulação da política pública

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das ações de prevenção e controle da violência de segurança.
cada vez mais em evidência. Mas será que essa é
uma preocupação recente? Será que a violência O conceito de paradigma é adotado aqui
tem sido percebida da mesma forma ao longo como visões de mundo compartilhadas, que
das últimas décadas? E as políticas de segurança, influenciam a forma de pensar de determina-
adotaram sempre estratégias semelhantes? do grupo, em determinada época (KUHN,
2003, p.218), no que se refere não só à pro-
De fato, para melhor compreender a di- dução científica, mas também à formula-
nâmica atual da violência e as alternativas de ção de políticas públicas. Assim, identificar
políticas públicas disponíveis, é imprescindí- os distintos paradigmas que definem a
vel retomar a reflexão sobre o histórico das elaboração de políticas públicas de segurança
políticas de segurança no país. Nas últimas no Brasil, em diferentes períodos e localida-
décadas, identifica-se uma crescente produ- des, é essencial para se conhecerem melhor
ção acadêmica sobre a evolução da dinâmi- os objetivos dos formuladores de políticas
ca da violência e da criminalidade no país,1 e os resultados que estas podem trazer para
bem como sobre o histórico da atuação das a sociedade.
forças policiais.2 No entanto, observa-se uma
produção comparativamente reduzida sobre a Dessa forma, é importante mencionar que
dinâmica histórica das políticas de segurança as iniciativas na área de segurança têm sofrido
no país (SAPORI, 2007, p.110). variações significativas quanto aos seus objetivos
e estratégias ao longo das últimas décadas. Essas
Nesse sentido, o presente artigo busca variações estão diretamente associadas ao para-
contribuir para a compreensão da evolução digma conceitual que alimenta cada uma dessas
histórica dos paradigmas que influenciaram iniciativas.
– e influenciam – as políticas públicas de se-
gurança no país. Essa reflexão é importante, Este texto apresenta como recorte tem-
pois, considerando-se as múltiplas possibi- poral as últimas cinco décadas, num pe-
lidades de especialização e diferenciação das ríodo que compreende desde a ditadura
instituições e suas respectivas formas de atu- militar até hoje, sendo analisadas características
ação, a configuração exata escolhida em de- que permitem o delineamento de três

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paradigmas principais na área de segurança: mática. Nesse sentido, as transições entre
• Segurança Nacional, vigente durante paradigmas se aproximam mais de um
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a ditadura militar; processo do que de uma brusca ruptura.


• Segurança Pública, que se fortalece Essa coexistência pode ocorrer quando
com a promulgação da Constituição se considera não só a escala temporal,
de 1988; mas também a distribuição geográfica.
• Segurança Cidadã, perspectiva que Por exemplo, diferentes regiões do país
tem se ampliado em toda a América podem adotar políticas de segurança
Latina e começa a influenciar o deba- com base em diretrizes distintas, em um
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te em segurança no Brasil, a partir de mesmo período;


meados de 2000. • o histórico dos paradigmas no país in-
fluencia as características das políticas
No entanto, antes de iniciar o detalha- públicas de segurança subsequentes. Esse
mento sobre os três paradigmas descritos fenômeno é denominado “dependência
aqui, é importante a reflexão sobre algumas da trajetória” (NORTH, 1990). Em ou-
de suas propriedades: tras palavras, determinadas características
• os paradigmas analisados não são estan- paradigmáticas ganham tanta força que
ques, ou seja, não surgem com um con- acabam influenciando a direção na qual
junto de características que permanecem se dá o desenvolvimento do novo para-
inalteradas durante toda a sua vigência digma. Esta reflexão será aprofundada,
(POPPER, 1982). Pelo contrário, algu- mais adiante, na análise das característi-
mas dessas características sofrem trans- cas dos três paradigmas de segurança;.
formações ao longo do tempo, que até • um paradigma não é uma política públi-
podem indicar a transição para um novo ca. Os paradigmas são crenças, valores e
paradigma. No entanto, alguns traços conceitos que predominam no governo e
mais marcantes – que podem ser aqui na sociedade em determinada localidade
denominados de núcleo paradigmático e período. Mas isso não quer dizer que
– permitem identificá-los e diferenciá-los essas mesmas crenças, valores e concei-
de outros com características distintas; tos sejam automaticamente traduzidos
• os paradigmas não são excludentes. O em políticas públicas. Estes podem, sim,
advento de um novo paradigma não influenciar a sua formulação ou indicar
significa que todos os anteriores deixa- possíveis tendências, mas vários outros
ram de existir. Na verdade, dois ou mais fatores – como variáveis políticas, orça-
paradigmas podem coexistir em deter- mentárias, técnicas, etc. – também inci-
minado período. Assim, não é possível dem na conformação final das políticas.
identificar claramente as datas de início Esses fundamentos são essenciais para a com-
e término de um paradigma. É interes- preensão da trajetória histórica dos paradigmas
sante observar essa coexistência especial- em segurança no Brasil, conforme explanação
mente em períodos de transição paradig- a seguir.

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Segurança Nacional em 1967. A emenda constitucional de 1969
O conceito de Segurança Nacional foi ado- acrescentou a esse princípio o destaque para as

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tado no Brasil durante o período da ditadura Forças Armadas, com o argumento de que eram
militar (1964-1985), em que eram priorizadas essenciais à execução da política de Segurança
a defesa do Estado e a ordem política e social. Nacional, cabendo a estas promover a obtenção
Este processo iniciou-se pela tomada do poder e a salvaguarda dos objetivos nacionais. As For-
pelas Forças Armadas e pela instauração de um ças Nacionais, nesse contexto, emergiram assim
regime no qual o presidente detinha uma gran- como intérpretes da vontade nacional.
de soma de poderes. O período caracterizou-se

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por supressão de direitos constitucionais, cen- Um marco importante para a formulação da
sura, perseguição política e repressão a qualquer Doutrina de Segurança Nacional foi o treina-
manifestação contrária ao regime militar. mento de oficiais superiores das Forças Armadas
no National War College (centro de treinamento
A ditadura representou uma brusca e violen- do alto escalão do exército norte-americano),
ta ruptura do princípio segundo o qual todo po- que trouxeram para o Brasil uma ideologia vol-
der emana do povo e em seu nome é exercido. tada para a garantia de metas de segurança para
A perspectiva de Segurança Nacional era funda- implantar uma geopolítica para todo o Cone
da na lógica de supremacia inquestionável do Sul, no sentido de contenção do perigo de ex-
interesse nacional, definido pela elite no poder, pansão do comunismo.
justificando-se o uso da força sem medidas em
quaisquer condições necessárias à preservação Foi criado, então, um aparelho repressivo
da ordem. composto pelo Serviço Nacional de Informação
(SNI) e órgãos de informação das Forças Arma-
A base conceitual para atuação do Estado na das, como o Destacamento de Operações de
área de segurança, no período, fundamentava-se Informações – Centro de Operações de Defesa
na Doutrina de Segurança Nacional e Desen- Interna (DOI-Codi), cujo objetivo era garantir
volvimento, formulada pela Escola Superior de forma eficiente o bloqueio ou a eliminação
de Guerra (OLIVEIRA, 1976, p.34-35). Esta de qualquer força que exercesse pressão ou ame-
doutrina foi moldada em torno do conceito açasse o Estado de Segurança Nacional (BOR-
de Segurança Nacional, definido então como a GES, 2003, p.31). Com o recrudescimento do
habilidade de um Estado garantir, em determi- regime, instituiu-se a figura do “inimigo inter-
nada época, a obtenção e manutenção de seus no”, passando a ser potencialmente suspeito
objetivos nacionais, apesar dos antagonismos ou todo e qualquer cidadão que pudesse atentar
pressões existentes ou potenciais. contra a “vontade nacional”.

Dessa forma, o conceito de Defesa Nacio- Em suma, o paradigma de Segurança Na-


nal estava intimamente associado à defesa do cional caracteriza-se pela prioridade dada, ini-
Estado e este princípio foi expresso na primeira cialmente, ao inimigo externo, materializado
Constituição promulgada pelo regime militar, no combate ao comunismo, e, posteriormente,

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ao inimigo interno, correspondente a qualquer A partir dessas duas definições constitucio-
indivíduo percebido como contrário à ordem nais, percebe-se que o texto constitucional de
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vigente. A ameaça à segurança aqui é vista como 1988 inova em relação ao paradigma anterior,
tudo aquilo que atenta contra o Estado e contra ao destacar que a Segurança Pública é dever do
os interesses nacionais, intimamente associa- Estado e direito e responsabilidade de todos. No
dos aos interesses daqueles que estão no poder. entanto, na lista de responsáveis pela Segurança
Para a preservação dos interesses nacionais e a Pública, são mencionadas apenas as instituições
eliminação de atos percebidos como ameaça ao policiais federais e estaduais, não citando o papel
Estado, justifica-se a adoção de qualquer meio, de outros órgãos governamentais na prevenção à
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mesmo aqueles que demandem a violação de violência, ou mesmo a importância da atuação


direitos (que na época foram suprimidos) e até dos municípios e da comunidade.
mesmo o desrespeito à vida humana. Assim, a
atuação do Estado é incisivamente repressiva, É relevante destacar ainda que a perspectiva
por meio das Forças Armas e de órgãos especiais de Segurança Pública, ao suceder um paradigma
criados para este fim. no qual as Forças Armadas detinham a primazia
da preservação da ordem, preocupa-se em dife-
renciar os papéis institucionais das polícias e do
Segurança Pública Exército. Essa separação de papéis transcrita no
Logo após o término do período corres- texto da Constituição é importante, pois destaca
pondente à ditadura militar, promulgou-se a distinção entre Segurança Pública e Segurança
a Constituição de 1988, que, em seu artigo Nacional: a primeira é voltada para a manifesta-
144, estabelece que a Segurança Pública – ção da violência no âmbito interno do país e a
dever do Estado e direito e responsabilidade segunda refere-se a ameaças externas à soberania
de todos – é exercida para a preservação da nacional e defesa do território.
ordem pública e da incolumidade das pesso-
as e do patrimônio, por meio dos seguintes Para entender essa nova perspectiva, é inte-
órgãos: Polícia Federal; Polícia Rodoviária ressante lembrar o contexto da Constituição de
Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias 1988, que aprofundou os princípios de descen-
Civis; Polícias Militares e Corpos de Bom- tralização administrativa, conferindo a estados
beiros Militares. e municípios novos papéis. A responsabilidade
sobre a Segurança Pública, nesse conceito, passa
Em paralelo à definição do conceito e ao a ser prioritariamente dos estados, por serem es-
estabelecimento dos órgãos responsáveis pela tes os responsáveis pela gestão das polícias civil e
Segurança Pública, a Constituição expressa militar. Esse arranjo dotou os estados de autono-
ainda, em seu artigo 142, o papel das Forças mia na condução da política de segurança, mas,
Armadas, destacando sua responsabilidade ao mesmo tempo, dificultou a implementação
pela manutenção da segurança nacional, so- de diretrizes mínimas de uma política nacional
berania nacional, defesa da pátria e garantia de segurança, o que poderia trazer prejuízo para
dos poderes constitucionais. a prevenção e controle da violência e criminali-

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dade, pois a manifestação desses fenômenos não nasp conta com o Fundo Nacional de Segurança
respeita as fronteiras estaduais. Pública. Para o recebimento dos recursos finan-

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ceiros do Fundo, os estados devem apresentar
Nesse contexto, é importante mencionar o projetos, que, após análise e aprovação, são im-
papel de articulação entre os estados, atribuído plementados por meio da celebração de convênio
posteriormente ao governo federal. Em 1995 entre aquela Secretaria e as unidades federativas.
foi criada a Secretaria de Planejamento de Ações
Nacionais de Segurança Pública, transformada Assim, observa-se que a perspectiva da Se-
em 1997 em Secretaria Nacional de Segurança gurança Pública desloca o papel de prevenção e

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Pública (Senasp), à qual compete, entre outros, controle da violência das Forças Armadas para as
assessorar o ministro da Justiça na definição e instituições policiais. Nesse sentido, no paradig-
implementação da política nacional de seguran- ma da Segurança Pública, cabe primordialmente
ça pública, bem como acompanhar as atividades às instituições policiais a responsabilidade pelo
dos órgãos responsáveis pela segurança pública. controle e prevenção da violência. No entanto,
enquanto na perspectiva da Segurança Nacional
A Senasp passou então a buscar a articulação a violência era representada como as ameaças aos
entre as unidades federativas, visando a estrutu- interesses nacionais, no arcabouço da Segurança
ração do Sistema Único de Segurança Pública Pública esta é caracterizada como ameaça à inte-
(Susp). Inspirado no Sistema Único desenvol- gridade das pessoas e do patrimônio.
vido no âmbito das políticas de saúde (SUS), o
Susp objetiva articular as ações federais, estaduais
e municipais na área de segurança pública, pro- Segurança Cidadã
curando aperfeiçoar o planejamento e a troca A perspectiva de Segurança Cidadã surgiu na
de informações para uma atuação qualificada América Latina, a partir da segunda metade da
dos entes federados na área. O Susp não busca década de 1990, tendo como princípio a imple-
a unificação, pois reconhece a autonomia das mentação integrada de políticas setoriais no ní-
instituições que compõem o Sistema, mas sim a vel local (MARTIN et al., 2004). O conceito
integração, otimizando resultados. O Susp está de Segurança Cidadã começou a ser aplicado na
estruturado em seis eixos:3 Colômbia, em 1995, e, seguindo o êxito alcan-
• gestão unificada da informação; çado naquela localidade na prevenção e controle
• gestão do sistema de segurança; da criminalidade, passou a ser adotado então por
• formação e aperfeiçoamento de policiais; outros países da região.
• valorização das perícias;
• prevenção; O conceito de Segurança Cidadã parte da na-
• ouvidorias independentes e corregedorias tureza multicausal da violência e, nesse sentido,
unificadas. defende a atuação tanto no espectro do controle
como na esfera da prevenção, por meio de polí-
Para estimular a implementação das diretrizes ticas públicas integradas no âmbito local. Dessa
do governo federal materializadas no Susp, a Se- forma, uma política pública de Segurança Ci-

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dadã envolve várias dimensões, reconhecendo a • a s que buscam a inclusão social e a
multicausalidade da violência e a heterogeneida- diminuição de fatores de risco (álco-
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de de suas manifestações. ol, drogas, armas, etc.);


• as que têm como propósito a
Uma intervenção baseada no conceito de Se- melhoria dos contextos urbanos asso-
gurança Cidadã precisa, necessariamente, envol- ciados ao medo e ao perigo real (recu-
ver as várias instituições públicas e a sociedade peração de espaços públicos);
civil, na implementação de ações planejadas a • as que facilitam o acesso dos cidadãos
partir dos problemas identificados como priori- a mecanismos institucionais e/ou
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tários para a diminuição dos índices de violência alternativos de resolução de conflitos;


e delinquência em um território, englobando • a s que possuem foco na construção
iniciativas em diversas áreas, tais como educa- de capacidades institucionais, me-
ção, saúde, lazer, esporte, cultura, cidadania, lhoria da eficácia policial e das auto-
entre outras. Segundo este modelo, são defini- ridades executivas ou judiciais e da
das cinco categorias principais de intervenções confiança dos cidadãos em tais insti-
(PNUD, 2005, p.09): tuições.
• as dirigidas ao cumprimento voluntário A Figura 1 ilustra os pilares dessa perspectiva
de normas; conceitual.

Figura 1
Atuação das políticas públicas com foco em Segurança Cidadã

Violência Crime
Incidental

Criação de capacidades institucionais

Inclusão
Aproximação
social e
Cumprimento da justiça ao Fortalecimento
diminuição do
voluntário de cidadão da força
risco
normas pública

Melhoramento do entorno

Fonte: PNUD, 2005.

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No Brasil, é possível perceber tentativas apesar de observada a maior convergência
de aproximação a esse conceito nos últimos conceitual das políticas de segurança mais

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anos. Em 2003, a Secretaria Nacional de Se- recentes com o paradigma da Segurança Ci-
gurança Pública iniciou o projeto de coope- dadã, ainda permanecem diversos desafios
ração técnica “Segurança Cidadã”, em parce- para a aplicação prática dessa perspectiva.
ria com as Nações Unidas e com a colabora-
ção de técnicos colombianos que iniciaram Ao se examinarem as características do
a implementação do conceito em seu país. paradigma de Segurança Cidadã, especial-
Essa iniciativa demonstra o início da transi- mente quando comparadas àquelas existentes

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ção para um novo paradigma em segurança. nas perspectivas apresentadas anteriormente
No entanto, como ressaltado anteriormente, (Segurança Nacional e Segurança Pública),
a adoção de um novo marco conceitual não nota-se uma grande mudança conceitual. Na
significa sua imediata materialização na for- perspectiva de Segurança Cidadã, o foco é o ci-
ma de políticas públicas. dadão e, nesse sentido, a violência é percebida
como os fatores que ameaçam o gozo pleno de
É importante observar também uma carac- sua cidadania. Em outras palavras, permanece
terística atual da segurança no país, que influen- a proteção à vida e à propriedade já presente no
cia a transição entre paradigmas. Apesar da prer- paradigma de Segurança Pública, mas avança-
rogativa de articulação de políticas nacionais de se rumo à proteção plena da cidadania.
segurança conferida ao Ministério da Justiça,
como a característica federativa do Brasil confe- Quanto à forma de abordagem dessa violên-
re autonomia aos estados na condução das po- cia, é dado novo fôlego à importância da preven-
líticas de segurança em seus territórios, pode-se ção, que compõe, ao lado das iniciativas de con-
afirmar que este novo paradigma está presente trole, uma estratégia múltipla de tratamento.
de forma mais ou menos intensa nas diferentes
unidades da federação. Outra diferença importante está na distri-
buição de responsabilidades e competências
Uma reflexão semelhante pode ser apli- para prevenção à violência. A perspectiva de
cada para outra política governamental mais Segurança Cidadã defende uma abordagem
recente: o Programa Nacional de Segurança multidisciplinar para fazer frente à natureza
Pública com Cidadania (Pronasci). Algumas multicausal da violência, na qual políticas
premissas conceituais adotadas por essa polí- públicas multissetoriais são implementadas
tica demonstram indícios do aprofundamen- de forma integrada, com foco na prevenção
to da transição rumo ao novo paradigma aqui à violência. Nesse sentido, uma política pú-
examinado. No entanto, é importante lem- blica de Segurança Cidadã deve contar não
brar novamente que o arcabouço conceitual apenas com a atuação das forças policiais,
ou o paradigma que influencia o desenho de sendo reservado também um espaço im-
políticas não corresponde necessariamente portante para as diversas políticas setoriais,
aos seus resultados práticos. Nesse sentido, como educação, saúde, esporte, cultura, etc.

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No entanto, as políticas setoriais no âmbito A comunidade também é destaque nesse
de políticas de Segurança Cidadã possuem um processo: a gestão local da segurança aproxima
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diferencial: são elaboradas e implementadas os cidadãos da implementação da política, pos-


com foco na prevenção à violência. Nesse sen- sibilitando a eles uma maior atuação no tema
tido, uma política de educação que faz parte de e conferindo maior legitimidade às ações. As
uma estratégia de Segurança Cidadã deverá ter ações comunitárias ganham destaque nesse con-
como público-alvo, por exemplo, jovens em si- ceito e a construção de uma cultura cidadã na
tuação de risco em comunidades vulneráveis. comunidade, incluindo o respeito às normas de
convivência e a resolução pacífica de conflitos, é
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É imprescindível destacar ainda o papel um dos pilares das ações de prevenção.


conferido aos municípios e cidadãos na im-
plementação de uma política de Segurança
Cidadã. Em contraste com o paradigma ante- Análise comparada: núcleos
rior, em que as ações são de competência prin- paradigmáticos em contraste
cipalmente das instituições policiais federais, Com o objetivo de melhor compreender
na perspectiva de Segurança Cidadã, além do os três paradigmas de segurança aqui examina-
papel de suma importância das instituições po- dos, após a breve descrição realizada anterior-
liciais, é conferido também espaço de atuação mente, foram eleitas seis categorias de análise,
ao município, principalmente na gestão local apresentadas nos quadros a seguir, que auxi-
das políticas setoriais voltadas para prevenção liarão a identificar o núcleo paradigmático das
à violência. perspectivas estudadas.

Quadro 1
Segurança Nacional

Dimensão de análise Descrição


Proteção dos interesses nacionais, associados às preferências dos detentores
1. Objetivo
do poder.

2. Contexto histórico Ditadura militar.


Ameaça aos interesses nacionais, soberania e ordem pública. Atos contra o
3. Conceito de violência
Estado e elite no poder.
Eliminação de qualquer ameaça aos interesses nacionais, podendo ser
4. Papel do Estado adotados quaisquer meios para o alcance desse objetivo. Foco na atuação
das Forças Armadas.
Submissão plena aos interesses nacionais, definidos pela elite no poder.
5. Papel dos indivíduos
Indivíduos não participam das decisões. Direitos cassados.
Serviço de informações e inteligência para identificação de ações
6. Estratégia de política pública potencialmente ameaçadoras à ordem e interesses nacionais. Criação de
instituições de repressão a qualquer ato percebido como subversivo.

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Quadro 2
Segurança Pública

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Dimensão de análise Descrição
1. Objetivo Preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Redemocratização do país, elaboração da nova Constituição, fortalecimento da


2. Contexto histórico cidadania, movimento de descentralização e fortalecimento das competências
de estados e municípios.

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3. Conceito de violência Ameaça à integridade das pessoas e do patrimônio.

Controle e prevenção da violência. No entanto, maior foco é dado às estratégias


4. Papel do Estado de repressão à violência. Papel preponderante das instituições policiais na
implementação da política de segurança.

Direito ao voto é restabelecido. O texto constitucional menciona que a segurança é


5. Papel dos indivíduos papel de todos. No entanto, na prática, os indivíduos possuem pouca participação
na política. Indivíduos como beneficiários das políticas de segurança.

Foco na atuação policial, principalmente em estratégias de controle da violência.


Papel central dos estados na implementação das políticas de segurança, com o
6. Estratégia de política pública estabelecimento de diretrizes principais pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública. Sistema Único de Segurança Pública: estratégia de articulação entre os
estados e integração de informações e ações.

Quadro 3
Segurança Cidadã

Dimensão de análise Descrição


1. Objetivo Promoção de convivência e cidadania, prevenindo e controlando a violência.
Consolidação dos direitos de cidadania. Fortalecimento da participação social
2. Contexto histórico e da atuação da sociedade civil. Crescimento da violência, demandando
formas mais efetivas de prevenção e controle.
Fatores que ameaçam o gozo pleno da cidadania por parte dos indivíduos.
3. Conceito de violência Violência é multicausal, por isso demanda uma estratégia multissetorial de
prevenção e controle.
Implementação de políticas setoriais articuladas, com foco no âmbito local.
Governo federal, estados e municípios possuem papel nesse processo. Além
das instituições policiais, instituições responsáveis pelas políticas sociais
4. Papel do Estado
também participam da política. Nova importância é conferida à gestão local
da segurança, em contraste com a perspectiva anterior que mantinha a esfera
de atuação concentrada principalmente no âmbito estadual e federal.
O cidadão é central nessa perspectiva. O indivíduo é o centro da política e
5. Papel dos indivíduos seu principal beneficiário. Possui papel preponderante na gestão local das
políticas de Segurança Cidadã.
Implementação de políticas setoriais integradas voltadas para prevenção
6. Estratégia de política pública e controle da violência. Fomento à participação dos cidadãos e ao
desenvolvimento de ações direcionadas para a comunidade.

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Trajetória da evolução paradigmática dos e municípios, notadamente nas políticas
em segurança no Brasil de saúde e educação.
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Após a descrição dos três paradigmas em


segurança, é interessante fazer um breve exa- Por fim, a Constituição de 1988 deu ênfase
me de algumas tendências que marcaram a à universalização do acesso a políticas públi-
trajetória das políticas públicas no Brasil no cas, mas isso ocorreu em meio ao debate sobre
período estudado. Essas tendências estão dire- a importância da focalização dos esforços em
tamente relacionadas à Constituição de 1988, territórios e públicos-alvo mais vulneráveis.
que representa um marco para a estruturação Esse debate permanece nas arenas decisórias
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das políticas públicas atuais. Serão examina- em políticas públicas.


das aqui especialmente tendências ligadas de
forma mais direta a políticas públicas na área Mas qual a relação dessas tendências com
social, pois se referem mais claramente à evo- os paradigmas em segurança? É possível per-
lução posterior dos paradigmas em segurança, ceber que essas tendências aparecem de forma
destacando-se: semelhante nas transições paradigmáticas aqui
• o reconhecimento e a ampliação de examinadas. A Constituição de 1988 também
direitos de cidadania (políticos, civis, é marco para a área de segurança, ao consolidar
econômicos e sociais); uma nova perspectiva conceitual: a Seguran-
• a descentralização federativa; ça Pública. Nesta perspectiva, o movimento
• o debate sobre universalização versus correspondente à ampliação dos direitos de
focalização em políticas públicas. cidadania aparece refletido na reorientação do
foco da segurança: é estabelecida claramente a
A ampliação dos direitos de cidadania, in- diferença entre Segurança Nacional e Seguran-
tensificada com o fim do período ditatorial e ça do Cidadão. Os indivíduos ganham força
fortalecida pela Constituição de 1988, confere como público-alvo das políticas, em contraste
nova ênfase à participação social em políticas com o paradigma anterior, voltado para a sobe-
públicas. Ressalta-se o papel do cidadão não rania e os interesses nacionais.
apenas como beneficiário, mas também como
agente importante na formulação e no controle A descentralização também aparece de cer-
social de políticas públicas. A partir do adven- ta forma refletida nessa transição paradigmá-
to da nova Constituição, multiplicaram-se as tica inicial. Na perspectiva da Segurança Na-
experiências participativas, com especial desta- cional, o protagonismo era conferido às Forças
que para os conselhos de políticas públicas. Armadas, de organização federal. Já na Segu-
rança Pública, as polícias, principalmente civis
A Constituição de 1988 também refor- e militares, de responsabilidade dos estados,
çou a descentralização federativa na imple- assumem esse papel preponderante.
mentação de políticas públicas, especial-
mente quando consideradas as políticas na A Constituição de 1988 também estabele-
área social. Foi enfatizado o papel dos esta- ceu a universalização do acesso à política como

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princípio da área de segurança, ao ressaltar, em se manifestou plenamente no paradigma de
seu artigo 144, que a Segurança Pública é de- Segurança Pública, mas sim na perspectiva da

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ver do Estado e direito e responsabilidade de Segurança Cidadã.
todos. Ao se contrastar esse posicionamento
com o vigente durante o período ditatorial, Na Segurança Pública, a descentralização
pode-se perceber claramente a diferença: na alcança apenas o nível estadual, enquanto na
perspectiva da Segurança Nacional, a política Segurança Cidadã é dada nova ênfase à gestão
de segurança tinha como principal beneficiário local em segurança e a atuação municipal passa
o Estado e não o cidadão. a ser fundamental para aplicação desse concei-

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to. O mesmo ocorre com a participação social.
Após essa primeira análise, poder-se-ia con- Na Segurança Pública, existe a ideia de instau-
cluir que as tendências examinadas, que pos- ração de conselhos, mas na Segurança Cidadã
suem como marco a Constituição de 1988, a participação social é central: o indivíduo é o
surgem de forma idêntica na evolução das po- centro da política e seu principal beneficiário,
líticas sociais e na transição paradigmática em possuindo papel preponderante na gestão local
segurança. No entanto, a continuidade dessa das políticas de Segurança Cidadã. A partici-
análise, agora já abarcando as características do pação aqui extrapola os espaços institucionais
paradigma de Segurança Cidadã, permite uma dos conselhos, passando a ser vista como uma
conclusão adicional: a evolução dos paradig- mudança cultural.
mas em segurança seguiu um ritmo distinto,
de maturação mais lenta, do que aquele obser- Sobre a universalização da política, a Segu-
vado em outras políticas da área social. rança Pública já ressalta a importância de que
esta esteja ao alcance de todos os indivíduos.
Quando se observa o paradigma em saúde No entanto, na Segurança Cidadã, permanece
atualmente consolidado, percebe-se que, no o conceito de universalização, mas de forma
momento do advento da Constituição, este já combinada com a focalização de determinadas
havia atingido um grau de maturidade, o que ações, privilegiando públicos e fatores de risco
permitiu sua universalização, descentraliza- para a prevenção à violência.
ção articulada e organização de uma estrutura
participativa, em linha com o fortalecimento Ao se observar a trajetória paradigmática
dos direitos de cidadania, com um importante em segurança, constata-se que algumas das
papel desempenhado pelos conselhos. Dado tendências centrais para políticas públicas da
o avanço desse modelo, o Sistema Único de área social começam a ser aprofundadas apenas
Saúde, característico desse paradigma, foi in- com o advento da perspectiva de Segurança Ci-
clusive adotado como inspiração para a con- dadã. Em outras palavras, a nova tendência pa-
cepção do Sistema Único de Segurança Pública radigmática em segurança – a Segurança Cida-
(Susp). No entanto, o fortalecimento de alguns dã – incorpora e aprofunda características que
elementos presentes no SUS, que também ca- já estão presentes em outras políticas públicas
racterizavam a concepção inicial do Susp, não no Brasil. Por isso é ressaltada a manifestação

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tardia dessas tendências, quando comparada a na preponderância dessas instituições na im-
outras políticas, principalmente na área social. plementação das políticas de segurança, iden-
Artigos

Por consequência, seu amadurecimento tam- tificando as políticas sociais como elementos
bém ocorre em período posterior, o que acarre- alheios à esfera da segurança – e em uma pers-
ta alguns limites à aplicação prática dessa pers- pectiva operacional-repressiva. Mas essa bar-
pectiva conceitual, como examinado a seguir. reira cultural não é restrita às instituições de
segurança: muitos dos setores responsáveis por
políticas sociais apresentam também resistên-
Considerações finais: avanços e limites cia em relação a um trabalho articulado. Além
Paradigmas de segurança
no Brasil: da ditadura aos nossos dias
Moema Dutra Freire

rumo a um novo paradigma disso, a comunidade muitas vezes não percebe


A identificação e a análise dos principais a importância da sua colaboração para a pre-
elementos que compõem as perspectivas de Se- venção à violência, uma vez que um paradig-
gurança Nacional, Segurança Pública e Segu- ma reina não só sobre os tomadores de decisão,
rança Cidadã permitem observar uma interes- mas também sobre o povo.
sante trajetória paradigmática na formulação
de políticas públicas de segurança no país. Outros fatores que dificultam a plena assi-
milação da perspectiva no país correspondem
Nessa análise comparada, percebe-se a à característica centralizada da administração
tendência crescente de influência da pers- pública e à inexistência da prática de atua-
pectiva conceitual de Segurança Cidadã, que ção dos municípios em temas de prevenção e
se distingue das duas outras aqui examina- controle da violência. Como as polícias civil
das, principalmente no que diz respeito à e militar são de responsabilidade dos gover-
sua metodologia multidimensional de abor- nos estaduais, não é associada competência
dagem do problema da violência, bem como aos municípios na implementação de políticas
na atuação dos municípios e no papel pre- públicas voltadas para prevenção e controle da
ponderante conferido ao empoderamento e violência. Essa perspectiva muda ao se desta-
participação dos cidadãos na gestão local das car o papel das políticas setoriais na política
políticas de Segurança Cidadã. de Segurança Cidadã e também no estímulo à
participação dos cidadãos nessa política.
No entanto, apesar de essa perspectiva já
estar presente no Brasil de forma conceitual, Com relação ao conceito de atuação inte-
sua aplicação integral em todos os estados grada das instituições responsáveis pela for-
ainda não é observada, permanecendo a de- mulação e implementação de políticas seto-
manda de difusão do conceito, bem como riais (educação, saúde, cultura, esporte, etc.),
sua correspondente transposição prática. é importante mencionar outra dificuldade: a
atuação pulverizada dos diversos setores gover-
Essa difusão é naturalmente lenta, pois namentais, com baixa integração e articulação
esbarra muitas vezes em visões de mundo ar- e, mais ainda, baixa percepção do papel dessas
raigadas nas instituições policiais – centradas instituições setoriais em políticas de seguran-

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ça. Essas características demandam um grande segurança, em que os cidadãos devem desem-
esforço de gestão e sensibilização para o papel penhar um importante papel, oferecendo sub-

Artigos
das distintas áreas e esferas governamentais em sídios para a formulação de políticas públicas
uma política de Segurança Cidadã. (que devem estar de acordo com as necessida-
des da comunidade) e o seu acompanhamento.
Entretanto, como políticas baseadas no pa- Esse papel pode ser desempenhado, por exem-
radigma da Segurança Cidadã requerem neces- plo, pelos Conselhos de Segurança Pública, já
sariamente a integração de políticas setoriais, o existentes em muitas localidades e que contam
Estado tem aí a oportunidade de aprendizado com representantes da comunidade, mas que

Paradigmas de segurança
no Brasil: da ditadura aos nossos dias
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quanto à gestão integrada de políticas públi- demandam fortalecimento e sensibilização
cas. Essa contribuição ajudaria a combater um quanto aos aspectos da perspectiva de Segu-
problema recorrente no país: a fragmentação de rança Cidadã.
políticas públicas.
Assim, a assimilação definitiva desse novo
Já quanto ao estímulo à participação dos paradigma e sua transposição em práticas de po-
cidadãos, a perspectiva de Segurança Cidadã líticas públicas, como demandam uma mudan-
demanda também o reforço à gestão local da ça cultural, requerem maior tempo e esforço.

1. Ver Peralva (2000), Soares (2000) e Adorno (1995).

2. Ver Costa (2004).

3. Para maiores informações, ver: <http://www.mj.gov.br> .

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