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Modalidade e Metafisica

November 19, 2012

Segue-se um resumo/adaptação/explicação da introdução de Michael J. Loux

ao livro The Possible and the Actual.

1 Cepticismo sobre a modalidade

David Hume: rejeitava a ideia de que a modalidade fosse uma característica da

realidade.

Contraste com a ideia aceite hoje em dia (pela maioria das pessoas a trabal-

har na área) de que a realidade tem uma estrutura modal, uma ideia aceite em

parte graças aos desenvolvimentos da semântica da lógica modal e da reflexão

sobre as várias formas de discurso modal.

2 História

Na história recente, a modalidade foi encarada com suspeita, em parte devido às

inclinações empiristas em voga no inicio do século XX, e também às crenças de

que um sistema puramente extensional (como o dos Principia Mathematica de

Russell e Whitehead) nos dava o paradigma da lógica. C. I. Lewis desenvolveu

diferentes formalizações da inferência modal para capturar a noção pre-teórica

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de implicação (pouco satisfeito com o condicional material do sistema Russell-

Whitehead). (ver os paradoxos da implicação material).

Mas uma vez que o seu trabalho indicou como construir diversos sistemas

não equivalentes de lógica modal, e não apenas um, os cépticos da modalidade

continuaram resistentes à ideia de que a realidade tivesse propriedades modais.

Já conhecemos esses sistemas. Dos que tratava C.I. Lewis:

• O sistema mais fraco era M (ou T ) que tem todas as tautologias vero-

condicionais, mais duas formulas modais, e teria ainda modus ponens e a

regra de necessitação (se A é um axioma de T , então A também o é).:

1. (A ⊃ B) ⊃ (A ⊃ B)

2. A ⊃ A

• O sistema de Brower (B) contém T mais o seguinte

3. A ⊃ ♦A

• S4 é construído a partir de T acrescentando antes

4. A ⊃ A

Em S4, o seguinte é derivável:

5. A ≡ A.

6. ♦A ≡ ♦♦A.

• Dada uma fórmula com uma ocorrência de um só operador modal, pode-

mos substituí-la por outra com qualquer número de iterações do operador

modal em questão.

Também poderíamos obter S4 acrescentando-lhe simplesmente

7. ♦A ⊃ ♦A

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• Finalmente, temos S5, que inclui nos teoremas

8. ♦A ≡ ♦A

9. A ≡ ♦A

• Quando o que buscamos é uma teoria que sistematize a inferência modal,

queremos saber quais são as inferências que são legítimas e quais as que

não o são. Uma vez que temos quatro sistemas distintos, como escolher o

sistema adequado?

• Será que basta contrastar os axiomas dos diferentes sistemas para ver quais

deles concordam com as nossas intuições pre-teóricas? Um problema com

esta estratégia é que assume, primeiro, que temos intuições claras sobre

(3), (4) e (7) (por exemplo). Mas muitas vezes, não é nada claro que

tenhamos tais intuições claras sobre o estatuto das proposições modais.

As intuições terão de confrontar, também, as fórmulas deriváveis com os

axiomas de cada sistema, B, S4 e S5 Por exemplo:

10. ♦p ⊃ ♦♦p

11. ¬(♦♦♦♦♦♦q) ∨ (♦♦q)

12. ¬((♦♦♦♦r) ∧ ¬(♦♦r)).

• A primeira é derivável em B, a segunda em S4 e a última em S5.

Outra razão para cepticismo foi que durante muito tempo não houve uma

semântica para os vários sistemas modais. Não havia modelos (conjuntos de

objectos, e as fórmulas seriam sobre esses objectos) em termos dos quais as

fórmulas pudessem ser interpretadas. Como explicar então o que é uma fórmula

válida?

A partir de meados do século XX, começaram a formular-se estratégias para

encontrar uma semântica para os diversos sistemas modais, apelando à ideia

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Leibniziana de mundo possível. Essencialmente, a necessidade seria interpretada

como verdade em todos os mundos possíveis, e a possibilidade como verdade em

algum mundo possível.

Carnap, por exemplo, tenta explicar a modalidade à la Leibniz com à noção

de descrições de estado, em que estas são conjuntos maximamente consistentes

de frases atómicas, tais que para cada frase atómica S, ou S é um membro do

conjunto de frases maximamente consistentes, ou a sua negação o é. Uma frase

seria necessariamente verdadeira sse fosse verdadeira em todos os conjuntos de

frases maximamente consistentes.

A adaptação da noção Leibniziana de mundo possível permite tratar os op-

eradores modais de uma forma uniforme de modo a que os símbolos funcionem

como operadores nos diferentes sistemas modais não equivalentes.

A semântica modal de Saul Kripke é uma das mais conhecidas. Kripke define

para T uma estrutura de um modelo-T , a qual é um triplo ordenado hG, K, Ri,

em que K é um conjunto de objectos, G um objecto no conjunto e R a relação

de possibilidade relativa, ou acessibilidade. Teremos de imaginar que R está

definida sobre K de antemão, i.e., que mundos são acessíveis relativamente a

que outros mundos. A relação de acessibilidade será, em T , reflexiva.

Dada a estrutura de um modelo-T , Kripke define um modelo como uma

função binária de frases atómicas de T e de mundos possíveis para valores de

verdade. Informalmente, um modelo atribui a cada formula atómica de T um

valor de verdade em cada mundo possível. Dado o modelo, qualquer frase não

atómica pode receber um valor de verdade em cada mundo no modelo.

(a) ¬A é verdade em w sse A é falsa em w.

(b) (A ∨ B) é verdade em w sse ou A é verdade em w ou B é verdade em w.

(c) ♦A é verdade em w sse existe pelo menos um mundo possível w0 tal que

w0 é acessível a w e A é verdade em w0 .

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(d) A é verdade em w sse para todo o mundo possível w0 acessível a w, A é

verdade em w0 .

• A validade-em-T é definida por Kripke de tal forma que uma fórmula é

válida em T sse é verdadeira em todos os modelos numa estrutura de

modelo-T .

Kripke provou, com esta noção de validade, a completude de T , i.e., que

todas as fórmulas que são válidas em T são deriváveis por meio das regras de

T . Neste caso, a fórmula A ⊃ A tem de ser válida em T , o que requer que

se A é verdade em todos os mundos acessíveis a w então A é verdade em w.

Como em T a relação de acessibilidade é reflexiva, a condição é satisfeita e

Kripke provou também a completude de B, por meio da noção de validade num

modelo-B, tornando a relação de acessibilidade não só reflexiva mas também

simétrica (fórmula: A ⊃ ♦A). E prova a completude de S4 usando a noção

de validade num modelo-S4, tornando a relação de acessibilidade reflexiva e

transitiva. (fórmula A ⊃ A). Finalmente, prova ainda a completude de S5

em termos da validade num modelo-S5. Com as noções de validade em B, S4

e S5, Kripke prova a completude dos sistemas, de forma a que toda e qualquer

fórmula válida num destes sistemas é demostrável nesse mesmo sistema.

A cada um destes sistemas de lógica modal proposicional corresponde um

sistema de lógica modal quantificada. Nós não estudámos os sistemas quan-

tificados. Essencialmente, Kripke introduz a noção de estrutura de um modelo

quantificacional, para cada um dos tipos de modelos considerados, e uma função

que atribui a cada mundo um conjunto de objectos. Cada conjunto é o conjunto

de objectos que existem em cada mundo possível.

Um conjunto de objectos é o domínio de cada mundo possível. A união dos

domínios é domínio de todos os objectos possíveis. Um modelo quantificacional é

uma função binaria de expressões predicativas e mundos possíveis para conjuntos

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de n-tuplos de objectos. Um modelo quantificacional dá-nos a interpretação

dos predicados no sistema, para cada predicado e mundo possível, atribui um

conjunto de n-tuplos ordenados de objectos – a extensão dos predicados nos

mundos possíveis. Assim, pode determinar-se o valor de verdade de cada fórmula

quantificada nos vários sistemas em cada mundo possível. Os métodos dados

permitem determinar o valor de verdade de qualquer fórmula em qualquer dos

sistemas de lógica modal quantificada. Uma fórmula é válida sse for verdadeira

em todos os modelos quantificados numa estrutura quantificada T , B, S4 ou

S5. (ignorando as complicações a variação de existentes em diferentes mundos,

o que tem efeitos para a fórmula de Barcan e para a conversa da fórmula de

Barcan: FB: ∀xF x ⊃ ∀xF x; CFB: ∀xF x ⊃ ∀xF x).

A semântica da lógica modal permite responder ao segundo problema que

motivava o cepticismo com respeito à lógica modal. Esta estratégia também

permite aparentemente responder ao primeiro problema ou dificuldade que mo-

tivava o cepticismo: como decidir entre os vários modelos. O que o trabalho

na semântica da lógica modal sugere é que os operadores modais são uma espé-

cie de quantificadores sobre mundos possíveis, em que  é um quantifica sobre

todos os mundos possíveis que são acessíveis a partir de um mundo de partida

(restringindo a noção de possibilidade relativa ou acessibilidade no sistema rel-

evante) e o ♦ um quantificador existencial, que quantifica sobre pelo menos um

mundo acessível a partir do mundo de partida.

Nesta medida, a estratégia Leibniziana dá-nos uma representação daquilo de

que tratam os sistemas modais e explica a diferença entre estes sistemas com

base na diferença na relação de acessibilidade nos diferentes sistemas. Assim,

a escolha de sistema modal não precisa de ser ditada pelas nossas intuições

sobre fórmulas complicadas, mas podemos perguntar-nos que inferência modal

preferimos, com base nas nossas preferências com respeito à relação de acessi-

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bilidade (ou possibilidade relativa). Podemos perguntar-nos, por exemplo, se o

que é metafisicamente necessário ou possível pode variar de mundo para mundo.

Consoante a resposta, podemos preferir B, S4 ou S5.

3 Extensionalidade e Mundos Possíveis

3.1 Mundos Possíveis

A semântica modal permitiu encontrar uma base sólida para a lógica modal,

e permitiu fazer aplicações da lógica modal a outras áreas, com modificações

sobre o aparato dos mundos possíveis: lógica temporal, lógica epistémica, e

lógica deontica, em cada caso com uma semântica bem definida.

Mas os empiristas continuaram a resistir à lógica modal, que rejeitam a pos-

sibilidade de fazer sentido de um sistema não-extensional. (Para essas pessoas,

uma lógica tem de ser extensional).

Além do mais, a semântica modal depende da noção de mundo possível, e

para isso parece que temos de assumir que há mundos possíveis distintos do

nosso, e que há objectos que não encontramos no mundo actual. Ora, não

sabemos, segundo tais cépticos, o que serão tais coisas, e não deveríamos ter

de nos comprometer com a existência de mundos possíveis ou objectos não-

existentes.

Como interpretar os vários sistemas modais? Uma sugestão é vê-los como

um sistema não interpretado de inscrições que incorporam um vocabulário prim-

itivo e dois tipos de regras: (1) regras que nos permitem construir sequências

de inscrições a partir do vocabulário primitivo, e (2) regras que nos permitem

derivar certas sequências de inscrições a partir de sequências anteriores. Neste

sentido, os sistemas não são sobre nada. Poder-se-ia insistir que qualquer con-

junto de objectos que satisfaça as restrições formais impostas pela semântica de

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Kripke serviria.

Contudo, se estes sistemas são sistemas de lógica modal, então são teorias

legítimas sobre as inferências modais . E se é assim, então os objectos a que

apelamos nos modelos para a semântica desses sistemas têm de ser algo que

possa ser plausivelmente visto como o objecto do discurso modal.

Quais são as alternativas aqui? Falar de mundos possíveis é simplesmente

uma formalização das nossas crenças pre-filosóficas. Quando dizemos que é

necessário que 2 + 2 = 4 queremos dizer que aconteça o que acontecer, 2 + 2 =

4. Estas diferentes maneiras como as coisas se podiam ter passado é aquilo

que determina a verdade das frases prefixadas com operadores modais. Estas

parafrases: ‘como as coisas se podiam ter passado’, ‘o que teria acontecido’, etc.,

seriam maneiras de quantificar sobre mundos possíveis, e os mundos possíveis

seriam assim aquilo que confere valor de verdade às nossas afirmações sobre o

que tem de ser, ou pode ser, o caso.

O problema com os mundos possíveis, segundo alguns, é que são entidades

metafisicamente exóticas, que, como diria Russell, ‘violam um sentido robusto

da realidade’.

3.2 Modalidade De Re e De Dicto

Falar de mundos possíveis também é útil quando falamos de outros tipos de

discurso, em particular quando falamos da modalidade de re. A modalidade de

dicto concerne a modalidade da verdade das proposições. A modalidade de re

concerne o estatudo modal da exemplificação de um atributo por um objecto

particular.

Imaginemos que Kripke está a pensar no número 3. Podemos assim distin-

guir:

13. Necessariamente, aquilo em que Kripke está a pensar é um número primo.

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14. A coisa em que Kripke está a pensar é necessariamente um número primo.

(13) faz uma atribuição de modalidade de dicto e (14) faz uma atribuição de

modalidade de re. (14) deve ser verdade, mas podemos duvidar que (13) o seja.

Mesmo que as atribuições de modalidade dos dois tipos sejam distintas,

em ambos os casos podemos esperar que a referência a mundos possíveis é re-

querida. No caso da modalidade de dicto, entende-se que uma certa proposição

é verdadeira aconteça o que acontecer, em todos os mundos possíveis. No caso

da modalidade de re, entende-se que um certo objecto não poderia ter existido

sem ter tido um determinado atributo. (no caso da necessidade)

3.3 Contrafactuais

O discurso contrafactual também parece apoiar a ideia de que os mundos pos-

síveis são elementos da ontologia a que nos comprometemos no discurso não

filosófico.

Os contrafactuais como

15. Se o Nixon não se tivesse demitido, teria havido uma crise constitucional.

Verificamos que a lógica extensional não explica adequadamente o discurso

contrafactual, como o caso (15). Nestes casos, não estamos a falar de como as

coisas se passaram. O discurso contrafactual resiste um tratamento puramente

extensional porque fala de coisas que vão para lá do que existe ou acontece,

pelo menos assim parece ser. No discurso contrafactual, os mundos possíveis

de que falamos parecem ser restritos. Não estamos a dizer que em todos os

mundos possíveis em que o Nixon não se demite, há uma crise constitucional,

porque certamente haverá mundos possíveis em que ele não se demite e não há

qualquer crise. Estamos a dizer, presumivelmente, que, num mundo suficiente-

mente próximo ou semelhante ao actual, se o Nixon não se demite, há uma crise

constitucional. A ideia é que para um contrafactual ‘se tivesse sido o caso que

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p então teria sido o caso que q’, nos mundos que se assemelham ao actual tanto

quanto possível, compatíveis com p ser verdade nesse mundo, então q é verdade

nesse mundo também.

3.4 Significado

A noção de mundos possíveis também se tornou útil para explicar a noção de

significado. Os filósofos que favorecem o extensionalismo sempre resistiram a

falar de significado. Os significados não teriam condições de identidade precisas

nem obedeceriam a princípios de individuação claros. A alternativa pareceria ser

abandonar qualquer noção de sentido. Outra alternativa é explicar o significado

em termos de referência.

Na versão mais forte do extensionalismo, o significado dos termos não lógicos

é a sua extensão. O sentidos dos termos singulares são os seus referentes, o sig-

nificado dos termos predicativos são os conjuntos de n-tuplos que os satisfazem,

e as frases têm como significado o valor de verdade.

Um problema desta abordagem é que parece que o significado tem de ser mais

“fino” do que a teoria prevê. Os termos singulares co-referenciais, bem como os

predicados co-extensionais, e as frases com o mesmo valor de verdade, tornam-

se (respectivamente) sinónimos entre si. Isto parece problemático. (ver casos

de expressões com significado sem referentes, ou de diferente valor cognitivo

de frases com diferentes termos co-referenciais, e diferente valor de verdade de

algumas de tais frases). De todas as formas, a ideia de que saber o significado

é saber fixar a extensão de um termo é atraente: saber o significado de um

predicado seria saber a que tipo de coisas se aplica, saber o significado de uma

frase declarativa seria saber em que condições seria verdadeira.

Poderemos isolar o erro da abordagem extensional? Segundo alguns autores

(Cresswell ou Kaplan), a referência não se faz simplesmente a referentes actuais.

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As expressões linguísticas servem para falar do que é o caso, mas também do

que poderia ter sido o caso. O significado é um conceito referencial e portanto

tem de ser analisado por meio da noção de uma extensão; mas também é uma

noção modal e por isso tem de ser explicado em termos de mundos possíveis.

O significado das expressões não-lógicas (nomes, predicados, frases) seria uma

função de mundos possíveis para as suas extensões. O significado é uma função

que atribui a cada mundo possível a extensão que uma expressão tem quando

a usamos para falar sobre esse mundo. Assim, os termos singulares têm como

significado funções de mundos para objectos; o significado de predicados n-ários

é uma função de mundos para conjuntos de n-tuplos ordenados, e o significado

de frases declarativas é uma função de mundos para valores de verdade.

Uma estratégia semelhante seria utilizada para explicar relações, propriedades,

conceitos individuais, proposições, etc. Em vez de analisar estas noções simples-

mente com recurso a noções de teorias de conjuntos, utilizar-se-iam as noções do

referencialista modal. Os conceitos individuais seriam funções de mundos para

indivíduos, propriedades seriam funções de mundos para conjuntos de objec-

tos, as relações, funções de mundos para conjuntos de pares ordenados, triplos

ordenados, etc. E proposições seriam funções de mundos possíveis para val-

ores de verdade. As entidades abstactas em questão são entidades de teoria de

conjuntos, e por isso têm condições de identidade simples. Preservam-se as pro-

priedades modais, para além das actuais, destes objectos abstractos, graças ao

uso da noção de mundos possíveis. Nesta abordagem, o significado dos termos

singulares são conceitos singulares, os de predicados são propriedades e relações,

e os de frases, certas proposições.

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