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Marcio Farias
No campo dos estudos sobre relações raciais no Brasil, também temos encontros
e desencontros desses autores. Clóvis Moura dedicou sua vida intelectual para os
estudos sobre a população negra no Brasil. Quase que a totalidade de seus escritos
discute questões relacionadas a população negra, nos mais variados aspectos. Ianni
por sua vez, ainda que tenha deixado como legado teórico um número significativo de
estudos sobre relações raciais, explorou outras temas ligados à formação do Brasil,
como também a compreensão da história da América Latina, a questão da
Globalização, entre outros.
Octavio Ianni também conhecia a obra de Clóvis Moura, tanto que orientou o
mestrado da pesquisadora Erika Mesquita que defendeu a dissertação “Clóvis Moura:
Uma visão crítica da história social brasileira" no departamento de sociologia da
Unicamp no ano de 2002. Trata-se de um dos poucos estudos sobre a obra de Moura.
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Assim sendo, como autores contemporâneos que discutiram por vezes o mesmo
tema, partindo do mesmo pressuposto teórico em alguns momentos, esses autores
também divergiram em alguns aspectos. Vamos explorar alguns pontos dessa
discussão no próximo item desse artigo.
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Temos conhecimento de apenas mais um trabalho de estudo sobre a obra de Clovis Moura. Trata-se da
dissertação de mestrado defendida no ano de 2009 na Universidade Federal Fluminense, no Programa
de Pós Graduação em Sociologia e Direito, feita por Fabio Nogueira com o título: Clóvis Moura e a
sociologia da práxis negra.
Negro, de bom escravo a mau cidadão?(1977). Para tanto, Moura amplia seu escopo
de análise discutindo, num primeiro momento, a participação da população negra em
processos políticos em toda América Latina. Aqui há uma elaborada discussão sobre a
presença negra na América Latina com ênfase na Revolução Haitiana. Explicitamente
influenciado por C.R.M. James autor da obra clássica de análise sobre a revolução
haitiana Os Jacobinos Negros (1944), Clóvis Moura apresenta uma discussão
inovadora sobre o processo de independência da colônia francesa de maioria negra,
que foi a única revolta bem sucedida de escravizados no mundo inteiro. Aqui reside
uma efetiva discrepância entre a análise empreendida por Moura quando comparada
com os estudos sobre o mesmo tema realizados por Octavio Ianni.
Clóvis Moura por sua vez, vai propor que o elemento religioso possibilitou aos
escravizados submetidos a um regime desumano, respondessem com humanidade a
este processo. O vodu, restituindo elementos sociais como hierarquia, diferenciação,
devir, operou como argamassa da revolta, possibilitando ao segmento mais
pauperizado acompanhar de forma mais direta as dimensões que a luta exigia e que
estava sendo elaborada pelas lideranças “esclarecidas” .Isso porque é justamente nos
setores ligados ao vodu que cresce a chama rebelde com fugas, rebeliões e motins.
Segundo Moura:
(...) Podemos dizer que foi um movimento de escravos que
transformou o Haiti em nação independente, a segunda do
continente. Sua independência surgiu de um protesto negro
violento e radical. Colocados no último extrato da sociedade,
somente encontraram na luta revolucionária a saída capaz de
solucionar os seus problemas que se confundiam com a
independência da parte francesa da ilha (MOURA, p. 107, 1977).
Prossegue o autor:
Moura, por sua vez, inicia as indagações sobre a formação do Brasil moderno
sobre a égide do racismo:
É visto ainda como mau cidadão negro aquele que vive nas
favelas, nos cortiços, nos mocambos nordestinos e se situa nas
mais baixas camadas sociais, como operário não qualificado,
doméstica, mendigo, biscateio, criminoso ou alcoólatra (...) A
imagem abstrata que os estratos superiores que se julgam
brancos têm do negro é reflexa dessa realidade social,
econômica e cultural na qual ele se encontra emerso. Concluem
dai que ele não tem condições para desfrutar da liberdade, pois
dissipa-a na cachaça, no amor livre e na maconha (...) O negro
marginalizado, por isto, é visto através da racionalização como
sujo, incapaz de disputar com o branco a liderança da
sociedade, nos seus diversos níveis (MOURA, 1977, p. 19).