Você está na página 1de 7

A polivalência da multifacetada Capoeira

La versatilidad de la multifacética Capoeira

MSc. Ricardo Martins Porto Lussac

ricardolussac@yahoo.com.br

Professor Assistente Substituto do Setor Capoeira do Departamento de

Lutas da EEFD da UFRJ (Brasil)

Resumo
A Capoeira se manifesta de diversas maneiras e por diferentes indivíduos e
grupos sociais e culturais. Ao assumir várias concepções, ela tem ampliada o seu
leque de intervenção e utilização. A Capoeira pode ser pesquisada, praticada,
aprendida, ensinada e utilizada de diversas formas e maneiras, sugerindo então,
uma ampla possibilidade de intervenção do profissional, principalmente, na área
educacional. Este artigo teve como objetivo analisar a Capoeira e suas qualidades
polivalentes e sua característica multifacetada. Ao evidenciar sua qualidade
polivalente e sua característica multifacetada, este artigo sugere que a Capoeira
tem um potencial educacional inestimável e inquestionável, e deveria ser
aproveitada na formação educacional do povo brasileiro. Do mesmo modo,
também é interessante aproveitar estas características da Capoeira de outras
formas e perspectivas, e em outras áreas.
Unitermos: Capoeira; Educação; Educação Física.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 -

Marzo de 2010
Introdução

A saga da Capoeira desde o período colonial e imperial até os nossos dias


foi permeada de acontecimentos históricos e sociais intimamente ligados à história
do Brasil. Isto está refletido claramente nas características do jogo-luta e no modo
como este se comporta como fenômeno.
A Capoeira se manifesta de diversas maneiras e por diferentes indivíduos e
grupos sociais e culturais, não diferindo dos seus conceitos e fundamentos
básicos em sua grande maioria. Observa-se que há propriedades comuns entre as
diversas ocorrências existenciais do jogo-luta, temporal e espacialmente.
A Capoeira é praticada por indivíduos de diferentes faixas etárias, desde a
universidade em cursos de extensão e graduação: “as principais universidades
brasileiras (UFBa, UFRJ, UERJ, UnB, USP, UNICAMP, PUC-SP e muitas outras)
já incluíram a Capoeira nos currículos dos cursos de educação física.” (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p.111), incluindo neste rol a pioneira EEFD da UFRJ; e em
cursos de pós-graduação: “na faculdade de educação física da UnB, em 1997-98,
realizou-se o primeiro curso de pós-graduação voltado especificamente para o
estudo da Capoeira” (ibidem, 1998, p.111); até nas escolas, “atualmente, como se
sabe, é comum a Capoeira ser adotada como prática desportiva em escolas de
primeiro e segundo graus ao lado de atividades como futebol, basquete e voleibol”
(ibidem, 1998, p.111), às favelas e guetos em diferentes locais e partes do país e
do mundo, por doutores, modelos, atletas, crianças carentes e de classe média
alta, o povo em geral e até estrangeiros, seja nos Estados Unidos ou Canadá,
Austrália, Japão e em várias partes da Europa (ocidental e oriental), América
Latina e inclusive na África.
Como já afirmado, a Capoeira se manifesta de diversas maneiras, mas não
diferindo muito quanto aos seus aspectos básicos como a ginga, golpes e
movimentos, chulas e instrumentos musicais, sendo praticada de diferentes
modos, como Capoeira Regional, Capoeira Angola ou apenas por seu nome
original: Capoeira, diferindo, portanto, no seu ritual, uma das bases do jogo-luta,
cujo aprendizado incorreto, pode provocar problemas na transmissão e ensino da
arte.
Um destes problemas constatados no mundo da Capoeira é conhecido
como “Mestre Varig” (LOPES, 1999), caracterizado como um praticante brasileiro,
geralmente de nível intermediário de conhecimento do jogo-luta, que ao chegar no
exterior se auto-intitula Mestre de Capoeira, se aproveitando da falta de
conhecimento sobre a Capoeira no local onde aporta. Ainda há o mestre “formado
pelas gráficas” (ibidem, 1999) que se auto intitula Mestre, fazendo o seu próprio
cartão de apresentação e folder de divulgação com tal título. Não sendo o objetivo
deste trabalho abordar esta temática, ao menos é necessário destacar ser
possível afirmar que os problemas anteriores são derivados de outros mais
radicais e presentes na Capoeira do Brasil.
A Capoeira assume várias concepções, o que amplia o seu leque de
intervenção e utilização. Para muitos a Capoeira é dança, jogo, luta, defesa
pessoal, arte, educação, cultura, lazer, terapia, folclore, ginástica, desporto,
história, filosofia - de vida - e até religião. A Capoeira é a soma de tudo isso, e não
pode ser compreendida com estes elementos separados, o que reforça e
demonstra as multifaces desta.
Segundo Izabel Cristina de Araújo Cordeiro: “a Capoeira hoje, vem sendo
utilizada tanto como conteúdo de aulas de Educação Física, Lazer, quanto como
formação de atores, terapia, entre outros”. (CORDEIRO, 1992, p. 2).
De acordo com Luíz Silva Santos:

Outros fatores que também estão inerentes no jogo da capoeira


são os aspectos folclóricos, defesa pessoal, arte, dança, esporte e
cultura. Estes aspectos devem ser respeitados e valorizados, tanto
pelo seu teor educativo, como por caracterizarem a capoeira como
atividade genuinamente brasileira (SANTOS, 1990, p. 13).

Hélio Campos, o Mestre Xaréu, afirma que a riqueza da Capoeira está nas
suas várias formas:
A riqueza está nas várias formas de ser contemplada, onde o
aluno poderá assimilar e atuar nas linhas com as quais mais se
identifica: capoeira, luta, dança e arte, folclore, esporte, educação,
como lazer e filosofia de vida (CAMPOS, 1998, p.21 e 22).

SILVA MELLO ressalta a pluralidade da Capoeira em seu universo simbólico


e motor:

Em seu universo simbólico e motor encontramos elementos, tais


como a musicalidade, a religiosidade, movimentos acrobáticos,
dentre outros, que a tornam bastante peculiar. A capoeira é plural,
e nela o lúdico e o combativo interpenetram-se, caracterizando-a
como jogo, luta e dança (SILVA MELLO, 2002, p. 01).

Deste modo, como se pode observar, muitos autores corroboram que os


aspectos da qualidade polivalente e da característica multifacetada da Capoeira,
aliados à riqueza plural desta, proporcionam benefícios na utilização da Capoeira
como prática educacional. Fica constatado o rico universo da Capoeira e as
amplas possibilidades de desenvolvimento de seus praticantes de acordo com a
concepção que desejar, e ainda, a importância da Capoeira na formação do
cidadão, pois possui elementos capazes de realçar e reforçar a identidade
brasileira quando bem trabalhados por um agente educacional.
Nota-se também estas várias concepções sobre a Capoeira nos enfoques
dos temas literários referentes ao assunto: Capoeira História: Soares (1999) e
(2002), Dias (2001); Capoeira Educação: Campos (1998) e (2001), Santos (1990);
Capoeira Terapia: Ribeiro (1992); Capoeira Esporte: Lopes e Pinto (1997);
Capoeira Educação Física, Saúde e Qualidade de vida: Reis (2001); Capoeira
para portadores do vírus HIV: Cunha (2003); Capoeira Música: Anunciação (1990);
Capoeira Luta-Arte Marcial: Abreu (1999), Lopes (2002), entre outros, apontados
por mim em outro trabalho (LUSSAC, 2000).
Mas apesar do enfoque ampliado sobre a Capoeira, quase não há obras
específicas abordando a Capoeira em áreas como a psicomotricidade, o
treinamento esportivo, entre outras. Estudos de diferentes áreas geralmente são
abordados por poucos autores e em partes de obras sobre a Capoeira.

Considerações finais

A Capoeira pode ser pesquisada, praticada, aprendida, ensinada e utilizada


de diversas formas e maneiras, sugerindo então, uma ampla possibilidade de
intervenção do profissional que utiliza esta arte, variando, conforme os objetivos
propostos por este profissional e ou pela instituição onde é praticada.
Uma destas formas - e seria possível até afirmar que seria a principal, por
estar levando todos os seus conteúdos e cultura para dentro deste contexto - seria
a educacional. A Capoeira tem um potencial educacional inestimável e
inquestionável, e seria falta de reflexão crítica e bom senso, não entender e
enxergar o jogo-luta por este prisma, assim como também, deixar de aproveitá-la
na formação educacional do povo brasileiro. Portanto, do mesmo modo, é
interessante aproveitar estas características da Capoeira de outras formas e
perspectivas, e em outras áreas.

Referências Bibliográficas

ABREU, Frederico José de. Bimba é Bamba: A Capoeira no Ringue. 1ª edição,


Salvador: Instituto Jair Moura, 1999.

ANUNCIAÇÃO, Luiz Almeida da. Manual de Percussão – Volume I – A Percussão


dos Ritmos Brasileiros sua técnica e sua escrita, Caderno 1: O Berimbau. Rio de
Janeiro: Edição Europa, 1990.

CAMPOS, Hélio. Capoeira na Escola. 1ª edição, Salvador: Editora da


Universidade Federal da Bahia, 1998.
_________. Capoeira na Universidade: Uma trajetória de resistência. Salvador:
SCT, EDUFBA, 2001.

CORDEIRO, Izabel Cristina de Araújo. Bota a Mandinga ê ... A Esportivização da


capoeira em questão. Campinas: Universidade Estadual de Campinas –
Faculdade de Educação Física, 1992.

CUNHA, Andréa Cristiane Alves da. Capoeira Positiva - Os benefícios da prática


da Capoeira para crianças portadoras do vírus HIV. Rio de Janeiro: Edições
Abada-Capoeira, 2003.

DIAS, Luiz Sergio. Quem tem medo da Capoeira? Rio de Janeiro 1890-1904. Rio
de Janeiro. Secretaria Municipal de Culturas, Departamento Geral de
Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,
divisão de Pesquisa, Coleção Memória Carioca Vol. 01, 2001.

LOPES, André Luiz Lacé. A Capoeiragem no Rio de Janeiro,primeiro ensaio –


Sinhozinho e Rudolf Hermanny. Rio de Janeiro. Editora Europa, 2002.

_________. A Volta do Mundo da Capoeira. 1ª edição, Rio de Janeiro:


Coreográfica Editora e Gráfica, 1999.

LOPES, A., PINTO, A. Introdução Metodológica da Capoeira no Futebol. 1ª


edição, Feira de Santana, 1997.

LUSSAC, Ricardo Martins Porto ( Mestre Teco ). Desenvolvimento psicomotor


fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e vivência de um
mestre da capoeiragem graduado em educação física. Universidade Cândido
Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro:
2004.
_________. Determinantes da Escolha pela prática da Capoeira. Universidade
Estácio de Sá, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Rio de Janeiro: Junho /
2000.

REIS, André Luiz Teixeira. Educação Física & Capoeira: Saúde e Qualidade de
vida. Ed. Thesaurus. Brasília, 2001.

RIBEIRO, Antônio Lopes. Capoeira Terapia. 3ª edição, Brasília: Secretaria dos


Desportos, 1992.

SANTOS, Luíz Silva. Educação: Educação Física: Capoeira. 1ª edição, Maringá:


Fundação Universidade Estadual de Maringá, 1990.

SILVA MELLO, André da. A história da capoeira: pressuposto para uma


abordagem na perspectiva da cultura corporal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE, LAZER E DANÇA, VIII., 2002,
Ponta Grossa, PR. As ciências sociais e a história da educação física, esporte,
lazer e dança. Anais... Ponta Grossa, PR: Universidade Estadual de Ponta
Grossa, 2002.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes


no Rio de Janeiro (1808-1850). 2a edição, revisada e ampliada. Campinas, SP:
Editora UNICAMP/Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2002.

_________. A Negregada Instituição: Os Capoeiras na Corte Imperial 1850-1890.


1ª edição, Rio de Janeiro: Access Editora, 1999.

VIEIRA, Luiz Renato, ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Mitos, controvérsias e fatos:


construindo a história da capoeira. Rio de Janeiro: Estudos Afro-Asiáticos (34): 81­
121, 1998.

Você também pode gostar