Obra que se liga diretamente à anterior (Teoria da norma jurídica), em que se estudou a norma
jurídica, isoladamente considerada.
As normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com
relações particulares entre si → sempre em um ordenamento!
A palavra “direito”, entre seus vários sentidos, tem também o de “ordenamento jurídico” (Direito
romano, Direito brasileiro). “Direito” é palavra que pode ser usada tanto para indicar uma norma
jurídica particular como um determinado complexo de normas jurídicas.
Não há, até hoje, nenhum tratado completo e orgânico sobre todos os problemas que a
existência de um ordenamento jurídico levanta. Os problemas gerais do Direito foram mais
estudados do ponto de vista da norma jurídica, considerada COMO UM TODO QUE SE
BASTA A SI MESMO, do que do ponto de vista da norma jurídica considerada como
parte de um todo mais vasto.
Tais problemas vinham misturados a outros e não eram considerados merecedores de uma
análise separada e particular. A norma jurídica era a única perspectiva através da qual o
Direito era estudado. O ordenamento jurídico era no máximo um CONJUNTO DE
NORMAS, MAS NÃO UM OBJETO AUTÔNOMO DE ESTUDO, com seus problemas
particulares e diversos.
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do Direito → OBRA DE HANS KELSEN. Em sua obra “A teoria geral do Direito e do Estado”, a
análise da teoria do Direito está dividida em duas partes, “Nomostática” e “Nomodinâmica”.
Talvez pela primeira vez, no sistema de KELSEN, a teoria do ordenamento jurídico constitui
uma das duas partes de uma completa teoria do Direito.
No livro “teoria da norma jurídica”, nao foi possível dar uma definiçao do Direito do ponto de
vista da norma jurídica, considerada isoladamente.
Tivemos de alargar o nosso horizonte para considerar o modo pela qual uma determinada
norma se torna eficaz, a partir de uma organizaçao complexa que determina a natureza e a
entidade das sanções, as pessoas que devem exercê-las e a sua execução. ESSA
ORGANIZAÇÃO COMPLEXA É O PRODUTO DE UM ORDENAMENTO JURÍDICO!
Os critérios adotados para encontrar uma definição do Direito tomando como base a norma
jurídica ou não possibilitaram qualquer elemento característico da norma jurídica em relação a
outras categorias normativas (normas morais, normas sociais), conduzindo a um círculo
vicioso, ou acabam reconduzindo a um fenômeno mais complexo da organização de um
sistema de regras de conduta, que É JUSTAMENTE O ORDENAMENTO JURÍDICO! Logo,
saída era o reconhecimento da relevância do ordenamento para a compreensão do fenômeno
jurídico.
Nas tentativas realizadas pra caracterizar o Direito por meio da norma jurídica, houve quatro
critérios:
1. Critério formal: acredita ser possível definir o Direito através de algum elemento
estrutural das normas jurídicas. No que tange à estrutura, as normas podem ser
divididas em:
a. Positivas ou negativas: distinção que não oferece nenhum elemento
caracterizador do direito. Encontra-se em qualquer sistema normativo.
b. Categóricas ou hipotéticas: num sistema normativo, existem apenas normas
hipotéticas (se queres A, deves B; se é A, deve ser B). Em nenhuma dessas
formulações, há elemento característico das normas jurídicas. A primeira
formulaçao (se queres A, deves B) é própria de qualquer norma técnica. A
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segunda formulação (se A é, B deve ser) é comum a qualquer norma
condicionada.
c. Gerais (abstratas) ou individuais (concretas): distinção que não oferece nenhum
elemento caracterizador do Direito. Encontra-se em qualquer sistema normativo.
2. Critério material: extraído do conteúdo das normas jurídicas, isto é, das açoes reguladas
pela norma jurídica.
a. Critério inconcludente, porque as açoes reguladas sao todas as açoes possíveis
(que nao sao nem necessárias, nem impossíveis, portanto). Se norma comanda
açao necessária e proíbe açao impossível = inútil. Se norma proíbe açao
necessária e comanda açao possível = inexequível.
b. Campo das açoes possíveis é vastíssimo, e isso é comum tanto às regras
jurídicas como a todas as outras regras de conduta! Categorias que tentam
separar um campo de ações reservadas ao Direito só servem, na verdade, para
distinguir o Direito da Moral, mas nao das regras de costume que se referem
sempre a açoes externas e, muitas vezes, a ações intersubjetivas.
3. Critério do sujeito que põe a norma: teoria que considera jurídicas as normas postas
pelo poder soberano (aquele acima do qual nao existe nenhum outro num determinado
grupo social e que detém o monopólio da força).
a. Definido o Direito através do poder soberano, contudo, já se realizou o salto da
norma isolada para o ordenamento jurídico no seu conjunto. Quais sao esses
órgãos é o próprio ordenamento que estabelece.
b. Se é verdade que um ordenamento jurídico é definido pela soberania, também é
verdade que a soberania se define através do ordenamento jurídico!
c. Quando o Direito é definido pela soberania, o que vem em primeiro plano nao é
a norma isolada, mas o ordenamento. Equivale a dizer que a norma jurídica é
aquela que faz parte de um determinado ordenamento.
d. A soberania nao caracteriza uma norma, mas um ordenamento. Só caracteriza a
norma quando esta for considerada como parte integrante de um ordenamento.
4. Critério do sujeito ao qual a norma é destinada: pode apresentar duas variantes,
conforme se considere como destinatário da norma o súdito ou o juiz.
a. Súdito como destinatário da norma: norma jurídica seria a norma seguida da
convicção ou crença na sua obrigatoriedade. Mas o sentimento da
obrigatoriedade é o sentimento de aquela norma singular faz parte de um
organismo mais complexo. Da pertinência a esse organismo, vem o seu caráter
mais específico. Vemos, logo, através da norma, o ordenamento que a
compreende.
b. Juiz como destinatário da norma: ora, uma definiçao de juiz só pode ser obtida
se o ordenamento todo for levado em consideração. Mais uma vez, somos
reconduzidos da norma isolada para o sistema normativo.
Como se pode ver das tentativas de definiçao expostas acima, somos constrangidos a deixar
a norma e a abraçar o ordenamento.
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No livro anterior, a norma jurídica foi determinada através da sanção, e sanção jurídica através
dos aspectos de exterioridade e de institucionalização. Assim, definição de norma jurídica =
“norma cuja execução é garantida por uma sançao externa e institucionalizada”.
Necessidade em que se acha o teórico geral do Direito de deixar a norma em particular e olhar
para o ordenamento. Se a sanção jurídica é necessariamente institucionalizada, isso significa
que, para que haja Direito, deve haver uma organização, seja grande ou pequena → ou seja,
deve haver um sistema normativo completo. Procurar o elemento distintivo do Direito não em
um elemento da norma, como tentavam os critérios anteriores, mas em um complexo
orgânico de normas.
A pesquisa realizada no livro anterior é uma prova do caminho obrigatório que o teórico geral
do Direito percorre da parte ao todo. Mesmo partindo da norma, chega-se ao ordenamento
quando se quer entender o fenômeno do Direito.
O que se entende por norma jurídica? → O que se entende por ordenamento jurídico? → o
problema da definição do Direito encontra sua localização apropriada na teoria do
ordenamento jurídico, e não na teoria da norma.
Problema das normas não sancionadas: quando se fala de uma sanção organizada como
elemento constitutivo do Direito, nos referimos não às normas em particular, mas ao
ordenamento normativo tomado em seu conjunto. Assim, dizer que a sanção organizada
distingue o ordenamento jurídico de qualquer outro tipo de ordenamento não implica que
todas as normas daquele sistema sejam sancionadas, mas somente que são
sancionadas EM SUA MAIORIA!
Problema da eficácia: no caso de muitas normas da CF, elas são válidas, mas não são
eficazes, porque jamais foram aplicadas. Nesse caso, devemos deslocar a visão da norma
singular para o ordenamento considerado em seu conjunto! O problema da validade e da
eficácia, que gera dificuldades insuperáveis desde que se considere uma norma do sistema
(que pode ser válida sem ser eficaz), diminui se passarmos a nos referir ao ordenamento
jurídico, em que a eficácia é o próprio fundamento da validade (do ordenamento).
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uma norma jurídica? Esse problema é mal posto, porque é inútil procurar o elemento distintivo
de um costume jurídico na norma consuetudinária em particular. Uma norma consuetudinária
se torna jurídica quando vem a fazer parte de um ordenamento jurídico! Desse modo, o
problema passa a ser entender quais os procedimentos que levam uma norma consuetudinária
a fazer parte de um ordenamento jurídico.
→ o termo “direito”, quando se referir a direito objetivo, indica, por esse novo raciocínio, um
tipo de sistema normativo, não um tipo de norma (norma jurídica).
4. Pluralidade de normas
Deve estar claro que a expressão “direito” se refere a um dado tipo de ordenamento.
Para se conceber um ordenamento composto de uma só norma, seria preciso imaginar uma
norma que se referisse a TODAS AS AÇÕES POSSÍVEIS, qualificando-as em uma única
modalidade.
Logo, é inconcebível um ordenamento que regule todas as ações possíveis com uma única
modalidade normativa. Não se pode abraçar todas as ações possíveis com um único juízo de
qualificação.
Mas se pode conceber um ordenamento que ordene ou proíba uma única ação. Seria o caso
de ordenamentos muito simples, que consideram como condição para pertencer a um
determinado grupo ou associação apenas a execução de uma obrigação. Mas um
ordenamento concebido dessa maneira não pode ser considerado como um ordenamento
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composto de uma única norma. Toda norma particular que regula uma ação implica uma
norma geral exclusiva (norma que subtrai daquela regulamentação particular todas as
outras ações possíveis). Dizer que X é obrigatório implica dizer que não-X é permitido.
Com a incidência da norma geral exclusiva, há, sempre, DUAS NORMAS: a norma particular e
a norma geral exclusiva, ainda que haja apenas uma norma particular expressamente
formulada. Dessa forma, mesmo o ordenamento mais simples é composto de, pelo menos,
duas normas.
Mesmo que um ordenamento jurídico possa ser reduzido à ordem de não causar dano a
ninguém, ainda haverá duas normas: uma que prescreve não causar dano a outrem e outra
que autoriza a fazer tudo o que não cause dano a outrem.
Até agora, quando falamos de normas, nos referimos a normas de conduta. Mas, em todo
ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, chamadas de
normas de estrutura ou normas de competência (prescrevem as condições e os
procedimentos pelos quais emanam normas de conduta válidas). Nao determinam uma
conduta, mas fixam condições e procedimentos para produzir normas válidas de conduta.
1. Saber se essas normas constituem uma unidade. Problema da hierarquia das normas.
Teoria da unidade do ordenamento jurídico.
2. Saber se o ordenamento jurídico também é um sistema. Problema das antinomias
jurídicas. Teoria do sistema do ordenamento jurídico.
3. Saber se o ordenamento jurídico também pretende ser completo. Problema das
lacunas do Direito. Teoria da plenitude do ordenamento jurídico.
4. Saber se os ordenamentos possuem relações entre si. Problema do reenvio de um
ordenamento a outro. Teoria das relações entre ordenamentos.
Pretensão de traçar as linhas gerais de uma teoria do ordenamento jurídico. Destinada a
continuar e a integrar a teoria da norma jurídica.
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1. Fontes reconhecidas e fontes delegadas
Na realidade, os ordenamentos são compostos por uma infinidade de normas (que, como as
estrelas no céu, jamais alguém consegue contar).
A dificuldade de rastrear todas as normas que constituem um ordenamento guarda relação com
o fato de, geralmente, essas normas não derivarem de uma única fonte.
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Assim, em cada ordenamento, ao lado da fonte DIRETA, temos fontes INDIRETAS, que podem
ser divididas em FONTES RECONHECIDAS e FONTES DELEGADAS.
O ponto de referência último de cada ordenamento será sempre o poder originário, que é a
fonte das fontes, poder além do qual não existe outro pelo qual se possa justificar o
ordenamento jurídico. Distinção entre fontes originárias e fontes derivadas.
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Pensamento jusnaturalista: o poder civil originário se forma a partir de um estado de
natureza, por meio de um procedimento característico do contrato social. Mas há duas
maneiras de conceber o que é esse contrato social.
Hipótese hobbesiana do contrato social: quem estipula o contrato renuncia
completamente a todos os direitos do estado natural, e o poder civil nasce sem limites. Logo,
toda limitação futura terá a natureza de autolimitação (limite interno). Direito natural
desaparece completamente ao dar vida ao Direito positivo. A soberania civil nasce absoluta,
sem quaisquer limites. Ordenamento positivo é concebido como tábula rasa de todo o direito
preexistente. Cada limite do poder soberano é autolimitação.
Hipótese lockiana do contrato social: o poder civil é fundado com o objetivo de
assegurar o melhor gozo dos direitos naturais (vida, propriedade, liberdade) e, assim, nasce
originariamente limitado por um direito preexistente. Direito positivo é instrumento para a
completa atuação do direito natural. A soberania civil já nasce limitada (pelo direito natural).
Ordenamento positivo é concebido como emergente de um estado jurídico mais antigo que
continua a subsistir. Os limites do poder soberano podem ser originários e externos.
Por sua vez, o poder de negociação pode ser explicado com ambas as hipóteses. Ora como
uma espécie de direito do estado natural, reconhecido pelo Estado, ora como uma delegação
do Estado aos cidadãos.
3. As fontes do Direito
O que se entende por “fonte”? “Fontes do direito” são aqueles fatos ou atos de que o
ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas. O ordenamento
jurídico, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual as
regras devem ser produzidas. O ordenamento jurídico regula a própria produção normativa!
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Em cada grau normativo, encontraremos normas de conduta (normas dirigidas diretamente a
regular a conduta das pessoas) e normas de estrutura (normas destinadas a regular a
produção de outras normas).
As leis ordinárias não são todas dirigidas aos cidadãos, porque muitas têm a função de
oferecer aos juízes instruções sobre o modo pelo qual as normas individuais e concretas, que
são as sentenças, devem ser produzidas. Logo, nem sempre serão normas de conduta,
podendo ser normas para a produção de outras normas (normas de estrutura).
Para as normas de primeira instância (normas de conduta), vige a classificação tripartite, que
as divide em imperativas, proibitivas e permissivas. Para as normas de segunda instância
(normas de estrutura), há NOVE TIPOS:
Cada ordenamento tem uma norma fundamental, que é responsável por dar unidade a todas as
outras normas. Forma um conjunto unitário que pode ser chamado de “ordenamento”.
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O ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, todas as fontes
do direito podem ser remontadas a uma única norma.
O ato executivo (de cumprir uma obrigação contratual, por exemplo) está ligado, ainda que
mediatamente, às normas constitucionais. Essas normas constitucionais são produtoras, em
diversos níveis, das normas inferiores. Contudo, numa estrutura hierárquica, os termos
“execução” e “produção” são relativos, porque a mesma norma pode ser considerada, ao
mesmo tempo, executiva (em relação à norma superior) e produtiva (em relação à norma
inferior). Todas as fases de um ordenamento são, ao mesmo tempo, executivas e produtivas, à
exceção da fase de grau mais alto (constituída pela norma fundamental) e da fase de grau mais
baixo (constituída pelos atos executivos).
Essa lógica pode ser explicada pela noção de poder-dever. A produção jurídica expressa um
poder (originário ou derivado) e a execução revela o cumprimento de um dever. Poder e dever
são dois conceitos correlatos, um não pode ficar sem o outro.
Poder → capacidade que o ordenamento jurídico atribui a esta ou aquela pessoa de colocar em
prática obrigações em relação a outras pessoas.
Não há obrigação em um sujeito sem que haja um poder em outro sujeito. Mas pode haver
poder sem nenhuma obrigação correspondente → caso em que, ao poder, não corresponde
uma obrigação, mas uma sujeição (direitos potestativos).
De toda forma, uma relação jurídica é composta pelo poder de um sujeito e o dever de outro
sujeito. Termos correlativos da relação jurídica.
Embora todos os ordenamentos tenham a forma de pirâmide, nem todas as pirâmides têm o
mesmo número de andares.
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5. Limites materiais e limites formais
Quando um órgão superior atribui um poder normativo a um órgão inferior, não atribui um poder
ilimitado, estabelecendo também os limites para que o poder seja exercido. Assim como o
exercício do poder de negociação ou do poder jurisdicional são limitados pelo Poder
Legislativo, o exercício do Poder Legislativo é limitado pelo poder constitucional.
Conforme se vai de cima para baixo na pirâmide do ordenamento jurídico, o poder normativo
vai se tornando mais circunscrito.
Os limites utilizados pelo poder superior para restringir e regular o poder inferior são de dois
tipos:
Os dois limites podem ser impostos contemporaneamente, mas pode haver um sem que haja o
outro.
Esses limites delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente. Fora deles, a
norma está sujeita a ser declarada ilegítima e a ser expulsa do sistema.
Quando a lei constitucional atribui aos cidadãos, por exemplo, o direito à liberdade religiosa,
limita o conteúdo normativo do legislador ordinário, proibindo-lhe de estabelecer normas que
tenham como conteúdo a restrição ou a supressão da liberdade religiosa.
Quando a Constituição determina que o Estado deve providenciar a instrução até uma certa
idade, atribui ao legislador ordinário um limite positivo; quando atribui certos direitos de
liberdade, estabelece um limite negativo, proibindo-lhe de emanar leis que reduzam ou
eliminem aquela esfera de liberdade.
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Se olharmos para a passagem da lei ordinária para a decisão judicial, normalmente
encontraremos ambos os limites. As leis relativas ao direito material podem ser configuradas
como verdadeiros limites materiais ao poder normativo do juiz. As leis relativas ao
procedimento constituem limites formais da atividade do juiz.
Em geral, os vínculos do juiz no que diz respeito à lei são maiores do que aqueles existentes
para o legislador ordinário quanto à Constituição.
“Juízos de equidade” → juiz está autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma
norma legal preestabelecida. Autorização, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite
material imposto pelas normas superiores. Isso é muito raro, porque, se os limites materiais
não derivarem de leis escritas, poderão derivar de outras fontes superiores, como o costume ou
o precedente judicial.
As normas relativas aos contratos são geralmente destinadas a determinar o modo pelo qual o
poder de negociação deve ser exercido para produzir consequências jurídicas, e não a matéria
sobre a qual esse poder deve ser exercido. Logo, no que tange à autonomia privada,
interessam mais os limites formais do que o próprio âmbito material, embora também possam
haver limites materiais (exemplo: testamento).
6. A norma fundamental
Porém, se o poder constituinte é o poder último, está pressuposto que exista uma norma que
atribui ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jurídicas → ESSA NORMA É A
NORMA FUNDAMENTAL! A norma fundamental atribui aos órgãos constitucionais o poder de
fixar normas válidas e, ao mesmo tempo, impõe aos demais o poder de obedecê-las.
A norma fundamental não é expressa, mas nós A PRESSUPOMOS para fundar o sistema
normativo. Para fundar o sistema normativo, faz-se necessária uma norma última, além
da qual seria inútil ir. É uma norma única, da qual todas as outras derivam direta ou
indiretamente. Essa norma única é aquela que impõe obedecer ao poder constituinte, que dá
origem às leis ordinárias, que dão origem aos regulamentos, decisões judiciais… É o ponto de
apoio do sistema, é aquela de onde deriva o poder primeiro.
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O poder constituinte é um poder jurídico, mas também é o produto de uma norma jurídica → a
norma jurídica que produz o poder constituinte é a norma fundamental. Ainda que não
seja expressa, é o fundamento subentendido da legitimidade de todo o sistema. É o
pressuposto de obediência às leis que derivam da CF e à própria CF.
Pertinência de uma norma a um ordenamento → VALIDADE. Uma norma existe como norma
jurídica, ou é juridicamente válida, enquanto pertence a um ordenamento jurídico. Se ela for
válida, então será obrigatório conformar-se a ela.
Mas como o juiz ou o cidadão faz para distinguir uma norma pertencente ao sistema de uma
norma que não pertence ao sistema?
A primeira condição para que uma norma seja válida é que advenha de autoridade com poder
legítimo para estabelecer normas jurídicas. De grau em grau, para descobrir qual é esse poder
legítimo, chegamos ao poder supremo, cuja legitimidade é dada por uma norma além da qual
não existe outra, sendo a própria norma fundamental. É esse o modo pelo qual se pode
estabelecer se uma norma é válida: remontando, de grau em grau, de poder em poder, até a
norma fundamental. Uma norma é válida quando puder ser reinserida na norma
fundamental.
A norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a
um ordenamento → é o fundamento de validade de todas as normas do sistema e,
também, o seu princípio unificador.
a. Todo poder vem de Deus. Foi autorizado por Deus a formular normas jurídicas válidas.
b. Derivação da lei natural, revelada ao homem por meio da razão. Teorias jusnaturalistas
descobrem um outro direito, superior ao direito positivo, que deriva não da vontade do
homem, mas da própria razão que é comum a todos os homens.
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c. Poder deriva de uma convenção originária, consubstanciada em um contrato social, isto
é, num acordo originário entre aqueles que se reúnem em uma sociedade, ou entre os
membros de uma sociedade e aqueles aos quais é confiado o poder. Deriva da vontade
consentida dos que dão vida à sociedade.
7. Direito e força
A teoria da norma fundamental é objeto de outra crítica frequente (para além de qual o
fundamento da norma fundamental) → diz respeito ao conteúdo da norma fundamental. O
poder originário, que, segundo a norma fundamental, deve ser obedecido, configura o
conjunto das forças políticas que, num determinado momento histórico, tomaram o
domínio e instauraram um novo ordenamento jurídico. Dessa forma, fazer depender todo o
sistema normativo do poder originário seria reduzir o direito à força?
Colocar o poder como fundamento último de uma ordem jurídica positiva não quer dizer reduzir
o Direito à força, mas simplesmente reconhecer que a força é necessária para a realização do
Direito. É apenas reforçar a ideia de que o Direito é um ordenamento com EFICÁCIA
REFORÇADA. O ordenamento jurídico existe enquanto se mantém eficaz.
Quem teme que a ideia de norma fundamental reduza o direito à força está mais preocupado
com a ideia de justiça, que não é que ora se discute. A norma fundamental está na base do
Direito como ele é (Direito positivo), e não do Direito como deveria ser (Direito justo). A norma
fundamental dá a legitimação jurídica, não moral, do poder. O Direito, como ele é, é a
expressão dos mais fortes, não dos mais justos. Melhor se os mais fortes forem, também, os
mais justos…
A força é um instrumento para a realização do Direito. Mas há outra ideia, defendida por ROSS
e KELSEN, que sustenta que a força é objeto da regulamentação jurídica, sendo o Direito um
conjunto de normas que regulam o exercício da força numa determinada sociedade.
As regras para o exercício da força são, num ordenamento jurídico, uma porção de regras que
serve para organizar a sanção e tornar as normas de conduta e o próprio ordenamento mais
eficazes. O objetivo do legislador é organizar a sociedade mediante a força, e não organizar a
força! (Crítica à ideia de ROSS e KELSEN, que confundem a parte com o todo, o instrumento
com o fim)
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No capítulo anterior, demonstrou-se que apenas se pode falar de unidade do ordenamento
jurídico quando se pressupõe como base deste ordenamento uma norma fundamental com a
qual se relacionem, direta ou indiretamente, todas as demais normas do ordenamento.
A próxima pergunta a ser respondida é: além de uma unidade, o ordenamento jurídico constitui,
também, um sistema? Por SISTEMA, entende-se uma totalidade ordenada, um conjunto de
entes em que exista uma certa ordem. Deve haver não apenas um relacionamento com o todo,
mas também um relacionamento de coerência dos elementos entre si.
As normas que compõem o ordenamento estão num relacionamento entre si? Se sim, em que
condições esta relação de coerência é possível?
Análise do conceito de sistema feita por Kelsen. Distinção entre dois tipos de sistema nos
ordenamentos normativos: sistema estático e sistema dinâmico.
Exemplo didático → pai ordena ao filho que faça a lição. Filho questiona por quê. Se o pai
responder “porque deves aprender”, essa justificação tenderá à construção de um sistema
estático. Se o pai responder “porque deves me obedecer”, essa justificação tenderá à
construção de um sistema dinâmico.
Depois de fazer essa distinção, Kelsen sustenta que os ordenamentos jurídicos são sistemas
dinâmicos. Sistemas estáticos seriam os ordenamentos morais.
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Mas que ordem pode haver entre as normas de um ordenamento jurídico, se o critério de
enquadramento é puramente formal, referente não à conduta regulada, mas unicamente à
maneira como foram postas? Da autoridade delegada poderá emanar qualquer norma? E com
base nesse critério somente formal, poderíamos falar, ainda, de um sistema, de ordem, de
totalidade ordenada num conjunto de normas no qual duas normas contraditórias fossem
ambas legítimas?
Num sistema dinâmico, duas normas em oposição são perfeitamente legítimas. Para julgar a
oposição de duas normas, é necessário examinar o seu conteúdo, não bastando se referir à
autoridade de que emanaram. Mas um ordenamento que admita a existência, em seu seio, de
entes em oposição entre si, poderá ser chamado de “sistema” propriamente dito?
Nessas condições, é preciso esclarecer em qual sentido, em quais condições e dentro de quais
limites é possível falar em um sistema normativo de natureza dinâmica.
Existe uma tendência constante da jurisprudência de considerar o Direito como sistema, o que
fica provado pela utilização comum da interpretação sistemática, entendida como forma de
interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um
ordenamento, ou de uma parte do ordenamento, constituam uma totalidade ordenada e,
portanto, seja lícito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma
deficiente recorrendo ao chamado “espírito do sistema”, mesmo indo contra aquilo que
resultaria de uma interpretação meramente literal.
O termo “sistema” é um daqueles termos de muitos significados, que cada um usa conforme
suas próprias conveniências.
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vêm a existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas. As
normas de um ordenamento têm um certo relacionamento entre si, que é o
relacionamento de compatibilidade, o que implica a exclusão da incompatibilidade.
a. Dizer que as normas devem ser compatíveis não quer dizer que se encaixem
umas nas outras, que constituam um sistema dedutivo perfeito. Aqui, o sistema
jurídico não é um sistema dedutivo, é apenas uma ordem que exclui a
incompatibilidade das suas partes simples. Num sistema dedutivo, se uma
contradição aparecer, todo o sistema ruirá. Num sistema jurídico, contudo, a
admissão do princípio que exclui a incompatibilidade tem por consequência,
caso haja incompatibilidade entre duas normas, não a queda de todo o sistema,
mas apenas de uma das duas normas ou, no máximo, de ambas as normas
incompatíveis entre si.
b. Para se considerar o enquadramento de uma norma no sistema, não bastará
mostrar a sua derivação de uma das fontes autorizadas, mas será necessário
demonstrar também que ela não é incompatível com outras normas. Nem todas
as normas produzidas pelas fontes autorizadas seriam normas válidas →
apenas aquelas normas compatíveis com as outras serão válidas.
3. As antinomias
Quando duas normas são incompatíveis? Em que consiste uma antinomia? Devemos lembrar
dos relacionamentos intercorrentes entre as quatro figuras de qualificação normativa:
obrigatório, proibido, permitido positivo e permitido negativo.
Duas proposições são incompatíveis quando ambas não podem ser verdadeiras. Das seis
relações jurídicas, três são de incompatibilidade e três são de compatibilidade.
1. Obrigatório (O) e proibido (O não): são dois contrários, podem ser ambos falsos, mas
não podem ser ambos verdadeiros.
2. Obrigatório (O) e permitido negativo (não O): são dois contraditórios, não podem ser
nem ambos verdadeiros, nem ambos falsos.
3. Proibido (O não) e permitido positivo (não O não): são dois contraditórios, não podem
ser nem ambos verdadeiros, nem ambos falsos.
4. Obrigatório (O) e permitido positivo (não O não): são dois subalternos, entre os quais
existe uma relação de implicação. Da verdade do primeiro, deduz-se a verdade do
segundo; da falsidade do segundo, deduz-se a falsidade do primeiro. Se uma ação é
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obrigatória, é necessariamente permitida (relação de superimplicação). Se uma ação é
permitida, não é necessariamente obrigatória (relação de subimplicação).
5. Proibido (O não) e permitido negativo (não O): são subalternos, havendo relação de
implicação, como descrito acima.
6. Permitido positivo (não O não) e permitido negativo (não O): são subcontrários. Ambos
podem ser verdadeiros, mas ambos não podem ser falsos.
Das explicações acima, extrai-se que normas incompatíveis são aquelas que não podem ser
ambas verdadeiras. Dessa forma, relações de incompatibilidade normativa poderão ser
verificadas em três casos:
a. Norma que ordena fazer algo e norma que proíbe fazer algo (contrariedade);
b. Norma que ordena fazer algo e norma que permite não fazer (contraditoriedade);
c. Norma que proíbe fazer algo e norma que permite fazer (contraditoriedade).
Portanto, antinomia → situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais
uma obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite não fazer, ou uma proíbe e a
outra permite o mesmo comportamento.
Há duas condições que devem ser preenchidas para que possa haver uma antinomia:
1. As duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento.
2. As duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade (material, espacial, pessoal e
temporal).
Além disso…
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- Antinomias impróprias: um ordenamento jurídico pode ser inspirado em valores
contrapostos. Serão antinomias de princípio. Não são antinomias jurídicas propriamente
ditas, mas podem dar lugar a normas incompatíveis.
- Antinomia de avaliação: uma norma pune um delito menor com uma pena mais grave
do que a infligida a um delito maior. Não se trata, a bem da verdade, de antinomia, mas
de injustiça. A antinomia (que produz incerteza) e a injustiça (que produz desigualdade)
dão lugar a uma situação que pede uma correção, mas a razão pela qual se corrige
uma antinomia é diferente daquela pela qual se corrige a injustiça.
- Antinomias teleológicas: existe uma oposição entre a norma que prescreve o meio para
alcançar o fim e a norma que prescreve o fim. Se aplico a norma que prevê o meio, não
estou em condições de alcançar o fim, e vice-versa. Oposição que nasce, na maioria
das vezes, da insuficiência do meio (mas, então pode se tratar de lacuna, e não de
antinomia).
Mas qual das normas deve ser eliminada? Uma coisa é descobrir a antinomia, outra é resolvê-
la. As regras que vimos até agora servem para saber que duas normas são incompatíveis, mas
nada dizem sobre qual das duas deve ser eliminada.
Agora, vamos passar da fase de determinação das antinomias para a solução das antinomias.
A jurisprudência elaborou regras para a solução das antinomias. Essas regras não servem,
contudo, para resolver todos os casos possíveis de antinomia, porque há casos em que não se
pode aplicar nenhuma das regras pensadas para a solução das antinomias e, também, porque
há casos em que se podem aplicar ao mesmo tempo duas ou mais regras em conflito entre si.
Dessa forma, existe uma distinção entre antinomias solúveis e antinomias insolúveis.
- Antinomias solúveis: chamadas de aparentes.
- Antinomias insolúveis: chamadas de reais. O intérprete é abandonado a si mesmo, ou
pela falta de critérios, ou pelo conflito entre os critérios.
20
regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma
hierarquicamente superior.
ii. Problema mais complexo: relação entre lei e costume. No ordenamento italiano,
o costume é uma fonte hierarquicamente inferior à lei. Comumemente, diz-se
que o costume não vale contra legem. Há ordenamentos, mais primitivos, menos
centralizados, nos quais leis e costumes são fontes de mesmo grau. Dessa
forma, será aplicado o critério cronológico. Se o costume for considerado como
inferior à lei, será aplicado o critério hierárquico.
c. Critério da especialidade: entre uma norma geral e uma norma especial, prevalece a
norma especial.
i. A lei especial representa um momento ineliminável do desenvolvimento de um
ordenamento. Bloquear a lei especial frente à geral significaria paralisar esse
desenvolvimento.
ii. Nesse caso, a antinomia será total-parcial. Assim, a lei geral cairá parcialmente.
O relacionamento de especialidade é necessariamente antinômico. Aplica-se
porque existe uma antinomia.
iii. Diversamente, na aplicação dos critérios cronológico e hierárquico, tem-se
geralmente a eliminação total de uma das duas normas. Aplicam-se esses
critérios quando surge uma antinomia.
Mas pode ocorrer antinomia entre duas normas contemporâneas, do mesmo nível e ambas
gerais. Dessa forma, os três critérios se mostram insuficientes. Exemplo: duas normas gerais
incompatíveis no mesmo código (antinomias total-total e parcial-parcial).
Não existe um quarto critério que permita resolver as antinomias desse tipo. O único critério
referido em velhos tratadistas é aquele tirado da forma da norma, que consistiria em
estabelecer uma graduação de prevalência entre as três formas da norma jurídica (imperativas,
proibitivas e permissivas). Esse cânone, que manda aplicar a lex favorabilis, é muito menos
evidente do que possa parecer, porque a norma jurídica é bilateral - ao mesmo tempo, atribui
um direito a uma pessoa e impõe uma obrigação a outra, donde resulta que a interpretação a
favor de um sujeito é ao mesmo tempo odiosa para o outro sujeito da relação. Qual dos dois
interesses em conflito é justo fazer prevalecer? Devemos reconhecer que essas regras
deduzidas da forma da norma não têm a mesma legitimidade daquelas deduzidas dos três
critérios anteriores (cronológico, hierárquico e por especialidade).
No caso de um conflito em que não possa se aplicar nenhum dos três critérios, a solução é
confiada à liberdade do intérprete. Verdadeiro “poder discricionário do intérprete”, sendo a
solução do conflito confiada à sua liberdade, segundo a oportunidade, valendo-se das técnicas
21
hermenêuticas usadas pelos juristas tradicionalmente e não se limitando a aplicar uma só
regra.
Por exemplo, se, de duas normas incompatíveis, uma é superior e subsequente, e a outra é
inferior e antecedente, tanto o critério hierárquico quanto o cronológico dão o mesmo resultado,
fazendo prevalecer a primeira (superior e subsequente). O mesmo acontece se a norma
subsequente é especial em relação à precedente: ela prevalecerá segundo o critério da
22
especialidade e com base no critério cronológico. Os dois critérios se somam, e como bastaria
apenas um critério para dar preponderância a uma das duas normas, a norma preponderante
prevalece a fortiori.
Mas nem sempre a situação é simples, como no caso em que duas normas se encontrem
numa relação em que sejam aplicáveis dois critérios, mas que a aplicação de um critério dê
uma solução oposta à aplicação do outro. Nessa hipótese, não se podem aplicar
concomitantemente os dois critérios. Mas qual deve ser aplicado? Exemplo: norma
constitucional anterior e norma ordinária posterior → são aplicáveis dois critérios, o hierárquico
e o cronológico, e cada um deles conduz à prevalência de uma norma distinta. Os dois critérios
são, portanto, incompatíveis.
8. O dever de coerência
O discurso defendido sustenta que a incompatibilidade entre duas normas seja um mal a ser
eliminado e, portanto, pressupõe uma regra de coerência, que determina que, em um
ordenamento jurídico, não devem existir antinomias.
Uma regra como essa apenas pode ser dirigida àqueles que têm relação com a produção e
aplicação das normas, em particular ao legislador, que é o produtor por excelência, e ao juiz,
que é o aplicador por excelência.
23
o juiz, para que, encontrando um conflito entre norma superior e norma inferior, aplique
a norma superior.
2. Normas de mesmo nível, sucessivas no tempo. REGRA DE COERÊNCIA APENAS
PARA JUIZ. Nesse caso, não existe dever algum de coerência por parte do legislador.
Contudo, existe, por parte do juiz, dever de resolver a antinomia, eliminando a norma
anterior e aplicando a posterior.
a. O legislador ordinário é livre nesse aspecto, admitindo-se a ab-rogação
implícita: legitimidade de uma lei posterior em oposição a uma lei anterior.
3. Normas de mesmo nível, contemporâneas. NÃO EXISTE REGRA DE COERÊNCIA.
Não há obrigação juridicamente qualificada por parte do legislador de não se
contradizer, porque uma lei, que contenha disposições contraditórias, é sempre uma lei
válida, e são válidas, também, ambas as disposições contraditórias (?). Mas há um
dever moral, pelo legislador, de não contradizer-se. Quanto ao juiz, também não tem
dever juridicamente qualificado de eliminar a antinomia, mas terá uma necessidade de
fato (no caso concreto, encontrar-se-á diante da necessidade de aplicar uma e
desaplicar a outra), embora não se trate de uma obrigação ou necessidade moral.
A compatibilidade é uma condição necessária para a validade de uma norma jurídica? NÃO,
pelo menos em relação ao terceiro caso. Duas normas incompatíveis no mesmo nível e
contemporâneas são ambas válidas. CONTUDO, não podem ser ambas eficazes ao
mesmo tempo, no sentido de que a aplicação de uma ao caso concreto exclui a
aplicação da outra. Mas ambas são válidas, no sentido de que, APESAR DE SEU
CONFLITO, ambas continuam a existir no sistema, enquanto não houver a ab-rogação
legislativa.
A coerência, portanto, não figura como condição de validade, mas condição para a justiça do
ordenamento jurídico. A validade de duas normas contraditórias viola a exigência da certeza e
a exigência da justiça. O ordenamento não consegue, nessas circunstâncias, garantir nem a
certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as
consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual tratamento
das pessoas que pertencem à mesma categoria.
PS: a coerência pode ser definida como aquela propriedade pela qual nunca se dá o caso em
que se possa demonstrar a pertinência a um sistema e de uma certa norma e da norma
contraditória.
“Completude” → propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular
qualquer caso. Considerando que a lacuna geralmente significa falta de normas, completude
significa falta de lacunas.
24
Um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular
qualquer caso que lhe seja apresentado. Não há caso que não possa ser regulado com uma
norma tirada do sistema. Em outros termos, um ordenamento é completo quando jamais se
verifica o caso de que a ele não se podem demonstrar pertencentes nem uma certa norma nem
a norma contraditória. A incompletude consiste no fato de que o sistema não compreende nem
a norma que proíbe um certo comportamento nem a norma que o permite. Nem a permissão,
nem a proibição são dedutíveis do sistema jurídico. Assim, o sistema será incompleto e o
ordenamento terá uma lacuna.
O nexo entre coerência e completude está em que a coerência significa a exclusão de toda a
situação na qual pertençam ao sistema ambas as normas que se contradizem; por sua vez, a
completude significa a exclusão de toda a situação na qual não pertençam ao sistema
nenhuma das duas normas que se contradizem.
Segundo SAVIGNY, o que tentamos estabelecer é sempre a unidade: seja negativa, com a
eliminação de contradições, seja positiva, com o preenchimento das lacunas.
O caso de lacuna é quando há menos normas do que deveria haver. Assim, o dever do
intérprete será não eliminar algo, mas acrescentar aquilo que falta.
Devemos lembrar que a coerência é uma exigência, mas não uma necessidade, no sentido de
que a total exclusão das antinomias não é uma condição necessária para a existência de
um ordenamento jurídico. Diversamente, a completude é algo mais do que uma exigência,
é uma necessidade, é uma condição necessária para o funcionamento do sistema!
2. O dogma da completude
= princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso,
uma solução sem recorrer à equidade.
Essa perspectiva foi e é dominante na teoria jurídica europeia de origem romana, sendo um
dos aspectos salientes do positivismo jurídico. Nos tempos modernos, o dogma da
completude tornou-se parte integrante da concepção estatal do Direito, isto é, daquela
concepção que faz da produção jurídica um monopólio do Estado. A afirmação do dogma da
completude caminha no mesmo passo que a monopolização do Direito por parte do
25
Estado. A miragem da codificação é a completude: uma regra para cada caso. O código serve
para o juiz como um prontuário que deve servir infalivelmente e do qual não pode se afastar.
3. A crítica da completude
ERHLICH → escola de Direito livre. França e Alemanha, final do século XIX. A batalha da
escola de Direito livre contra as várias escolas da exegese é uma batalha pelas lacunas,
afirmando que o Direito constituído está cheio de lacunas e, para preenchê-las, é necessário
confiar principalmente no poder criativo do juiz, naquele que é chamado para resolver os
infinitos casos suscitados pelas relações sociais, além e fora de toda a regra pré-constituída.
Movimento contra o estadismo jurídico e o dogma da completude.
Esse movimento surgiu porque, à medida que a codificação envelhecia (sobretudo na França),
descobriam-se as suas insuficiências. Além disso, houve a revolução industrial, que provocou
uma grande transformação na sociedade, fazendo as leis parecerem anacrônicas, insuficientes
e inadequadas, acelerando o seu processo natural de envelhecimento.
Tudo isso aliado ao particular desenvolvimento da filosofia social e das Ciências Sociais no
século passado. A sociologia, essa nova ciência que foi o produto mais típico do espírito
científico do século XIX, desde o momento em que conscientizou das correntes subterrâneas
que animavam a vida social, representou a destruição do mito do Estado. Descoberta da
importância da sociedade em relação ao Estado, encontrando-se na sociologia um ponto de
apoio para contrastar a pretensão do estadismo jurídico.
As relações entre escola do Direito livre e sociologia jurídica são muito estreitas: são
duas faces da mesma moeda. Entrava em cena a convicção de que o Direito legislativo era
26
lacunoso e que as lacunas não poderiam ser preenchidas mediante o próprio Direito
estabelecido, mas através do reencontro e da formulação do Direito livre.
O Direito livre (livre no sentido de não ligado ao Direito estatal) representava aos olhos dos
juristas tradicionalistas uma nova encarnação do Direito natural, significando a abertura de
portas ao arbítrio, ao caos e à anarquia. A completude não seria um mito, mas uma
exigência de justiça. Não tinha uma função inútil, mas servia a um dos valores supremos
da ordem jurídica, a certeza.
O primeiro argumento lançado pelos positivistas foi o do espaço jurídico vazio. Com base
nessa concepção, o âmbito da atividade de um homem poderia ser dividido, do ponto de vista
do Direito, em dois compartimentos: um no qual são reguladas as normas jurídicas, chamado
de espaço jurídico PLENO, e outro que é livre, chamado de espaço jurídico VAZIO. Nesse
caso, ou há vínculo jurídico, ou há a absoluta liberdade. Não pode acontecer que o ato seja
ao mesmo tempo livre e regulado. Ou um caso está regulado pelo Direito, e então é um caso
jurídico ou juridicamente relevante, ou não está regulado pelo Direito, e então pertence à esfera
de livre desenvolvimento da atividade humana (esfera do juridicamente irrelevante). Como
não é possível admitir que um caso seja jurídico E regulado, não existem, a bem da verdade,
lacunas normativas no Direito.
Até onde o Direito alcança com as suas normas, evidentemente não há lacunas. Onde o
Direito não alcança, há espaço jurídico vazio e, portanto, não lacuna, mas atividade que
é indiferente ao Direito, é juridicamente irrelevante. Ou existe o ordenamento jurídico, e
então não existe lacuna, ou há a chamada lacuna, e então não existe o ordenamento jurídico
→ dessa forma, a lacuna não é mais tal, por não representar mais uma deficiência do
ordenamento, mas um limite natural de sua existência. Não é uma lacuna do ordenamento,
assim como a margem de um rio não é a falta do rio, mas simplesmente a separação entre o
que é rio e o que não é.
Crítica de BOBBIO: parece que a afirmação do espaço jurídico vazio nasce da falsa
identificação do jurídico com o obrigatório. O que não é obrigatório, representando a esfera do
permitido e do lícito, deve ser considerado juridicamente irrelevante ou indiferente ao Direito?
Aqui está o erro, porque o que é permitido coincidiria com o que é juridicamente indiferente.
Como ficam as liberdades jurídicas nesse caso?
Pensando por essa lógica, liberdade não protegida significaria ilicitude do uso da força privada
(porque liberdade protegida seria a liberdade garantida contra o impedimento dos outros). Mas,
nos ordenamentos jurídicos modernos, vige o monopólio da força por parte do Estado, e a
situação hipotética de uma liberdade não protegida não se mostra possível.
O fato de que a liberdade não seja protegida não torna essa situação juridicamente irrelevante,
porque, no momento em que a liberdade de agir de um não está protegida, está protegida a
27
liberdade do outro de exercer a força, e isso será juridicamente relevante. Não falha a
relevância jurídica, apenas muda a relação direito-dever.
Uma segunda teoria, reagindo à escola do Direito livre, procurou colocar criticamente o
problema da completude. Segundo a primeira teoria (do espaço jurídico pleno), não há se falar
em lacunas do ordenamento jurídico, mas mais propriamente em limites deste ordenamento.
Essa segunda teoria, contudo, sustenta que não hás lacunas porque O DIREITO NUNCA
FALTA → logo, haveria apenas espaço jurídico pleno.
As normas, desse modo, nunca nascem sozinhas, mas aos pares → CADA NORMA
PARTICULAR (INCLUSIVA) ESTÁ ACOMPANHADA PELA NORMA GERAL EXCLUSIVA,
COMO SE ESTA FOSSE A SUA PRÓPRIA SOMBRA. Essa norma geral exclusiva é
subentendida, não é expressa, é geral e negativa.
Enquanto, para a teoria do espaço jurídico vazio, a atividade humana se divide em um campo
regulado por normas e outro não regulado, essa teoria da norma geral exclusiva entende que
toda atividade humana é regulada por normas jurídicas, porque o que não recai sob as
normas particulares inclusivas acaba sendo abarcado pela norma geral exclusiva.
Cada norma positiva, que atribui uma pena ou indenização, também é uma exceção da norma
fundamental geral e negativa (norma geral exclusiva).
Por força dessa norma exclusiva, cada possível caso vem a encontrar no ordenamento jurídico
o seu regulamento. Ou existe na legislação uma disposição particular, e dela derivará a norma
particular inclusiva, ou não existe disposição particular, e o caso recairá sob a norma geral
exclusiva.
Que uma solução seja politicamente insatisfatória não significa que não seja uma solução
jurídica. Podemos lamentar que um Estado no qual falte uma lei seja mal constituído, mas não
se poderá dizer que o seu ordenamento seja incompleto ou lacunoso.
28
Ponto fraco dessa teoria: ela não diz que, num ordenamento jurídico, não existe apenas um
conjunto de normas particulares inclusivas e uma norma geral exclusiva que as acompanha.
Existe um terceiro tipo de norma, que é inclusiva e geral (norma geral inclusiva). Essa norma
regula identicamente os casos não compreendidos na norma particular, mas semelhantes a
eles. Exemplo: norma que determina, no ordenamento italiano, que, em caso de lacuna, o juiz
deve recorrer às normas que regulam casos análogos.
Além disso, o ordenamento, em geral, nada diz sobre as condições com base nas quais dois
casos podem ser considerados parecidos. A decisão sobre a semelhança dos casos caberá,
assim, ao intérprete. Para enquadrar o caso concreto na norma geral exclusiva, operará o
argumentum a contrario; para enquadrá-lo na norma geral inclusiva (terceiro tipo referido
acima), operará o argumentum a simili. Existirão duas hipóteses de soluções jurídicas,
portanto. Mas a lacuna consiste justamente na falta de uma regra que permita acolher uma
solução em vez da outra. Parece ficar impossível excluir as lacunas dessa forma.
A lacuna não se verifica mais pela falta de uma norma expressa pela regulamentação de um
determinado caso, mas precisamente pela falta de um critério para a escolha de qual das
duas regras gerais (a norma geral inclusiva ou a norma geral exclusiva) deve ser
aplicada. Reencontra-se a lacuna que se desejava eliminar: a lacuna não a respeito do caso
singular, mas a respeito do critério com base no qual o caso deve ser eliminado.
A dificuldade, que habitualmente não se considera, não é que frente ao caso não
regulamentado haja insuficiência de soluções jurídicas - há, na verdade, exuberância de
soluções. Assim, um ordenamento jurídico, apesar da norma geral exclusiva, pode ser
incompleto, porque entre a norma particular inclusiva e a norma geral exclusiva introduz-se
normalmente a norma geral inclusiva, que estabelece uma zona intermediária entre o
regulamentado e o não regulamentado, em direção à qual tende a penetrar o
ordenamento jurídico, de forma quase sempre indeterminada e indeterminável.
O fato de a solução não ser mais óbvia, de não se poder tirar do sistema nem uma solução
nem a solução oposta, revela a lacuna, isto é, revela a incompletude do ordenamento
jurídico.
6. As lacunas ideológicas
Mas há, também, as lacunas ideológicas (de iuri condendo → de direito a ser
estabelecido): decorrem da falta de uma solução SATISFATÓRIA, a falta de uma norma
JUSTA, a falta de uma norma que se desejaria que existisse, mas que não existe. Essas
29
lacunas derivam não da consideração do ordenamento jurídico como ele é, mas da
comparação entre o ordenamento jurídico como ele é e como ele deveria ser.
As lacunas com as quais devemos nos preocupar não são as ideológicas, mas as REAIS.
Quando os juristas sustentam que o ordenamento jurista é completo (ainda que sem razão),
dizem que não tem lacunas, referindo-se às lacunas reais e não às lacunas ideológicas.
Para BRUNETTI, portanto, o problema da completude é um problema sem sentido. Onde tem
sentido, vigem as lacunas ideológicas, que não é um problema útil para o Direito. “Não se
justificariam todos os rios de tinta gastos com ele”.
Num sistema em que cada caso não regulamentado faz parte da norma geral exclusiva, não
poderá haver outra coisa senão lacunas impróprias (ideológicas). Teremos a lacuna própria
apenas quando, ao lado da norma geral exclusiva, existir também a norma geral inclusiva,
podendo o caso ser encaixado tanto em uma como na outra.
O que esses dois tipos de lacuna têm em comum é que designam um caso não
regulamentado pelas leis vigentes num dado ordenamento jurídico.
O que esses dois tipos de lacuna têm de diferente é a forma pela qual as lacunas podem ser
eliminadas. A lacuna IMPRÓPRIA apenas poderá ser eliminada pela formulação de novas
normas, por serem completáveis pelo legislador. A lacuna PRÓPRIA poderá ser eliminada
mediante as leis vigentes, por serem completáveis por obra do intérprete.
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Quando se fala em incompletude do sistema, diz-se em relação às lacunas próprias, e não às
impróprias. O problema da completude do ordenamento jurídico é se há e como podem
ser eliminadas as lacunas PRÓPRIAS.
● Lacunas praeter legem: quando as regras, expressas para serem muito particulares,
não compreendem todos os casos que podem se apresentar a nível dessa
particularidade.
○ A integração consistirá em formular novas regras ao lado das já expressas.
● Lacunas intra legem: quando as normas são muito gerais e revelam, no interior das
disposições dadas, vazios ou buracos que devem ser preenchidos pelo intérprete. As
lacunas voluntárias são normalmente intra legem.
○ A integração consistirá em formular regras dentro das já expressas.
8. Heterointegração e auto-integração
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Entre os casos inclusos expressamente e os casos exclusos, há, em cada ordenamento, uma
zona incerta de casos não regulamentados, mas potencialmente colocáveis na esfera de
influência dos casos expressamente regulamentados. Cada ordenamento prevê os meios e
os remédios aptos a penetrar nessa zona intermediária, a estender a esfera do
regulamentado em confronto com a do não regulamentado.
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semelhante. Falamos disso quando tratamos da norma geral inclusiva. É
certamente o mais típico e o mais importante dos procedimentos interpretativos
de um determinado sistema normativo. É o procedimento pelo qual se explica a
tendência de cada ordenamento jurídico a se expandir para além dos casos
expressamente regulamentados.
■ Fórmula: M é P; S é semelhante a M; S é P.
■ A semelhança não deve ser uma semelhança qualquer, umas uma
semelhante relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma
qualidade comum a ambos que seja razão suficiente pela qual ao caso
regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências.
Essa razão relevante é a RATIO LEGIS.
■ A analogia propriamente dita é chamada de analogia legis. É distinta da
analogia iuris e da interpretação extensiva. A analogia iuris (o
procedimento pelo qual se tira uma nova regra não do caso singular, mas
de todo o sistema ou de uma parte dele, mesma coisa que acontece com
o recurso aos princípios gerais do direito) não tem nada a ver com um
raciocínio por analogia. A interpretação extensiva é, porém, um caso de
aplicação do raciocínio por analogia. Contudo, diversamente da analogia
propriamente dita, a interpretação extensiva não cria uma nova norma
jurídica, mas estende uma norma para casos não previstos por ela (mero
alargamento do alcance da regra dada).
○ Princípios gerais do direito (analogia iuris): para BETTI, seria caso de
heterointegração. Na opinião de BOBBIO, são normas fundamentais ou
generalíssimas do sistema, são as normas mais gerais, são normas como todas
as outras. A incidência dos princípios gerais de direito se dá em relação aos
princípios não expressos (relacionados ao espírito do sistema, retirados da
abstração da norma pelo intérprete). Se há princípios expressos, por serem
normas como as demais, não se pode falar de lacunas. Um princípio geral
expresso é uma disposição precisa. No que diz respeito especificamente aos
princípios gerais expressos, seria bem curioso que houvesse uma norma que
autorizasse a sua aplicação.
Para que se possa falar de relação entre ordenamentos, os ordenamentos jurídicos existentes
devem ser mais do que um (não deve haver um ordenamento jurídico único). A ideia de
pluralismo jurídico, oposta à concepção do monismo jurídico, percorreu duas fases:
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1. Primeira fase: nacional ou estatal. Nascimento e desenvolvimento do historicismo
jurídico (escola histórica do Direito), que afirma a nacionalidade dos direitos que
emanam direta ou indiretamente da consciência popular. Assim, há tantos Direitos
quantos forem os povos ou as nações.
a. Essa primeira forma de pluralismo tem caráter estatalista: há muitos
ordenamentos jurídicos porque há muitas nações, que tendem a exprimir cada
uma num ordenamento unitário a sua personalidade, o seu gênio jurídico.
Fragmentação do Direito universal em tantos Direitos particulares.
b. Ideia confirmada e teorizada pelo positivismo jurídico, ideia segundo a qual não
existe outro Direito além do Direito positivo, criado por uma vontade soberana
(concepção voluntarista do Direito → fonte do Direito não é a razão, mas a
vontade). Há tantos Direitos diferentes entre si quantos são os poderes
soberanos.
2. Segunda fase: institucional. O pluralismo significa não apenas que há muitos
ordenamentos jurídicos, mas que há ordenamentos jurídicos de muitos e variados tipos.
Tese principal é de que existe um ordenamento jurídico onde existe uma instituição, isto
é, um grupo social organizado. Origem na escola do livre Direito.
a. Produto da descoberta da sociedade abaixo do Estado.
b. Consequência: fragmentação da ideia universalista do Direito. Aceitando a teoria
pluralista institucional, o problema do relacionamento entre ordenamentos não
compreende mais somente o problema das relações entre ordenamentos
estatais, mas também o das relações entre ordenamentos estatais e
ordenamentos diferentes dos estatais.
i. Esses ordenamentos diferentes dos estatais podem ser acima do Estado
(ordenamento internacional);
ii. Abaixo do Estado (ordenamentos propriamente sociais);
iii. Ao lado do Estado (Igreja Católica);
iv. Contra o Estado (associações de malandros, seitas secretas).
O universalismo jurídico ressurge hoje não mais como uma crença num eterno Direito natural,
mas como vontade de constituir um Direito positivo único, que recolha em unidade todos os
Direitos positivos existentes, e que seja produto não da natureza, mas da história, e esteja não
no início do desenvolvimento social e histórico (como o Direito natural), mas no seu fim. Ideia
de Estado mundial único.
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mesmo plano → regime pactuário, no qual as regras de coexistência são produto de
uma autolimitação recíproca.
b. Relações de subordinação: verificadas entre o ordenamento estatal e os ordenamentos
sociais (associações, sindicatos, partidos, igrejas…), que têm estatutos próprios, cuja
validade deriva diretamente do reconhecimento pelo Estado.
“Ordenamentos menores”: aqueles ordenamentos que mantêm unidos os seus membros para
fins parciais e, assim, investem somente uma parte da totalidade dos interesses das pessoas
que compõem o grupo. Não importa se são jurídicos ou não.
Sabemos que os ordenamentos estatais são ordenamentos complexos. Além disso, são
compostos, por serem estratificados, resultantes de uma estratificação secular de
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ordenamentos diversos, a princípio independentes um do outro e, depois, pouco a pouco,
absorvidos e amalgamados no ordenamento estatal único ora vigente.
Ainda que, normalmente, ocorra a recepção, também é possível que o ordenamento estatal se
utilize do REENVIO em relação aos ordenamentos menores. Nesse processo, o ordenamento
estatal não se apropria do conteúdo das normas de outro ordenamento, como ocorre na
recepção, mas se limita a reconhecer a sua plena validade no próprio âmbito. Exemplo: vida da
família é regulada por costumes aos quais o ordenamento estatal atribui validade de normas
jurídicas por meio de um reenvio de caráter geral. O legislador se limita a reconhecer a
existência dessas regras e a dar proteção a elas em certos casos, como se fossem normas
formuladas diretamente pelos próprios órgãos dotados de poderes normativos.
Às vezes, ainda, a atitude do Estado é a da recusa, como no caso do duelo. Aquilo que é
dever para aquele que se considera participante do ordenamento dos gentlemen é proibido no
ordenamento estatal.
Relações mais importantes = aquelas que se dão entre ordenamentos estatais ou entre
ordenamentos estatais e ordenamentos originários (ordenamento internacional e da Igreja
Católica).
Essas relações podem ser classificadas a partir de seu âmbito de validade: temporal, espacial
e material. Se dois ordenamentos se diferenciam entre si nesses três âmbitos, não devem ter
nenhuma interferência entre si, não havendo o problema de sua relação, que é de total
exclusão. O exame fica interessante quando há dois âmbitos em comum, sem relação em um
terceiro, de modo que haverá algumas interferências recíprocas.
36
contudo, uma interrupção, mas não uma completa solução de continuidade. A melhor
explicação é a que se utiliza da RECEPÇÃO: no novo ordenamento, tem lugar uma
recepção de boa parte do velho. As normas pertencem apenas materialmente ao
ordenamento velho. Formalmente, são todas normas do ordenamento novo, por serem
válidas com base na norma fundamental do novo. A RECEPÇÃO É UM ATO
JURÍDICO COM O QUAL UM ORDENAMENTO ACOLHE E TORNA SUAS AS
NORMAS DE OUTRO ORDENAMENTO, ONDE TAIS NORMAS PERMANECEM
MATERIALMENTE IGUAIS, MAS NÃO SÃO MAIS AS MESMAS COM RESPEITO À
SUA FORMA.
a. Três definições jurídicas de “revolução”:
i. ROMANO: revolução é um fato jurídico e tem autonomia jurídica. É uma
instituição, por ser uma organização estatal em um embrião, um
ordenamento jurídico em si mesmo, diferente do anterior e do posterior.
ii. KELSEN: revolução é fato juridicamente qualificado pelo Direito
internacional. Ordenamento diferente do estatal.
iii. Revolução é fato jurídico do ponto de vista do próprio Direito interno do
Estado. É estado particular de necessidade.
2. Temporal e material em comum, mas não o espacial. Ordenamentos de dois Estados
contemporâneos, que vigem ao mesmo tempo e regulam as mesmas matérias, mas não
no mesmo território. Caso do Direito internacional privado (“normas sobre a produção
jurídica”).
a. Em geral, pode-se dizer que, em todo ordenamento moderno, há casos que são
resolvidos aplicando-se não uma norma do ordenamento, mas uma norma do
ordenamento estrangeiro. Situações particulares nas quais têm vigor, em um
ordenamento estatal, normas de outro ordenamento. Caso de REENVIO de um
ordenamento a outro, e não de recepção, porque indicam pura e simplesmente a
fonte de onde a norma deverá ser tirada, seja qual for o seu conteúdo. Aquilo a
que o ordenamento reenvia não é a matéria pela qual uma dada matéria está
regulada, mas a fonte que a regula.
3. Temporal e espacial em comum, mas não o material. Ordenamento estatal e
ordenamento da Igreja.
a. Durante séculos, foram propostos vários tipos de soluções. Reductio ad unum:
redução do Estado à Igreja (teocracia) ou da Igreja ao Estado (cesaropapismo).
Subordinação. Coordenação. Separação (igrejas como associações privadas).
b. Questão do pressuposto: situação em que o ordenamento externo é utilizado
para determinar as características de um certo fato específico, ao qual o
ordenamento interno atribui certas consequências que não são as mesmas
atribuídas pelo ordenamento externo. Diferente de reenvio e de recepção e não
é própria das relações entre Estado e Igreja!
c. Questão do reconhecimento dos efeitos civis: Estado renuncia à própria
regulamentação, limitando-se a atribuir efeitos civis à regulamentação dada pelo
ordenamento da Igreja. Exemplo mais comum: reconhecimento do matrimônio
canônico, ao qual são atribuídos os mesmos efeitos do matrimônio civil.
Procedimento que se distingue tanto do reenvio quanto da recepção.
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