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Para conhecer Sociolinguística:

fundamentos da teoria da mudança e variação linguística

Glenda Aparecida Queiroz MILANIO1

COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M.; NUNES de SOUZA, C. M. N e MAY, G. H. Para


conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.

Em Para conhecer Sociolinguística, Coelho; Görski; Nunes de Souza e May


(2015) apresentam um panorama dos estudos da Sociolinguística, descrevendo de
conceitos introdutórios às possibilidades de aplicação da teoria na prática pedagógica.
O livro é organizado em quatro capítulos, além da apresentação, das considerações
finais e da bibliografia. No primeiro capítulo, os autores contextualizam os estudos da
Sociolinguística, descrevendo o surgimento da teoria e seus fundamentos. No segundo
capítulo, a Teoria da Variação e Mudança Linguística é discutida, bem como os
problemas empíricos que orientam o desenvolvimento desses estudos. O terceiro
capítulo contempla os métodos utilizados na pesquisa da Sociolinguística. Por fim,
Coelho et al. (2015) avaliam a importância de se debaterem os fatos linguísticos,
propondo reflexões sobre a prática do ensino da língua portuguesa por meio dos estudos
da Variação e Mudança Linguística.
No capítulo inicial do livro, os autores descrevem os pressupostos teóricos da
Sociolinguística. Coelho et al. (2015) ressaltam que, para a compreensão da teoria, é
necessário considerar duas premissas. A primeira refere-se ao fato de a língua ser um
sistema organizado. Para os autores, essa organização é comprovada em função de os
falantes de diferentes de regiões do país, ainda que apresentem faixa etária e grau de
escolaridade distintos, serem capazes de se comunicar. O segundo princípio diz respeito
ao fato de a língua variar motivada por fatores determinados pelo contexto social ou
pelo próprio sistema linguístico. Nesse capítulo, ainda são contemplados os conceitos
introdutórios relacionados à teoria, como a noção de variedade, de variação, de variável
e de variante. A noção de variedade diz respeito às características da fala de um
determinado grupo. A identificação de uma variedade decorre a partir de critérios

1
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da FALE/UFMG – Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG – Belo Horizonte – MG – 31270-901. Email:
glendamilanio@hotmail.com. Bolsista CAPES.
distintos, podendo ser geográfico, social, sexo/gênero, ocupação/função ou ainda algum
hábito que permita reconhecer falantes de um determinado grupo. Sobre a variação,
Coelho et al. (2015) definem que são formas concorrentes em um mesmo contexto.
Entre vários exemplos de forma concorrente, isto é, forma variável, os autores citam a
mudança no paradigma pronominal do pronome pessoal de segunda pessoa (P2) –
tu/você. Segundo os autores, há variáveis de duas ordens, a variável linguística e a
variável extralinguística. A primeira diz respeito à categoria gramatical, isto é,
condicionadores de ordem linguística. Esse tipo de variável é nomeado como variável
interna, pois está relacionada a propriedades linguísticas, como questões morfológicas,
fonológicas e/ou sintáticas. Já a variável extralinguística aborda condicionadores sociais
como sexo/gênero, escolaridade, faixa etária, entre outros. Coelho et al. (2015) ainda
explicam o conceito de variante, que diz respeito às formas individuais coexistentes
que expressam uma mesma variável. Os autores salientam que dois princípios são
fundamentais para o reconhecimento de formas variantes: i) elas devem ser formas
intercambiáveis no mesmo contexto; ii) elas devem manter o mesmo significado
referencial/representacional. Os autores ainda elencam os níveis de variação, a saber:
lexical; fonológica; morfofonológica, morfológica e morfossintática; sintática e
discursiva. Coelho et al. (2015) também esclarecem os tipos de variação: variação
regional ou geográfica (diatópica), variação social (diastrática), variação estilística
(diafásica), variação na fala e na escrita. Por fim, os autores comentam a variação em
relação à identidade e à atitude, com base no clássico estudo de Labov (1972) sobre o
caso da ilha de Martha’s Vineyard.
O segundo capítulo inicia contextualizando o surgimento da Sociolinguística.
Os pesquisadores Uriel Weinreich, William Labov e Marvi Herzog defendiam que os
estudos linguísticos deveriam considerar fatores históricos e sociais, diferentemente de
outras teorias já existentes, como o Estruturalismo e o Gerativismo, que não
consideravam aspectos sociais, segundo Coelho et al. (2015). Assim, a partir do ano de
1966, Weinreich, Labov e Herzog fundamentam e postulam a Teoria da Variação e
Mudança, concebendo a língua como um fenômeno social. Coelho et al. (2015)
destacam que os estudos de Labov contribuíram muito para o desenvolvimento da teoria
e, até hoje, o autor é tido como a grande referência dos estudos da Sociolinguística. Os
autores ainda esclarecem alguns princípios sobre a teoria, sendo um dos principais, a
percepção de que a língua é um sistema inerentemente heterogêneo e ordenado,
formado por regras estruturadas, mas essas regras podem variar, uma vez que estão
condicionadas a fatores linguísticos e extralinguísticos. Partindo desses postulados, os
autores dedicam uma seção para discutir o preconceito linguístico e identificam outro
princípio importante da Sociolinguística: “as formas da língua veiculam, além de
significados referenciais/representacionais, significados sociais” (COELHO et al., 2015,
p. 66). Por fim, Coelho et al. (2015) analisam os problemas empíricos relacionados à
Teoria da Mudança e Variação Linguística. De acordo com os autores, são problemas
gerais que devem ser respondidos por pesquisadores, considerando dados empíricos.
Esses problemas buscam reconhecer desde os princípios gerais da língua, passando por
estágios de mudanças linguísticas, até a implementação de fenômenos. Diante disso, os
autores identificam cinco problemas, a saber: da restrição, do encaixamento, da
transição, da avaliação e da implementação.
No terceiro capítulo do livro, Coelho et al. (2015) descrevem os métodos
utilizados para a realização da pesquisa Sociolinguística. Os autores ressaltam a
importância dos informantes, além disso, esclarecem questões relacionadas à definição,
ao tamanho e à estratificação da amostra. Na seção seguinte, os autores citam Labov
(1972) para discutir aspectos metodológicos, enfatizando que o principal método é a
observação direta da língua falada em situações naturais. Em função dessa necessidade,
os autores destacam o problema do paradoxo do observador, pois se torna um desafio
coletar dados livremente em entrevista gravada, em um contexto de fala mais cuidada.
Os autores ainda destacam premissas metodológicas e os modelos de análise propostos
por Labov (1972) a partir de pesquisa de campo. Considerando os vários procedimentos
essenciais para a constituição de amostra, Coelho et al. (2015) citam que o Brasil já
possui vários bancos de dados disponíveis, como o NURC (Norma Linguística Urbana
Culta), o VARSUL, (Variação Linguística na Região Sul do Brasil) e o PEUL
(Programa de Estudos sobre Usos da Língua). Os autores ainda descrevem a realização
do processo de codificação dos dados e também mencionam a necessidade de recursos
computacionais, como os pacotes estatísticos para análise de regra variável. Por fim,
Coelho et al. (2015) apresentam os dados da pesquisa desenvolvida por Monguilhott
(2001) e destacam que, por meio de trabalhos baseados em dados estáticos, é possível
verificar um fenômeno em variação.
No quarto capítulo, Coelho et al. (2015) apresentam reflexões sobre como o
fenômeno da variação linguística pode ser abordado em sala de aula. Os autores
esclarecem que, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), já há o reconhecimento
de que existem diferentes variedades linguísticas no Brasil, entretanto admitem também
que há preconceito em relação a algumas variedades. Desse modo, os autores defendem
a necessidade de se entender e respeitar o quadro de variação linguística existente no
país e promover a reflexão, possibilitando ao aluno compreender as regras variáveis da
língua e os valores sociais associados às diferentes variantes. Em vista disso, os autores
discutem a necessidade de se debater sobre as competências sociocomunicativas em sala
de aula, para que o aluno seja capaz de adequar o uso das variedades a diferentes
situações. Coelho et al. (2015) ainda introduzem no debate algumas polêmicas
referentes à língua portuguesa, desde José de Alencar, no século XIX, ter sido
considerado um transgressor da língua à polêmica adoção do livro didático Por uma
vida melhor, de Heloísa Ramos. Diante dessas reflexões, considerando também a noção
de erro e de transgressão e ainda os processos de gramaticalização, os autores reforçam
o papel do professor-pesquisador em sala de aula, ao estimular os alunos a reconhecer e
a comparar os fatos linguísticos. Assim, os autores consideram que as pesquisas da
sociolinguística podem contribuir para o ensino da língua portuguesa, visto que
promovem reflexões mais amplas, pautadas no contexto sócio-histórico, possibilitando
um ensino mais crítico, mais produtivo e menos segregador.
Em suma, consideramos que Para conhecer Sociolinguística engloba conceitos
necessários para a iniciação ao campo da Teoria da Variação e Mudança Linguística, ao
abordar desde os princípios gerais aos desenvolvimentos recentes da teoria. Além disso,
o livro apresenta uma linguagem clara e de fácil entendimento. Dessa forma, além de
oferecer aos leitores iniciantes um panorama geral, torna-se um estímulo para o
aprofundamento nos estudos dessa corrente teórica, uma vez que traz uma descrição
minuciosa de trabalhos já realizados sobre a língua portuguesa, bem como discute
questões metodológicas para a realização de novas pesquisas. Por fim, o livro contribui
para o avanço da teoria, visto que fomenta reflexões sobre a Sociolinguística e a prática
pedagógica, tornando-se um convite a pensar sobre a importância do estudo da
variação/mudança linguística em sala de aula.

Referências bibliográficas

COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M.; NUNES de SOUZA, C. M. N e MAY, G. H. Para


conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.

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