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O Estoicismo

Características Gerais

O terceiro período do pensamento grego abrange os três séculos que decorrem da morte
de Aristóteles ao início da era vulgar. Na história da civilização e da cultura, este período
toma o nome de helenismo, significando a expansão da cultura grega, helênica, no
mundo civilizado; na história da filosofia denomina-se período ético, porquanto o
interesse filosófico é voltado para os problemas morais. Primeiramente (estoicismo e
epicurismo), retorna-se à metafísica naturalista dos pré-socráticos, bem como à moral das
escolas socráticas menores, cínica e cirenaica; depois (ceticismo e ecletismo), anula-se
toda metafísica e, consequentemente, toda moral, voltando-se para a sofística,
menosprezando o grande desenvolvimento filosófico platônico-aristotélico.

Os motivos desta filosofia pragmatista devem ser procurados na decadência espiritual e


moral da época, faltando ao homem interesse e a força para a especulação pura, bem
como na profunda tristeza dos tempos e na profunda sensibilidade diante do mal. Tudo
isto torna dolorosa a vida do homem, que procura na filosofia um conforto, uma
orientação moral, encontrando-a na renúncia ao mundo e à própria vida. Do contingente e
do temporal, o homem volta-se para o transcendente e para o eterno; a filosofia torna-se
uma preparação para a morte, como julga Platão, e a sabedoria é desapego da ação, como
opina Aristóteles.

O interesse teorético, o vigor especulativo, restringem-se ao particular, à erudição e às


ciências especiais que se desenvolvem, ao passo que a metafísica esmorece. Não filosofia
teorética, mas filologia, história, literatura; ciências naturais, medicina, geografia, física,
astronomia, matemática. E, com relação às ciências especiais, desenvolve-se
naturalmente a técnica, como na idade moderna. A arte resolve-se no virtuosismo e na
imitação. Em conclusão, a cultura helenista reduz-se à erudição e ao virtuosismo, ciência
e técnica, filosofia moral e moral prática. Nesta civilização cosmopolita encontram-se
dois valores universais: o pensamento e a arte dos gregos, isto é, o helenismo; o jus e a
política dos romanos. O primeiro valor dá o conteúdo, o segundo a forma - Graecia capta
ferum victorem cepit.

No terceiro período do pensamento grego não se encontram mais alguns poucos e grandes
pensadores, como no precedente, mas vastas orientações e escolas; não sistemas críticos,
mas afirmações dogmáticas. Trataremos, antes de tudo, da escola estóica, em que ainda
há uma metafísica, elementar, porém, e anacrônica, em contradição consigo mesma e com
a moral; em segundo lugar, da escola epicuréia, em que a metafísica tem apenas uma
função negativa, a saber, libertar o homem das preocupações transcendentais, do temor de
além-túmulo; em terceiro lugar, da escola cética, em que não há mais metafísica alguma,
e, portanto, nem moral, como na escola eclética, em que a metafísica e moral são
sincretistas, e, por conseqüência, anuladas; enfim exporemos o pensamento latino, o qual,
pelo que diz respeito à filosofia, depende de cultura grega, e precisamente desse terceiro
período - ecletismo e estoicismo. A grandeza verdadeira e original do pensamento latino é
o jus, o direito romano, valor universal como a filosofia grega.

O Estoicismo

Em seu conjunto, o estoicismo pode-se dividir em três períodos: um período antigo ou


ético, um período médio ou eclético, um período recente ou religioso. Os dois últimos,
bastante divergentes do estoicismo clássico.

O fundador da antiga escola estóica é Zenão de Citium (334-262 a.C., mais ou menos).
Seu pai, mercador, leva para ele, de Atenas, uns tratados socráticos, que lhe despertam o
entusiasmo para com os estudos filosóficos. Aos vinte e dois anos vai para Atenas; aí -
perdidos seus bens - dedica-se à filosofia, freqüentando por algum tempo várias escolas e
mestres, entre os quais o cínico Crates. Finalmente, pelo ano 300, funda a sua escola, que
se chamou estóica, do lugar onde ele costumava ensinar: pórtico em grego, stoá. Iniciou,
juntamente com a atividade didática, a de escritor. Em seus escritos já se encontram a
clássica divisão estóica da filosofia em lógica, física e ética, a primazia da ética e a união
de filosofia e vida.

A escola estóica média ou eclética, surge pela influência de outras escolas e para
responder às objeções dessas escolas. Podem-se, pois, agrupar na escola estóica nova ou
religiosa os que entendiam absolutamente a filosofia, o estoicismo, não como ciência,
metafísica, mas como uma missão e uma prática religiosa, sacerdotal.
O Pensamento: Gnosiologia e Metafísica

O estoicismo não apresenta o fenômeno de um grande filósofo, seguido por uma série de
discípulos mais ou menos originais, mas sim uma turma bastante uniforme de pensadores
medíocres. No dizer dos estóicos, a tarefa essencial da filosofia é a solução do problema
da vida; em outras palavras, a filosofia é cultivada exclusivamente em vista da moral,
para firmar a virtude e, logo, para assegurar ao homem a felicidade. Entende-se, pois,
como a filosofia estóica chega a ser substancialmente pragmatista e, por conseguinte, no
fundo, acaba não sendo mais filosofia. E compreende-se o seu vasto êxito em todos os
tempos, amiúde apresentando-se como a filosofia dos não filósofos que têm pretensões
filosóficas, moralizadoras, rigoristas. Não obstante esse absorvente moralismo, os
estóicos distinguem na filosofia uma lógica, uma física, uma ética. Na lógica trata-se da
gnosiologia; a física iguala a metafísica; a ética é o fim último e único de toda a filosofia,
inclusive da política e da religião.

Os estóicos dividem a lógica em dialética e retórica, em correspondência com o discurso


interior e exterior. A mente humana é concebida como uma tabula rasa. Como em
Aristóteles, o conhecimento parte dos dados imediatos do sentido; mas, diversamente de
Aristóteles, o conhecimento é limitado ao âmbito dos sentidos, não obstante as repetidas e
múltiplas declarações estóicas em louvor da razão. O conhecimento intelectual nada mais
pode ser que uma combinação, uma complicação quantitativa de elementos sensíveis. O
conceito, pois, é destruído, seguindo-se o aniquilamento da ciência, da metafísica e, logo,
também da moral.
A metafísica estóica reduz-se à física, porquanto é radicalmente materialista: se tudo é
material, toda atividade é movimento, devem-se conceber materialisticamente também
Deus, a alma, as propriedades das coisas. Esta matéria está em perpétuo vir-a-ser,
conforme a concepção de Heráclito; e a lei desse princípio material só pode ser,
naturalmente, uma necessidade mecânica, à maneira de Demócrito.

Devendo os estóicos, todavia, fornecer alguma base à sua ética do dever, e dar uma
explicação à razão, que se manifesta no mundo, em especial no homem, incoerentemente
declaram racional o fogo - substância metafísica da realidade -, atribuem-lhe
arbitrariamente os atributos divinos da sabedoria e da providência, imaginam-no como
espírito ordenador, razão da vida, fazendo emergir todas as qualidades da matéria, como o
Sol faz brotar da semente a planta, segundo uma ordem teológica. Deus, providência,
espírito, ordem são afirmados ao lado dos conceitos opostos de fado, destino,
necessidade, mecanicismo. Como se vê, a metafísica dos estóicos é uma metafísica
elementar, decadente, contraditória, e os estóicos não são filósofos, metafísicos, mas
pragmatistas, moralistas, inteiramente absorvidos na prática, na ética.
A Moral e a Política

No pensamento dos estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, não é o prazer, a
felicidade, mas a virtude; não é concebida como necessária condição para alcançar a
felicidade, e sim como sendo ela própria um bem imediato. Com o desenvolvimento do
estoicismo, todavia, a virtude acaba por se tornar meio para a felicidade da tranqüilidade,
da serenidade, que nasce da virtude negativa da apatia, da indiferença universal. A
felicidade do homem virtuoso é a libertação de toda perturbação, a tranqüilidade da alma,
a independência interior, a autarquia.

Como o bem absoluto e único é a virtude, assim o mal único e absoluto é o vício. E não
tanto pelo dano que pode acarretar ao vicioso, quanto pela sua irracionalidade e desordem
intrínseca, ainda que se acabe por repudiá-lo como perturbador da indiferença, da
serenidade, da autarquia do sábio. Tudo aquilo que não é virtude nem vício, não é nem
bem nem mal, mas apenas indiferença; pode tornar-se bem se for unido com a virtude,
mal se for ligado ao vício; há o vício quando à indiferença se ajunta a paixão, isto é, uma
emoção, uma tendência irracional, como geralmente acontece.

A paixão, na filosofia estóica, é sempre e substancialmente má; pois é movimento


irracional, morbo e vício da alma - quer se trate de ódio, quer se trate de piedade. De tal
forma, a única atitude do sábio estóico deve ser o aniquilamento da paixão, até a apatia. O
ideal ético estóico não é o domínio racional da paixão, mas a sua destruição total, para
dar lugar unicamente à razão: maravilhoso ideal de homem sem paixão, que anda como
um deus entre os homens. Daí a guerra justificada do estoicismo contra o sentimento, a
emoção, a paixão, donde derivam o desejo, o vício, a dor, que devem ser aniquilados.

A virtude estóica é, no fundo, a indiferença e a renúncia a todos os bens do mundo que


não dependem de nós, e cujo curso é fatalmente determinado. Por conseguinte,
indiferença e renúncia a tudo, salvo e pensamento, a sabedoria, a virtude, que constituem
os únicos bens verdadeiros: indiferença e renúncia à vida e à morte, à saúde e à doença,
ao repouso e à fadiga, à riqueza e à pobreza, às honras e à obscuridade, numa palavra, ao
prazer e ao sofrimento - pois o prazer é julgado insana vaidade da alma. Dada a
indiferença estóica do suicídio como voluntário e moral afastamento do mundo; isto não
se concilia, porém, com a virtude da fortaleza que o estoicismo reconhece e louva, e nem
se pode explicar racionalmente o suicídio, se a ordem do universo é racional, como
precisamente afirmam os estóicos.

O estóico pratica esta indiferença e renúncia para não ser perturbado, magoado pela
possível e freqüente carência dos bens terrenos, e para não perder, de tal maneira, a
serenidade, a paz, o sossego, que são o verdadeiro, supremo, único bem da alma. O sábio
é beato, porque, inteiramente fechado na sua torre de marfim, nada lhe acontece que não
seja por ele querido, e se conforma com o demais, sem saudades e sem esperanças; pois
sabe que tudo é efeito de um determinismo universal. A serenidade, a apatia dos estóicos
seria, sem dúvida, fruto de uma fatigosa conquista, de uma dura virtude. Mas é uma
virtude absolutamente negativa. Com efeito, quando o homem se torna indiferente a tudo,
e a tudo renuncia, salvo o seu pensamento - cujo conteúdo é, em definitivo, esta mesma
renúncia -, não lhe resta efetivamente mais nada. Não Deus, pois no sistema estóico, é
uma pura palavra; não a alma, destinada a resolver-se na matéria. A sabedoria estóica é
ação negadora da expansão das forças espirituais, virtude corrosiva, morte moral.

Pelo que diz respeito à política, manifesta-se na filosofia estóica um racionalismo


cosmopolita radical a propósito da sociedade estatal: o homem, político por natureza,
torna-se cosmopolita por natureza. Diz o estóico Musônio: "O mundo é a pátria comum
de todos os homens". Tal cosmopolitismo foi fecundo em progresso, em civilização
humana e moral. Abre-se caminho a um sentimento de caridade, de perdão, até para os
infelizes e os escravos, os estrangeiros e os inimigos, em virtude da doutrina que afirma a
identidade da natureza humana, sentimento este inteiramente desconhecido ao mundo
antigo, clássico, onde campeia solitária uma justiça, que existe, porém, apenas para os
concidadãos, livres e íntegros. E até começam a nascer instituições caritativas para com
os pobres e os doentes. Destarte, esse cosmopolitismo, a que os estóicos não podem
fornecer uma base racional e metafísica, promove todavia os conceitos de sociedade
universal, de direito natural, de lei racional, conceitos que deveriam ser deduzidos da
natureza racional do homem.

http://www.mundodosfilosofos.com.br/estoicismo.htm

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