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FALANDO DA COMUNICAÇÃO
Maria Júlia Paes da Silva
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FALANDO DA COMUNICAÇÃO
“Eu sabia que na minha profissão eu iria viver literalmente com o sofri-
mento humano, e sempre me preocupou esse lado dramático que en-
volve nossa profissão: porque ela vive de vida, do sofrimento do doen-
te e também da morte. A morte, sempre imbatível e triunfante. (...)
Precisamos ter humildade, porque a ciência vai ficar sempre com suas
dúvidas e a natureza com seus mistérios...”.
Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (aput Millan et al.7).
As pesquisas têm mostrado que o médico aprende a lidar com a doença, mas não
a lidar com o doente. Em Cuidados Paliativos esse é um grande problema porque a
doença segue seu fluxo e o grande desafio é como lidar com o doente. A maneira
como é dado o diagnóstico dentro do discurso médico nos leva a pensar em um ser
humano vulnerável em seus sentimentos, sem se dar conta dos efeitos emocionais
que pode causar aos pacientes ao longo da doença e do tratamento oferecido, bem
como aos familiares e até mesmo a si próprio.
Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico e todos os profis-
sionais da área de saúde deveriam ser fundamentalmente humanistas. Um sábio que,
na formulação de seu diagnóstico e no contato com o paciente, leve em conta não
apenas os dados biológicos, mas também os ambientais, culturais, sociológicos, fa-
miliares, psicológicos e espirituais.
Na visão de LeShan5, muitos médicos definem um bom paciente como aquele
que aceita as suas declarações e ações sem críticas ou questionamentos. Um mau
paciente é aquele que faz perguntas para as quais não há respostas e levantam pro-
blemas que os fazem sentir constrangidos. O médico dificilmente recebeu uma for-
mação que o ajude a dizer “Ajudei a sra. Maria a morrer bem”. É muito difícil, com a
formação atual, o médico e os demais profissionais da área de saúde aceitarem que
um dos seus papéis é o de ajudar as pessoas a morrerem bem. O foco de toda forma-
ção é a cura ou a estabilização das funções vitais13.
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Costa2 apresenta a fala de uma paciente em que se percebe que, apesar de sabe-
rem dos procedimentos que são tomados, os médicos não internalizam a gravidade
ou não de seus diagnósticos, de suas falas, do impacto que causam em seus pacien-
tes, deixando o mesmo como pano de fundo de uma realidade incompreensível:
“... quase caí do banco, não queria ouvir aquilo... Em setembro seu
pulmão estava limpinho e agora está cheio de nódulos (um mês
depois). O médico disse olhando para a radiografia, para uma par-
te de mim... me revoltei, recusei a fazer quimioterapia, é meu direi-
to. Vocês são ótimos médicos, excelente hospital, mas o câncer dá
um baile em vocês...agora sei que estou morrendo, quero morrer
com dignidade, em minha casa...”
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Informar a Quem?
O processo de informação ao paciente com qualquer enfermidade severa ou
incapacitante é extremamente complexo e se compõe de uma multiplicidade de fato-
res, destacando-se: a informação oferecida pelo médico, a informação retida pelo
paciente, o conhecimento que ele tenha da enfermidade, o desejo que ele tenha de
ter a informação e a satisfação com a informação recebida15.
Quanto ao desejo de ter a informação, alguns autores salientam que estudos em
vários países do mundo já verificaram que, de uma forma geral, a maioria das pessoas
manifestou o desejo de saber corretamente o diagnóstico caso viessem a desenvolver
uma doença grave10,12. Stuart et al.15 também afirmam que privar uma pessoa do
conhecimento sobre os processos de sua doença é violá-la de seus direitos; se engana
o paciente para evitar que ele se deprima, mas rapidamente a esperança inicial será
suplantada pela desesperança produzida pelo “engano” (traição), que conduz a um
estado de perda de confiança em seu médico.
No Brasil, um estudo no serviço de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP, com 363 pessoas atendidas, constatou que 96,1%
das mulheres e 92,6% dos homens mostraram desejo de serem informados do diag-
nóstico de câncer e 87,7% das mulheres e 84,2% dos homens desejaram que sua
família também fosse informada. 94,2% das mulheres e 91% dos homens afirmaram
querer saber do diagnóstico de AIDS. O desejo de participar das decisões terapêuti-
cas foi menor nos homens e nas pessoas com mais de 60 anos3.
Na China, Lui, Mok e Wong6 verificaram que são os pacientes mais jovens e
instruídos que querem saber mais informações sobre diagnóstico e opções de trata-
mento. Que esperam que lhes seja dado suporte emocional (através da comunica-
ção) pela equipe e família, apesar de, com alguma freqüência, referirem não falar das
próprias emoções com a família para não preocupá-la ainda mais. Esperam que o
profissional seja paciente, discorra claramente sobre a doença, tratamento e efeitos
colaterais, esteja sensível às reações emocionais que possam apresentar e escute res-
peitosamente suas sugestões. Isso implica também em se calar para ouvir e perceber
quais são as respostas e demandas do paciente e de sua família. É comum o profis-
sional falar demais na hora das notícias ruins, justificar demais, “florear” demais. O
fato é um só, concreto... e, freqüentemente, doloroso. Precisa ser vivido e o papel do
profissional da saúde é dar amparo, sustentação, ao paciente e à sua família.
Os pacientes referem não recorrer à enfermeira quando a percebem muito “ocu-
pada”, com pouco tempo para estar ao lado deles, são muitos jovens (principalmente
referido por homens mais idosos), e quando entendem que suas emoções e dilemas
devem ser partilhados somente em família (são “problemas particulares”)6.
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Emergindo o Espiritual
São vários os autores afirmando que as questões “Qual o sentido da nossa vida?
Para que vivemos? Para onde estamos indo?” surgem na maior parte dos pacientes
fora de possibilidades terapêuticas de cura. O ser humano tem necessidade de per-
tencer, de ter significado alguma coisa para alguém na vida, de ter sido capaz de dar
e receber amor, de perdoar e ser perdoado 4,8.
Cecily Saunders afirmou que todas as pessoas deveriam ter direito de, antes de
morrer, ter tempo para dizer “Desculpe”, “Obrigado”, “Te amo” e “Adeus”; e que,
para os profissionais de saúde, falar sobre as necessidades espirituais com os pacien-
tes é uma forma de se comunicar adequadamente em uma hora em que muitos estu-
dos mostram essas necessidades emergindo na maior parte das pessoas8,11.
Puchalski e Romer11 afirmam que já tem se usado na maior parte das universida-
des norte americanas um histórico espiritual onde o médico aborda junto às pessoas
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que estão em cuidados paliativos qual a sua fé, que coisas dão sentido a sua vida, a
importância que a fé ou a crença representam na vida da pessoa, que influência essa
fé ou essa crença exerce na maneira como ela cuida de si, como essas crenças influen-
ciam o seu comportamento durante a doença, se a pessoa é membro de alguma
comunidade religiosa e como é que gostaria que se tratasse esses temas de atendi-
mento espiritual-religioso durante o seu tratamento. Colocam que esse histórico espi-
ritual é necessário para que a comunicação flua com mais naturalidade nesses mo-
mentos de cuidados paliativos.
Cada paciente atendido adequadamente até o final de sua vida talvez deixe a
lição para o profissional de saúde sobre qual é o sentido da nossa própria vida, o
sentido das nossas ações e se estamos também usando adequadamente as palavras
“Desculpe”, “Obrigada”, “Eu te amo” e “Adeus”13.
“Logicamente” Simbólico
Uma linguagem que surge, muitas vezes, nos meses ou dias finais que antecedem
à morte do paciente é a linguagem simbólica. Linguagem que ele se utiliza, pois passa
por momentos de alteração do seu nível de consciência e também por passar a apre-
sentar sonhos significativos, “confusão” entre fatos presentes e passados, visões. Inde-
pendente da causa dessa aparente “confusão”, é necessário que o profissional esteja
preparado para ouvir com respeito e responder honestamente às questões feitas pelo
paciente e pela família a respeito desses sonhos e fatos. Ele pode experimentar os so-
nhos e essas visões como algo extremamente real; pode reconhecer claramente as
pessoas e objetos do ambiente e imaginar outras, concomitantemente presentes.
A linguagem simbólica é a linguagem utilizada pelas pessoas para expressarem
suas experiências interiores, sentimentos e pensamentos, como se fossem experiênci-
as sensoriais. É uma linguagem diferente da linguagem lógica utilizada no dia-a-dia,
onde não é o tempo e o espaço que categorizam as falas, mas a intensidade e as
associações13.
Quanto mais a equipe aceitar essas expressões do paciente, suspendendo o jul-
gamento “lógico”, permitindo que ele fale sobre elas, menos ele se sentirá sozinho
emocional e espiritualmente. Para ele, esses “acontecimentos” têm significado. Os
profissionais podem-se perguntar o que essas experiências estão dizendo sobre o
paciente, orientar a família sobre o valor dessas comunicações, tentando diminuir
uma eventual ansiedade que elas possam provocar. É importante lembrar que enten-
der a fabulação do doente apenas como delírio e medicá-la imediatamente como tal
pode privar a todos os envolvidos, incluindo o profissional, de ritualizações de passa-
gem importantes, das quais a nossa sociedade extrovertida é tão carente!
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pode ser traído pela compulsão à revelação precoce das suas suspeitas diagnósticas e
previsões prognósticas, com medo de ser atingido por denúncias junto aos Conselhos
Regionais de Medicina e Tribunais de Justiça, sendo acusado de negligência por ter
retardado, eventualmente, a confirmação do diagnóstico10. Os detalhes abundantes,
desnecessários, ansiogênicos, iatrogênicos que acompanham esse tipo de revelação,
nesse contexto, ocorrem muito pela atitude defensiva do pediatra, que o autor chama
de “Síndrome da Explicação Ansiosa”, sobre o fantasma do erro médico. Trata-se de
uma ameaça sombria e assustadora usada como objeto de exploração pela imprensa
injusta e por advogados gananciosos que farejam esse tipo de situação para transformá-
la numa rendosa indústria de erro médico.
A Título de Finalização
Comunicação, como podemos ver, permeia todas as ações de Cuidados Paliati-
vos e todas as dimensões do ser humano; portanto, é inquestionável esse atributo do
conceito em estudo nesse livro. Informar (leia-se: informações boas e “más”13) cada
paciente sobre sua doença e tratamento faz parte da atividade médica e da equipe de
saúde e obedece princípios básicos da relação médico-paciente. A confiança nos
profissionais que cuidam é o alicerce fundamental na estruturação de cuidados pali-
ativos e deve ser buscada de forma consciente e ativa. Essa confiança se desenvolve
nas ações comunicativas do dia-a-dia das relações.
O lugar onde cuidamos de alguém que está morrendo pode ser um hospital, pode
ser a casa do paciente, pode ser um Hospice, pode variar de acordo com a condição
social do paciente e com a estrutura social que esteja vivendo. É fundamental o médico
(e toda a equipe de saúde) aceitar a responsabilidade de que sua forma de se comunicar
com o paciente ficará na lembrança das pessoas para sempre; são os profissionais que
criam as memórias das pessoas, que viverão pelo resto da vida com a lembrança de
“como foi” o momento em que perderam alguém que amam. Refletir sobre comunica-
ção em Cuidados Paliativos significa resgatar a importância do afetivo em um ambiente
(área de saúde) em que tudo é baseado no efetivo.
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