MÓDULO 3 - SAÚDE DO TRABALHADOR NO CONTEXTO DO SUS
3.1 Introdução
A discussão sobre a saúde do trabalhador no contexto do SUS
impõe, inicialmente, colocar em pauta a discussão sobre o trabalho em saúde e as condições para sua realização nas instituições de saúde. Questões como: o que é o trabalho no mundo contemporâneo, qual o seu significado, e como ele tem sido desenvolvido já foram discutidas na Unidade I deste curso. Portanto, a proposta para este módulo centra-se nas condições do trabalho e em suas implicações para a saúde do trabalhador.
Nesse sentido, apresenta-se o seguinte objetivo de aprendizagem:
Compreender as interfaces saúde do trabalhador, condições de
trabalho e gestão do trabalho.
A relevância e a pertinência desse objetivo têm como base estudos
de alguns autores, como Pache, Passos e Hennington (2009), quando ressaltam que desumanização, desvalorização e alguns problemas de saúde que atingem os trabalhadores, tais como acidentes de trabalho, uso abusivo de álcool e outras drogas, depressão e outras doenças, estão relacionados à gestão e à organização do trabalho.
3.2 Políticas de saúde do trabalhador e condições de trabalho
De acordo com Santos e Lacaz (2011), os Programas de Saúde
do Trabalhador (PST) são hoje uma tendência mundial. Os autores destacam a influência de organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que preconizavam ações de saúde ocupacional nos serviços públicos de saúde desde a década de 1970. No Brasil, no final dos anos 1980, iniciam-se debates sobre a criação de centros regionais de saúde do trabalhador que seriam referência para a rede de serviços. Nesse contexto dos anos 1980, Lacaz (1997) enfatiza o papel substancial da Constituição Federal de 1988, precedida pela VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na continuidade pelas Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador que trouxeram as bases para assistência universal ao trabalhador acompanhada da prevenção, da intervenção nos ambientes de trabalho e da responsabilidade do SUS frente aos acidentes de trabalho e a outros agravos.
Apesar disso, Vasconcelos e Machado (2011, p. 37) apontam que
“o campo da saúde do trabalhador foi acolhido parcialmente pela saúde pública e vive em permanente desafio para o seu desenvolvimento técnico- operacional por dentro das práticas de saúde em geral”.
Santos e Lacaz (2011) ressaltam que a criação dos Centros de
Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) permitiu avanços setoriais e troca de experiências. Todavia, a falta de tradição, a familiaridade e o conhecimento dos profissionais de saúde sobre a determinação social do adoecimento e sobre a importância da valorização e participação dos trabalhadores levam à crônica incapacidade técnica para intervenção sobre os processos de trabalhos adoecedores.
Nessa perspectiva, Vasconcelos e Machado (2011) dizem que, a
despeito das várias iniciativas da saúde do trabalhador, ao longo dos anos, pós-promulgação da Lei no 8.080/90, poucas foram as inovações que podem indicar mudanças substanciais da Política Nacional de Saúde do Trabalhador. Assim, superar essa dificuldade e dar visibilidade às discussões sobre o campo da saúde do trabalhador se fazem pertinentes. Uma dessas inovações pode ser observada pela publicação da Portaria no 1679 de setembro de 2002 que criou a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), apontada como a principal estratégia do SUS para a promoção da atenção integral à saúde dos trabalhadores.
Segundo Lacaz (1997), a RENAST vem conformando uma nova
lógica no campo da saúde do trabalhador, baseada em parcerias intersetoriais entre os serviços de saúde, os serviços das vigilâncias epidemiológica, ambiental e sanitária e os órgãos de atuação nos ambientes de trabalho: Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT), Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Ministério Público (MP), Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), entre outros.
Na perspectiva de fortalecer a política de valorização do
trabalhador, a Política Nacional de Humanização, vista no Módulo 2 desta unidade, lança mão de várias diretrizes, destacando-se a valorização do trabalho e do trabalhador em saúde, denotando o reconhecimento da importância do trabalhador diante das dificuldades no contexto do trabalho, que vêm causando desmotivação, desumanização e comprometimento da saúde.
Na verdade, o que se observa nesse breve diálogo com essas
iniciativas é que o debate sobre o tema Política de Saúde do Trabalhador ora tem avançado e ora tem recuado, mas vem sempre se mantendo em pauta. O que essa gangorra expressa é o grau de prioridade dado à implantação da política nacional de saúde do trabalhador nos diferentes contextos políticos.
No campo da produção de conhecimento, estudos têm
demonstrado como a precariedade das condições de trabalho, que se expressa através da violação de direitos trabalhistas, da inadequação do ambiente de trabalho e do aumento da demanda e da produção vem interferindo, sobremaneira, na condição de saúde dos trabalhadores e também no modo de agir, pensar, sentir e fazer ou, nas palavras de Antunes (1999, p. 15), na “subjetividade da classe trabalhadora”. Na verdade, a existência de condições desencadeadoras de sofrimento, estresse e ansiedade é uma constatação que se faz presente no cotidiano do processo de trabalho em saúde, sendo muito significativo o número de agravos psíquicos entre os trabalhadores de saúde.
Segundo Dejours (1992), a vivência do sofrimento é influenciada
por vários fatores, destacando-se a divisão e a padronização de tarefas, a rigidez hierárquica, o excesso de procedimentos burocráticos, a centralização das informações, a falta de participação nas decisões, o não reconhecimento, a desestruturação das relações socioafetivas com os colegas, com o público e a pouca perspectiva de crescimento profissional. Assim sendo, o que desencadeia o sofrimento psíquico na execução de tarefas, gera um bloqueio na relação homem/trabalho, muitas vezes em decorrência das tentativas de adaptação entre a organização e o desejo individual, gerando vivências de desprazer (DEJOURS, 1992).
Tendo como base a abordagem psicodinâmica do trabalho, Mendes
(1995) define vivências de sofrimento como a manifestação de sensações de desgaste, cansaço e descontentamento com o trabalho; e vivências de prazer como as que são expressas a partir da valorização e do reconhecimento do trabalho por meio da aceitação e da liberdade de expressão, permitindo ao trabalhador o uso do seu poder criativo e inventivo para adequações às condições adversas na organização do trabalho.
Na percepção de Rollo (2007), vários fatores vêm contribuindo
para afetar a saúde dos trabalhadores no SUS, tais como: desproporção entre demanda e a capacidade de oferta de serviços, falta de trabalho em equipe, desconhecimento quanto aos resultados do trabalho, gestão autoritária ou omissa e a inexistência de espaço de conversa e enfrentamento dos problemas que surgem no dia a dia. Em decorrência desses fatos, é muito presente o sofrimento mental e físico nos trabalhadores de saúde, caracterizados pela sensação de incompetência, sentimento de culpa, diminuição da autoestima, agressividade, manifestações psicossomáticas e doenças que influenciam a qualidade e a efetividade das ações desenvolvidas no trabalho (ROLLO, 2007).
Por sua vez, Merlo (2011) evidencia que as mudanças na
configuração do trabalho vêm também influenciando as condições físicas dos trabalhadores da saúde no Brasil com o aparecimento de novos agravos, destacando-se a lesão por esforço repetitivo (LER), os distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho (DORT), os distúrbios mentais e de comportamento, a dorsalgia e a depressão.
A incorporação do tema da saúde do trabalhador pelo SUS
reconhece, nos ambientes e processos de trabalho, as condições que afetam a saúde “de quem trabalha”, influenciando na susceptibilidade aos riscos de adoecimento.
A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
A Renast, foi criada em 2002, por meio da Portaria no 1.679/GM,
com objetivo de disseminar ações de saúde do trabalhador, articuladas às demais redes do Sistema Único de Saúde, SUS. Com a definição da Política Nacional de Saúde do Trabalhador em 2005 (Brasil, 2005), a Renast passou a ser a principal estratégia da organização da ST no SUS, sob a responsabilidade da então Área Técnica de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, hoje Coordenação Geral da Saúde do Trabalhador, CGSAT. A Renast compreende uma rede nacional de informações e práticas de saúde, organizada com o propósito de implementar ações assistenciais, de vigilância, prevenção, e de promoção da saúde, na perspectiva da ST. Em sua atual formatação institucional, prevista na Portaria no 2.728 de 11 de novembro de 2009, a Renast deve integrar a rede de serviços do SUS por meio de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Além disso, elabora protocolos, linhas de cuidado, e instrumentos que favorecem a integralidade das ações, envolvendo a atenção básica, de média e alta complexidade, serviços e municípios sentinela. Essa Portaria também estabelece que a Renast seja implementada de forma articulada entre o Ministério da Saúde (MS), as Secretarias de Saúde dos estados, o Distrito Federal, e os municípios, com o envolvimento de outros setores também participantes da execução dessas ações. Definida dessa forma, a Renast se constitui em uma complexa rede que se concretiza com ações transversais, que incluem a produção e gestão do conhecimento, e todos os níveis e ações definidas. Grandes esforços e avanços têm sido feitos para a institucionalização da rede, e para a formalização de mecanismos de funcionamento, bem como a relação entre seus componentes.