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Agroecologia e Agroecossistema

Stephen R. Gliessman
Ciência & Ambiente 27 - Julho/Dezembro de 2003

A agricultura representa hoje, um sistema muito maior de elementos que se inter-


relacionam, tais como ambientais, sociais e econômicos.
A agricultura moderna vêm perdendo cada vez mais o balanço para a
sustentabilidade a longo prazo, especialmente pela crescente dependência de
combustíveis fósseis, insumos externos, degradação dos recursos naturais, ambientais,
genéticas e culturais, comprometendo seriamente as próximas gerações.
O ser humano, em especial o agricultor, tem que ver sua parcela (de terra e/ou na
vida) como uma piscina em um rio, mantendo ela sempre limpa, produtiva e sadia,
"utilizável" aos demais ao redor no tempo e no espaço.
É preciso "re-desenhar" a atual agricultura, para agriculturas de base ecológicas,
onde o ser humano é integrante do agroecossistema, respeitando o complexo sistema de
relações entre organismos, mantendo um equilíbrio estável mas dinâmico.
Dessa maneira, a agroecologia permite a análise das entradas e saídas de um
agroecossistema e suas complexas e múltiplas inter-relações, atentando-se para o
conjunto de inter-relações biológicas, físicas, químicas, ecológicas e culturais.
Considerando a ação antrópica na natureza para benefício e manutenção da vida
no planeta, Odum (2002) afirma que a agroecologia tem como base principal o conceito
de agroecossitema1.
As propriedades dos agroecossistemas também podem servir como indicadores de
sustentabilidade do mesmo. Quando convertidos em agroecossistemas, eles são: o fluxo
de energia; ciclos de nutrientes; mecanismos de regulação de populações; e equilíbrio
dinâmico do sistema), onde visa o desenvolvimento de práticas e técnicas dentro de
quatro componentes centrais para a sustentabilidade: fluxo de energia; ciclos de
nutrientes; mecanismos de regulação de populações; e equilíbrio dinâmico do sistema.

1. Fluxo de energia
A produção anual do sistema pode ser calculado em termos de produtividade ou
biomassa primária líquida, cada componente com um conteúdo de energia particular. A
intervenção humana altera uma ampla forma nesse fluxo de energia, marcada pelo alto
nível de dependência de insumos derivados do petróleo, que gera uma elevada perda
energética.
Para alcançar a sustentabilidade, a humanidade deve maximizar as fontes de
energia renováveis, suprindo energia para as interações tróficas, essenciais para manter
outras funções no ecossistema.

2. Ciclagem de nutrientes
Em um agroecossistema, a reciclagem de nutrientes pode ser mínima, e
quantidades significativas são perdidas no sistema com a colheita ou como resultado de
1
Um agroecossistema é criado quando a manipulação humana altera um ecossistema com o objetivo de
estabelecer a produção agrícola. Isso introduz várias alterações na estrutura e função do ecossistema e,
como resultado, altera várias propriedades-chave no nível do sistema. Essas propriedades - propriedades
emergentes - se manifestam quando todos os componentes do sistema são organizados.
lixiviação ou erosão devido à grande redução nos níveis biomassa permanente dentro do
sistema.
A agricultura moderna é dependente de um alto nível de insumos de nutrientes
sintéticos derivados do petróleo para substituir essas perdas. A sustentabilidade exige que
esses "vazamentos" sejam reduzidos ao mínimo e que os mecanismos de reciclagem são
reintroduzidos e fortalecidos.

3. Mecanismos de regulação de populações


A seleção ao longo do tempo tende para o estabelecimento da estrutura mais
complexa possível biologicamente dentro dos limites criados pelo meio ambiente, que
permite o estabelecimento de uma diversidade de interações trófica, em uma
diversificação de nichos. Devido a seleção genética, além da simplificação dos
agroecossistemas (a perda da diversidade de nichos e redução de interações tróficas),
populações de culturas ou animais raramente são auto-reprodutivas ou auto-reguladas,
elevando o perigo de uma epidemia catastrófica de "pragas". Um foco na sustentabilidade
requer a reintrodução de estruturas de relações diversas e interespécies que permitem o
funcionamento de mecanismos naturais de controle e regulamento. Devemos para isso,
aprender a trabalhar e aproveitar a diversidade, em vez de se concentrar na simplificação
do agroecossistemas.

4. O equilíbrio dinâmico
A estabilidade do sistema não é em estado fixa ou permanente, ao contrário, é um
estado dinâmico e altamente flutuante que permite a recuperação do ecossistema após
uma perturbação. Isso promove o estabelecimento de um equilíbrio ecológico que
funciona em o uso sustentado de recursos, que o ecossistema pode manter
indefinidamente ou pode ajustar se o meio mudar meio ambiente.
Para reintegrar a sustentabilidade, propriedades de resistência emergentes e
resiliência do sistema devem desempenhar um papel central na concepção e gestão de
agroecossistemas.
Devemos analisar tanto o imediato quanto o futuro design e gestão de
agroecossistemas para poder identificar os pontos-chave de cada sistema sobre os quais
a busca por alternativas e resolução deve ser focada. Devemos aprender a ser mais
competentes em nossas análises agroecológicas para evitar problemas ou mudanças
negativas antes que elas ocorram, em vez de lutar para corrigi-los. A abordagem
agroecológica fornece uma possível alternativa.

Aplicando a Agroecologia

O processo de entender a sustentabilidade de agroecossistemas têm sua base em


dois tipos de ecossistemas: ecossistema natural e agroecossistemas tradicionais. Os
sistemas tradicionais representa uma situação intermediária entre a agricultura
convencional (mínima sustentabilidade) e ao sistema natural (máxima sustentabilidade
através de um conjunto complexo entre plantas e animais, em sistemas adaptados
localmente).
Nesse sentido, os ecossistemas naturais são sistemas de referência para entender
a base ecológica para a sustentabilidade em um lugar particular. Os agroecossistemas
tradicionais proporcionam muitos exemplos de como uma cultura e seu entorno local vão
evoluindo com o tempo por processos que balanceiam as necessidades da população,
expressadas como ecológicas, tecnológicas e sócio-econômicas. Dessa forma, os
agroecossistemas tradicionais são os mais parecidos com os ecossistemas naturais,
geralmente enfocando no uso de recursos locais disponíveis e renováveis.
Nesse ínterim, a agroecologia cria um enfoque de investigação que pode-se aplicar
para convergir agroecossistemas convencionais e não sustentáveis a agroecossistemas
sustentáveis, mas esse processo de conversão de um agroecossistema a um desenho
mais sustentável é um processo complexo.
A função do agroecossistema se modifica na medida em que se reduz e elimina o
uso de insumos químicos sintéticos, enfatizando a reciclagem de nutrientes e recursos
locais, melhorando a estrutura do solo por meio da introdução de matéria orgânica e
aumentando da diversidade biótica natural.
Os agroecossistemas não são auto-suficientes, e dependem de processos naturais
para manter sua produtividade. Uma semelhança aos ecossistemas naturais permite que
os sistemas se sustentem, mesmo com remoção a longo prazo da biomassa, sem
grandes subsídios de energia não renováveis e sem impactos negativos no entorno
ambiental.
Comparados a sistemas convencionais, os agroecossistemas sustentáveis são
sujeitos a rendimentos mais baixos e variáveis devido a variação do tempo que ocorre de
um ano a outro. Essa redução em rendimentos pode ser compensada na perspectiva da
sustentabilidade, justamente pela vantagem de diminuição na dependência de insumos
externos, voltando-se ao controle natural de “pragas” e na redução de impactos negativos
à natureza.
Portanto, o desenho e manejo dos agroecossistemas sustentáveis, como um
enfoque, está em suas etapas formativas. Se constrói inicialmente sobre os campos da
Ecologia e das Ciências Agrícolas, emergindo como a ciência da Agroecologia. Essa
combinação pode exercer um papel importante no desenvolvimento do conhecimento
necessário para a transição a uma agricultura sustentável, incorporando perspectivas
culturais e ambientais.
É preciso reestabelecer uma consciência de bases ecológicas fortes, sobre as
quais a agricultura se desenvolveu originalmente e que é dela dependente. Essa base
ecológica deve vir acompanhada de uma base interdisciplinar (aspectos sociais,
econômicos e políticos) capaz de avaliar os impactos da agricultura ao meio ambiente.
Dessa maneira, o papel do agroecólogo é de assistir o agricultor na mediação e
monitoramento dessas mudanças durante o período de conversão para guiar, ajustar e
avaliar essa transição em uma perspectiva interdisciplinar. Esse enfoque proporciona o
marco essencial para determinar os requisitos para os indicadores de desenho e manejo
sustentável dos agroecossistemas.

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