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166 A psicandlise de criangas ¢ o lugar dos pais E eu devia responder (segundo suas ordens): “Nao, nao tenho?”; “Agora vocé fica triste”, ordenava ele 4 mae, que, entao, devia dizer: “Que pena!”, e fazer de conta que chorava. Era a minha ver. de tranquiliza-la dizendo: “Nao se preocupe, pode ir ao quiosque em frente”, apontando para ele. Entao a mae ia até la e dizia: Quero um carrinho! Tem?” Exaltado, ele abria bem os olhos e, encarando-a, dizia: “Tenho!” E ela devia ficar contente. Eassim varias vezes, enquanto ele ia agregando a cada vez um objeto novo que ele guardava e que a mae devia desejar, A certa altura, Joaquim foi ao banheiro e a mie se queixou, angustiada: “E muito pesado ele ficar repetindo 0 mesmo tantas vezes.” Comento que nao é o mesmo, que ele tem cada vez mais coisas para oferecer. Ela se tranquiliza e continua a brincar, Ao sair, Joaquim pergunta 4 mae: “Vamos continuar brincando Ja fora?”, e a mae concorda. As intervengGes do analista nos casos de Freud O encontro com o pequeno Hans Nos hist6ricos clinicos freudianos, também é possiv el ler diversas interven¢Ges, como nesse tinico encontro que Freud manteve com © pequeno Hans. Sua riqueza merece que recordemos o trecho, tal como relatado por Freud: ‘ consulta foi breve. O pai de Hans comegou por observar que, a despeito de todos os esclarecimentos que dera a Hans, seu medo de cavalos ainda nao havia diminuido, Eramos também forgados a confessar que as conexées entre os cavalos de que tinha medo e os sentimentos de afeicao por sua mae, antes revelados, nao eramem absoluto abundantes, Determinados detalhes que acabo de saber - no nntervencdes do analista na andlise de uma crianga 167 tocante ao fato de que io se incomodava, em particular, com aquilo que os cavalos usam a frente dos olhos e com o preto em torno de suas bocas ~ certamente nao se explicariam a partir daquilo que sabiamos. No entanto, ao ver os dois sentados a minha frente e ao mesmo tempo ouvir a descrigo que Hans fazia da anguistia que os cavalos lhe causavam, vislumbrei um novo elemento para a solucao, eum elemento que eu podia compreender e que provavelmente esca- pava a seu pai. Perguntei a Hans, a guisa de brincadeira, se os cavalos que ele via usavam éculos e ele negou; em seguida, se o pai os usava e, contra toda evidéncia em contrario, ele repetiu que nao. Finalmente Ihe perguntei se para ele o “preto em torno da boca” significava um bigode; revelei-Ihe entao que ele tinha medo de seu pai, exatamente porque gostava muito de sua mae. Disse-lhe da possibilidade de ele achar que seu pai estava aborrecido com ele por esse motivo; contudo, isso nao era verdade, seu pai gostava dele apesar de tudo e podia falar abertamente com ele sobre qualquer coisa, sem sentir medo, Continuei, dizendo que bem antes de ele nascer eu ja sabia que ia chegar um pe- queno Hans que iria gostar muito de sua mae e que, por causa disso, sentiria medo do pai; e disse também que contei isso ao seu pai. “Mas por que voce acha que estou aborrecido com vocé?”, nesse momento seu pai me interrompeu: “Alguma vez ralhei, ou bati em vocé?” Mas Hans o corrige: “Ah, sim! Vocé jé me bateu.” “Nao é verdade. Diga entio quando foi que isso aconteceu?” “Hoje de manha”, respondeu o menino; ai o pai recordou que Hans, inesperadamente, dera uma cabe- cada em seu estmago, e que ele, num reflexo instintivo, © afastara com um tapa da mao. Era surpreendente que ele nao tivesse correlacionado esse detalhe com a neurose; mas agora acabava de reconhecer esse fato como sendo uma expressio da hostilidade do menino para com ele e, talvez, também como manifestacao da necessidade de ser punido por causa disso, No caminho de casa, Hans perguntou ao pal: “O professor conversa com Deus? Parece que jé sabe de tudo desde antes!” Ficaria extraordinariamente orgulhoso vendo minhas dedugoes confirma- das pela boca de uma crianga, se eu proprio nao o tivesse provocado “a A psicanilise de criancas € 0 lugar dog oe is com minha ostentagao, a guisa de brincadeira. A partir dessa Consulta teragdes Verificadas na condi¢ao desse pequeno paciente. Nao era de esperar que ele ficasse sei a receber quase diariamente relatos das al livre de sua angustia de um s6 golpe, com a informagao que Ihe dei mas tornou-se aparente que acabara de se lhe oferecer a Possibilidade de trazer 4 tona os produtos de seu inconsciente e de identificar sua fobia. Dali por diante ele passou a executar um Programa, o qual pude de antemao comunicar a seu pai. Em 2 de abril, ja se pode notar, pela primeira vez, uma melhora Teal Antes e1 mpossivel induzi-lo a sair & rua por um tempo mais longo, cle sempre corria de volta para casa, com todos os sinais de medo a cada vez que pa va um cavalo; agora fica a porta da rua durante uma hora, mesmo com as carrogas passando por la, o que acontece com relativa frequéncia em nossa rua, De vez em quando, corre para dentro de casa ao ver aproximar-se ao longe uma carroga, mas logo se volta, como se estivesse mudando de ideia. Em todo caso, resta apenas um traco de angiistia e é indiscutivel 0 seu progresso, desde que recebeu esclarecimentos. A noite, Hans disse: “Ja chegamos até porta da rua, entdo também podemos ir ao parque.” (Ereud, 1909) Sigamos, passo a passo, a sequéncia, pois é, na minha opiniao, realmente ilustrativa de uma mudan¢: ‘a de enunciagao, concomi- tante com uma virada na colocacio transferencial de Freud. No comeg¢o da entrevista, quem fala é 0 pai, dizendo - con- forme relata Freud - que, apesar de todos os esclarecimentos, a angustia diante de cavalos ainda nao tinha diminuido. “informativa” de Freud como tentativa de solucionar nao tinha alcancado 0 resultado esperado. A proposta o problema Alguns antecedentes Permitirao entender com mais clareza 0 que aconteceu nesse encontro. Freud tinha redigido o histérico num clima de agradecimento - as contribuicdes que seus prd- ximos lhe ofereciam Para confirmar sua teoria sobre a sexuali-

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