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Curso: Reabilitação Urbana com foco em Áreas Centrais

Objetivos e estratégias do Plano de Reabilitação vinculados


à realidade de cada centro

Como vimos na unidade 2 do módulo I, algumas características se repetem em áreas


centrais de vários municípios em função do processo de evolução urbana e de
características físicas e/ou sociais. Com base nisso é possível definir tipos de centros
urbanos com o objetivo metodológico de facilitar a análise de problemas e a proposição
de estratégias de reabilitação mais adequadas a cada um dos tipos.

As estratégias de reabilitação urbana são escolhidas no momento da elaboração da


metodologia, ou seja, na definição da linha de atuação, da ideologia e dos objetivos
gerais do Plano de Reabilitação. Para definir tudo isso é necessário olhar para o centro e
tentar identificar o caráter daquela área e se ela se encaixa em um dos tipos descritos.
Durante a elaboração do diagnóstico, serão identificados os problemas e potencialidades
de cada perímetro, os quais irão naturalmente induzir ao estabelecimento de proposições
factíveis que deverão ser implantadas de acordo com a realidade daquele centro. Outras
vezes, a compatibilização de estratégias divergentes é um desafio posto como meta
idealizadora do plano.

Áreas centrais tradicionais SEM INTERESSE DO MERCADO: centros tradicionais que


sofreram perda das atividades econômicas, contribuindo para a estagnação de seu
crescimento e preservação do acervo de interesse cultural.
A baixa atividade econômica destas áreas por um lado colabora para a preservação
das características originais dos imóveis e por outro contribui para a degradação dos
edifícios pela sua má conservação.

Para este tipo de centro, a estratégica básica é promover a capacitação dos grupos
sociais existentes, aliada à dinamização econômica e preservação do patrimônio
cultural. Com essa estratégia se atinge tanto o objetivo de se manter parcela da
população local de menor poder aquisitivo, capacitando-a e oferecendo condições para
sua sobrevivência, ao mesmo tempo em que se garante a conservação dos imóveis. Mas
como a sustentabilidade da reabilitação depende da diversidade de usos, a estratégia
também deve prever a atração de empreendimentos habitacionais para outras faixas de
renda e o incentivo ao comércio e serviços, sobretudo de pequeno porte. A prefeitura
pode começar este processo reabilitando edificações para o uso institucional.
Complementarmente, é interessante realizar um levantamento das atividades
econômicas existentes na área e fomentar a constituição de cooperativas e/ou a
capacitação de mão de obra local. Um risco ao qual o município deve estar atento é
transformar a área em um cenário, como no tipo seguinte.

Áreas Centrais tradicionais SOB INTERESSE DO MERCADO DO TURISMO: centros


tradicionais que sofreram perda das atividades econômicas, com conseqüente
estagnação de seu crescimento e preservação do acervo de interesse cultural.
Enfrentam processos de especulação devido ao crescente interesse do mercado do
turismo pelo consumo cultural. Contribui para a preservação dos edifícios com a
injeção de recursos para sua conservação, mas também sofre com a espetacularização,
que gera cidades cenários, ao gosto dos consumidores de cultura, e interfere na
transformação natural dos territórios, impactando diretamente no estrato social
original, promovendo a gentrificação .

Para este caso é necessário atrair população de outros estratos sociais, seja de forma
permanente (moradores) ou transitória, de modo que o espaço possa ser apropriado por
todos. Para isso, podem-se utilizar instrumentos do Estatuto da Cidade como as Zonas
de Especial Interesse Social. Na área também podem ser inseridas instituições para
capacitação de pessoas de menor renda com a prerrogativa de que sejam empregadas
pelo mercado da indústria cultural ali inserido. A alternativa da locação social para
alguns imóveis também é uma ótima estratégia para se garantir a apropriação da área
por grupos de menor poder aquisitivo que não conseguem pagar os altos preços de
aluguel.

Áreas centrais SOB INTERESSE DO MERCADO IMOBILIÁRIO: estão associadas a


um status pelo mercado de alta renda, ocasionando um processo de especulação
territorial, com retenção de imóveis, pressão por adensamento de determinados usos e
classes sociais.
Conseqüências: concentração de ofertas de trabalho nestes territórios, com
adensamento de tráfego; perda de exemplares de interesse cultural; pressão para que o
poder público invista na modernização, ampliação de serviços de infraestrutura e
melhoria do fluxo de veículos; e o contínuo processo de reconstrução da paisagem de
forma muito rápida, sem haver de fato uma efetiva deterioração do patrimônio
edificado.

As melhores estratégias para se conter o processo de especulação onde há edifícios de


interesse cultural e o valor da terra é alto passa pela adoção de mecanismos de
preservação do patrimônio cultural, como o direito de preempção e o tombamento com
isenção de IPTU associado ao instrumento urbanístico da transferência do direito de
construir. Proporcional ao aumento do valor da terra, o aumento da alíquota do IPTU
deve ser adotado a fim de se aplicar os recursos para a melhoria da infraestrutura do
local, já que a área concentra empregos e tráfego de veículos. A aplicação deste imposto
também pode ser convertida na melhoria de outras áreas carentes, tendo em vista que a
melhoria da infraestrutura da área já especulada irá majorar este processo.

Áreas Centrais setorizadas SOB NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO: áreas centrais


com características específicas, como áreas industriais e portuárias, que necessitam de
processos de modernização de suas infraestruturas e processos operacionais para se
adequar ao mercado ou abandonadas que necessitam de um planejamento de
reocupação adequado às necessidades da população, de acordo com as disposições do
Plano Diretor.

Normalmente tratam-se de áreas com grandes edificações, algumas de interesse cultural,


e grandes vazios. Caso seja viável, uma parte do complexo pode ainda ser utilizada para
as atividades originais, caso ainda existam. As edificações de interesse cultural podem
ser aproveitadas para a implantação de equipamentos culturais, de lazer e convivência.
No caso dos vazios urbanos, pode propor usos complementares, tais como habitacional,
institucional, comércio ou serviços. Deve-se prever mudanças no sistema viário, pois o
local passará a atrair maior número de usuários. Uma estratégia para viabilizar o projeto
urbano é aplicar o instrumento da operação urbana consorciada ou o consórcio
imobiliário.

Novas Centralidades COM PROBLEMAS ESTRUTURAIS: áreas consolidadas pela


lógica de transformação urbana, em geral associada ao deslocamento e crescimento de
atividades econômicas onde o desenvolvimento ocorreu de forma desordenada, sem o
amparo de infraestrutura, gerando problemas de saneamento, mobilidade.

O foco aqui é a melhoria de infraestrutura, tendo em vista que o crescimento


populacional não foi acompanhado, na mesma proporção, pelo desenvolvimento de
sistemas viários, de esgotos, energéticos e de logística. A estratégia, portanto, deverá ser
sanar as debilidades por meio de projetos integrados nas áreas de saneamento,
iluminação, acessibilidade, trânsito, transporte e outros projetos específicos que se
relacionam a vocação assumida pela área. A instituição de parcerias público-privadas,
inclusive operações urbanas consorciadas, pode ser útil neste caso, para a coordenação
das intervenções de reabilitação.

Centralidades COM CONFLITOS SOCIAIS: áreas de disputas de grupos que utilizam


os territórios de acordo com suas necessidades de ocupação. Gerando conflitos devido
à falta de um ordenamento de posturas necessárias à qualidade do ambiente urbano.

A estratégia de pacificação social é o ponto chave para a sustentabilidade das


intervenções. Conflitos relacionados a camelôs, como o uso inapropriado do espaço
público, devem prever estratégias como a assinatura de Termos de Ajuste de Conduta,
onde os envolvidos pactuam pontos que podem abrir mão, enquanto o poder público
oferece opções de solução, como a construção de feiras em locais áreas subutilizados,
que não ofereçam transtorno para o escoamento viário. Também se deve pensar na
capacitação dos grupos sociais para a participação, trabalho, etc. Isso vale não só para a
população pobre, mas também para que os outros estratos sociais saibam conviver com
os demais. Conflitos relacionados à falta de habitações, que colabora para a violência à
noite quando comércio e serviços estão fechados, podem valer-se da estratégia da
adoção de um sistema de locação social para dar destinação a imóveis vazios de
proprietários que não tem recurso para promover a reabilitação de seus prédios, ou
mesmo fomentar a utilização de pavimentos superiores de lojas. Concomitantemente se
garante a ocupação por grupos de renda diversificada.

Depois de explicitadas essas possibilidades é importante ressaltar que o município deve


analisar o que é mais adequado à sua realidade, tanto no que se refere aos conflitos e
potencialidades, como à escala da cidade. É possível combinar estratégias pensadas para
mais de um tipo de centro, e essencialmente deve-ser ter em mente que há muitos outros
modelos e experiências que se relacionam a estas estratégias, não encerrado o assunto
nos exemplos acima.

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