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9. AS CIDADES ITALIANAS NA RENASCENCA Onovo método de projecio estabelecido no inicio do século XV se aplica teoricamente a todo género de objetos, desde os artefatos menores A cidade e ao tervi- tério. Mas na pratica 0 novo método nao consegue produzir grandes transformagdes nos onganismos ur anos e territoriais. A expansao demografica ea colo- nizacdo do continente europeu estao exauridas depois da metade do século XIV; ndo ha necessidade de fun- dar novas cidades ou de aumentar em larga eseala j4 existentes (excetuando poucos casos exepcionais). Os govemos renascentistas — as senhorias, que to- mam 0 lugar dos governos comuns, e as monarquias nacionais — nao tém a estabilidade politica eos meios financeiros suficientes para realizar programas lon- gos ¢ comprometidos. Os artistas trabalham indivi- dualmente e perdem contato com as organizagoes cole- tivas que garantiam a continuidade das empresas de construcao e urbanisticas medievais. Deste modo, a arquitetura da Renascencarealiza seu ideal de proporcao e de regularidade em alguns edificios isolados, endo esta em condicéo de fundar ou transformar uma cidade inteira. Os literatos ¢ os pinto: res descrevem ou pintam a nova cidade que nao se pode construir, e que permanece, justamente, um obje- tivo tedrico, a cidade ideal (Fig. 882). Na pratica, os principes da Renascenca e seus arquitetos intervém no organismo de uma cidade me- dieval ja formada, e a modificam parcialmente, com- Fig. 882, Planta da cidade ideal de Sforzinds, do Tratado de Fila rete (cerca de 1465). 425 pletando os programas que ficaram inacabados po Ezculo XLV, ou introduzindo novos programas mais ov evens ambiciosos, que quase sempre semostram des ‘proporcionados e ixrealizaveis. "TA descrevemos 0 caso de Florenca, onde as obras do século XV se inserem coerentemente no orga: nigmo projetado no final do século XIII. Vamos consi derar agora outras cidades italianas, nas quais as intervengdes renascentistas 840 mais importantes ¢ mais unitérias. PIENZA Em 1459, o Papa Pio II visita o ‘purgo nativo de Corsignano, no territério de Siena, e resolve recons- truilo como residéncia temporaria para sie para sua corte. ‘No séquito do Papa esta presente também Alber- ti, e sem diivida Pio IT ouve seu conselho ao definir 0 programa de construgao e escolher os projetistas. O pequeno burgo ‘medieval (de mais ou menos 6 hhecta- es) encontra-se no cume de uma colina, ¢ a rua princi pal segue o divisor de aguas, que forma um pequeno Angulo quase na metade. Aqui Pio II resolve construir um grupo de edificios monumentais: 0 Palacio Piccolo- mini (no lugar de sua casa natal), a catedral, o palacio publico e o palacio do Cardeal Borgia (que mais tarde ‘se torna o palacio episcopal). ‘A catedral fica na bisse- triz do Angulo, enquanto os outros ‘edificios estéo ali- nhados com os dois ramos da rua: assim, o largo dian- te da catedral se torna um trapézio, que enquadra a fachada da igreja entre os blocos divergentes dos dois palacios, e revela, aos dois lados da igreja, o panorama do vale (Figs. 886-887). ‘A catedral tem trés naves da mesma altura (de fato, segue o modelo das igrejas goticas alemas visita das por Pio Il em suas viagens) e,em seu interior, nao tem qualquer decoracao, exceto as pinturas encomen: dadas aos mais famosos pintores de Siena: Sano di Pietro, o Sassetta, Giovanni ‘di Paolo e Matteo di Gio- vanni. Q Palacio Piccolomini éum_ bloco quadrado com um patio no centro, mas toda a fachada meridional é Seupada por um portico, que dé para o jardim e permi- te gozar o panorama do- ‘vale, tendo o Monte Amiata a0 fundo. "Ao redor deste centro monumental inserem-se outros edificios secundarios: os cardeais etigem seus palacetes ao longo dos dois ramos da rua; 0 papa manda construir, na ‘extremidade norteleste do con- junto habitacional, um loco de casas enfileiradas pa- ta os habitantes mais pobres (doze acomodagies de dois andares, todos iguais), atras do palacio pablico abre-se uma praca menor para 0 mercado, de modo que a praca principal nao seja estorvada pelos bancos ¢ pelas tendas dos ‘vendedores. Assim, toda a pequena cidade é organizada, de modo’ hierarquico,em torn da 426 jgreja e do palacio papal. Os edificios principais se distinguem pela maior regularidade arquitetonica, ‘nao pelo maior tamanho (a autoridade no se exprime coma superioridade dos meios materiais, mas com © prestigio da cultura); esta regularidade diminui nos Uiificios secundarios e perde-se naqueles para as pes goas comuns, que se inserem sem dificuldadeno tecido compacto do burgo medieval, Desta maneira, acombi- nacao entre o antigo e onovo resulta felizmente unité sac nova cultura respeita o ambiente tradicional ¢ 0 tortige —mas 60 qualitativamente — com seus artefa- fos, disciplinados por uma regra intelectual superior. (© projetista deates novos edificios nao ¢ citado nos documentos: mas se trata quase com certeza de Bernardo Rossellino, um dos mais célebres arquitetos florentinos da época (em 1461 é nomeado mestre-de- obras de S, Maria del Fiore). Pio II segue de perto os trabalhos, e toma as decisées mais importantes, come Cle mesmo explica nos Comentarios. De fato, 08 mont fnentos principais sfio construidos num tempo muito curto, de 1459 a 1462; em marco de 1462, a cidade toma Gnome de Pienza, e hospeda por breves periods a ‘corte papal, até a morte repentina de Pio II, em 1464. |A seguir, nao slo feitas outras mudancas, ¢ & cidade de Pio IT volta a ser um burgo afastado do {nterior, O equilibrio, aleancado por um instante neste primeiro arranjo urbano da Renascenca, ndo 6 per sit: ado por adigdes posteriores, e ainda pode ser aprecia: do nos espacos das ruas ¢ dos edificios, mesmo que & Vida para a qual estava destinado tenha desaparecida ha muitos séculos. ‘Fig, 889, 0 brasto de Pio II Piccolomini, no Palécio de Pienza. Figs, 884385. Pienza, Vista da cidede pelo Vale do Oreia, e planta; ‘em preto, os edificios que formar o centro monumental fo Paldcio Piccolomini, o paldcio piblico, 0 palécio Borgia, a catedral) e 0 biloca das casas enfileiredas para os pobres. 427

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