Você está na página 1de 297

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8
1. 1.1. ANTIGUIDADE 8
1.1.1. Pré-Socráticos 8
1.1.2. Sócrates 8
1.1.3. Platão 8
1.1.4. Aristóteles 9
1.1.5. Sofistas 11
1.1.6. Estóicos 11
2. 1.2. IDADE MÉDIA 11
1.2.1. Santo Agostinho 11
1.2.2. Tomás de Aquino 12
3. 1.3. MODERNIDADE 15
1.3.1. Augusto Comte 15
1.3.2. Émile Durkheim 16
1.3.3. Max Weber (não, não era parente da Ministra Rosa Weber rsrs) 18
1.3.4. Maquiavel 19
1.3.5. Contratualistas 19
1.3.5.1. Thomas Hobbes 19
1.3.5.2. John Locke 20
1.3.5.3. Jean-Jacques Rousseau 22
1.3.5.4. Montesquieu 22
1.3.6. David Hume 23
1.3.7. Georg Hegel 24
1.3.8. Karl Marx 26
1.3.9. Antônio Gramsci 26
1.3.10. Emannuel Kant 26
1.3.11. Hans Kelsen 34
1.3.12. Giorgio Del Vecchio 34
4. 1.3. CONTEMPORANEIDADE 34
1.3.1. Robert Alexy 34
1.3.2. Ronald Dworkin 34
1.3.3. Herbert Hart 38
1.3.3.1. Introdução 38

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1.3.3.2. Hart e a Defesa do Positivismo Jurídico Metodológico 38
1.3.3.2.1. A Estrutura Do Ordenamento Jurídico 38
1.3.3.2.2 Os Conceitos De Existência, Validez E Eficácia Jurídica 40
1.3.3.2.3. A Distinção entre Ponto de Vista Interno e Ponto de Vista
Externo Perante as Regras Jurídicas e os Respectivos Enunciados
Internos e Externos 41
1.3.3.2.4. A Relação Entre O Direito E A Moral 42
1.3.3.3. Conclusão 44
1.3.4. John Rawls 45
1.3.4.1. Consenso Constitucional, Neutralidade e Razão Pública: Elementos
de Teoria da Constituição em Rawls 49
1.3.5. Theodor Viehweg 52
1.3.6. Niklas Luhmann 54
1.3.7. Chaïm Perelman 54
1.3.8. Jürgen Habermas 54
1.3.8.1. O Fundamento da Legitimidade Política dos Grupos de Pressão à
Luz da Teoria da Ação Comunicativa 54
1.3.8.2. A Concepção Comunicativa do Direito e da Democracia em
Habermas 57
1.3.9. Franz Kafka 61
1.3.10. Michel Foucault 62
1.3.11. Alf Ross 62
1.3.12. Heidegger 62
1.3.12. Hans-Georg Gadamer 62
13.12.1. Círculo Hermenêutico X Espiral Hemenêutica: Schleiermacher X
Gadamer 64
1.3.13. Peter Habërle 66
2. CORRENTES DE PENSAMENTO 68
5. 2.1. UTILITARISMO 68
2.1.1. Jeremy Bentham 68
2.1.2. John Stuart Mill 68
6. 2.2. FENOMENOLOGIA 68
2.2.1 Husserl 68
7. 2.3. REALISMO JURÍDICO 70
2.3.1 Oliver Holmes 71

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


2.3.2. Jerome Frank 71
2.3.3. Olivercrona 71
2.3.4. Alf Ross 71
8. 2.4. DIREITO ALTERNATIVO 71
9. 2.5. EXISTENCIALISMO 71
10. 2.6. CETICISMO 71
11. 2.7. TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO 71
12. 2.8. JUSNATURALISMO 74
13. 2.9. JUSPOSITIVISMO 76
14. 2.10. PÓS-POSITIVISMO 77
15. 2.11. MORALISMO JURÍDICO 77
16. 2.12. LIBERTARISMO 77
17. 2.13. COMUNITARISMO 77
18. 2.14. LÓGICA DO RAZOÁVEL 78
2.14.1. Noções Preliminares acerca da Lógica do Razoável 78
2.14.2. A Lógica do Razoável e a Interpretação 85
2.14.3. A Lógica do Razoável e a Função Legislativa 86
2.14.4. A Lógica do Razoável e a Função Jurisdicional 87
2.14.5. A Lógica do Razoável e a Equidade 88
2.14.6. Aplicações Práticas 91
19. 2.15. TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 92
2.15.1. Introdução 92
2.15.2. A Teoria da Argumentação Jurídica como Controle de Racionalidade 93
2.15.3. A Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas 95
2.15.4. Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy 99
2.15.5. Teoria da Argumentação Jurídica de Chaïm Perelman: A Nova Retórica 103
2.15.5.1. Os Elementos da Argumentação 103
2.15.5.2. O Auditório Universal 105
2.15.5.3. Persuadir e Convencer 107
2.15.5.4. A Situação Ideal de Fala 108
2.15.5.4. A Busca pela Universalidade 108
2.15.6. Teoria da Argumentação Jurídica de Neil Maccormick 109
3. CONCEITOS BÁSICOS DA FILOSOFIA DO DIREITO 110
4. DIREITO, ÉTICA, CULTURA, JUSTIÇA, EQUIDADE E MORAL E OUTRAS
QUESTÕES DE HUMANÍSTICA 115

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


20. 4.1. CONCEITOS DE DIREITO 115
4.1.1. Direito em Kant 116
4.1.2. Direito em Kelsen 119
4.1.3. Direito em Carlos Cossio 119
4.1.4. Direito no Realismo Jurídico 120
21. 4.2 ÉTICA 120
4.2.1. Ética X Moral 120
4.2.2. Conceitos de Ética 125
4.2.2. Ética e Meio Ambiente 126
4.2.3. Ética de Princípios e Ética de Resultados 127
4.2.4. Eutanásia e Ética/Moral 128
22. 4.3. CONCEITOS DE CULTURA 128
4.3.1. Bens Culturais e Ciências Culturais 130
23. 4.4. CONCEITOS DE JUSTIÇA 131
24. 4.5. CONCEITOS DE MORAL 136
4.5.1. Moral Kantiana 137
4.5.1.1. Tratamento do Direito em Kant 141
25. 4.6. REGRAS JURÍDICAS, REGRAS MORAIS E REGRAS DE TRATO SOCIAL 143
26. 4.7. REALIDADE, VERDADE E CONHECIMENTO 145
27. 4.8. O VALOR 146
28. 4.9. POR QUE ESTUDAR AS MATÉRIAS DE HUMANÍSTICA? 147
5. SOCIOLOGIA DO DIREITO 147
29. 5.1. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA. ASPECTOS
GERENCIAIS DA ATIVIDADE JUDICIÁRIA (ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA). GESTÃO. GESTÃO
DE PESSOAS. 153
5.1.1. Introdução à Sociologia da Administração Judiciária 153
5.1.2. Aspectos Gerenciais da Atividade Judiciária (Administração e Economia) 156
5.1.3. Gestão 157
5.1.4. Gestão de pessoas 160
30. 5.2. RELAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS. CONTROLE SOCIAL E DIREITO.
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO. 160
5.2.1.1. Relações Sociais e Jurídicas 160
5.2.1.2. O Processo de Formação da Sociologia Jurídica 163
5.2.1.3. O Direito como Fato Social 166
5.2.2. Controle Social e Direito 167

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


5.2.2.1. Instituições e Controle Social 170
5.2.3. Transformações Sociais e Direito 171
5.2.4. Coerção, Coação e Sanção: Diferenças 176
31. 5.3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA 177
5.3.1. Direito, Comunicação Social e Opinião Pública 177
5.3.1.1. Texto Introdutório 177
5.3.1.2. Continuação 180
32. 5.4. CONFLITOS SOCIAIS E MECANISMOS DE RESOLUÇÃO. SISTEMAS NÃO JUDICIAIS
DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS. 183
5.4.1. Conflitos Sociais e Mecanismos de Resolução 183
5.4.1.1. Os Conflitos e as suas Soluções 185
5.4.1.2. A Crise do Processo 186
5.4.2. Sistemas Não Judiciais de Composição de Litígios 188
5.4.2.1. Meios Alternativos de Resolução de Conflitos e Operadores do
Direito 189
5.4.2.2. Empecilhos à Aplicação dos Meios Alternativos de Solução de
Conflitos 190
33. 5.5. ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL 192
6. ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA NACIONAL 193
34. 6.1. INTRODUÇÃO 193
35. 6.2. DEVERES DOS MAGISTRADOS 196
6.2.1 Deveres Previstos na LOMAN (art. 35) 197
6.2.2. Outros Deveres dos Magistrados 201
36. 6.3. O ESTATUTO DA MAGISTRATURA 203
37. 6.4. REGIME JURÍDICO DA MAGISTRATURA 204
6.4.1. Garantias do Poder Judiciário 204
6.4.1.1. Garantias Institucionais 204
6.4.1.1.1. Autonomia Orgânico-Administrativa 204
6.4.1.1.2. Autonomia Financeira 206
6.4.1.2. Garantias Funcionais 208
6.4.1.2.1. Garantias Relativas à Independência do Magistrado 208
6.4.1.2.2. Garantias Relativas à Imparcialidade do Magistrado 216
6.4.2. Provimento do Cargo de Juiz 218
6.4.2.1. Provimento Originário 219
38. 6.5. SISTEMA DE CONTROLE INTERNO DO PODER JUDICIÁRIO 220

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


6.5.1. Distinção entre Controle Interno e Controle Externo 223
6.5.2. Órgãos de Controle Interno do Poder Judiciário 229
6.5.2.1. Corregedoria 229
6.5.2.2. Ouvidoria 234
6.5.2.3. Conselho Nacional de Justiça 236
6.5.2.3.1. Introdução e Composição 236
6.5.2.3.2. Atribuições do CNJ 239
6.5.2.3.3. Atuação do PGR e do Presidente do Conselho Federal da OAB
247
6.5.2.3.4. CNJ e o Princípio da Subsidiariedade 248
6.5.2.3.5. A ADI 4638 e a Tentativa de Esvaziar os Poderes Investigatórios
do CNJ 251
6.5.2.3.6. Ações Judiciais em Face do CNJ 252
6.5.2.3.7. Colaboração do CNJ para o Aprimoramento do Judiciário 256
39. 6.6. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL DOS MAGISTRADOS 257
6.6.1. Responsabilidade Criminal do Magistrado 257
6.6.2. Responsabilidade Civil do Magistrado 260
6.6.3. Responsabilidade Administrativa do Magistrado 264
7. TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA 271
40. 7.1. DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO 271
7.1.1. Texto Introdutório 271
7.1.2. O Que é Direito Subjetivo (Dicotomia entre Direito Subjetivo e Direito Objetivo)
273
7.1.2.1. O Dever Subjetivo 274
7.1.3. Alguns Conceitos Essenciais da Teoria Geral do Direito 275
7.1.4. As Teorias Acerca do Direito Subjetivo 278
7.1.4.1. A Teoria da Vontade de Windscheid 278
7.1.3.2. A Teoria do Interesse de Ihering 279
7.1.3.3. A Teoria Mista de Jellinek 280
7.1.3.4. Teoria do Autorizamento ou da Autorização da Norma Jurídica 281
7.1.4.5. As Teorias Negativistas do Direito Subjetivo de Hans Kelsen e Léon
Duguit 282
7.1.5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo 284
7.1.5.1. A Subjetividade e a Capacidade de ter Direitos 286

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


7.1.5.2. A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas
Subjetivas 288
7.1.6. Direitos Públicos Subjetivos 290
7.1.6.1. Direitos Públicos Subjetivos - Perspectivas Históricas 290
7.1.6.2. Os Direitos Subjetivos Públicos na Constituição Brasileira 291
7.1.6.3. Fundamento dos Direitos Públicos Subjetivos 293

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1. Introdução

1. 1.1. Antiguidade
1.1.1. Pré-Socráticos
Os pré-socráticos não deixaram muita herança no estudo acerca da justiça. Poucos
são os seus escritos encontrados; eles eram extremamente religiosos, acreditando
que os deuses determinavam o destino de cada homem e como se esse fosse quase
um mero coadjuvante desempenhando o papel que lhe era predestinado.
Assim, nessa fase, com a mitologia grega, somente pelas histórias deixadas se
chega ao conhecimento de um certo saber e noção de justiça, com as criações
literárias de Homero (Odisséia, Ilíada) e de Hesíodo.

1.1.2. Sócrates
Ao contrário dos sofistas, ele acreditava que era possível chegar ao conceito
verdadeiro das coisas, ao pleno conhecimento. Justiça não seria algo relativo,
mas sim algo fundamental, cujo conhecimento poderia ser alcançado através do
diálogo.
Seu método, então, era, por intermédio da retórica, fazer perguntas ao
interlocutor e questionar as respostas, ao que se deu o nome de MAIÊUTICA.
Para Sócrates, ética significava conhecimento. Só poderia ser ético quem tinha
conhecimento, já que assim poderia discernir o bem do mal. E só poderia ter
conhecimento quem fosse educado (PAIDEIA).

1.1.3. Platão
Discípulo de Sócrates escreveu aquelas historinhas bobas e sem noção do mito da
caverna.
Fora essa besteira, acreditava e defendia que a sociedade justa seria uma
idealizada, à qual se chegaria despindo-se o homem do véu da ignorância, que
cada pessoa tinha uma aptidão. Que haveria justiça quando cada um exercesse a
sua na sociedade, de acordo com sua natural designação. Assim, o papel do
homem já era pré-determinado.
Segundo ele, a sociedade ideal seria a comandada pelos filósofos, os sábios,
seguidos pelos guerreiros e, por fim, na base da pirâmide social, pelos
trabalhadores. Vê-se desde aquela época que o corporativismo era descarado.
Ele era tão radical nesse pensamento que entendia ser legítima a intervenção do
Estado para “adequar” o homem ao seu papel. Ou seja, se um trabalhador tentasse
ser filósofo, poderia vir a ser coativamente “reabilitado” pelo Estado.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Bom, Platão quebrou a cara com o caso “Dionísio de Siracusa”. Ele foi chamado
para ensinar a esse cara as virtudes de um governante, como ser um filósofo de
“sucesso”. Após anos de ensinamentos, o rapaz cresceu e virou um dos mais vis e
cruéis governantes da idade antiga.
Ética: ser ético é ter racionalidade despida de interesse próprio.
1.1.4. Aristóteles
Aristóteles foi um grande sujeito. Trouxe alguma luz ao mundo naquela época.
➢ Aspectos sociológicos
No que se refere à sociologia, ele fez um amplo estudo em mais de 150 polis da
Grécia antiga para ter uma base empírica dos fenômenos jurídico-sociais
normalmente observados em todas. Tais estudos foram consolidados na obra
“Política”.
Nesse livro ele traçou a teoria das formas de governo, ao descrever possíveis
formas de governo:
FORMAS PURAS FORMAS IMPURAS (DEGENERAÇÕES DAS
PURAS)
Monarquia Tirania
Aristocracia Oligarquia
Democracia Demagogia

Aristóteles entendia que as formas de organização da sociedade não eram ideais,


mas fáticas, e que os modelos bons poderiam se degenerar para os ruins. Vê-se,
pois, que ele tinha um pensamento mais zetético, voltado à realidade.
Trouxe-o também claramente a ideia de que o homem é um “animal” político, que
precisa se relacionar para sobreviver.
➢ Aspectos filosóficos
Ética: para Aristóteles, ética é a ciência prática, o agir humano que diferencia o
bom e o mau, o justo do injusto. A ética não pode ser vista como uma ciência exata,
dogmática, visto que seu estudo está marcado pela preocupação de definir, mas
sem constranger, conceitos, dando margem de variabilidade de acordo com as
características próprias de cada indivíduo. Ser ético é ser virtuoso, alcançar a
virtude através da razão.
Justiça: Aristóteles defendia que o homem deveria ser virtuoso. E o que é virtude?
Virtude é o agir com moderação, atuar no meio termo dos extremos. Pois bem, e

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


o que era justiça para ele? Justiça é o agir com cooperação interpessoal. Não se
trata de algo individual, mas algo essencialmente social, que se manifesta nas
relações entre os homens. Como se concretiza a justiça? Pelo alcance da
igualdade. Ele via a justiça em duas acepções, justiça particular (justiça na
relação entre as partes) e justiça universal (justiça que envolve o todo, ou seja, a
legislação e toda comunidade por ela protegida). A justiça particular podia ser:
a) Justiça particular comutativa ou corretiva: trata-se da justiça entre
particulares, entre pessoas que atuam com coordenação, sem
diferenciações hierárquicas, a qual deve ser concretizada de forma simples
ou aritmética. Os ganhos e perdas das partes devem ser iguais, não
importando o mérito individual. Esse justo conduz à noção de reciprocidade
proporcional das forças dentro da malha social.
b) Justiça particular distributiva: trata-se da justiça entre sociedade e
particulares, não devendo ser implementada de forma direta, e sim
proporcional. Nela se insere a importância do mérito (avaliação subjetiva
do merecimento ou não de benefícios) para se fixar a justiça na distribuição
dos bens. Aristóteles reconhecia que o mérito era um valor variável,
conforme o sistema político adotado.
Para se completar a teoria da justiça em Aristóteles, ele agregou o elemento da
equidade em sua concepção. Equidade significaria avaliar o justo no caso
concreto, visto que a lei possui um caráter geral e abstrato. Assim, equidade é a
correção dos rigores da lei; a falta de equidade pode levar à injustiça por meio do
próprio justo legal. Não se trata, pois, de um problema de erro legislativo, mas
simplesmente de uma impossibilidade fática de se minudenciar exaustivamente a
legislação.
a) Justiça em sentido amplo ou universal (justo total): refere-se ao
cumprimento das leis do Estado. Significa a observância do que é regra
social de caráter vinculante. Realiza-se a justiça com a conformação do ato
humano à lei. Assim, nessa acepção, justiça e direito, e legalidade, se
confundiriam. Os antigos não concebiam a existência de uma lei injusta. Se
era legal, era justa.
b) Justiça em sentido estrito ou particular: aquela que permite distribuir de
modo justo os bens da sociedade (corresponde à justiça comutativa +
justiça distributiva).
Ligando justiça, ética e equidade: para Aristóteles, ser ético é agir com virtude; ser
virtuoso é ser moderado; ser justo é praticar reiteradamente (com ética,
habitualmente) atos virtuosos, atos voluntários de justiça. Não basta, pois, o
conhecimento teórico do que seja justo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Por fim, trazendo para o presente as ideias do filósofo, uma grande colaboração
que ele deu foi fornecer os fundamentos filosóficos para as AÇÕES
AFIRMATIVAS, visto que elas se assentam na distributividade de bens sociais.
1.1.5. Sofistas
Os sofistas representaram a ruptura com o pensamento mitológico dos pré-
socráticos, voltando o pensamento dos deuses para os homens. Famosa frase: “o
homem é a medida de todas as coisas”.
Os sofistas romperam com a herança cultural pré-socrática ao voltar a filosofia
para o estudo do homem, como ser individual e social, colocando-se como radicais
opositores da tradição, sobre definições absolutas, conceitos fixos e eternos, sobre
tradições inabaláveis, com isso relativizando o conceito de justiça que é igualado
ao conceito de lei, de legalidade.
Os sofistas, tais como Protágoras e Górgias, relativizaram a possibilidade de
conhecimento, afirmando, no que se refere ao direito, que o senso de justiça não
advém de deuses, mas sim do fruto das convenções humanas, variando com o
tempo e com o imperativo das circunstâncias. Ademais, eles apontavam a
identidade entre a legalidade e a justiça, de modo a favorecer o desenvolvimento
de ideias que associavam à inconstância da lei a inconstância do justo.
Por passarem o foco ao homem, os sofistas foram tidos como os precursores da
sociologia. Por intermédio do relativismo, eles inauguraram a crítica social, já
que lançaram dúvidas sobre a capacidade de justiça da polis grega.
1.1.6. Estóicos
Tem como seu principal expoente Marcus Tullius Cicero (romano).
Ética: a ética estoicista é o agir humano que respeita o universo e suas leis
cósmicas, além do respeito a si mesmo. Ela determina o cumprimento de
mandamentos éticos pelo simples dever, não com vistas a um fim outro qualquer.
É a ética do dever, não pelo temor reverencial, mas a vontade de praticar justiça
(já sabemos de quem Kant copiou né?rsrs...).

2. 1.2. Idade Média


1.2.1. Santo Agostinho
Um dos precursores do movimento chamado PATRÍSTICA, aqueles que
desenvolveram os fundamentos da igreja católica romana.
Agostinho defendia uma concepção de justiça na qual tudo estava baseado na
dicotomia bem/mal, alma/corpo, divino/humano, absoluto/relativo etc. Assim, se
a lei humana se encontrasse desenraizada de sua origem, seu destino só pode ser

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


o erro e o mau governo das coisas humanas. Se o homem, por outro lado, se deixar
inspirar divinamente, seus atos e instituições prosperarão.
No entanto, apesar de imperfeitas, as leis humanas são a garantia da ordem social
e, para serem chamadas em seu conjunto de Direito, devem estar minimamente
aproximadas da justiça.
A justiça terrena é, na verdade, reflexo da cidade dos homens; essa concepção
deverá imperar até o advento da Cidade de Deus, quando então haverá a ruptura
com a presente ordem social.
Apesar de católico, Agostinho teve evidente influência do cristianismo verdadeiro.
1.2.2. Tomás de Aquino
Deu grande contribuição para o desenvolvimento do direito e da sociologia.
Para ele, o papel do Estado é realizar o bem comum. Se não promover esse
objetivo, não pode ser considerado como uma forma justa de organização do
poder político.
Aquino é um neoaristotélico, valeu-se de muitas das ideias daquele filósofo para
justificar seus pensamentos. Ele foi o grande expoente da ESCOLÁSTICA, um
movimento de racionalização do cristianismo com forte ênfase na dialética como
método de conhecimento.

Em sua obra magna, a Suma Teológica, São Tomás partiu do pensamento


Aristotélico, admitindo uma ordem natural do mundo, abaixo da ordem
divina. Foi um teórico da igreja católica responsável por reabilitar a razão e
a ciência como preocupações fundamentais.

O pensamento causal de Aristóteles serve para reenviar a Deus a origem do


mundo, mas também para conferir certa autonomia à ordem natural.

Daí a distinção entre causas primeiras e causas segundas.

Na sua classificação das leis, São Tomás colocou no cume de todo o sistema
legislativo a lex aeterna tomada de Santo Agostinho: razão de Deus ordenando o
cosmos.

Porém o mundo possui uma ordem e uma natureza dadas por Deus. Cabe aos
homens investigá-las e agir conforme os seus princípios. Essa é a base do direito
natural tomista, a lei natural (lex naturalis).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A lei positiva (lex positiva) seria a forma humana de imitar a lei natural,
codificando-a em normas de condutas e serem seguidas pelos cidadãos. Tanto
mais justa será, quando mais próxima estiver da natureza humana.

Dado o caráter errático da conduta humana, inclusive dos julgadores, não


se poderia pressupor a existência de um julgamento sempre de acordo com
a lei natural. Por isso a questão da lei e do julgamento injustos é trazida para
evidenciar a precariedade da condição humana frente à ordem divina, mas,
ao mesmo tempo, para demonstrar que isso não apaga ou exclui a
necessidade dessa ordem dos homens, cujo sentido primordial seria a busca
da virtude, o seu exercício cotidiano, e não mais uma predisposição inata apenas
revelada aos "eleitos".
Justiça: em Aquino, a justiça consiste na disposição constante da vontade de dar
a cada um o que é seu, segundo uma igualdade. Não respondeu, entretanto, o que
era devido a quem. Ele é jusnaturalista, admite a existência de uma lei natural, a
qual, entretanto, seria mutável.
Ética: ser ético é agir de acordo com os padrões divinos (ética teocêntrica).

A Teoria do duplo efeito é uma tese da filosofia moral, normalmente atribuída a


São Tomás de Aquino. Ela visa explicar em que circunstâncias é permitido tomar
uma ação tendo ao mesmo tempo consequências positivas e negativas (ou seja,
um duplo efeito). Ela enuncia diversas condições necessárias para que uma ação
possa ser moralmente justificada mesmo quando comporte um efeito ruim:

• A ação deve ser ela mesmo boa ou moralmente neutra;


• O efeito positivo deve resultar do ato e não do efeito negativo;
• O efeito negativo não deve ter sido diretamente desejado, mas deve ter sido
previsto e tolerado;
• O efeito positivo deve ser mais forte que o negativo, ou ainda, ambos devem
ser iguais.

Em suma, esta tese sustenta que existem situações onde é justificado produzir
uma consequência ruim se ela é apenas um efeito colateral da ação e não
intecionalmente buscado.
Um submarino é torpedeado em uma guerra. Um dos compartimentos começa a
encher-se de água. O comandante imediatamente manda que fechem a escotilha,
a fim de que a água não invada o restante da embarcação. Ao fazer isso, porém,
dez tripulantes que estavam no compartimento torpedeado morrem afogados.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A ação de fechar a escotilha não é má em si, e nem sequer é praticada com má
intenção. No entanto, ela terá como efeito inevitável a morte de dez tripulantes
daquele compartimento, que serão afogados. A morte desses inocentes, causada
indiretamente, não é um “meio” de salvar a embarcação. O meio é o fechamento
da escotilha. Se, absurdamente, o comandante mantivesse a escotilha aberta, mas
mandasse matar os dez tripulantes, não salvaria o submarino. Nesse exemplo,
jamais se pode dizer que a salvação do submarino se deu por meio da morte de
dez inocentes. A distinção entre meio e efeito é fundamental para que se resolvam
certas questões cruciais da Bioética e do Biodireito. Muitos de nossos atos bons
produzem efeitos maus indesejados, mas inevitáveis. Ao tomarmos uma aspirina
para curar uma dor de cabeça, podemos causar dano ao estômago. Ao corrigirmos
o próximo, às vezes ele se sente humilhado ou envergonhado.
A questão do duplo efeito foi, inclusive, expressamente invocada no julgamento
sobre o direito de greve dos servidores públicos:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAIS
CIVIS. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. SERVIÇOS OU
ATIVIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS. COMPETÊNCIA PARA
CONHECER E JULGAR O DISSÍDIO. ARTIGO 114, INCISO I, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO DE GREVE. ARTIGO 37,
INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEI N. 7.783/89.
INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO
NÃO ABSOLUTO. RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE GREVE EM
RAZÃO DA ÍNDOLE DE DETERMINADAS ATIVIDADES
PÚBLICAS. AMPLITUDE DA DECISÃO PROFERIDA NO
JULGAMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO N. 712. ART. 142,
§ 3º, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO. AFRONTA AO
DECIDIDO NA ADI 3.395. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO PARA DIRIMIR CONFLITOS ENTRE SERVIDORES
PÚBLICOS E ENTES DA ADMINISTRAÇÃO ÀS QUAIS ESTÃO
VINCULADOS. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (...) 2.
Servidores públicos que exercem atividades relacionadas
à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à
administração da Justiça --- aí os integrados nas chamadas
carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis,
inclusive as de exação tributária --- e à saúde pública. A
conservação do bem comum exige que certas categorias
de servidores públicos sejam privadas do exercício do
direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva
proteção de outros direitos igualmente salvaguardados

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


pela Constituição do Brasil. 3. Doutrina do duplo efeito,
segundo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II Seção da
II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há dúvida quanto a
serem, os servidores públicos, titulares do direito de
greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista
do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de
greve a tais e quais servidores públicos em benefício do
bem comum. Não há mesmo dúvida quanto a serem eles
titulares do direito de greve. A Constituição é, contudo,
uma totalidade. Não um conjunto de enunciados que se
possa ler palavra por palavra, em experiência de leitura
bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são
extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras
coisas que não somente textos. A força normativa da
Constituição é desprendida da totalidade, totalidade
normativa, que a Constituição é. Os servidores públicos
são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a
regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há
alguns que a coesão social impõe sejam prestados
plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais
dependam a manutenção da ordem pública e a segurança
pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de
Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis,
inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não
estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por
esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos
armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil
são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação
aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve
[art. 142, § 3º, IV]. 4.
(Rcl 6568, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno,
julgado em 21/05/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC
25-09-2009 EMENT VOL-02375-02 PP-00736).

3. 1.3. Modernidade
1.3.1. Augusto Comte
Aspectos sociológicos

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Considerado o pai da sociologia, Comte teorizou e dividiu a evolução da sociedade
em três estágios (famosa LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS):
a) Religioso: sociedades primitivas, com organização social voltada à religião
e à fé.
b) Metafísico: sociedades que iniciam a racionalização do pensamento, mas
ainda conservando grande parte de suas ideias espirituais, como na Grécia
antiga.
c) Científico: racionalismo puro, que traria a “iluminação” para o homem.
No modelo do estágio científico europeu, a ciência seria uma visão empírica,
concreta e experimental da sociedade. A sociologia seria o estudo objetivo do
comportamento humano e das instituições sociais.
De acordo com a teoria Comtiana, o desenvolvimento da sociologia possibilitaria
ao homem planejar de forma racional a vida social e trazer o conforto material e
espiritual necessários. O estudo sociológico seria a solução de tudo, da fome, da
pobreza etc.
Comte, entretanto, teve muita fé na sociologia, com base num cientificismo que,
posteriormente, se mostrou irreal e em constantes ataques pelos céticos e pelos
relativistas. Ele quis explicar a sociedade como se ela fosse uma máquina, sujeita
a obviedades lógicas como teoremas matemáticos.
Sua proposta frutificou e ganhou grande espaço no Direito, com o positivismo
jurídico, que durou, numa concepção pura, até o fim da 2ª GM, quando então
declinou fortemente.
Os grandes opositores do positivismo (cientificistas) são os racionalistas
(argumentativistas).
Aspectos jurídicos
Comte não deu atenção para o Direito. Por quê? Pois ele considerava que, com o
desenvolvimento da sociologia, não seriam mais necessários direito, religião,
moral ou qualquer tipo de conhecimento de base axiológica. A sociologia supriria
tudo.
Assim, ele dedicou seu tempo a desenvolver aquilo que achava ser a solução de
todos os problemas do mundo. Vê-se, pois, que foi muito tempo perdido.
1.3.2. Émile Durkheim
Aspectos sociológicos

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Emílio centrou seus estudos nos fatos sociais.
O que é fato social?
Para Émile Durkheim, fatos sociais são "coisas". São maneiras de agir, pensar e
sentir exteriores ao indivíduo, e dotadas de um poder coercitivo. Não podem ser
confundidos com os fenômenos orgânicos nem com os psíquicos, constituem uma
espécie nova de fatos. São fatos sociais: regras jurídicas, morais, dogmas
religiosos, sistemas financeiros, maneiras de agir, costumes, etc.
“É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação
exterior.”; ou ainda, “que é geral no conjunto de uma dada
sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria,
independente das suas manifestações individuais”. Ou
ainda: todas as maneiras de ser, fazer, pensar, agir e sentir
desde que compartilhadas coletivamente. Variam de cultura
para cultura e tem como base a moral social, estabelecendo um
conjunto de regras e determinando o que é certo ou errado,
permitido ou proibido.
Para ele, o Direito seria apenas um fato social, o resultado do atuar da sociedade.
Entretanto, seria distinto dos demais ante a maior força coercitiva que lhe é
conferida. Todos os fatos sociais são coercitivos, já que condicionam e
constrangem os indivíduos, psiquicamente, a atuar de tal ou qual modo. Por ter
dado destaque ao direito, Durkheim é considerado o pai da sociologia do
direito.
Assim, o direito é fato social acima dos demais por ter fundamento social capaz de
impor sanções, perda de patrimônio e privação da liberdade, mais contundentes
do que as sanções dos outros fatos sociais.
Durkheim, para fundamentar sua teoria, fez a seguinte distinção:
a) Solidariedade mecânica: sociedades em que o indivíduo, considerado
isoladamente, têm pouca importância, ele é apenas uma engrenagem social.
O agir é mais coletivo, sendo as pessoas praticamente fungíveis entre si.
b) Solidariedade orgânica: fruto de sociedades mais desenvolvidas, nas quais
a pessoa tem mais importância e uma maior influência social.
Qual a importância dessa bobagem? A evolução social levou o direito a ser bem
mais restitutivo do que repressivo. Na sociedade mecânica, o indivíduo é mais
fácil de ser cambiado por outro em suas funções. O Direito, especialmente o penal,
teria, pois, a função de retirar da sociedade a engrenagem defeituosa. Já nas

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


sociedades orgânicas, como o indivíduo possui mais valor, a sua retirada do meio
social afetaria de forma mais contundente o todo orgânico. Assim, muito mais
importante é a reparação do dano (fortalecimento da esfera cível) do que a pena
pessoal. A preservação do indivíduo com suas funções preserva a sociedade. Logo,
com a evolução da sociedade, o Direito passa a ser muito mais restitutivo do que
repressivo.
1.3.3. Max Weber (não, não era parente da Ministra Rosa Weber rsrs)
Max Weber, contemporâneo de Durkheim, rompeu um pouco com a visão
empirista do positivismo, defendendo que o sociólogo não poderia ter uma visão
neutra e distante de seu objeto de estudo, antes deveria mergulhar no universo,
adotando o método compreensivo para aprender.
Em Weber, o fato social perde importância em detrimento do AGIR SOCIAL, que
seria o fato social culturalmente valorado. A ação social weberiana é o agir
ordenado para o outro. Diferentemente do fato social de Durkheim, na ação social
o sujeito é ativo e reativo ao próximo.
Para ele, existiam quatro tipos ideais de ações sociais:
a) Racional com relação a fins: quando o homem pensa racionalmente para
decidir em vista da obtenção de determinado resultado;
b) Racional com relação a valores: quando o homem não age orientado pelo
resultado, mas por um valor relevante a si, como, v.g., o sentimento de
justiça;
c) Social afetiva: condutas humanas movidas pelo sentimento.
d) Social tradicional: condutas humanas realizadas em decorrência de
costumes ou hábitos.
Weber destacou a forte INFLUÊNCIA DA LEGALIDADE PARA A CONSOLIDAÇÃO
DA SOCIEDADE CAPITALISTA, por ter proporcionado maior segurança e
estabilidade, formando uma conjuntura propensa à burguesia.
No que se refere ao Estado, ele traz três espécies de legitimidades dos
governantes:
a) Legitimidade carismática: baseada em qualidades pessoais do governante;
b) Legitimidade tradicional: ligada a valores históricos e tradição de um povo,
como a hereditariedade;
c) Legitimidade legal-burocrática: referente à escolha dos governantes pelo
povo e os procedimentos de escolha.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Weber também escreveu uma importante obra chamada “A ética protestante e o
espírito do capitalismo”, na qual tentou explicar como o surgimento do
protestantismo e rompimento com o catolicismo permitiu também o cenário para
o desenvolvimento econômico.
1.3.4. Maquiavel
Em sua obra “O Príncipe”, descreveu como o governante deveria fazer para chegar
ao poder e mantê-lo. Ele fez um estudo realista sobre a virtude do governante, não
uma virtude do “dever-ser”, dogmática, mas sim uma virtude como ela é, zetética.
Interessado no momento histórico pelo qual passava a Itália (que não era ainda
unificada), utilizou-se de uma metodologia indutiva e empírica para explicar os
diversos modos de manutenção e exercício do poder político.
A virtude, para ele, é exatamente isso, reunir as condições necessárias para ficar
no poder. Elas poderiam ser várias, o carisma, a inteligência, a força; no entanto,
se houvesse de ser feita uma escolha, sempre seria preferível ser odiado, mas ter
força, do que ser amado, mas perder o poder.
Classicamente diz-se que Maquiavel defendia que o bem deveria ser administrado
a conta-gotas, enquanto o mal, como um jato.
O colega era um pouquinho radical, como se pode ver. Suas ideias foram
utilizadas, ainda que não de forma aberta, como base para fundamentar regimes
tirânicos e despóticos; grande exemplo se pode citar com Stálin, que a pretexto de
manter em funcionamento a sociedade soviética, eliminou mais de 50 milhões de
pessoas.
Seria uma espécie de utilitarismo levado a extremo.
1.3.5. Contratualistas
Os contratualistas deram importantes contribuições para a sociologia, para a
política e para o Direito. Isso porque buscaram explicações teóricas sobre quais
seriam os fundamentos da organização político-social do Estado, sobre como se
daria o processo de legitimação da subordinação da maioria dos homens em
detrimento de outros.
1.3.5.1. Thomas Hobbes
Hobbes, filósofo inglês do século XVII, imaginou que os homens, antes da criação
do Estado, viviam no que ele chamava de “Estado da Natureza”. O Estado da
Natureza, para ele, era um Estado de liberdade pura, absoluta, em que cada
homem poderia fazer o que quisesse.
Assim, sempre prevaleceria a lei do mais forte, sendo clássica a frase de que o
homem é o lobo do homem.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Ao escrever a obra “O Leviatã” (1641), ele afirmou que o Estado da Natureza é um
Estado que conduziria à destruição humana, porque em um local em que cada um
pode fazer tudo, em que a liberdade é absoluta, não há necessidade de se respeitar
o outro. Ninguém pode ter um direito subjetivo contra a liberdade absoluta e o
uso da força, porque aquele que tem a força simplesmente não respeita o direito.
O Estado de Natureza é aquele que leva ao caos e à destruição do próprio ser
humano. Quando os homens despertam para isso, eles passam a exercer o seu
extinto de preservação.
E como o homem se preserva? Com a criação do contrato social que origina o
Estado.
Para ele o Estado é criado por um contrato social em que cada ser humano entrega
a sua liberdade em troca de paz e segurança. Para Hobbes, então, o Estado é o
somatório das liberdades individuais que foram entregues quando o homem quis
sair do Estado caótico da Natureza.
O problema é que o Estado que nasce desse contrato social, na ideia do
Thomas Hobbes, é um Estado de Sujeição, em que o Estado sujeita o
indivíduo a partir do momento em que ele passa a existir.
É por isso que vários regimes de força encontram apoio na ideia de Thomas
Hobbes, quando ele afirma que depois que o homem entrega a sua liberdade, cabe
ao Estado garantir a paz e a ordem. E as ações do Estado são irresistíveis ao
homem, porque o homem já não tem mais a liberdade, se ele entregou essa
liberdade para o Estado.
Direitos fundamentais e contratualismo em Hobbes: em Hobbes, como o
objetivo do Estado é a sobrevivência da raça humana, praticamente não existem
direitos fundamentais. O homem cede quase toda sua liberdade para viver em paz.
No “Leviatã”, há uma mínima passagem que reconhece um direito ao homem
oponível contra o Estado, que seria o direito de resistência para preservar sua
vida.
Como se pode facilmente perceber, o camarada não era muito fã da democracia.
O Estado, após criado, virava um monstro.
1.3.5.2. John Locke
Locke é um autor mais moderado do que Thomas Hobbes. Ele baseia sua obra
também no contrato social, mas afirma que antes do Estado, o homem não
vivia no caos. O homem se organiza naturalmente. Para Locke, jamais houve o
Estado de Natureza na concepção hobbesiana.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Em Locke já era possível, por exemplo, exercer a propriedade no Estado da
Natureza, só que nesse Estado havia algumas questões que não eram resolvidas.
Por exemplo, quem poderia resolver as questões dos conflitos de interesse? Quem
estaria legitimado para exercer o poder de polícia? Eram questões não resolvidas,
motivos pelos quais o homem sentiu necessidade de criar o Estado.
Então, na principal obra do John Locke, “II Tratado sobre o Governo Civil” o Estado
da Natureza não é um Estado de caos e já existem direitos que podem ser
exercidos; além disso, o Estado não é um Estado Sujeição, mas um Estado de
Cooperação.
Locke afirma o seguinte: o homem para criar o Estado não entrega a sua
liberdade toda, mas parte dela. Isso faz toda a diferença, até para a teoria
dos Direitos Fundamentais.
Como o homem entregou parte de sua liberdade para a criação do Estado, a parte
não entregue corresponde exatamente aos direitos não passíveis de serem
renunciados, os direitos da personalidade, os direitos fundamentais. Nisso vê-se
que em Locke, ainda que não tenha ele afirmado expressamente, o rol de Direitos
Fundamentais é um rol declaratório, de algo que já existe antes do Estado.
Então, o que justifica que o homem exerça o direito em face do Estado (que é a
própria concepção de direitos fundamentais, pelo menos de primeira geração, que
são direitos que são exercidos em face do Estado – pois ele que é o opressor dos
direitos de primeira geração) é a compreensão de que o homem não entregou
toda a sua liberdade para a criação do Estado, mas parte dela.
Locke também traz nessa obra a ideia de separação de poderes. Em geral,
quando se estuda separação de poderes, todo mundo começa falando em
Montesquieu. Só que o Locke, que escreveu 50 anos antes de Montesquieu, já
começa a falar em separação de poderes.
Suas ideias, entretanto, não foram consagradas porque sua tripartição se
baseia nos podres Executivo, Legislativo e Federativo. Como o que acabou
prevalecendo na teoria da separação de poderes foi a ideia de Montesquieu,
quando se começa a falar em separação de poderes, todo mundo começa a falar
em Montesquieu.
Interessante também notar que o homem, por ceder parcela de suas liberdades
ao Estado tão somente para que este administre o que é coletivo, possui
plenamente a legitimidade para engatilhar processos revolucionários quando os
governantes não agem de acordo com o motivo do contrato social.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1.3.5.3. Jean-Jacques Rousseau
Rousseau, diferentemente de Hobbes, afirmava que o homem, antes do contrato
social, vivia no Estado da Natureza feliz, alegre e saltitante, desfrutando de
liberdade e igualdade. Sem comandos políticos, o homem vivia no livre exercício
de seus direitos naturais, em uma Idade de Ouro, onde não havia propriedade
privada nem corrupção.
A desarmonia teria surgido quando alguns homens, prevalecendo de sua força,
impuseram o domínio. De acordo com ele, a sociedade civil surgiu quando o
primeiro indivíduo fez um cercadinho, bateu uma laje e bradou: “isso me
pertence”.
Em sua obra “O Contrato Social” (1.762), o homem, visando recuperar seu bem
estar primitivo, teria transferido seus direitos naturais ao Estado em troca de
direitos civis (vê-se aqui a dualidade rousseauniana entres direitos naturais e
direitos civis, sendo que estes somente seriam justos e legítimos se fundados
naqueles). Direitos naturais, então, seriam os direitos civis sob a tutela do Estado.
Não haveria renúncia à liberdade, pois tal ato seria incompatível com a
natureza humana. Toda a noção de contrato social deste filósofo está baseada no
bem comum, na união de forças destinada à utilidade geral, que não se limita ao
somatório das vontades particulares.
Importante entender que Rousseau não buscava explicar o contrato social como
um fato histórico, mas sim como algo hipotético, filosófico.
Direito: como claramente se percebe, Rousseau era um jusnaturalista, tendo sua
filosofia um aspecto imanentista de justiça, não advinda de Deus, mas dos
próprios homens. E a justiça, em Rousseau, é a observância das leis justas que
foram elaboradas com base nos direitos naturais pela vontade geral de preservar
direitos e liberdades inatos ao homem.
Veja bem, Rousseau escreveu e concebeu essas ideias, evidentemente, sabendo
que a realidade não era assim. Ele fez, de fato, uma grande crítica aos desmandos
da política e da sociedade, especialmente no cenário miserável que se encontrava
a França pré-revolução.
1.3.5.4. Montesquieu
Charles Louis de Secondat, conhecido como o Barão de Montesquieu, rejeitava o
método racionalista de conhecimento, pautando-se no empirismo histórico para
desenvolver suas teorias.
Jurídica e politicamente, teve ele grande importância ao escrever o livro “O
Espírito das Leis”, que forneceu as bases definitivas para a consagração da atual e

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


majoritariamente adotada teoria da separação das atribuições do poder,
conhecida como teoria dos freios e contrapesos.
Montesquieu foi um nobre Francês que escreveu sobre as instituições inglesas
entre os séculos XVII e XVIII. A Inglaterra já possuía uma monarquia
constitucional na época. A Revolução Inglesa acontece 140 anos antes da
Revolução Francesa e ela é muito menos aguda do que a Francesa, pois aquela foi
se fazendo com o passar do tempo. Durante um período a Inglaterra foi uma
República, logo depois houve o retorno de uma monarquia limitada,
constitucional.
Então, os ingleses passam de uma monarquia absoluta para uma República que
dura 40 ou 50 anos e que depois volta a ser uma monarquia constitucional, só que
com limitações de poder.
Então, Montesquieu quando escreve sobre as separações de poderes, ele escreve
sobre as instituições inglesas, e não sobre a França, pois essa estava num
Absolutismo monárquico ainda.
A doutrina do Barão não era de caráter positivista. Pelo contrário, ele era um
jusnaturalista teológico, que afirmava existirem leis naturais que teriam sido
criadas por Deus ao formar o universo.
TEORIAS DA SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES (PODERES)
Assembleia que deliberaria sobre os
Deliberativo
negócios do Estado
Aristóteles Teria prerrogativas e atribuições
Executivo
determináveis em cada caso
Judiciário Administrador da Justiça
Elaborar as leis que disciplinariam o uso
Legislativo
da força na comunidade civil
Aplica as leis aos membros da
John Locke Executivo comunidade, tanto na esfera judicial
quanto na administrativa
Função de relacionamento com outros
Federativo
Estados
Legislativo Legislar
Montesquieu Executivo Exercer atividades executivas
Judiciário Exercício da jurisdição
1.3.6. David Hume
Hume é responsável por uma verdadeira revolução filosófica em seu tempo (séc.
XVIII), já que rompe com a supremacia da razão e com os métodos racionais de se

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


alcançar a verdade ao estilo cartesiano e conduz sua reflexão para reconstruir o
conhecimento humano a partir de bases sensoriais. Mais claramente, Hume foi um
cético e um empirista, alicerçando toda a fonte de conhecimento humano sobre a
experiência.
Ao repudiar o racionalismo, ele entendia que não tinha o homem capacidade
cognitiva suficiente, de per si, pelo simples esforço do pensamento, de atingir a
essência das coisas. Por isso ele tanto prezava pelos sentidos corpóreos, como a
observação.
Em Hume, a moral somente existe por sua própria utilidade, pela necessidade de
adoção de determinados comportamentos para não levar o homem à
autodestruição. É a experiência humana que determina o que é bom, o que é ruim,
o que é justo e injusto.
A utilidade geral é o verdadeiro critério estável de justiça, que se baseia numa
moralidade social, naquilo que os homens, de forma convencionada (não
convenção no sentido formal, mas uma convenção forjada com o tempo), julgam
necessário para a sociedade.
Logo, a justiça não se define por critérios subjetivos, pelo que um indivíduo
considera justo, mas sim pelo que objetivamente se tem como justo na
coletividade.
Essas convenções podem mudar com o tempo.
Hume não se preocupa muito em analisar o homem como indivíduo, ele tem uma
postura mais sociológica, sua base filosófica é a coletividade.
Para o filósofo, há regras naturais que regem a sociedade, não naturais no sentido
jusfilosófico, mas no sentido da convencionalidade humana, de que os homens
aprendem com a vivência pelo fato de estarem insertos na sociedade. Por
exemplo, não existe um direito natural (ordem superior) de não limpar o nariz em
público, mas o homem aprende que isso não deve ser feito pois está fora da
utilidade social.
Qual é o espaço do direito positivo aqui? Para Hume, se as regras da razão natural
por algum motivo não forem suficientes, deve-se promulgar leis positivas para
ocupar seu lugar e dirigir a sociedade. Se estas falharem, por sua vez, entram os
precedentes judiciais.
1.3.7. Georg Hegel
Sofreu forte influência de Kant, apesar de ter sido um pouco mais radical no que
se refere às possibilidades do racionalismo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A obra hegeliana possui um viés essencialmente racionalista. Dizer que há um
racionalismo, de caráter idealista, no pensamento hegeliano significa dizer que
toda a teoria do conhecimento vem marcada pela idea de que a realidade mora na
racionalidade; o sujeito é o construtor da realidade das coisas, nada existindo fora
do pensamento. Tudo o que é conhecido já é pensamento.
Hegel acreditava piamente que o racionalismo humano era absoluto, um
idealismo absoluto em sentido objetivo. Ele negava qualquer limite ao
conhecimento: o próprio absoluto é cognoscível. Isso não tornava
incompatível, para ele, a necessidade da razão se valer de dados empíricos.
Dialética hegeliana
Quando se afirma algo (tese), o contrário está pressuposto no que vem afirmado
(antítese), e do confronto entre a afirmação e a contraposição surge a síntese. Para
Hegel, tudo poderia ser explicado com base na dialética, inclusive as mudanças
históricas e movimentos sociais, que são frutos de diversas forças contraditórias
que levam a um resultado específico.
Doutrina hegeliana
Hegel se preocupou muito com questões epistemológicas e com a
ontognoseologia. O ponto central é o idealismo. Para ele, toda a realidade mora na
racionalidade. Todo real só é real porque é conhecido por um sujeito que lhe
identifica como real, e, nessa medida, aquilo que já foi conhecido, já se tornou real.
Isso quer dizer que somente se torna conhecido aquilo que é refletido, idealizado
pelo espírito, internalizado na mente da pessoa. Ao mesmo tempo, somente a
razão pode ordenar o real, de modo que este se torne racional. Isso não quer
dizer que tudo o que é real é racional. Dito de outra forma, nem tudo o que
é real é racional, tendo-se em vista aquilo que pode ser identificado como o
caos, como o desordenado, pois nisso não há razão.
Justiça e Direito
Como todo o sistema de Hegel é baseado no idealismo racional, somente pelo
exercício da lógica se pode fazer a construção racional do Direito, na medida em
que direito e justiça haverão de ser identificados com o que há de racional e não
com o que há de irracional.
Surgirá a justiça não somente como um mero dado axiológico da sociedade, mas
como a ideia que norteia a formação do próprio direito. O direito consubstancia-
se por meio da legislação, e, com base na legislação, os indivíduos agem para a
defesa e construção de seus direitos. O direito representa nada mais nada

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


menos que uma manifestação do espírito objetivo, uma manifestação que
consiste na liberdade em grau máximo da capacidade volitiva humana.
1.3.8. Karl Marx

1.3.9. Antônio Gramsci


Pensador do século XX simpático a Marx, aperfeiçoou a dialética marxista pois
reconheceu que não é só o fator econômico que influencia na política, mas que
essa também forja o fator econômico.
Ele trouxe a discussão sobre a hegemonia, que se trata de uma posição ideológica
dominante. O direito seria um sistema normativo que retrata o modelo
dominante. Assim, se o Direito reflete a hegemonia, o papel do Judiciário na defesa
dos direitos fundamentais, especialmente das minorias, seria contra-hegemônico.
Importante entender que, para Gramsci, o poder da classe dominante não reside
apenas no controle dos aparatos repressivos do Estado (se fosse, seria mais fácil
modificar a ordem das forças, pois a força pura e simples sempre pode ser
desafiada). O principal aspecto de consolidação do poder é a HEGEMONIA
CULTURAL, exercida por intermédio do controle do sistema educacional, das
instituições religiosas e dos meios de comunicação, o que inibe a potencialidade
revolucionária.
Como exemplo pode-se citar o argumento da “reserva do possível”, que, sob o
manto da falta de recursos, esconde um ideal liberal e de estado mínimo.
Gramsci traz também o conceito de intelectual orgânico, pessoa que não só
pensa, mas também participa da construção e formação da hegemonia, seja do
lado dos conservadores, seja do lado dos grupos de transformação.
Nesse sentido, o juiz muitas vezes atua como esse intelectual orgânico, seja
confirmando a hegemonia em decisões que atendam os anseios do poder
dominante, seja confrontando-a, pelo exercício do controle de
constitucionalidade e do ativismo judicial, por exemplo.
1.3.10. Emannuel Kant
Filósofo alemão nascido no ano de 1724, na cidade de Konigsberg. Faleceu em
1804. Escreveu importantíssimas ideias que até hoje fundamentam inúmeras
práticas do dia a dia, tendo se destacado, no que se refere ao Direito, ao falar sobre
a moral e a liberdade.
Kant com sua concepção de autonomia refuta, principalmente, o deísmo, o
utilitarismo, o naturalismo, o voluntarismo, portanto, nesse sentido, se opõe
também aos iluministas. Esses, não deixam espaço para a dimensão moral e, dessa

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


forma, para a liberdade, pois a liberdade precisa de uma dimensão moral. Para
Kant, a moralidade não deve ser definida segundo qualquer resultado, mas sim
segundo o motivo que é a conformidade da ação com a lei moral.
Isso é liberdade, porque agir moralmente é agir de acordo com o que
realmente somos, agentes morais/racionais. A lei da moralidade, em outras
palavras, não é imposta de fora. É ditada pela própria natureza da razão. Ser
um agente racional é agir por razões. Por sua própria natureza, as razões são
de aplicação geral. Uma coisa não pode ser uma razão para mim agora sem
ser uma razão para todos os agentes numa situação relevantemente
semelhante. Assim, o agente de fato racional age com base em princípios,
razões que são entendidas como gerais em sua aplicação. É isso que Kant quer
dizer por agir de acordo com a lei. (TAYLOR, 1997, p. 465).
A lei moral não deve ser definida de acordo com resultados específicos. Dessa
forma a decisão de agir moralmente é a decisão de agir com o propósito de
conformar a minha ação com a lei universal. Isso corresponde a agir segundo
minha verdadeira natureza raciona, e agir de acordo com as exigências de minha
razão é ser livre. Para Kant, a vontade dos seres racionais é capaz de promulgar a
legislação universal a que se submetem, e esse é o princípio da autonomia. Seguir
apenas os ditames do desejo é cair na heteronomia. Kant discorda da noção do
humanismo iluminista segundo a qual os desejos emanam de nós e a vivência
deles representaria uma espécie de autonomia. "A visão kantiana encontra sua
segunda dimensão na ideia de uma autonomia radical dos agentes racionais. A
vida da mera satisfação dos desejos não é apenas rasa, mas também heterônoma.
A vida plenamente significativa é aquela escolhida pelo próprio sujeito" (idem, p.
491). Segundo Vincenti (1994, p. 8), existir como sujeito significa não precisar
referir-se a outro ser ou existência para definir, compreender ou justificar o que
se é, sujeito é aquele que se sustenta ele mesmo na existência, por isso a ideia de
sujeito está ligada à autonomia. Para Kant, o que realmente "emana de mim" é
produzido pela razão, e ela exige que se viva de acordo com princípios. Essa
perspectiva se rebela contra as que afirmam que a ação é determinada pelo fato
dado, pelos fatos da natureza, em favor da própria atividade como formuladora
da lei racional.
A partir do pensamento de Kant podemos afirmar que tudo que há na natureza se
conforma com suas leis, exceto o homem. Isso porque o homem, na condição de
ser racional, conforma-se às leis universais que ele próprio formula. Por isso os
seres racionais são autônomos e têm uma dignidade particular22, se destacam da
natureza por serem livres e autodeterminantes. (cf. TAYLOR, 1997, p. 467). Esse
status racional nos impõe a obrigação de viver como agente racional. A natureza
racional é a única coisa que existe como um fim em si mesma. Esse caráter racional

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


confere ao homem dignidade, todas as outras coisas têm um preço, mas o homem
possui dignidade. O homem, como ser racional, possui valor absoluto e não pode
jamais ser tratado como meio, o que podemos ver em uma das formulações de
Kant ao imperativo categórico: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto
na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente
como fim e nunca simplesmente como meio" (KANT, 1974a, 229). Por isso, na
visão kantiana, a pretensão do naturalismo iluminista em submeter também o
homem às leis da natureza nada mais é que heteronomia.
"O sentido da revolução copernicana23 consiste em ter ele acabado com o
predomínio absoluto do pensamento físico e da filosofia naturalista [...]".
(MESSER, 1946, p. 342). A libertação do naturalismo iluminista que impunha uma
necessidade natural onipotente e não deixava lugar genuíno para a liberdade,
consiste na descoberta de que o objeto considerado pela física, a natureza, não é
a realidade absoluta. Assim, a natureza não é mais considerada coisa em si, mas
sim o sistema regular daquilo que o eu se representa. O eu se torna o Sol em torno
do qual os objetos giram. Ainda segundo Messer (idem, p. 343), Kant não teria
realizado tal revolução se seu pensamento não se achasse tão profundamente
enraizado na sua consciência moral, se não tivesse levado em conta a vontade que
se determina a si própria e a lei que a vontade impõe a si própria, ou seja, se não
estivesse enraizado em sua concepção de autonomia moral.
O conhecimento das ciências deve ser estimulado dentro de seus limites, não
pode ser a última instância para a nossa concepção de mundo e da vida. Kant está
certo de que o imperativo categórico da consciência é regulativo e que a vontade
tem que ser independente das leis da natureza. Ainda, com isso Kant pensa o
homem como cidadão de dois mundos, o mundo sensível do conhecimento
natural e o mundo supra-sensível da liberdade; assunto que retomaremos em
seguida e é central para entendermos a concepção de autonomia desse autor.
"Kant segue Rousseau em sua condenação do utilitarismo. O controle
instrumental-racional do mundo a serviço de nossos desejos e necessidades só
pode degenerar num egoísmo organizado [...]" (TAYLOR, 1997, p. 466). Kant parte
das fontes morais da internalização ou subjetivação, inauguradas por Rousseau,
mas fornece uma nova base. Para ambos, a lei moral vem de dentro e não pode ser
definida por qualquer ordem externa. No entanto, para Kant, ela não pode ser
definida pelo impulso da natureza "em mim", mas apenas pela razão prática que
exige uma ação de acordo com princípios gerais. Qualquer concepção moral que
derive seus propósitos normativos de uma ordem cósmica ou de uma ordem dos
fins da natureza humana acarreta a abdicação da responsabilidade de gerar a lei
por nós mesmos e cai na heteronomia. Assim, a exaltação da natureza como fonte
é, para Kant, tão heterônoma quanto o utilitarismo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A concepção de autonomia de Kant também se alia aos antivoluntaristas. Ele
reprovava fortemente o pensamento de dependência de um ser racional às ordens
e aos desejos de outro, mesmo que este seja Deus, considerando essa concepção,
de certa maneira, oposta à nossa ação livre essencial. "A moralidade da autonomia
kantiana é decisivamente oposta ao voluntarismo, porque a racionalidade da lei
moral que guia Deus e nós é tão evidente para nós quanto para ele"
(SCHNEEWIND, 2001, p. 556).
Kant não condena a razão instrumental voltada para o controle racional.
Considera que o desenvolvimento da razão instrumental, necessário para o
homem superar obstáculos da natureza e sobreviver, pode levá-lo à racionalidade
em sentido mais amplo (cf. TAYLOR, 1997, p. 468). Ele manteve-se um homem do
Iluminismo, herda da filosofia de sua época a problemática da maioridade e
autonomia, mas se opôs em aspectos essenciais. Preservou a centralidade da
razão, mas a pensou em sentido mais amplo que a razão instrumental. A diferença
fundamental é que a questão crucial quanto à autonomia para Kant é o
crescimento em racionalidade, moralidade e liberdade, não em felicidade.
O erro do naturalismo iluminista é ter interpretado mal o espírito com o qual a vida
deve ser vivida, o fim básico que deve presidir tudo. Não é a felicidade, mas a
racionalidade, a moralidade e a liberdade. O homem pode, de fato, atingir um alto
grau de civilização sem se tornar realmente moral. (idem).
Enfim, Kant manteve a leitura empírica e matemática da natureza que os
iluministas haviam recebido de Galileu e Descartes, no entanto a restringiu à
natureza, não a aplicando ao homem, como haviam feito os iluministas. Quanto ao
homem, Kant o pensou como dotado de alma espiritual com o poder de pensar o
universal, vinculando a isso, sua liberdade e dignidade, sua autonomia.
Na Crítica da Razão Pura, Kant demonstrou a possibilidade das ciências
matemáticas e naturais e acabou chegando à negação de uma metafísica que se
apóia na mesma objetividade e universalidade dessas ciências. A razão teórica
ficaria limitada ao âmbito da experiência. Só podemos conhecer os fenômenos que
nos são acessíveis pelos sentidos; liberdade, imortalidade da alma e Deus, temas
da metafísica, não são objetos de conhecimento. Rousseau já havia condenado a
pretensão da filosofia iluminista de buscar o bem no acréscimo de conhecimento.
O progresso humano no campo especulativo não significa o progresso moral do
homem. A partir da impossibilidade da metafísica enquanto conhecimento, Kant
precisa construir uma crítica para conhecer as possibilidades que a razão dispõe
para elaborar uma metafísica.
Na Crítica da Razão Prática, Kant demonstra que a razão pura é prática por si
mesma, ou seja, ela dá a lei que alicerça a moralidade, a razão fornece as leis
práticas que guiam a vontade. Leis práticas são princípios práticos objetivos,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


regras válidas para todo ser racional. Elas se diferenciam das máximas que são
princípios práticos subjetivos, regras que o sujeito considera como válidas apenas
para sua própria vontade. "Admitindo-se que a razão pura possa encerrar em si
um fundamento prático, suficiente para a determinação da vontade, então há leis
práticas, mas se não se admite o mesmo, então todos os princípios práticos serão
meras máximas" (KANT, sd, p. 31).
Para Kant, se os desejos, os impulsos, impressões, ou qualquer objeto da faculdade
de desejar forem condições para o princípio da regra prática, então o princípio
será empírico, não será lei prática, não haverá unidade nem incondicionalidade
do agir, e assim, não garantirá a autonomia. A lei moral deve independer da
experiência. Uma vontade boa determina-se a si mesma, independentemente de
qualquer causalidade empírica, sem preocupar-se com prazer ou dor que a ação
possa provocar. Uma moral que se determina por causas empíricas cai no
egoísmo.
"Todos os princípios práticos materiais são, como tais, sem exceção, de uma
mesma classe, pertencendo ao princípio universal do amor a si mesmo, ou seja, à
felicidade própria" (idem, p. 33). Para Kant a busca da felicidade própria concerne
à faculdade inferior de desejar, ela se relaciona às inclinações da sensibilidade e
não à razão. O princípio do amor por si ou da felicidade jamais poderiam servir de
fundamento para uma lei prática, tendo em vista sua validade que é apenas
subjetiva. Cada um coloca o bem estar e a felicidade em uma coisa ou outra, de
acordo com sua própria opinião a respeito do prazer ou da dor. Se formulássemos
uma lei subjetivamente necessária como lei natural, seu princípio prático seria
contingente e não garantiria a autonomia.
Somente a razão, determinando por si mesma a vontade, é uma verdadeira
faculdade superior de desejar. "Um ser racional não deve conceber as suas
máximas como leis práticas universais, podendo apenas concebê-las como
princípios que determinam o fundamento da vontade, não segundo a matéria, mas
sim pela forma" (ibid, p.37). Um ser racional não pode conceber seus princípios
subjetivos práticos, suas máximas, como leis universais. A vontade para ser moral
não deve determinar-se pelo objeto, deverá abstrair a matéria da lei para reter-
lhe apenas a forma, a universalidade.
Em suma: ou um ser racional não pode conceber os seus princípios subjetivamente
práticos, isto é, as suas máximas como sendo ao mesmo tempo leis universais ou, de
forma inversa, deve admitir que a simples forma dos mesmos, segundo a qual se
capacitam eles para uma legislação universal, reveste esta de característico
conveniente e apropriado. (ibid).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Para o filósofo de Königsberg, a vontade só pode ser determinada pela simples
forma legislativa das máximas. A mera forma da lei só pode ser representada pela
razão e não pelas leis naturais que regem os fenômenos. A vontade deve ser
independente da lei natural dos fenômenos, e essa independência se denomina
liberdade. Então, a vontade que tem como lei a mera forma legisladora das
máximas é uma vontade livre. "A razão pura é por si mesma prática, facultando
(ao homem) uma lei universal que denominamos lei moral" (ibid, p. 41). A força
da lei moral está em sua absoluta necessidade e em sua universalidade. Ora, a
universalidade da lei moral, para Kant, significa que ela tem de valer não só para
os homens, mas para todos os seres racionais em geral (cf. KANT, 1974a, p. 214).
Em Kant, universalidade significa racionalidade, se o dever ordena
universalmente é porque é racional. Já a absoluta necessidade denota uma
necessidade que não seja condicionada a nenhum outro fim, mas que seja
necessária por si mesma. Por isso a lei moral deve ser um mandamento, um
imperativo, que seja categórico e não hipotético. Em virtude de ser incondicional
e universal, o imperativo categórico possui apenas conteúdo formal, sendo,
portanto, uma fórmula. A lei moral deve ser assim formulada, em termos de
imperativo categórico24: "Age de tal forma que a máxima de tua vontade possa
valer-te sempre como princípio de uma legislação universal" (KANT, sd, p. 40).
Segundo Kant, nós temos consciência imediata dessa lei, ela se impõe como um
fato, um fato da razão. Mas não é um fato empírico, é o único fato da razão pura
que se manifesta como originariamente legisladora, impõe-se a nós de forma
a priori.
A lei moral é para nós um dever. É a consciência do dever que nos mostra que a
razão é legisladora em matéria moral, que a razão é prática em si mesma e que o
homem é livre. A partir disso, Kant na Crítica da razão prática formula o seguinte
teorema: "A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e
dos deveres correspondentes às mesmas" (ibid, p.43). O princípio da moralidade
é a independência da vontade em relação a todo objeto desejado, ou seja, de toda
matéria da lei e, ao mesmo tempo, a possibilidade da mesma vontade determinar-
se pela simples forma da lei. Assim, a liberdade possui o aspecto negativo e o
positivo, os quais convergem na ideia de autonomia. A lei moral apenas exprime
a autonomia da razão pura prática, ou seja, a liberdade.
Fica demonstrada assim a possibilidade e a centralidade da razão prática e da
autonomia na teoria kantiana:
Revela esta analítica que a razão pura pode ser prática, isto é, pode determinar por
si mesma a vontade, independentemente de todo elemento empírico; - e demonstra-
o na verdade mediante um fato, no qual a razão pura se manifesta em nós como
realmente prática, ou seja, a autonomia, no princípio da moralidade, por meio do

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


que determina a mesma a vontade do ato. - Por sua vez, a Analítica mostra que este
fato está inseparavelmente ligado à consciência da liberdade da vontade,
identificando-se, além disso, com ela. (ibid, p. 49).
A lei moral implica que a vontade possa ser livre na medida em que se determina
por um motivo puramente racional. Mas o homem está sujeito às leis da
causalidade enquanto pertencente ao mundo sensível, e por outro lado tem
consciência que é livre enquanto participante da ordem inteligível.
Pelo dever, o homem sabe, pois, que não é somente o que aparenta a si mesmo, isto
é, uma parte do mundo sensível, um fragmento do determinismo universal, mas é
também uma coisa em si, a fonte de suas próprias determinações. A razão prática
justifica assim o que a razão teórica tinha concebido como possível no terceiro
conflito da antinomia: a conciliação da liberdade que possuímos como noúmenos,
com a necessidade de nossas ações como objetos da experiência no fenômeno25.
(BRÉHIER, sd, p.205).
Dessa forma, Kant confere ao homem dois mundos, o mundo da causalidade, no
qual não é possível prever grau de liberdade para um fenômeno físico e, o mundo
da liberdade26, que é o âmbito da razão prática no qual é possível autonomia. O
homem é considerado como fenômeno, sujeito à necessidade natural, e
como coisa em si27, ou livre. A liberdade só é possível porque a coisa em si não está
determinada e, portanto, não é cognoscível. A razão teórica não atinge o "ser
noumênico", já a razão prática se refere ao "ser noumênico". Assim, os
conhecimentos devem limitar-se à síntese entre a sensibilidade e categorias do
entendimento, ou seja, aos fenômenos. Já no domínio prático, "a razão se aplica a
motivos determinantes da vontade, enquanto faculdade de produzir objetos
correspondentes, podendo determinar-se a si mesma, engendrando sua própria
causalidade, na sua atuação em relação a si mesma".

A distinção kantiana entre dois mundos abre um espaço legítimo para o livre-
arbítrio, já que o mundo noumênico não é determinado pelas leis da causalidade
que determinam o mundo fenomênico. Se o livre-arbítrio não deixar
fundamentar-se pelo dever, que é dado na razão prática, ou fundamentar-se em
algo que é contrário a esse dever, a ação será heterônoma. Em resumo, ação
autônoma é aquela que se guia pela própria lei, que é lei da razão prática, e ação
heterônoma é aquela que se guia por algo que é externo ou contrário à lei da razão
prática.
Quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la, em qualquer outro ponto que
não seja a aptidão das suas máximas para a sua própria legislação universal,
quando, portanto, passando além de si mesma, busca essa lei na natureza de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


qualquer dos objetos, o resultado é então sempre heteronomia. (KANT, 1974a, p.
239).
Para Kant, a liberdade prática é, então, a independência da vontade em relação a
toda lei que não seja a lei moral. O homem não é determinado pela natureza, e,
pelo livre-arbítrio, pode escolher agir por dever, e nisso consiste sua autonomia.
Ainda, a distinção kantiana entre o caráter inteligível e o sensível, além de negar
o determinismo do homem pela natureza, nega o determinismo teológico. O
homem assume a reinvidicação de responsabilidade total.
No entanto, penso que a concepção de autonomia de Kant mantém a questão
estética subjugada ao dever, seu formalismo restringe demasiadamente o sentido
empírico, existencial da autonomia. Dessa forma, podemos dizer que Kant
também promove um reducionismo28 da autonomia, no entanto, no sentido
inverso ao que os iluministas haviam feito. E, é importante destacarmos que a
dimensão estética deve estar bem presente numa educação ou pensamento que
vise formar para a autonomia, por ser de caráter diretamente individuante, é
instância que necessariamente integra o ser autônomo do homem.
Na Crítica da razão pura e na Crítica da razão prática, Kant enfatiza a distinção
entre razão teórica e razão prática, na Crítica da faculdade do juízo ele aponta a
faculdade de julgar como possibilitadora da passagem de um domínio para outro,
propõe a tarefa de tentar uma mediação entre os dois mundos. Assim o
entendimento é a fonte dos conhecimentos, a razão o princípio de nossas ações e
o juízo tem a função de pensar o mundo sensível em referência ao mundo
inteligível (cf. PASCAL, 1999, p. 177). É na faculdade do juízo29 que Kant encontra
o intermediário procurado. Dessa forma, Kant procura na terceira crítica resgatar
a dimensão estética da autonomia que fica subjugada ao formalismo da lei moral
na segunda crítica. No entanto, mesmo na terceira crítica, a ideia de felicidade
permanece submetida à ideia de dever e à universalidade, e, portanto, em Kant, a
dimensão estética da autonomia não é devidamente acionada. Segundo Suzuki
(1989, p. 12), Schiller vai procurar acabar a tarefa iniciada por Kant na Crítica da
faculdade do juízo, conseguindo dar maior ênfase à dimensão estética da
autonomia.

A morte para Kant


Fortunately, there is more. In Immanuel Kant's "Critique of Pure Reason," the
great philosopher explained how space and time are forms of human intuition.
Indeed, everything you see and experience is information in your mind. If space
and time are tools of the mind, then we shouldn't be surprised that at death
there's a break in the connection of time and place. Without consciousness, space

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


and time are meaningless; in reality we can take any time -- or any spatial plane -
- and estimate everything against this new frame of reference.
1.3.11. Hans Kelsen

1.3.12. Giorgio Del Vecchio

4. 1.3. Contemporaneidade
1.3.1. Robert Alexy
Vide item 2.15.4. Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy.
1.3.2. Ronald Dworkin
Introdução: antipositivismo e anti-utilitarismo dworkiano
Ronald Dworkin foi um célebre jusfilósofo que buscou elaborar uma teoria do
direito de forma totalmente crítica ao positivismo jurídico e ao utilitarismo.
Em relação ao positivismo jurídico, o filósofo defendia que não se poderia
conceber o direito como um legalismo estrito a ser realizado pelo juiz. Não
concordava ele com a ideia de que direito era simplesmente um processo
subsuntivo das normas positivadas aos fatos apresentados, nascendo daí a lei do
caso concreto. Antes, ele outorgava uma imensa importância à interpretação,
já que o direito seria fato interpretativo dependente das necessidades da
prática social, comunitária e institucional dos agentes de justiça.
Acerca do utilitarismo, sabe-se que tradicionalmente os utilitaristas opuseram-se
à noção de direitos humanos, sendo que Jeremy Bentham chegou mesmo a
considerá-los algo fictício. O princípio fundamental do utilitarismo é que o bem-
estar de qualquer indivíduo não pode contar mais do que o bem-estar geral, e,
portanto, a ideia de que um indivíduo possua direitos que podem se sobrepor ao
bem comum é rechaçada por alguns utilitaristas que primam pela maximização
da felicidade geral. Esta é geralmente entendida em termos de prazer, no
utilitarismo clássico, ou de satisfação de interesses, desejos ou preferências, nas
versões contemporâneas do utilitarismo.
Dworkin sustenta que essas teorias utilitárias possuem uma deficiência no seu
modo de justificação. A defesa do bem-estar geral é comumente feita no
utilitarismo a partir da noção de que, por exemplo, o prazer é um bem em si.
Todavia, ele considera essa ideia absurda para justificar políticas públicas. Assim,
se o bem-estar é uma noção fundamental da política, então temos que
encontrar uma razão melhor para adotá-la. Para ele, esta justificação é dada
pela ideia de igualdade.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A interpretação como meio de alcançar a justiça
O direito deve ser visto como instrumento que realiza valores e expectativas de
justiça que lhe são anteriores. Isso não pode ser feito no modelo positivista
propugnado por Kelsen. Para Dworkin, a interpretação no direito é essencial,
especialmente mediante sua posição de que o juízo jurídico não pode ser feito sem
o juízo moral.
Porém, ele não quer, com isso, ir de encontro ao sistema jurídico vigente para
afirmar a inexistência de parâmetros judiciais de decisão ou conceder uma carta
branca aos juízes para julgar.
Para Dworkin, a atividade interpretativa, inerente ao Direito, é essencialmente
evolutiva, na medida em que as concepções jurídicas do “ontem” são remanejadas,
a cada case, para ser o melhor possível hoje. A forma pela qual se interpretava
“ontem” recebe constantemente ajustes, adequações e acomodações para caber
no hoje1.
No marco teórico dele, duas regras presidem a ideia de interpretação:
a) Conveniência: levantamento dos precedentes e argumentos cabíveis
perante o caso analisado;
b) Valor: escolha do valor de justiça que se acolhe para orientar a seleção dos
argumentos, de acordo com a ideia de que a justiça exige a igualdade para
se manifestar.
Dworkin trabalhou muito com a ideia de “moral política”. Para ele, moral política
é a norma fundamental que rege sua teoria. E qual seria ela? Igual respeito e igual
atenção. Importante entender que o filósofo se taxava de liberal. Assim, numa
primeira fase de sua produção literária, ele adotava o entendimento kantiano de
que a autonomia individual deveria ser observada, não podendo o Estado
interferir exceto para proteger as próprias liberdades individuais.
Porém, avançando em suas obras, percebe-se que ele passa a entender que a
satisfação do bem particular privado não pode ser conquistada sem que alguns
elementos de justiça (públicos) intervenham para a sua realização. A justiça é
entendida como condição de bem estar para a realização dos indivíduos.
A filosofia política de Dworkin parece ser algum tipo de liberalismo idealizado.
Isso quer dizer o seguinte: teoricamente, parece não haver realmente conflito
entre liberdade e igualdade, mas nas práticas das economias capitalistas, nas

1
Nessa perspectiva, o Direito é fruto de uma concepção histórica de justiça de um conjunto de participantes.
Veja-se, aqui, presente a ideia Gadameriana de espiral hermenêutica.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


quais o seu igualitarismo liberal encontra seu lugar natural, há certamente um
antagonismo entre esses ideais políticos. Por isso, autores como Rawls, ao darem
prioridade para as liberdades e imediatamente reconhecerem que elas produzem
desigualdades sociais, parecem ser mais realistas. Portanto, ao colocar a
igualdade como fundamento do liberalismo, Dworkin é levado a aceitar, em
primeiro lugar, um conceito meramente formal de igualdade (igual respeito e
consideração) e, em segundo, tipos de igualdade mais substantivos (de recursos,
de oportunidades etc.), mas que ainda estão longe de satisfazerem uma versão
mais radical de igualitarismo.
Hermenêutica, razoabilidade e coerência do direito
Como visto, a interpretação é um aspecto crucial para o desenvolvimento do
próprio Direito, pois permite entender que ele não se exaure num conjunto de
normas2, já que pressupõe, além das regras positivadas, princípios igualmente
vinculantes da atividade judicial3.
Para Dworkin as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no
sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra
válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada
válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida.
Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas
somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros
fundamentos provenientes de outros princípios.4 Daí a afirmação de que os
princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of
weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o
princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua
validade.
Os princípios, para Dworkin, geralmente serão invocados nos casos difíceis (hard
cases), quando há lacunas, antinomias ou ambiguidades insuperáveis, ou quando
inexistir precedente apto a amparar o que é analisado (lembrar que Dworkin
trabalha num contexto de commom law, apesar de sua teoria ser perfeitamente
consentânea com a civil Law).
Ademais, os princípios sempre serão tidos como instrumentos de auxílio à decisão
judicial.

2
Dworkin entende que norma é sinônimo de regra, diferentemente de outros doutrinadores que
entendem que normas são regras e princípios.
3
Lembrar que para o positivismo jurídico clássico, os princípios não tinham força normativa, eram meras
diretrizes.
4
Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, 6* tir., p. 26, e "Is law a system of rules?", in The Philosophy ofLaw,
p. 45.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Nessa direção, a distinção elaborada por Dworkin não consiste numa distinção de
grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios
classificatórios, em vez de comparativos, como afirma Robert Alexy. A distinção
por ele proposta difere das anteriores porque se baseia, mais intensamente, no
modo de aplicação e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies
normativas (regras e princípios).
Pois bem.
Em Dworkin, quando se passa a pensar a coerência do Direito como uma grande
mecânica que reúne regras e princípios, a razoabilidade (fairness) do Direito deixa
de depender apenas da lógica intrassistêmica (ou seja, de uma análise do direito
positivo) e passa a depender da lógica intersistêmica (aquilo que as instituições
humanas reconhecem como práticas socialmente legítimas), em face da
recorribilidade à história e à prática (práxis) em torno da justiça. Se a aplicação
do direito sempre depende de uma releitura do passado, de forma a se chegar a
um ponto melhor, história e interpretação andam juntas na definição da ideia de
‘coerência’ do Direito.
O fato de o juiz basear sua interpretação num fundamento histórico não o autoriza
a agir com arbitrariedade, mas sim o vincula também a dados constantes no
ordenamento jurídico, mas não necessariamente positivados: os princípios. Isso
elimina do juiz a possibilidade de recorrer ao direito alternativo, o completo
atropelo das normas positivadas para aplicar o solipsista ideal pessoal de Justiça.
Liberdade X Igualdade
Dworkin é um liberal igualitário. Na colisão existente entre liberdade e igualdade,
ambos os princípios se fazem imprescindíveis. Assim, Dworkin constrói seu
sistema de forma a responsabilizar os indivíduos pelas escolhas que fazem
(liberdade), mas desde que haja a responsabilidade da sociedade em criar as
oportunidades para que as escolhas individuais sejam efetivas (liberdade).
Dworkin se diferencia, com esse modelo, dos igualitários antigos, os quais embora
afirmem que a comunidade possui o dever coletivo de tratar igualmente a todos,
ignoram a responsabilidade dos indivíduos por suas escolhas pessoais.
Diferencia-se também dos libertários, os quais enfatizam a responsabilidade
pessoal e deixam de reconhecer a responsabilidade coletiva.
Ele se vale, para promover essa coerência entre os dois princípios, da “estratégia
da ponte”, pela qual um dos princípios não tem convivência autônoma sem o
outro.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1.3.3. Herbert Hart5
1.3.3.1. Introdução
Este artigo tratará sobre uma particular concepção positivista do Direito. As
páginas que seguem estarão dedicadas a analisar as principais contribuições
teóricas de Herbert L. A. Hart. Explica-se esta escolha com base nas seguintes
justificativas: 1) porque tanto Kelsen como Ross deixaram evidente em suas
teorias que o Direito tem a peculiaridade de ser, ao mesmo tempo, um
sistema normativo e um fato social, tal como pensa Hart. Um dos problemas
que ambos os autores enfrentaram, e ao qual não conseguiram dar uma resposta
adequada, reside na elaboração de uma teoria da validez capaz de abranger esta
natureza dual do Direito. A este vazio teórico soma-se a obra jurídica de Hart, que
é uma significativa conciliação das teses de Kelsen e Ross.
2) Hart era um liberal. Escreveu contra a pena de morte, contra a perseguição das
pessoas pela sua preferência sexual, a favor do direito ao aborto. Era, também, um
convicto defensor da democracia e, assim como Kelsen, sua concepção de Direito
está vinculada à defesa do Estado democrático e, sobretudo, dos valores de
tolerância e liberdade. Hart se propõe a elaborar uma teoria do Direito que ele
define como “sociologia descritiva”.
O que Hart procura descrever é o modo como os juristas e as pessoas comuns
usam a linguagem do Direito. Para fundamentar sua teoria, Hart emprega os
instrumentos elaborados pela filosofia analítica que ele entende como um método
que permite não só sopesar o significado das expressões, mas também entender
melhor o funcionamento das instituições sociais e, em particular, o Direito. Ele
considera que é necessário diferenciar no Direito – como em certa medida
o fez Ross – um aspecto interno e outro externo, distinção que permite
examinar o fenômeno jurídico sob dois pontos de vista: o interno e o
externo.
1.3.3.2. Hart e a Defesa do Positivismo Jurídico Metodológico

1.3.3.2.1. A Estrutura Do Ordenamento Jurídico


“O que é o Direito?” Segundo sua opinião, para encarar este questionamento é
necessário saber: (1.º) em que se diferencia o Direito das ordens respaldadas por
ameaças; (2.º) em que se distingue a obrigação jurídica da obrigação moral; (3.º)
que são as normas jurídicas e, em que medida, o Direito é uma questão de normas.
Alguns dos problemas fundamentais da teoria jurídica encontram-se no âmbito
das relações entre o Direito e a coerção, o direito e a moral e o Direito e as normas.

5
Tópico elaborado com base no artigo “UM MODELO DE POSITIVISMO JURÍDICO: O PENSAMENTO DE
HERBERT HART”, de Sheila Stolz, professora da FUFRG.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Ao buscar dar uma resposta a estas questões, Hart desenvolve uma teoria do
Direito com duas características fundamentais: (a) é geral, no sentido que busca
explicar qualquer sistema jurídico vigente nas complexas sociedade
contemporâneas. e (b) é descritiva, posto que pretende elucidar a estrutura do
Direito e o seu funcionamento sem considerar, deste modo, a justificação moral
das práticas jurídicas analisadas.
Com base nestes alicerces, Hart critica a teoria positivista elaborada por John
Austin (cujas raízes se remontam a Jeramy Bentham) que delimitou os pilares do
positivismo inglês na separação categórica entre o Direito que é e o Direito que
deve ser e na insistência de que os fundamentos de um sistema jurídico não devem
ser buscados em nenhuma teoria moral ou justificativa. Dentro desta tradição
positivista, Austin formula sua teoria imperativa do Direito afirmando que este é
um conjunto de ordens respaldadas por ameaças ditadas pelo soberano no
exercício de seu poder soberano e legislativo ilimitado.
Hart comparte parcialmente as duas afirmações centrais do positivismo clássico,
mas refuta a conclusão de Austin conforme a qual o critério de identificação das
regras jurídicas se encontra no hábito dos cidadãos de obedecer a um soberano,
uma vez que o Direito, em uma sociedade organizada, não pode ser identificado
satisfatoriamente respondendo as perguntas: (1) quem é o soberano? e (2) quais
são as suas ordens? Este critério é adequado para identificar mandados como as
ordens dadas por um assaltante a sua vítima, mas inadequado para explicar a
percepção que os cidadãos têm de uma vida social institucionalizada, como a dos
sistemas jurídicos contemporâneos. Ao juízo de Hart, um dos erros de Austin foi
não construir a noção de regra sem a qual é impossível explicar a estrutura e o
funcionamento do Direito – que deve ser entendido como um conjunto de regras
que formam parte de um sistema jurídico. Para Hart, o ordenamento jurídico é
formado por um conjunto de regras que ele denomina de regras primárias e por
três tipos de regras secundárias: regras de reconhecimento, regras de
alteração/modificação e regras de adjudicação.
Com a intenção de manter a distinção de Hart entre regras primárias e
secundárias, Hacker e MacCormick propuseram algumas reformulações a esta
distinção, reforçando a essencialidade da tipologia das normas apresentada por
Hart e o fato de tal tipologia ser, na opinião do próprio autor, ambígua e imprecisa,
o que a converte, irremediavelmente, em banco de muitas críticas. Uma destas
críticas aponta para a rigidez de tal distinção e ao fato de que, em determinadas
situações, pode ser difícil delimitar quando uma norma é uma regra
eminentemente primária ou secundária. Outra repreensão relevante é a de que
esta tipologia não incorpora em sua estrutura as normas permissivas. Mas
certamente a crítica mais importante advém do já mencionado debate entre

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Dworkin e Hart, em que o primeiro acusa o autor em tela de preocupar-se
excessivamente com as normas, ignorando os princípios.
A fim de complementar a estrutura fundacional da sua teoria, Hart cria a noção de
rule of recognition que pretende ser um remédio para a falta de certeza do regime
de regras primárias, bem como o instrumento adequado para a identificação de
todo o material jurídico, de modo que o status de uma norma como membro do
sistema dependa de que ela satisfaça certos critérios de validez estabelecidos na
regra de reconhecimento. Dita regra, ademais, é uma norma última que
subministra um critério jurídico de validez supremo. Neste sentido, todas as
normas identificadas com referência a este critério são reconhecidas como
normas válidas do ordenamento jurídico. Não obstante, é mister enfatizar que
uma norma subordinada pode ser válida ainda que não seja geralmente
obedecida, mas uma regra de reconhecimento não pode ser válida e
rotineiramente desobedecida, pois ela somente existe como uma prática social
eficaz e complexa. Então, uma regra de reconhecimento existirá como questão de
fato se, e somente se, é eficaz. Para a verificação do grau de eficácia da regra de
reconhecimento se exige do cumprimento, a aceitação da mesma por seus
destinatários.
É a presença da regra de reconhecimento que articula a ideia de sistema jurídico,
é ela que distingue o Direito de outros sistemas normativos, como a moral, as
regras de trato social e as regras de jogo – dado que estes sistemas não dispõem,
em seu interior, de uma regra última que identifique toda e cada uma das normas
existentes estabelecendo a sua pertinência e validez. A regra de reconhecimento
última é reconhecida/aceita pela maioria dos cidadãos. Esta asseveração induz a
muitas perguntas: 1) Além dos cidadãos como categoria genérica, existe outro
sujeito que necessariamente deve aceitar a regra de reconhecimento?; 2) Podem
existir zonas de penumbra nos critérios últimos de validez jurídica contidos na
regra de reconhecimento?; 3) A aceitação da regra de reconhecimento exige,
necessariamente, uma justificação moral? Estas perguntas são importantes para
compreender o pensamento de Hart.

1.3.3.2.2 Os Conceitos De Existência, Validez E Eficácia Jurídica


Articular uma concepção do Direito como sistema é um requerimento teórico que
possibilita estabelecer critérios para identificar e definir quais são as normas
jurídicas que compõem um determinado conjunto normativo ao que
normalmente se denomina “ordenamento jurídico”. Na construção hartiana, uma
norma somente pertencerá a um ordenamento jurídico se a regra de
reconhecimento identificá-la como tal, outorgando-lhe validez. Este é o
denominado critério de filiação. Para Hart, uma norma existe de fato, quando a
conduta por ela estabelecida é geralmente obedecida. Hart adverte que se deve

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


distinguir entre a ineficácia de uma norma que pode ou não afetar a sua validez e
uma inobservância geral das normas do ordenamento jurídico. A obediência dos
sujeitos – sejam destinatários ou operadores jurídicos – é, em última instância, a
única dimensão da qual se predica a existência de um sistema jurídico. Neste
sentido, estará descartada a possibilidade de incluir como outra condição para a
validez de toda e qualquer norma jurídica a correção moral do seu conteúdo. A
fim de que os destinatários e os operadores jurídicos possam obedecer às normas
jurídicas, com independência de que em um segundo momento mostrem-se em
desacordo ou não com o seu conteúdo e queiram atuar de forma distinta a
prevista na norma, é imprescindível que estas sejam formuladas de modo que
“possam” ser obedecidas, isto é, que cumpram com determinados requisitos, por
exemplo, a claridade e a publicidade, pois somente desta forma poderão servir
como pautas de conduta e, consequentemente, serão capazes de produzir certeza
jurídica. Traçar as características específicas da regra de reconhecimento ajuda
não somente a distingui-la das demais normas, mas também a ter uma imagem
mais adequada do ordenamento jurídico como sistema normativo.

1.3.3.2.3. A Distinção entre Ponto de Vista Interno e Ponto de Vista Externo Perante
as Regras Jurídicas e os Respectivos Enunciados Internos e Externos
Centrada em um normativismo moderado, a teoria do dever jurídico pretende ser
um modelo capaz de separar a obrigação jurídica do dever moral. Para alcançar
seus objetivos, parte Hart de um conceito normativo do dever: só e exclusivamente
a existência de uma norma jurídica distingue a situação em que um sujeito tem
uma obrigação da situação na qual está obrigado. Desta forma, pretende justificar
a sanção que impõe a obrigação e, para tanto, leva em consideração o fato de que
vivemos em sociedades complexas onde existem, quando menos, dois tipos de
atitudes distintas perante o Direito: aquela em que o sujeito se vê obrigado e
aquela situação perante a qual o sujeito obra de um modo determinado porque
tem uma obrigação. Assim, propõe o autor a distinção entre os pontos de vista
externo e interno.
Distinção que pode ser aplicada a qualquer tipo de regra social e é muito
importante para conhecer não apenas o Direito, mas a estrutura normativa de
qualquer sociedade. Tratando-se do Direito, o ponto de vista externo possibilita a
sua compreensão como fenômeno social e o ponto de vista interno, a sua
explicação como sistema normativo. Como o ponto de vista interno é explicado
por Hart de forma descritiva, ele se atém às atitudes externas que manifestam os
aceitantes do Direito e que se caracterizam por apresentar três momentos: o
momento de adequação, o momento linguístico e o momento crítico, os quais,
necessariamente, devem exteriorizar-se para adquirir relevância jurídica, caso
contrário, terão simplesmente relevância moral. A adequação do comportamento
de um indivíduo a uma norma é explicada mediante o conceito de aceitação.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O ponto de vista interno define a conduta daqueles que aceitam as normas
jurídicas e, em particular, define a conduta dos juízes, promotores, funcionários e
profissionais jurídicos inseridos em um determinado contexto jurídico. Adota
este ponto de vista quem assume o caráter obrigatório das normas, ou seja, as
aceita como critério e guia da conduta própria e dos demais e cuja infração
justifica, segundo o aceitante, a respectiva imposição de sanções. Logo, aqueles
que ocupam o ponto de vista interno, pronunciam enunciados internos – os únicos
enunciados aptos a justificar a coerção jurídica.
O ponto de vista externo é aquele próprio do observador que se limita a explicar
o Direito em termos psicológicos e/ou sociológicos, portanto cabe ao mesmo
constatar a existência de um comportamento uniforme e regular praticado por
razões prudenciais por parte daqueles que não aceitam, eles mesmos, as normas
como guias e/ou critérios de valoração da conduta pessoal ou alheia e que só as
seguem por medo de sofrer algum tipo de sanção ou punição. Aqueles que ocupam
o ponto de vista externo pronunciam, por conseguinte, enunciados externos.
A constatação de que existem dois pontos de vista de aproximação ao Direito é
fundamental para o método descritivo empírico de Hart. Primeiro, no que diz
respeito à noção de ordenamento jurídico concebido como um conjunto de
normas, pois a admissão de um discurso descritivo externo possibilita que as
normas sejam contempladas como causas de comportamento e, em consequência,
em termos de eficácia. Não obstante, para descrever o Direito em termos de
eficácia, é necessário considerar o ponto de vista interno já que somente ele é
capaz de delimitar quais comportamentos se amoldam ao seguimento das normas
jurídicas, normas que têm o seu fundamento nas práticas sociais.
Assim que dito ponto de vista é definido a partir de certos fatos empíricos que
podem ser efetivamente verificados por um observador de uma perspectiva
descritiva externa. Segundo, porque também a regra de reconhecimento pode ser
compreendida com base nos enunciados emitidos conforme aos pontos de vista
de participantes e observadores.

1.3.3.2.4. A Relação Entre O Direito E A Moral


Para compreender seu ponto de vista nada melhor que partir do núcleo de seu
modelo positivista e das três teses básicas que defende:
a) A tese das fontes sociais do Direito;
b) A tese da separação conceitual do Direito e da moralidade;
c) A tese da discricionariedade judicial.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


(a) a primeira tese mantém que a existência do Direito é definida pelas práticas
sociais complexas que estipulam quais são as fontes últimas de identificação das
normas jurídicas que configuram o Direito; (b) a segunda tese argui que as
conexões entre o Direito e a moral são contingentes, ou seja, não são necessárias
nem lógica, nem conceitualmente; (c) a terceira tese, esta fundada na concepção
hartiana acerca da textura aberta da linguagem e, em particular, da linguagem
jurídica que, em algumas ocasiões, estabelece normas jurídicas que contêm
termos genéricos, vagos, controvertidos. Esta asserção leva a outra importante
afirmação: a de que o Direito é parcialmente indeterminado ou incompleto e que,
portanto, quando um juiz se depara com uma norma que contenha termos
potencialmente imprecisos, atuará discricionariamente.
Para poder compreender o alcance da tese da separação conceitual do Direito e da
moralidade é necessário entender o pensamento de Hart acerca da tese da
discricionariedade judicial. De acordo com Hart, a indeterminação é uma
característica de todo intento de guiar a conduta humana mediante normas gerais
formuladas linguisticamente e a ela não escapa o Direito. Consequentemente, a
teoria do Direito não pode ser contemplada como se estivesse imersa entre duas
concepções igualmente inaceitáveis do Direito: entre o realismo e o ceticismo.
Na obra “O conceito de direito”, Hart destaca que alguns ordenamentos jurídicos
incorporam – como critérios últimos de validez jurídica – princípios e valores
morais. Nestes casos a fim de que a regra de reconhecimento cumpra o seu papel
de ser remédio para a incerteza, ela deve tolerar apenas certo grau limitado de
indeterminação, pois serão os juízes e tribunais quem definirão, em última
instância, o alcance e o significado de ditos termos. Esta última afirmação custou
a Hart a acusação de ser um jurista antidemocrático.
Nenhum jurista pode negar que nas democracias contemporâneas as faculdades
normativas não são exercidas exclusivamente pelo Poder Legislativo. Ademais,
afirma que é menos custoso para a coesão social e a democracia permitir a
resolução de um caso particular com base na discricionariedade judicial – e na
leitura que os juízes e tribunais façam de um determinado princípio/valor – que
não outorgar nenhuma solução concreta ao mesmo. Das arguições de Hart se
deduz que o que ele não aceita é a “legalização da moral”. As sociedades
contemporâneas são caracterizadas pelas constantes mudanças sociais e pela
pluralidade de tradições, convicções e pautas morais vigentes simultaneamente.
Resulta difícil, consequentemente, falar em um consenso moral em torno a uma
moral concreta. Além do mais, ressalta Hart, que pode ter vigência em uma
determinada sociedade uma moral positiva aberrante e, justamente por esta
característica, dita moral não pode ser considerada valiosa ou razoável de ser
assimilada pelo Direito. Definitivamente, conclui o jurista que a introdução de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


conteúdos morais no Direito deve ser sempre tomada com muita cautela. Seja por
meio da introdução de conteúdos morais no Direito, seja pela admissão de que os
juízes em suas decisões podem recorrer a princípios e valores morais.
Estas “aberturas” do Direito à moralidade terão consequências não somente para
a reflexão legal, mas também para a tese hartiana da Separação conceitual entre o
direito e a moral. Temas que induzem Hart a repensar alguns de seus
pressupostos teóricos (incluirá, por exemplo, na sua estrutura de regras os
chamados princípios jurídicos) e a defender sua adesão a um soft positivism –
modelo teórico que contradiz a tese positivista forte segundo a qual existe uma
regra de reconhecimento isenta de conteúdos valorativos e que possibilita uma
separação categórica entre o Direto e a moral. Além do mais, certas características
do funcionamento adequado do Direito, tais como a generalidade, a claridade, a
inteligibilidade, a perdurabilidade e a publicidade das normas jurídicas, bem
como o princípio geral de irretroatividade das mesmas e a congruência em sua
aplicação (que deve ser imparcial), implicam, em si mesmos, a realização de um
mínimo de justiça – ainda que seja justiça formal –, por parte do Direito.
Portanto, para Hart, é inegável que existem conexões entre o Direito e a moral,
mas esta vinculação deve situar-se no âmbito da justificação e da legitimidade do
Direito. E é justamente neste ponto que reside a grande virtualidade da tese da
separação que não estriba, apenas ou principalmente, na duvidosa possibilidade
de construir uma Ciência do Direito meramente descritiva e livre de valorações,
mas na possibilidade de manter um ponto de vista moral frente ao Direito positivo
livre de determinações fáticas.
1.3.3.3. Conclusão
Para o positivismo jurídico a separação conceitual entre o Direito e a moral é
essencial. A existência e o conteúdo do Direito estão determinados por fatores que
fazem com que o Direito esteja sujeito à apreciação moral, mas isto, por si mesmo,
não garante o seu valor moral. A relação entre o Direito e os valores e princípios
morais não é necessária, mas sim contingente e, neste sentido, o Direito é
moralmente neutral. Mas, sobretudo, é preciso entender que a separação entre o
Direito e a moral apregoada pelo positivismo hartiano tem raízes em um ato
moral, em um ato político, qual seja preservar a autonomia e a liberdade
individuais da interferência estatal exorbitada (paternalismo jurídico) e de
terceiros (seja do domínio das maiorias ou da tirania das minorias). Como já havia
destacado Von Wright, “a moralidade transcende a legalidade no sentido de que
censura as leis e as decisões dos tribunais de justiça. Por esta razão, nunca pode
ser incorporada no tipo de ordem coativo que constituem as leis do Estado”.
Enfim, é a moral que deve separar o Direito da moral e são estas motivações e as

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


suas consequências, que parecem possuir relevância no debate atual acerca do
Direito.
1.3.4. John Rawls
John Rawls foi um importante jusfilósofo norteamericano do século XX. Escreveu
a obra chamada “A Theory of Justice”, que condensou uma série de artigos antes
publicados que expunham suas ideias.
Rawls era um ferrenho crítico do utilitarismo, acreditando na máxima Kantiana
de que o homem é um fim em si mesmo, pois defendia que não era a única via
existente para promover o bem de todos o sacrifício dos direitos das minorias.
Em Rawls, a teoria da justiça parte de duas ponderações:
a) A equidade rege todas as reflexões sobre a questão da justiça (equidade
aqui em nada coincidindo com a concepção aristotélica). Equidade para ele
dá-se quando do momento inicial em que se definem as premissas com as
quais se construirão as estruturas institucionais da sociedade; mais
claramente, quando se fala em equidade em Rawls, fala-se de um
momento inicial em que os atores do contrato social discutiram em pé
de absoluta igualdade os princípios da justiça;
b) Rawls é contratualista (neocontratualista). Como ele cria uma teoria, ele a
assenta numa base hipotética, não histórica, para poder desenvolver todo o
seu raciocínio.
Outro ponto nevrálgico em Rawls é o fato de que a justiça não é estudada com
base na ação humana individualmente tomada, mas sim com base nas instituições
sociais. É a justiça das instituições humanas (interesses comuns a todos) que
beneficia ou prejudica a comunidade que a ela se encontra vinculada.
O que são essas “instituições” em Rawls? São as leis fundamentais, regras e
preceitos de uma sociedade, não devendo ser compreendidas no sentido
organizacional, isto é, de Estado, Igreja etc.
Assim, o modelo de Rawls BUSCA, ALÉM DE DETERMINAR O QUE É
SOCIALMENTE JUSTO, MOSTRAR QUAIS SÃO OS MODAIS DEÔNTICOS
(DEVERES) DAS INSTITUIÇÕES NAS ESTRUTURAS BÁSICAS DE UMA
SOCIEDADE.
Para apontar o que é justiça, Rawls confere um importante papel às questões
relativas à distribuição de direitos e deveres e das oportunidades econômicas e
condições sociais, assim como às relativas à participação nessa distribuição.
A Posição Original

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Na hipótese teórica de Rawls, como visto na primeira ponderação acima, todos os
homens estavam submetidos ao “véu da ignorância”. Esse véu da ignorância não
é o não saber6, mas sim o impedimento de que os interesses mais imediatos dos
indivíduos, decorrentes de suas condições reais de vida, interfiram na integridade
do procedimento deliberativo. Isso permitiria a tomada da “decisão prudente”,
deliberando em um contexto em que a liberdade e a igualdade seriam idealmente
garantidas.
É nesse contexto e nessa exata situação de equidade originária que os cidadãos
escolheriam os princípios de justiça e toda a estrutura fundamental da sociedade,
seus alicerces, estabelecendo o pacto ou contrato social. Suas escolhas recairiam
sobre as opções cujos piores resultados melhores do que os resultados
possivelmente decorrentes das demais opções.
O pacto social possui dois princípios basilares de seu sistema acerca da justiça:
a) Princípio da igualdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais
abrangente sistema total de liberdades básicas iguais para que seja
compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos. Logo, isso
torna evidente que a liberdade em Rawls não é absoluta.
b) Princípio da diferença: as desigualdades econômicas e sociais devem ser
ordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo: 1) tragam o maior benefício
possível para os menos favorecidos; 2) Sejam vinculadas a cargos e posições
abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades.
Veja que o primeiro princípio tem carga axiológica baseada na liberdade,
sobretudo, e na igualdade, em segundo lugar. Já o segundo princípio tem carga
axiológica forte na fraternidade, e, também, na igualdade.
O segundo princípio regula a aplicação do primeiro, corrigindo as desigualdades.
O primeiro princípio fixa as liberdades individuais, políticas, de expressão, de
reunião etc. Porém, abdicam-se alguns direitos, até mesmo fundamentais, em
função do pacto. Para que haja essa abdicação, é preciso que aqueles que aderem
ao pacto recebam em troca benefícios ainda maiores que aqueles que teriam se
mantivessem sua posição original.
Já no segundo princípio, a expressão “funções às quais todos têm acesso” deve ser
interpretada de acordo com a igualdade democrática. Por exemplo, se o primeiro

6
Embora as partes estejam sob o véu da ignorância sobre fatos específicos, é-lhes dado conhecimento de toda sorte de
fatos gerais que afetam a escolha da estrutura básica, em particular aqueles que a psicologia e as ciências sociais põem
à sua disposição.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


princípio determina que todos devem ter acesso à previdência social, o segundo
cuida para que concreta e efetivamente isso aconteça.
Além dos princípios acima, os contratantes originários estabeleceram, para
Rawls, as seguintes regras de prioridades:
a) A liberdade sempre tem prioridade. Somente se aceita a redução da
liberdade se isso resultar no aumento do total de liberdades de todos (isso
legitima, por exemplo, a prisão de alguns indivíduos ameaçadores para que
os outros tenham liberdade plena);
b) A justiça (social) tem prioridade sobre a eficiência e sobre o bem estar
(por exemplo, deve-se dar preferência a políticas que financiem a compra
de apartamentos populares àquelas que financiam a compra de
apartamentos de luxo).
Veja bem: Rawls teorizou uma ideia voltada à justiça NA DEMOCRACIA. E, na
democracia, o primeiro preceito que se consagra é a liberdade (liberdade,
igualdade, fraternidade). Liberdade é o pilar de tudo. Tanto que é o primeiro
princípio de Rawls.
Pois bem. Continuemos.
O “após” a Posição Original
O pacto social não se faz de uma só vez. Ele é gradativo, em uma série de etapas.
Após a posição original, os pactuantes passam a deliberar concretamente sobre
as diretrizes da sua própria sociedade, isso por meio de UMA VOTAÇÃO DE UMA
CONSTITUIÇÃO. Finda essa etapa, as discussões passam a deitar sobre as
políticas de bem estar da sociedade, mediante a economia e outras fontes de
justiça social.
Fases:
a) Posição original: princípios de justiça;
b) Definição da Constituição;
c) Definição de políticas de bem estar social.
Pergunta: se os pactuantes originários estavam numa posição de equidade, por
que, então, há diferenças entre os homens? Rawls responde isso com base nas
naturais diferenças existentes entre as pessoas. Ainda que, no que se refere à
formação, informação e conhecimento, eles estivessem no mesmo nível, após
definir os princípios de justiça e começar o “processo de desnudação do véu da

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


ignorância”, as qualidades e defeitos pessoais vão aparecendo, motivos pelos
quais surgem as desigualdades.
Mas não só por isso. O princípio da diferença legitima ao homem a realização
pessoal, desde que se melhore a condição do outro e se respeitem as condições
impostas pelo pacto para a preservação de todos.
Daí que entra a necessidade de que as instituições sejam promotoras da melhor
participação do homem na estrutura social possível.
Síntese: para Rawls, igualdade para todos significa igualdade de oportunidades,
e não igualdade absoluta, a qual é impossível de se alcançar pelo simples fato de
serem desiguais as pessoas. No contratualismo de Rawls, necessário é igualar a
oportunidade entre as pessoas; a liberdade não ocorre num sentido material, e
sim num sentido de respeito às pessoas e valorização das possibilidades,
igualdade de oportunidades.
Os principais pontos sobre os quais se assenta a teoria da justiça de Rawls, para
Dworkin, são o equilíbrio reflexivo, o contrato e a posição original. O equilíbrio
reflexivo revela-se como procedimento de ajuste iterativo entre as intuições
morais e uma estrutura teórica moral, mais racionalizada, edificada segundo um
modelo construtivo, onde os indivíduos vão, aos poucos, sedimentando os valores
comuns, para além de simplesmente descobri-los em uma estrutura preexistente.
A ideia de contrato social, em Rawls, é retomada das teorias políticas clássicas,
com a inovação profunda da posição original, na qual os participantes se vêem
colocados. Entretanto, o contrato não é premissa ou postulado fundamental da
teoria de Rawls, sendo apenas, segundo Dworkin, um argumento destinado a
reforçar a legitimidade dos seus dois princípios de justiça.

A posição original, na qual os indivíduos são colocados para acertarem os


princípios de justiça sobre os quais edificarão as instituições, é a grande inovação
em termos de teoria política contratualista. Sua peculiaridade determina o
afastamento de interesses meramente pessoais, destinados a privilegiar
caracteres particulares dos participantes do grupo original.
Ao permitir apenas o atendimento a interesses antecedentes e, portanto,
impessoais, a posição original absorve o formalismo kantiano, no sentido de que
o acordo não pode tratar, primariamente, de estabelecer um conjunto substantivo
de valores a serem perseguidos pelos indivíduos, ou estabelecer qualquer noção
particular de virtude. Deixa tais metas, tal como Kant, ao arbítrio do indivíduo,
apenas garantindo as regras que os permitirão atingi-las.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O artifício da posição original, também, tem o efeito de privilegiar a noção de
igualdade, que, como já se viu, é central na teoria de Rawls. Assim, muito embora
as críticas que são feitas à sua teoria da justiça equitativa, trata-se de um dos mais
importantes constructos teóricos do século XX, dotado de um conteúdo
igualitarista imprescindível às instituições políticas atuais.
1.3.4.1. Consenso Constitucional, Neutralidade e Razão Pública: Elementos de
Teoria da Constituição em Rawls7
A Justificação dos Princípios de Justiça
A posição original
O tema da posição original já foi tratado acima.
O equilíbrio reflexivo
O equilíbrio reflexivo, para Rawls, é etapa que se segue à posição original, na qual
se submete os princípios de justiça às convicções mais ponderadas das pessoas,
permitindo-se ajustes e revisões necessárias.
Uma de suas funções precípuas é justamente solucionar a eventual colisão entre
os princípios, permitindo a elaboração de um modelo coerente e exercendo papel
subsidiário em relação à posição original.
Construtivismo
Os princípios de justiça funcionam precisamente como critérios abstratos para
guiar a construção das instituições político-sociais básicas. Eles não são
justificados, por sua vez, a partir de uma racionalidade que lhes seja imanente
(Rawls não é jusnaturalista), e nem, tampouco, em função de sua correspondência
com valores históricos, mas através de um processo de construção cuja
racionalidade é garantida pelas normas procedimentais que o balizam.
Eles não são dados objetivos simplesmente apreendidos pelos filósofos, mas
criações humanas racionais, resultados de um processo discursivo.
Pluralismo, Imparcialidade e Consenso Sobreposto
Num momento posterior de sua construção filosófica, Ralws passa a adotar uma
outra estratégia e justificação dos princípios, denominada de consenso
sobreposto. Isso acontece porque Rawls antes não havia atribuído importância
decisiva para o fato do pluralismo razoável, ou seja, como que seria possível a
existência de uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais
profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis,

7
Resumo de artigo homônimo escrito por Cláudio Pereira de Souza Neto, professor da UFF e membro da Banca do TRF2.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


embora incompatíveis. A essas diferentes ideias parciais e incompatíveis, que não
podem ser adotadas como razão pública, o filósofo dá o nome de doutrinas
abrangentes. Segundo ele, qualquer forma de se organizar a vida política que
opte por uma doutrina abrangente, em detrimento das demais, não pode realizar
as expectativas de justiça e estabilidade que incidem sobre as relações sociais.
O consenso sobreposto seria, então, exatamente a aprovação generalizada das
doutrinas abrangentes razoáveis que convivem nas sociedades democráticas da
atualidade, aprovação essa que recai e sustenta os princípios de justiça. Em outras
palavras, os princípios de justiça seriam o ponto de convergência das diferenças,
sendo por elas sustentadas.
A Razão Pública, Diretrizes de Indagação e Princípios de Justiça
Razão pública e neutralidade política
Para Rawls, os princípios de justiça englobados pelo consenso sobreposto dão
conteúdo ao que denomina “razão pública”. Para ele, há as razões públicas e as
não públicas. Estas seriam cultivadas por associações tais como organizações
religiosas, sociedades científicas e grupos profissionais, que defendem interesses
não generalizados. Elas são interiormente públicas, mas não públicas para o
restante da sociedade.
A razão pública deve prevalecer quando os cidadãos atuam na argumentação
política no fórum público, e quando votam em eleições nas quais elementos
constitucionais essenciais e questões de justiça básica estão em jogo. Tais matérias,
as mais relevantes para a democracia, são aquelas que devem ser resolvidas
exclusivamente pela razão pública. Assim, a razão pública se limita a uma
concepção política de justiça, aquela que independe de doutrinas abrangentes (ou
seja, que não se limita a certo grupo humano), não obstante possa ser chancelada
por aquelas que sejam razoáveis.
Isso não quer dizer, para Rawls, que os cidadãos e os legisladores não possam
votar de acordo com suas visões abrangentes; podem sim, desde que não estejam
em jogo as citadas relevantes questões da democracia e que as doutrinas
abrangentes adotadas não sejam com ela incompatíveis.
Razão pública, razoabilidade e reciprocidade
Para Rawls, a razão pública engloba as chamadas diretrizes de indagação, cujo
escopo é garantir que a argumentação política seja não somente persuasiva, mas
também racional, especialmente quando em jogo questões constitucionais
básicas.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A razão pública prescreve que a argumentação política apele unicamente para as
crenças gerais e para as formas de argumentação aceitas no momento presente e
encontradas no senso comum, e para os métodos e conclusões da ciência, quando
estes não são controvertidos. Não se aceita o recurso às doutrinas religiosas e
filosóficas abrangentes (salvo, repita-se, se razoáveis e não for elemento essencial
da democracia o objeto em discussão).
De acordo com o filósofo, os cidadãos das democracias constitucionais
contemporâneas são considerados pessoas morais, os quais possuem,
fundamentalmente, dois atributos: a racionalidade e a razoabilidade. Esta está
ligada ao senso de justiça, aquela se refere à capacidade de se ter uma concepção
particular acerca do bem e de selecionar os meios para realizá-la. É com a
racionalidade que o indivíduo busca realizar o seu projeto pessoal de vida,
enquanto com a razoabilidade se verifica a realidade pela perspectiva do outro.
A razoabilidade, nessa visão rawlsiana, é que permite a cooperação social, pois os
cidadãos possuiriam um senso de justiça que os orienta no processo de
estabelecimento dos princípios que informam a estrutura básica da sociedade,
que permite que as diversas doutrinas abrangentes possam concordar no tocante
a questões políticas básicas, dando espaço ao assentimento generalizado
denominado de consenso sobreposto.
A dimensão intersubjetiva da razão pública é analisada em Rawls pela noção de
reciprocidade, segundo a qual nosso exercício de poder político é adequado
apenas quando acreditamos sinceramente que as razões que ofereceríamos para
as nossas ações políticas são suficientes, e pensamos razoavelmente que outros
cidadãos também poderiam aceitar razoavelmente essas razões. É a
reciprocidade que leva à conformação da relação política no âmbito de uma
democracia constitucional como uma relação de amizade cívica, implicando em
um diálogo sobre as questões políticas fundamentais tendo em vista o bem
comum e não a mera agregação de interesses privados.
Daí se deriva a impossibilidade de se recorrer, na deliberação pública, a doutrinas
abrangentes. Argumentos particularistas não exibem o potencial de serem aceitos
pelos que professam outras doutrinas.
Questões Constitucionais Essenciais, Consenso Constitucional e Limites da
Deliberação Pública
Rawls considera que a razão pública deve ser uma das características, sobretudo,
da deliberação que tem lugar nos fóruns oficiais. Tanto os parlamentares, durante
seus debates, quanto o Executivo, ao justificar suas políticas públicas, devem se
guiar pelo ideal de razão pública, salvo nos casos em que estariam legitimamente
autorizados a decidir conforme certa doutrina abrangente.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A jurisdição constitucional, entretanto, não comporta essa abertura das exceções.
Para que a jurisdição constitucional seja exercida sem comprometer a cooperação
social, os juízes não podem invocar sua própria moralidade particular; não podem
recorrer, ao justificarem suas decisões, a visões religiosas ou filosóficas. O
fundamento das decisões judiciais deve se limitar aos valores políticos que os
magistrados julgam fazer parte do entendimento mais razoável da concepção
pública e de seus valores políticos de justiça e razão pública. Tais valores são
aqueles que os magistrados podem esperar que todos os cidadãos razoáveis e
racionais endossem. Essa restrição faz do Judiciário um caso exemplar de razão
pública. Ao aplicar a razão pública, o tribunal evita que a lei seja corroída
pela legislação de maiorias transitórias ou, mais provavelmente, por
interesses estreitos, organizados e bem posicionados8.
Porém, Rawls não permite que qualquer violação aos princípios de justiça leve à
declaração de nulidade de uma lei ou ato com eles em desacordo, por parte da
jurisdição constitucional. Isso porque somente quando em jogo as liberdades
básicas (protegidas pelo primeiro princípio de justiça da posição original), as
quais devem ser concretizadas em nível constitucional (o que demonstra o viés
liberal de Rawls), é que se deve acionar a jurisdição constitucional; já o segundo
princípio (da diferença) deve ser concretizado apenas no plano legislativo,
devendo sua garantia ocorrer argumentativamente, através do uso da razão
pública. Por que dessa diferença? Pois enquanto o primeiro princípio, da
liberdade, é resultado de um consenso mais direto, é algo mais lógico para todos,
o segundo princípio, o da diferença, requer um processo gradual de adesão e
aceitação por parte dos cidadãos, que inicialmente tende a confrontar com uma
série de doutrina abrangentes, mas que aos poucos vai sendo assimilado em prol
de uma maior igualdade social.
1.3.5. Theodor Viehweg
Jusfilósofo alemão do pós segunda guerra mundial que buscou pragmatizar o
Direito.
Viehweg: topoi (lugares-comum, argumentos razoáveis) são pontos de vista
utilizáveis e aceitáveis em toda a parte que se empregam a favor ou contra, e que
é conforme a opinião aceita e que podem conduzir à verdade. As decisões judiciais
são assim. O ministro relator vai enfrentar o problema, propondo um argumento
para a sua solução.

8
Interessante essa parte, pois em muito se aproxima da questão da legitimidade democrática do judiciário em sua
atuação contramajoritária justificada pelo discurso.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Tópica é a arte do pensamento problemático, métodos de superação das
aporias9. Pensar por problemas. Zetética é pensar por problemas. Tércio Ferraz
usa muito essa expressão, já que ele é “topicista”.
Tópica é arte do pensamento problemático. Não é techne, não é episteme, não é
ciência. O argumento deve ser livre sob pena de impedir o alcance da melhor
verdade. Daí, a súmula vinculante poder ser criticada, porque perturba a
possibilidade de alcance de uma melhor verdade.
Problema é uma questão que, aparentemente, permite mais de uma solução, e que
vai requerer, tem vários aspectos devendo-se dizer qual aspecto importante dele
que será enfrentado, o que será respondido. Problemas vão encontrar respostas.
O discurso deve ser um ambiente onde as respostas podem ser propostas. O
RACIOCÍNIO TÓPICO DÁ ÊNFASE AO PROBLEMA. NÃO HÁ SOLUÇÕES
PREDETERMINADAS; O SISTEMA JURÍDICO, PELA TÓPICA, NÃO PODERIA
OFERECER RESPOSTA A TODOS OS PROBLEMAS, NÃO SERIA FECHADO. Se
você dá ênfase ao sistema, não se consegue dar respostas a todas as questões, de
tal forma que seriam excluídos tais problemas. Quem dá ênfase aos problemas,
escolhe o sistema. Quem dá ênfase ao sistema, escolhe os problemas, eliminando
os inconvenientes.
A tópica não é uma forma de pensar sistemática. A tópica se preocupa com a
aceitabilidade de uma questão. As respostas não são verdadeiras ou falsas, mas
simplesmente aceitas como verdadeiras por certas pessoas em certo tempo. Isto
não é um método, mas apenas um estilo de pensamento, uma técnica de
pensamento problemático. O método é um procedimento de lógica
inequivocamente verificável. Não há um plexo único de pensamentos, na tópica.
ASSIM, A TÓPICA NÃO E UM MÉTODO CIENTÍFICO.
Todo argumento, todo princípio jurídico, toda norma jurídica para a tópica, será
apenas uma tentativa de solução. Até mesmo normas constitucionais poderiam
não ser aplicadas diante de princípios ou normas extrajurídicas, por não ser a
resposta ideal para um dado problema.
Tudo é topos, até as normas constitucionais, não é axioma fundamental. A tópica
tem sido criticada, porque traz uma insegurança, uma subjetividade
incompatível com o que se espera da ciência do direito, porque tudo é
relativizado, dando-se um campo aberto para o intérprete.

9
De acordo com Viehweg, o termo aporia designa precisamente uma questão que é estimulante e iniludível, designa a
falta de um caminho, a situação problemática que não é possível eliminar. A TÓPICA PRETENDE FORNECER INDICAÇÕES
DE COMO COMPORTAR-SE EM TAIS SITUAÇÕES, A FIM DE NÃO FICAR PRESO, SEM SAÍDA. É,PORTANTO, UMA TÉCNICA
DO PENSAMENTO PROBLEMÁTICO.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


José Leite: a tópica reside em não se poder dar um peso lógico em um sistema a
qualquer topos; o problema da aplicação da tópica no campo constitucional reside
no fato da não vinculação da interpretação das normas constitucionais, podendo
descambar em uma verdadeira arma a favor da arbitrariedade, o que não é
consentâneo com as garantias fundamentais.
Todo o direito medieval era tópico, como as obras de São Tomás de Aquino.
Estudava-se máximas, sem sistematização, sem definições finais, porque qualquer
definição, em direito, seria perigosa. Então, ninguém nem positivava as normas.
Os glosadores estudavam as máximas. Mas isso tudo virou poeira com a Idade
Moderna e as ciências naturais.
Essa postura aporética em tópica é fundamental. Essa noção de que não há
respostas a priori para o problema da justiça, que deverá ser buscada em cada
caso.
Durante muito tempo, a retórica jurídica se prendeu ao modelo semântico,
sintático. E aí a tópica diz que isso é muito pouco, porque deve-se ir além,
buscando-se a pragmática, forma de estudo da linguagem direta, objetiva. Veja
que a tópica, não sendo sistema, promoveu uma agregação no estudo jurídico: ela
buscou superar a hermenêutica tradicional (exegese, silogismos puros) para dar
lugar a um direito mais pragmático. O importante são os argumentos para
resolver os casos concretos.
Em detrimento do pensamento sistemático, que busca ser um pensamento
dedutivo, que parte do apriorístico (norma) para o problema, a tópica é um
pensamento a posteriori, casuístico, que inclusive permite a adaptação da norma
ao caso concreto.
1.3.6. Niklas Luhmann

1.3.7. Chaïm Perelman


Vide item 2.15.5. Teoria da Argumentação Jurídica de Chaïm Perelman: A Nova
Retórica.
1.3.8. Jürgen Habermas
1.3.8.1. O Fundamento da Legitimidade Política dos Grupos de Pressão à Luz
da Teoria da Ação Comunicativa
Os princípios iluministas (liberdade, igualdade e fraternidade) são repensados,
por Habermas, à luz de uma teoria crítica.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O autor afirma a necessidade de reinvenção do projeto da modernidade, para
tanto se valendo de uma visão dinâmica do processo de concretização desses
direitos e dessas liberdades.
Parte da constatação de que a estrutura tradicional das instâncias de
exercício do poder numa democracia invariavelmente estabelece relações
de dominação (seja do poder político, seja do mercado, seja de costumes,
comportamento).
Para tanto, confere importância fundamental ao espaço público, como espaço
necessário no diálogo crítico com o sistema estabilizado de expectativas,
através do que denomina ação comunicativa.
Admitir uma ação política fundada no diálogo entre o espaço público e o sistema
estabilizado garantiria que a força inercial deste não suprimisse a existência de
formas de vida capazes de forjar relações de emancipação do homem-pessoa e
reinventar continuamente práticas capazes de concretizar os ideais iluministas.
Dito isso, pode-se afirmar que, em Habermas, A LEGITIMIDADE DOS GRUPOS
DE PRESSÃO (ATORES DO ESPAÇO PÚBLICO) PRESSUPÕE O
RECONHECIMENTO DESSE ESPAÇO COMO ELEMENTO ESSENCIAL DA
DEMOCRACIA.
A atuação desses grupos nem sempre assimila as reivindicações surgidas no
mundo da vida, ou as toma como suas. Assim ocorre quando atua menos para
fortalecer o processo plural de discussão que antecede a ação, e mais como
mandatário de interesses pré-definidos.
Na democracia fundada numa ação comunicativa, a legitimidade dos grupos
de pressão não ocorreria de dentro para fora (a partir do seu
reconhecimento pelo Estado, como condição para o exercício de poder
político), mas de fora para dentro (a partir da sociedade civil, como pólo de
ação política válida).
E em razão disso, “o modelo de uma justiça processual para as sociedades
democráticas atuais necessitará de gerenciamentos institucionais que, sem
questionar o modelo institucional da modernidade (separação do Estado da
sociedade civil, separação dos três poderes), vão de qualquer forma colocá-lo em
maior conformidade com a ideia da autoconstituição de uma comunidade de
pessoas livres e iguais”. (Jean-Cassien Billier. História da Filosofia do Direito, São
Paulo: Manoel, 2005).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O seguinte trecho do seu Direito e Democracia entre facticidade e validade II (2ª
Edição. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2003) bem exemplifica como
Habermas concebe a relação entre grupos de pressão e legitimidade democrática:
“A liberdade de opinião e reunião, bem como o direito de
fundar sociedades e associações, definem o espaço para
associações livres que interferem na formação da opinião
pública, tratam de temas de interesse geral, representam
interesses e grupos de difícil organização, perseguem fins
culturais, religiosos, humanitários, formam comunidades
confessionais, etc. A liberdade da imprensa, do rádio e da
televisão, bem como o direito de exercer atividades
publicitárias, garantem a infra-estrutura medial da
comunicação pública, a qual deve permanecer aberta a
opiniões concorrentes e representativas. O sistema político,
que deve continuar sensível a influências da opinião pública,
conecta-se com a esfera pública e com a sociedade civil,
através da atividade dos partidos políticos e através da
atividade eleitoral dos cidadãos. Esse entrelaçamento é
garantido através do direito dos partidos de contribuir na
formação da vontade política do povo e através do direito de
voto ativo e passivo dos sujeitos privados (complementado
por outros direitos de participação). Finalmente, as
associações só podem afirmar sua autonomia e conservar sua
espontaneidade na medida em que puderem apoiar-se num
pluralismo de formas de vida, subculturas e credos religiosos.
A proteção da ‘privacidade’ através de direitos fundamentais
serve à incolumidade de domínios vitais privados; direitos da
personalidade, liberdades de crença e de consciência,
liberalidade, sigilo da correspondência e do telefone,
inviolabilidade da residência, bem como a proteção da família,
caracterizam uma zona inviolável da integridade pessoal e da
formação do juízo e da consciência autônoma”. (p. 101)
No entanto, as garantias dos direitos fundamentais não conseguem proteger
por si mesmas a esfera pública e a sociedade civil contra deformações. Por
isso, as estruturas comunicacionais da esfera pública têm que ser mantidas
intactas por uma sociedade de sujeitos privados, viva e atuante. Isso equivale
a afirmar que a esfera pública política tem que se estabilizar, num certo sentido,
por si mesma: isso é confirmado pelo peculiar caráter autorreferencial da prática
comunicacional da sociedade civil.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1.3.8.2. A Concepção Comunicativa do Direito e da Democracia em
Habermas10
Após o fortalecimento da crise do positivismo, ganhou grande força o movimento
de retomada do racionalismo, postura anti-empirista de se atingir o saber, na
filosofia ocidental.
O racionalismo se baseava, fundamentalmente, numa posta interpretativa
essencialmente subjetiva. Habermas, no entanto, deslocou a racionalidade do
âmbito individual para o âmbito intersubjetivo/comunicativo.
Em Habermas, a racionalidade ocorre quando dois ou mais sujeitos agem
comunicativamente de forma argumentativa em busca de um acordo
consensual. É nessa ideia básica que se fundamenta a teoria do direito e da
democracia habermasiana: ela toma como ponto de partida a força social
integradora de processos de integração não-violentos, racionalmente
motivadores, capazes de salvaguardar distâncias e diferenças reconhecidas, na
base de manutenção de uma comunhão de convicções.
Ou seja, O CONSENSO É O CONSENSO NÃO VIOLENTO A QUE CHEGAM OS
SUJEITOS DA DEMOCRACIA, EM CONDIÇÕES DE IGUALDADE, APÓS O
DISCURSO.
Na ideia do jusfilósofo, a razão deixa de ser o fim do racionalismo (racionalismo
teleológico), tornando-se, antes, um instrumento dos processos comunicativos.
Isso é, em certa medida, a superação com a metafísica kantiana e com a dialética
hegeliana.
Essa guinada linguística aponta também para uma distinção entre representações
particulares e pensamentos universais conduzindo a uma dialética da
intersubjetividade que busca estados sintéticos no acordo consensual entre
sujeitos racionais comunicativos livres e iguais
A legitimidade de uma regra independe do fato de ela conseguir impor-se.
Ao contrário, tanto a validade social como a obediência fáctica variam de
acordo com a fé de seus membros na comunidade de direito na legitimidade,
e esta fé, por sua vez apóia-se na suposição da legitimidade, isto é, da
fundamentabilidade das respectivas normas.
A complexificação das relações sociais na modernidade, o acréscimo de poder
atribuído ao setor econômico e de mercado e o crescimento do poder
administrativo ampliam cada vez mais a já PROBLEMÁTICA RELAÇÃO ENTRE

10
Extraído do artigo “A Democracia Comunicativa: uma exposição da ideia de democracia em Jürgen Habermas a
partir da análise dos volumes da obra “Direito e Democracia, entre facticidade e a validade”, escrito por Paulo Roberto
de Azevedo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


FACTICIDADE E VALIDADE11. A estabilidade desta relação faz-se necessária para
a articulação entre sistemas político-jurídicos. Da defasagem entre esses sistemas
pode originar-se uma crise entre direito constitucional e ordem jurídica: “a tensão
entre o idealismo da ordem constitucional e o materialismo de uma ordem
jurídica, especialmente de um direito econômico, que simplesmente reflete a
distribuição desigual do poder social, encontra seu eco no desencontro entre as
abordagens filosóficas e empíricas do direito”. A RESPOSTA HABERMASIANA
PARA ESSA CRISE SEGUE A GUINADA LINGUÍSTICA, CENTRANDO A ORDEM
JURÍDICA NOS PROCESSOS INTERCOMUNICATIVOS. O DIREITO passa a ser
mais que uma estrutura abstrata reguladora, constituindo-se, então, como uma
força dinâmica e ativa. Mais que um sistema de saber, é um sistema de ação,
que faz parte do “mundo da vida”. Para compreender melhor essa perspectiva
é necessário considerar que, na teoria habermasiana, a ideia de “mundo da vida”
recebe um sentido muito específico: difere da ideia de sociedade civil, como vista
na perspectiva liberal, por não se resumir ao somatório das vontades livres iguais;
também difere da perspectiva marxista, não sendo vista como aprisionada por
forças históricas movimentadas pela luta entre classes antagônicas. A perspectiva
habermasiana segue o viés linguístico passando a entender o mundo da vida
como:
“... uma rede ramificada de ações comunicativas12 que se
difundem em espaços sociais e épocas históricas; e as
ações comunicativas não somente se alimentam das fontes das
tradições culturais e das ordens legítimas, como também
dependem das identidades dos indivíduos socializados. Por
isso, o mundo da vida não pode ser tido como uma organização
superdimensionada, a qual os membros se filiam, nem como

11
Habermas diz que o direito só pode ser compreendido a partir da noção de uma "tensão entre facticidade e validade".
"Facticidade" seria o plano dos fatos, das coisas como elas são e funcionam, a dimensão do êxito real, cega para
questões de certo/errado. "Validade" seria o plano dos ideais, das normas que se reconhecem como corretas e que
justificam as ações, dos valores que se reconhecem como importantes e que justificam as escolhas, das utopias que se
reconhecem como inspiradoras e justificam as instituições existentes e das esperanças que se reconhecem como
necessárias e que justificam seguir em frente apesar de todos os desapontamentos. Pois bem, concebido apenas em
termos de facticidade (como teriam feito o positivismo jurídico e o realismo jurídico), o direito não consegue justificar
sua obrigatoriedade e, por conseguinte, explicar sua legitimidade ao longo do tempo. Concebido apenas em termos de
validade (como teria feito a escola do direito natural), o direito perde seu contato e seu engajamento com o mundo
concreto dos fatos, das ações e dos interesses e se torna uma retórica vazia sobre bem e justiça, que não é capaz de
coordenar realística e eficazmente as relações em sociedade. Dessa forma, o verdadeiro lugar do direito é entre os
planos da facticidade e da validade, como um "médium" (elo, canal, ponte) entre os dois, tornando a facticidade válida
o bastante para ser obrigatória e aceitável, e a validade factual o bastante para ser viável e concretizável ao longo do
tempo.
12
O agir comunicativo proposto por Habermas está fundamentado na linguagem dirigida ao entendimento cooperado
e compartilhado intersubjetivamente através da argumentação. Este conceito pressupõe a linguagem como principal
meio dentro do qual é possível colocar em evidência todas as questões humanas passíveis de argumentações e as
integrações sociais através dos processos de entendimento.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


uma associação ou liga, na qual os indivíduos se inscrevem,
nem como uma coletividade que se compõe de membros. Os
indivíduos socializados não conseguiram afirmar-se na
qualidade de sujeitos, se não encontrassem apoio nas
condições de reconhecimento recíproco, articuladas nas
tradições culturais e estabilizadas em ordens legítimas e vice-
versa. A prática comunicativa cotidiana, na qual o mundo da
vida certamente está centrado, resulta, com a mesma
originariedade, do jogo entre reprodução cultural, integração
social e socialização.
A proposta habermasiana é de ordem democratizadora, pois desloca a
construção da normatividade jurídica do idealismo teleológico para a
materialidade das ações comunicativas: veja bem, Habermas entendia que
democracia não é simples representação com leis que, em tese, representam a
vontade do povo. Antes é imprescindível a manifestação dialógica daqueles que
agem comunicativamente acerca das normas e valores que promovem a
integração social.
Habermas opera um deslocamento de enfoque, buscando o nexo interno entre
autodeterminação moral e autorrealização ética, não na formulação de leis gerais,
mas na formação discursiva da opinião e da vontade. A GUINADA LINGUÍSTICA
DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA TRANSFERE A PRODUÇÃO DA TEORIA
JURÍDICA DA POSITIVIDADE RACIONALISTA PARA A INTERAÇÃO
COMUNICATIVA. Nesse modelo tanto as regras de aceitabilidade como a simples
aceitação particular se estabelecem na ação discursiva em busca de consenso.
A democracia habermasiana não pode ser analisada pela simples verificação da
existência de leis gerais. Essas pouco valem se não legitimadas pelo discurso, visto
que os destinatários das normas são, simultaneamente, os autores de seus
direitos.
Todo esse processo é acompanhado da progressiva racionalização do mundo da
vida. A FORÇA MORAL (QUE SERVIA COMO GARANTIA INTERNA DE COESÃO
SOCIAL) DÁ LUGAR AO CÓDIGO JURÍDICO QUE PROCURA MANTER, POR
MEIO DE GARANTIAS EXTERNAS, A MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES DE
POSSIBILIDADE NECESSÁRIAS PARA QUE PROLIFEREM FORMAS
DIALÓGICAS OPERANTES EM CONDIÇÕES EQUÂNIMES DE
COMUNICABILIDADE. São necessários, então, mecanismos externos (uma vez
que mecanismos morais internos perderam sua capacidade de interferência) que
garantam essas condições de argumentação. Neste ponto, no entanto, deve-se
evitar o retorno a uma metafísica jurídica que, justamente, é o alvo crítico da

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


guinada linguística habermasiana. É preciso manter a perspectiva da formação
das regras de comunicabilidade nos próprios processos intercomunicativos.
Com a complexificação da sociedade (desníveis sociais, administrativos etc.),
ocorre uma maior dificuldade de manutenção da equidade argumentativa. Os
agentes do discurso se tornam muito díspares, o que interfere negativamente no
processo democrático sob o prisma da teoria do discurso.
Por tal motivo, ele estabelece princípios que garantem a equidade dialógica:
a) Direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas;
b) Direito ao status de membro de uma associação voluntária de parceiros do
direito;
c) Possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração
politicamente autônoma da proteção jurídica individual;
d) Direitos fundamentais à participação, em igualdade de chances em
processos de formação de opinião e da vontade, nos quais os civis exercitam
sua autonomia política e por meio dos quais eles criam o direito legítimo;
e) Direitos fundamentais a condições de vida garantidas de forma social
técnica e ecológica.
Tais princípios são também orientações democratizantes. A democracia
identifica-se com a formação argumentativa da opinião e da vontade, bem como é
responsável pelas garantias externas da continuidade desse processo. Para
Habermas, O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA REFERE-SE AO NÍVEL DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO EXTERNA E EFICAZ DA PARTICIPAÇÃO SIMÉTRICA
NUMA FORMAÇÃO DISCURSIVA DA OPINIÃO E DA VONTADE, A QUAL SE
REALIZA EM FORMAS DE COMUNICAÇÃO GARANTIDAS PELO DIREITO. Vide
que o Direito tem importante papel de garantia, tem um caráter
procedimentalista, garantidor de instrumentos que abram espaço à confirmação
democrática discursiva.
Desta concepção emerge também a ideia habermasiana de Estado, mais
precisamente de Estado de direito. ESTADO representa um corpo jurídico
encarregado de fornecer garantias externas à equidade argumentativa de todos
os membros de uma livre associação de parceiros de direito; DE DIREITO por
originar-se do mesmo princípio democrático argumentativo fundamental que dá
origem ao sistema jurídico. Este aparece, então, como sistema de poder e
sistema de saber. O sistema jurídico gera e controla o sistema político, ao mesmo
tempo em que o sistema político gera e controla o sistema jurídico: “A ideia do
Estado de direito pode ser interpretada então como a exigência de ligar o sistema

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


administrativo, comandado pelo código do poder, ao poder comunicativo
estatuidor do direito, e de mantê-lo longe das influências do poder social, portanto
da implantação fáctica de interesses privilegiados.
As características deste novo modelo institucional fundamentar-se-iam na
“interligação conceitual entre direito e poder político”. A partir daí, emanariam
alguns princípios fundamentais norteadores do aparelho institucional. Tais
princípios seriam necessários em função de riscos apontados pelo próprio autor:
“O direito constitui poder político e vice-versa; isso cria entre
ambos um nexo que abre e perpetua a possibilidade latente de
uma instrumentalização do direito para o emprego estratégico
do poder. A ideia do Estado de direito exige em contrapartida
uma organização do poder público que obriga o poder político,
constituído conforme o direito, a se legitimar, por seu turno,
pelo direito legitimamente instituído.”
O que ficaria resguardado por essa instituição seria a formação democrática da
vontade. Isso significa dizer que a primeira questão a ser apontada como
princípio de democracia seria a ampla e livre participação de todos os
membros de uma sociedade nos processos comunicativos norteadores dos
acordos normativos nos quais se dá a formação democrática da vontade.
Assim, um primeiro princípio a ser resguardado é o de que: a) todo poder deve
emanar do “poder comunicativo dos cidadãos”. Na prática esse princípio remete
a poderes parlamentares representativos e deliberativos. Uma segunda questão
importante, imediatamente ligada à primeira, é o resguardo legal dos direitos do
indivíduo à equanimidade argumentativa. Para tanto faz-SE NECESSÁRIO QUE A
INSTÂNCIA JURÍDICA RESGUARDE-SE DA INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA.
TAL ASPECTO É GARANTIDO POR MEIO DE UMA: B) JUSTIÇA
INDEPENDENTE. É fundamental a garantia contra a instrumentalização do
sistema jurídico. Em contrapartida, deve-se evitar a interferência do sistema nos
processos comunicativos de formação da vontade. Ou seja, o poder
normativo/administrativo não pode interferir nos princípios que fundamentam a
orientação de sua formação. Esse princípio traduz-se pela: c) legalidade da
administração, bem como controle judicial e parlamentar da administração.
Por fim, faz-se necessário um controle dos processos argumentativos, buscando
lhes resguardar de interferências sociais não constantes no acordo comunicativo
realizado entre os membros da sociedade de direito. A sociedade civil precisa
amortecer e neutralizar a divisão desigual de posições sociais de poder.
1.3.9. Franz Kafka

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


1.3.10. Michel Foucault

1.3.11. Alf Ross

1.3.12. Heidegger

1.3.12. Hans-Georg Gadamer


A hermenêutica filosófica de Hans-Geörg Gadamer (surgida em meados do século
XX) representa uma das instâncias críticas do pensamento epistemológico.
O seu livro mais conhecido, “Verdade e Método”, propõe uma reflexão acerca do
caráter situacional dos processos de construção dos saberes, submetendo-os,
portanto, a um necessário filtro histórico, com a indispensável mediação da
linguagem como elemento constitutivo de todo e qualquer discurso.
No referido livro o filósofo recorre ao pensamento de Martin Heidegger para
estabelecer a linguagem como ponto de partida de qualquer processo
interpretativo, assimilando a noção existencial de Dasein, conceito que
acompanha todo o desenvolvimento da obra.
O autor e a obra são importantes numa prova sobre as matérias humanísticas,
pois o processo judicial é tomado por Gadamer como um exemplo típico do modo
pelo qual se estabelece o processo interpretativo.
O modelo clássico da teoria do conhecimento (epistemologia) sujeito-objeto é
substituído por Gadamer pelo diálogo SUJEITO-SUJEITO.
Em outras palavras, Gadamer afirma que, para construir qualquer ciência ou
discurso, não é a análise do objeto pelo sujeito que garante isenção e
verdade.
Pelo contrário, somente compreendendo os processos históricos de interpretação
de conceitos é que se poderia atingir minimamente um resultado seguro acerca
do conhecimento, sobretudo nas ciências humanas.
Por isso, para o jurista, “ouvir a tradição” e com ela dialogar constituem tarefas
irrenunciáveis quando em jogo a compreensão de normas e fatos.
A própria raiz etimológica da palavra “hermenêutica” está atrelada a uma visão
dinâmica, baseada no ato de transportar mensagem, traduzir, “falar sobre” a
tradição.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A pré-compreensão em Gadamer representa o conjunto das referências de
um povo, de um grupo humano, que já é passado para cada indivíduo desde
o seu nascimento e ao longo de sua vida. É a tradição.
Esses conceitos herdados da tradição, na medida em que se tornam
controvertidos, são objeto de uma reflexão crítica (como ocorre, por exemplo,
num processo judicial).
Mas a reflexão somente surge a partir do conteúdo herdado.
Para Gadamer é impossível uma relação sujeito-objeto, simplesmente
porque todo objeto só é conhecido a partir da história que cada indivíduo
aprendeu sobre ele desde o seu nascimento.
Os objetos não existem enquanto tais, diria Gadamer. Somente existem porque a
eles nos referimos. E o próprio “referir-se” a eles já é um fenômeno de linguagem
(o Dasein heideggeriano).
Transpondo para o direito, as normas e os fatos não existiriam como objetos
estanques, sobre os quais fazemos incidir apenas uma análise a partir de um
método desprovido de qualquer subjetividade.
As normas e os fatos nos são apresentados através de narrativas
tradicionais. E toda narrativa é uma tradução, é uma transmissão de
mensagem (hermenêutica).
Partindo da pré-compreensão das normas e dos fatos, por exemplo, o jurista os
submeteria a um juízo crítico a partir da controvérsia sobre eles instaurada.
E num diálogo circular entre a tradição e a crítica, estabeleceria um “método” em
espiral (o círculo hermenêutico), produziria o enriquecimento da tradição,
assimilando novas perspectivas atuais não consideradas por ela.
Embora Gadamer não tenha em momento algum tratado de um método
jurídico, a sua referência constante ao processo judicial em seus textos fez com
que a teoria do direito se apropriasse de seus conceitos, propondo inclusive
modelos metódicos.
É o que se nota, por exemplo, quando falamos em hermenêutica constitucional,
cujos pontos de partida são inegavelmente aplicação, no direito, do pensamento
de Gadamer.
Em “Verdade e Método” Gadamer faz referências ao método interpretativo
compilado por Savigny, que consiste na análise dos textos legais a partir de quatro
parâmetros: literal, lógico-sistemático, histórico e teleológico.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Sobre tal método, o autor faz incidir a crítica que dirige à epistemologia em geral,
pois também Savigny considerou que a tarefa do intérprete seria analisar o objeto
e dele extrair conclusões.
É certo que Gadamer valoriza aspectos do pensamento de Savigny, pela ênfase
que este conferiu à necessidade de reconstrução histórica dos conceitos.
Contudo, propõe o autor que tal “reconstrução” não seria apenas um momento da
interpretação, mas seu ponto de partida e chegada.
13.12.1. Círculo Hermenêutico X Espiral Hemenêutica: Schleiermacher X
Gadamer
No âmbito jurídico não pode ser considerada verdadeira a ideia de
Schleiermacher sobre a existência de um momento no qual ocorre a compreensão
total. Compatibiliza-se mais o pensamento de que:
O círculo da compreensão não é cumulativo, não é um círculo
que se fecha sobre si mesmo, não tem a forma de uma
circunferência, mas de uma espiral. Por isso, “não é correto
falar em compreender melhor”, como se a verdade fosse um
objeto a ser alcançado ao final do processo de elaboração da
compreensão e de uma vez para sempre (...) explicita a prévia
estrutura da compreensão e concebe a verdade como o sentido
possível de ser manifestado e jamais esgotável (ALMEIDA,
2002, p. 275-276).
A percepção de Gadamer acerca do círculo hermenêutico é mais coerente com a
seara jurídica, pois rechaça o ponto final no qual surge a verdade.
Ao contrário, as interpretações são inesgotáveis possibilidades. Este filósofo
detalha seu pensamento da seguinte maneira:
“o círculo, portanto, não é de natureza formal. Não é objetivo
nem subjetivo, descreve, porém, a compreensão como o jogo
no qual se dá o intercâmbio entre o movimento da tradição e o
movimento do intérprete. A antecipação de sentido, que guia a
nossa compreensão de um texto, não é um ato da
subjetividade, já que se determina a partir da comunhão que
nos une com a tradição. Mas em nossa relação com a tradição
essa comunhão é concebida como um processo em contínua
formação” (GADAMER, 2005, p. 388).
Dessa forma,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


“compreender não é compreender melhor, nem sequer no
sentido de possuir um melhor conhecimento sobre a coisa em
virtude de conceitos mais claros, nem no sentido da
superioridade básica que o consciente possui com relação ao
caráter inconsciente da produção. Basta dizer que, quando se
logra compreender, compreende-se de um modo diferente”
(GADAMER, 2005, p. 392).
Há dois fatos que devem ser especialmente frisados: primeiramente, que a
tradição influencia no processo de compreensão, isso significa que Gadamer
considera o caldo cultural no qual o intérprete está imerso; e, secundariamente,
para este filósofo inexiste a compreensão, como uma única possibilidade
verdadeira, mas sim posições, interpretações. Neste ínterim, solução divergente
entre juízes ou tribunais é apenas uma questão de interpretação adotada, não
havendo certo/errado.
Isso remete a uma explicação de Hegel para a filosofia de Heráclito, expressa pelo
pensamento de que “tudo o que é ao mesmo tempo não é, [o qual salienta] o fato
de ele esclarecer que a certeza sensível não possui verdade alguma” (Os Pré-
Socráticos, 1973, p. 106). Ora, se a certeza sensível não é verdadeira poder-se-ia
falar em verdade única advinda de um texto? Palavras são mais confiáveis que os
sentidos?
A posição de que “o que é, ao mesmo tempo já novamente não é” (Os Pré-
Socráticos, 1973, p. 98-99) é plenamente verossímil quando pensamos no Direito,
pois não há como, antecipadamente, ter plena certeza da decisão que será dada
pelo julgador e a mudança de entendimento é algo comum no mundo jurídico.
Inclusive poder-se-ia afirmar que é esta mutabilidade que dá vida ao Direito e
impulsiona-o a um progresso.
Retomando a ideia gademeriana acerca da inexistência de uma interpretação
correta, faz-se importante mencionar as palavras de Kelsen:
“A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o
máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas
permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação
“correta”. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência
tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em
vistas da plurissignificação da maioria das normas jurídicas,
este ideal somente é realizável aproximativamente” (KELSEN,
1998, p. 396).
Nota-se que Kelsen trata a univocidade das normas como uma ficção e assim
ratifica a existência de interpretações, de possibilidades. Sendo o texto normativo

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


dotado de vários significados, a segurança jurídica fica prejudicada pois depende
da interpretação dada pelo órgão aplicador do direito.
Quanto à estrutura do círculo hermenêutico, interessante a representação
como um espiral. Esta pode ser empregada para explicar o processo
evolutivo do campo jurídico: o julgador parte do sistema jurídico (cuja
hipotética e simplista composição foi anteriormente explanada) e de
elementos da tradição, para assim interpretar os fatos expostos pelas partes
e decidir; ocorre que essa decisão também passa a integrar o sistema
jurídico e, portanto, modifica-o. Dessa forma, em uma demanda posterior
tem-se novas partes, um sistema jurídico diferente, um julgador cujas
idiossincrasias já não são exatamente as mesmas e pode-se cogitar que até
mesmo a tradição já fora levemente alterada.
Em suma, a jurisprudência assume papel central no espiral jurídico-
hermenêutico, pois além de ser o resultado da tutela jurisdicional é fonte do
Direito. Através dessa mutabilidade há correção do direito abstrato,
possibilitando que no âmbito discricionário haja uma constante atualização com
vistas aos ideais sociais. A imagem do espiral salienta que o sistema jurídico não
está completo, tampouco é fechado; ao contrário, está em permanente formação.
1.3.13. Peter Habërle
Para um estudo aprofundado, ver o resumo de direito constitucional.
Professor alemão que escreveu A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:
uma contribuição para uma interpretação pluralista e procedimental da
Constituição, traduzido por Gilmar Mendes.
Existe, hoje, no mundo, uma ideia de uma prática no sentido de que a Constituição
tem uma interpretação feita por uma sociedade fechada de intérprete, porque
quem interpreta são os juízes. São intérpretes vinculados por corporações.
A interpretação da Constituição, então, tem sido assim. E Haberle diz que tem que
se estabelecer algo diferente. Ele propõe uma sociedade aberta de intérpretes.
A interpretação deve ser feita em uma sociedade aberta, plural. Não pode a
interpretação ser restrita, porque não deve ser feita só pelo Tribunal, mas
também pelo cidadão comum, quando pratica atos e se coloca da forma como a
Constituição estabelece. Os atores sociais praticam a Constituição diariamente. As
normas são estabelecidas para qualquer um. Existem forças interpretativas da
Constituição que abrangem toda a sociedade. São sujeitos de interpretação da
Constituição, não objetos da Constituição.
O processo de solução de conflitos, enquanto parte de interpretação da
Constituição, é que vem sendo realizado por uma sociedade fechada, a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


sociedade das corporações, dos juízes. Como a interpretação é plural, em geral,
deve ser plural, também, na concretização da solução do conflito. Haberle, então,
prevê formas gradativas de participação dos atores sociais na solução do
conflito. Isso bate com a idéia de Alexy de que se o ambiente discursivo é fechado,
o discurso é piorado, porque há menos argumentos. Garante-se, assim, a
participação democrática nas decisões.
A solução é estabelecer meios onde os argumentos possam ser escutados e
praticados dentro do processo discursivo de decisão. Ex: audiências públicas em
processo em julgamento, intervenção de terceiros, amicus curiae. Isso tudo
aprimora o discurso que possa haver dentro do Tribunal. É feita, assim, uma
interpretação pluralista e procedimental da Constituição.
A Constituição não é norma positiva, mas é o que se faz, o que se compreenda
como norma a ser aplicada. Não há Constituição, senão Constituição norma
jurídica interpretada. A decisão se dá a cada momento, não há decisão prévia,
permanente.
A garantia da independência dos juizes só é tolerável porque outras funções
estatais pluralistas fornecem materiais para a lei. E se tornaria mais tolerável
ainda na medida em que fosse aberto o processo decisório para a participação
facultativa.
O desenvolvimento posterior deve ser pluralista.
A interpretação deve se mostrar apta a fornecer justificativas diversas e variadas.
Em face das questões mais polêmicas, o processo decisório deverá consultar a
sociedade plural. Deve-se dar voz a todos os argumentos que possam haver. Uma
questão tão grave não pode ser resolvida com ambiente restrito. O processo deve
ser procedimentalmente plural. Deve-se analisar a opinião pública. O juiz não
pode desconsiderar que o Congresso acabou de aprovar emenda sobre aborto;
aquilo é um elemento argumentativo forte, porque é decisão democrática do
povo; aquilo não pode ser ignorado, num processo onde todos os argumentos são
expostos. Os juízes podem contrariar a opinião pública (porque nem sempre a
maioria deve ganhar, cumpre ao Judiciário defender as minorias, principalmente
aquelas que foram sub-representadas no processo democrático ou judicial), mas
não se pode deixar de considerá-la.
A Constituição é o consenso que se produza sobre o que deve ser, a partir dos
conflitos, dos compromissos. O Direito Constitucional é um direito de conflitos. A
hermenêutica constitucional significa decidir conflitos e reconhecer
compromissos.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Alguns autores não têm capacidade jurídica para atuar. Deve-se permitir que o
auditório tenha elementos livres para participar do discurso, como lançar
argumentos... Na medida em que se tenha ignorantes no auditório, o debate é
piorado. Se a pessoa não entende, não consegue expor argumentos. OS
IGNORANTES DO AUDITÓRIO DEVEM SER REPRESENTADOS POR QUEM
POSSUA CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO. É A INTERPRETAÇÃO
PLURALISTA INSTITUCIONAL. Ex: defensoria pública como porta-voz dos
ignorantes; ONG’s podem atuar em nome deles... são institucionalizações da
razão, onde se procura determinar mecanismos jurídicos suficientes para dar
vazão a todos os argumentos possíveis.
2. Correntes de Pensamento

5. 2.1. Utilitarismo

2.1.1. Jeremy Bentham

2.1.2. John Stuart Mill

6. 2.2. Fenomenologia
Somente com HUSSERL, através da fenomenologia jurídica, é que se vai superar a
ruptura kantiana, tentando relacionar os dois mundos separados, permitindo
uma correspondência entre o ´ser´ e o ´dever ser´, ou mais precisamente, entre o
ser e o pensar. O Ego, agora com HUSSERL, volta-se intencionalmente para os
objetos individuais, colocando-os em parênteses e, podendo desta forma captar o
eidos, a essência ideal do objeto. Esta tentativa de superação da dicotomia
kantiana, através da fenomenologia de Husserl, repercute no pensamento
jurídico, sobremaneira nos trabalhos do jurista alemão ADOLF REINACH (13), que
publicou um livro no qual o Direito era tomado através de uma ótica
fenomenológica. Resta, inconteste, que o pensamento kantiano além de
originalmente ter contribuído para o desenvolvimento da filosofia do Direito,
despertou entre juristas da época e posteriores efervescentes discussões
jusfilosóficas tanto no sentido de depurar as suas teorias, quanto no intuito de
superá-las.
2.2.1 Husserl
"Fenomenologia" escreve HUSSERL, "quer dizer, por conseguinte, a teoria das
vivências em geral, e, encerrados nelas, de todos os dados, não só reais, mas
também intencionais, que possam nelas se mostrar com evidência. A

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


fenomenologia pura é, desse modo, a teoria dos fenômenos puros, dos fenômenos
da consciência pura, de um eu puro, não se situando no terreno da natureza física
e animal ou psicofísica.
Se quisermos, por exemplo, saber qual a consistência de um objeto como esta
mesa, a fim de poder penetrar-lhe a essência, devemos considerá-la apenas como
conteúdo da consciência, pondo entre parêntesis o fato de sua existência
extramental, para uma descrição pura e imediata. Verificamos, por exemplo, que
se trata de mesa envernizada, dotada de certa forma. Podemos, de maneira
evidente, reconhecer, num ato espiritual, que a circunstância de ser ou não
envernizada, de ser de mármore ou de bronze, são qualidades acessórias, que não
dizem respeito à consistência daquilo que procuramos determinar como sendo o
objeto "mesa" como tal.
Através desta análise em progressão, podemos e devemos atingir uma ou várias
notas que não poderemos mais colocar entre parêntesis, porque, se o fizermos, o
próprio objeto acabará entre parêntesis. . . Quando atingimos esse ponto, esse
dado não abstraível, temos o que se denomina o eidos, a essência da coisa (redução
eidética).
Note-se, desde logo, que o método fenomenológico implica uma mudança de
atitude com referência ao objeto que se quer descrever, atitude esta que brota de
uma exigência critica de rigor e de evidência. Não se deve confundir, pois, com a
mera descrição empírica que pressupõe a "existência" de um fato ou de um ser
fora do processo cognoscitivo. Ao contrário, para o fenomenólogo a existência
autônoma ou não do objeto não é pressuposta pelo sujeito, pois tudo se situa
no interior do processo intuitivo mesmo, na correlação sujeito-objeto, com
abstração de tudo o mais, inclusive das noções comuns ou científicas sobre a
ordem da natureza.
Ora, este processo de descrição e redução de essência completa-se, na doutrina
de Husserl, com uma terceira fase, que é a da reflexão da consciência intencional
sobre si mesma (reflexão fenomenológica), que marca sua orientação idealista,
porquanto, depois de ter levado a termo a descrição do objeto de maneira
perfeitamente neutra, e de efetuar a redução eidética, ele pretende volver à
subjetividade transcendental, para descobrir o objeto como intencionalidade
pura, como "conteúdo intencional da consciência".
É preciso, porém, não olvidar que, tendo Husserl concebido a consciência como
"referência a algo" (intencionalidade da consciência), disto resultou um conceito
de "subjetividade transcendental" que — longe de se reduzir ao "eu puro",
universal e formal próprio da Filosofia de Kant — se refere a um "eu puro" cujo
fundamento, observa Ferrater Mora, se acha constituído pela temporalidade e

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


historicidade ³. Sem se levar em conta essa alteração substancial, não se
compreende, em todo o seu alcance, a lição de Husserl sobre o "a priori material",
não dependente do sujeito cognoscente, mas inerente às "coisas mesmas".
Somente atingimos a essência do Direito em virtude de uma intuição
intelectual pura, ou seja, purificada de elementos empíricos, que são apenas
condições da análise eidética. Não se trata, pois, de indução, mas sim de
intuição puramente intelectual, como tal irredutível às regras comuns da
abstração e da generalização empíricas.

7. 2.3. Realismo Jurídico


Os realistas e os da corrente do direito livre afirmam que o Juiz é um criador,
sofrendo a influência de múltiplos e variados fatores incidentes sobre o psiquismo
humano no momento da decisão, desde as condições pessoais e internas, até as
sociais e externas que de algum modo possam interferir no processo decisório.
Sendo livre, não tem limites normativos, pois esta posição não reconhece valia no
direito abstrato nem à razão como participantes da atividade interpretativa. Os
mais extremados substituem as leis e regras de interpretação por sentimentos
judiciais, aí incluindo instintos, emoções, sentidos.
Conforme os realistas, o Juiz é um criador, sofre influência de fatores de ordem
orgânica, afetiva e circunstancial como qualquer pessoa, e em função disso age. A
lei é um dado, entre outros, algumas vezes nem considerado para sua
atividade. Só os fatos interessam ao Direito, que se limita ao mundo da
experiência, onde se localizam os homens e a sentença que sobre eles
dispõe. A decisão dada nessas condições não decorre da lei, não cabendo ao
jurista, antes da sentença, senão formular simples profecias ou predições
sobre o que possivelmente será decidido. A sentença é essencialmente um
ato de vontade.
A grande contribuição dessa escola foi chamar a atenção para o fato muito simples
de que o Direito existe no mundo real, onde ocorrem as relações humanas e a
sentença, descortinando aí o contingenciamento do intérprete a essa realidade.
Desvendou, como ninguém antes o fizera, o misticismo que entranha nossas ideias
sobre o Direito. Apontou para o mito que realiza cada um dos grandes princípios
jurídicos, que satisfazem exigências de segurança e de tratamento igualitário.
Identificou na sentença seu componente de vontade, verificação que leva
conseqüentemente a admitir a existência de elementos influentes na decisão que
não estão absolutamente presentes na norma que o Juiz, numa posição ingênua,
diz unicamente aplicar.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


2.3.1 Oliver Holmes
O Realismo Americano, diferentemente, diz que o fundamento não está só nos
tribunais, mas também em estudar a estrutura psicológica do juiz; um assim
chamado “psicologismo jurídico”.

2.3.2. Jerome Frank

2.3.3. Olivercrona

2.3.4. Alf Ross


Para o Realismo Escandinavo o que interessa é a aplicação do direito nos
tribunais. O direito só nasce a partir de sua aplicação e quanto mais ele é aplicado
mais norma se retira da lei. Não se enclausurar em busca de teses. A díade
fundamental do direito é a análise da lei pelos tribunais.
Para esse realismo a validade do direito se submete a sua eficácia. Descreve um
direito real e não uma norma jurídica hipotética como a de Kelsen. A norma
jurídica é o que os tribunais dizem da norma jurídica. Nesse sentido, Francesco
Ferrara diz que os tribunais são os órgãos respiratórios do sistema jurídico.
Portanto, Alf Ross pretende descrever um direito real, e não um direito hipotético
como o da norma fundamental de Kelsen. Norma jurídica para ele é o que os
tribunais têm dito como norma jurídica, pois a norma por si não diz nada. Enfim,
fazer Ciência do Direito para Ross é observar as práticas.

8. 2.4. Direito Alternativo

9. 2.5. Existencialismo

10. 2.6. Ceticismo

11. 2.7. Tridimensionalismo Jurídico


O Direito, como qualquer ciência, constitui-se, em último grau, em UMA
RESULTANTE FINAL DA PERCEPÇÃO INTERPRETATIVA (DE ÍNDOLE
SUBJETIVA, INERENTE AO SEU CORRESPONDENTE JUÍZO DE VALOR,
RELATIVO AO DENOMINADO MUNDO DO DEVER-SER, DOTADO DE

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


SIGNIFICAÇÃO CULTURAL) DE UM DADO FATO SOCIAL, TRADUZINDO
NECESSARIAMENTE UMA CONCEPÇÃO NORMATIVA (CULTURAL) DE
PROJEÇÃO COMPORTAMENTAL E DE NATUREZA HERMENÊUTICA.
Por efeito consequente, a caracterização do Direito, como inconteste realidade
científica, em sua vertente tridimensional, apenas reflete, em linhas gerais, o
caráter comum da equação que sempre se constrói por intermédio da percepção
interpretativa de um fato (valoração factual) concebendo uma norma resultante;
sendo certo, sob este prisma, que as diferentes ciências e suas respectivas
classificações se operam a partir, sobretudo, das duas diferentes possibilidades
de percepções interpretativas de um dado fato produzindo normas finalísticas: de
caráter objetivo (juízo de realidade inerente ao mundo do ser sobre fatos naturais,
traduzindo normas (reais) explicativas) ou de caráter subjetivo (juízo de valor
inerente ao mundo do dever-ser sobre fatos sociais, traduzindo normas
(culturais) de projeção comportamental (hermenêutica) ou não
comportamental).
Estrutura Tridimensional do Direito
O tridimensionalismo, essencialmente, constitui-se, portanto, em uma
característica estrutural inerente a todas as ciências, - e não, como podem supor
os menos avisados, a uma particularidade da Ciência do Direito -, ainda que
sejamos obrigados a reconhecer que a denominada visão tridimensional de
Miguel Reale, neste aspecto, transcenda à concepção básica da tríade Fato-Valor-
Norma, comum a toda construção científica, para também abranger aspectos
associados, próprios e específicos, da Ciência Jurídica, tais como aqueles
integrantes da interação do fato com a validade social (sociologismo jurídico), do
valor com a validade ética (moralismo jurídico) e da norma com a validade
técnico-jurídica (normativismo abstrato), além de elementos de domínio que
traduzem uma tridimensionalidade concreta ou específica: fato/eficácia (aspecto
do ser), valor/fundamento (aspecto do poder-ser) e norma/vigência (aspecto do
dever-ser).
Ciência Axiológica
Da mesma forma que o Direito se caracteriza, sob o prisma hermenêutico, como
uma ciência de “duplo processo interpretativo” (ou “sobreinterpretação”),
igualmente se processa como uma ciência de valoração factual ampliada, ou
mesmo de “sobrevaloração”.
Isto significa, em linguagem objetiva, que, no âmbito da Ciência do Direito, o
processo de valoração intrínseca de um fato, concebendo uma dada norma, não
se restringe a um espectro valorativo (de cunho científico) nitidamente objetivo
(ou exclusivamente interpretativo), mas, ao contrário, necessita da imposição de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


valores sociais (derivados da ética, da moral etc. e que, necessariamente, são
mutáveis no tempo e no espaço) e de valores intrínsecos (tais como segurança,
justiça, ordem etc.).
Como os valores axiológicos do Direito podem, inclusive (em dadas
circunstâncias), ser antagônicos (segurança versus justiça, por exemplo),
incumbe ao processo valorativo (de feição axiológica) particular do Direito a
busca permanente de uma solução conciliadora, representada, em última análise,
pela caracterização dicotômica dos diferentes ramos científicos do Direito
(direito penal, civil, tributário etc.) que ponderam, de maneira propositadamente
desigual, os diferentes valores intrínsecos a cada dada situação efetiva.
A norma é a reação do valor ao fato. Os fatos, a realidade viva, ao
contradizerem os valores, idealidade abstrata, reclamam destes uma reação
decidida: os valores se agigantam, então, ao construirem as normas como
seus instrumentos.
A norma, assim e já em Miguel Reale, representa “uma solução temporária
(momentânea ou duradoura) de uma tensão dialética entre fatos e valores,
solução essa estatuída e objetivada pela interferência decisória do Poder
em dado momento da experiência social.
Especificidades da Ciência Jurídica
A percepção do Direito como inexorável ramo científico, todavia, não é, por si só,
suficiente para a plena compreensão do fenômeno jurídico à luz das necessidades
de superação das múltiplas questões que se apresentam. Muito pelo contrário,
resta fundamental que o estudioso da matéria seja capaz de entender, de
forma amplamente satisfatória, as três características basilares do Direito
como ciência: projeção comportamental, axiologia e hermenêutica. A
PRIMEIRA – PROJEÇÃO COMPORTAMENTAL – alude ao fato de que a
preocupação vital do Direito resume-se, acima de tudo, em moldar
comportamentos individuais e grupais, a partir de um quadro de ideias e valores
(mutáveis no tempo e no espaço), idealizado pelo conjunto da sociedade,
representada pelos seus legisladores.
Assim é que o Direito está, de modo constante e permanente, a orientar as
condutas humanas em sociedade, a partir de suas normas jurídicas que são
produzidas pelo conjunto da sociedade (ainda que através de seus representantes
eleitos para tanto) e aplicadas (interpretadas) por um corpo técnico de
julgadores, quando da eventualidade da existência do conflito (derivado da não-
compreensão dos exatos termos da norma e/ou do efetivo e intencional
descumprimento da mesma).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A SEGUNDA – A AXIOLOGIA – corresponde à inconteste existência de uma
infinidade de valores intrínsecos ao Direito, donde se destacam,
preponderantemente, os valores da justiça e da segurança.
Como ambos os valores são igualmente importantes, tratou o Direito
(originalmente, uma inconteste realidade unitária) de se ramificar, permitindo o
estabelecimento a priori de eventuais possibilidades de prevalência de um valor
sobre o outro, quando preexiste a hipótese de conflito valorativo.
Desta maneira, prevalece, em última instância, a verdade real (em nome do valor
da justiça) nas questões instrumentalizadas pelo Direito Processual Penal, ao
passo que prepondera, em última análise, a verdade ficta, formal ou presumida
(em nome do valor da segurança) nas questões (sobretudo patrimoniais)
instrumentalizadas pelo Direito Processual Civil.
A TERCEIRA – HERMENÊUTICA – indica, sobremaneira, a existente interação
funcional entre a apriorística parcela legislativa do Direito e a subsequente
parcela judiciária, responsável última pela interpretação (e aplicação, nos
eventuais conflitos) das normas jurídicas produzidas pelos representantes do
povo (na qualidade de titular do Poder Político). Muito embora o conhecimento
dessas três características basilares do Direito como ciência seja absolutamente
fundamental para o entendimento e a compreensão última do fenômeno jurídico,
é exatamente esta última característica (a hermenêutica jurídica) – e sua
indispensável e plena compreensão – o fator primordial para o completo êxito
deste objetivo, posto que tal característica atinge o âmago da concepção
estrutural do Direito.
Aliás, neste particular, cumpre assinalar, de modo veemente, que o objeto
específico (em seu sentido mais restritivo) do conteúdo dos cursos jurídicos
cinge-se, preponderantemente (se não exclusivamente) à interpretação (e
aplicação) da norma jurídica, produzida pelo legislador, e não propriamente à
caracterização originária da lei (em seu sentido amplo) ou do próprio Direito,
devendo, neste aspecto, serem afastadas, com sinérgica repulsa, quaisquer teses
(ou posições) excêntricas (e altamente controvertidas), como a do propalado
Direito Alternativo ou Direito Insurgente.

12. 2.8. Jusnaturalismo


representa a ideia que existe a uma ordem sobreposta à ordem do
Direito Positivo, esta ordem dá fundamento e legitima o direito. É uma proposta
dualista para a compreensão dos fenômenos jurídicos, que aponta para uma
fundamentação metajurídica para compreender o próprio direito.
Uma questão terminológica essencial é distinção entre Jusnaturalismo e Direito
Natural.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Eles não se confundem, o Jusnaturalismo é especificamente uma dentre as
diversas
Escolas do Direito Natural, ou melhor, o Jusnaturalismo é o chamado Direito
Natural
Contratualista. Entretanto, é permitido falar que jusnaturalismo seria todo esse
movimento desde a Grécia antiga até a idade moderna que busca fundamentar e
legitimar o direito a partir de uma ordem natural.
Primórdios do Direito Natural:
Sófocles, um dos maiores escritores trágicos, em Grécia no séc. V a.C., escreve
Antígona1. Nesta obra encontramos o primeiro registro escrito quanto ao Direito
Natural.
As Escolas do Direitos Natural e a Declaração de Direitos Humanos: como a
positivação dos direitos naturais.
Momentos do Direito Natural: três momentos
1) Antigo: Ideonômico; a ideia da justiça está fora do sujeito, o justo está na ordem
universal. Filosofia do Objeto (Grécia até Kant). Essa fundamentação clássica
encontra-se principalmente na obra de Platão e Aristóteles.
2) Medieval: Teonômico; está na vontade divina. Há um voluntarismo nesse
momento, o livre arbítrio, como uma concepção básica do cristianismo,
fundamenta a
responsabilidade do homem na escolha entre o bem e o mal. A fundamentação
divina
tudo ordena no universo. Toda essa abordagem pode ser encontrada na obra de
São
Tomás de Aquino. Haveria nesta concepção quatro ordens legais:
i) Lex Aeterna: é a própria lei de Deus. Ela não é conhecida pelo ser humano. É
a própria potência primeira, como pensava Aristóteles.
ii) Lex Naturalis: ordenação de Deus sobre todo o universo. Todas as coisas
têm uma ordem.
iii) Lex Divina: é a ordem revelada por Deus através da bíblia, é o único acesso
do homem à Lex Aeterna.
iv) Lex Humana: seria o próprio Direito Positivo. Este deve se pautar na lex
naturalis e respeitar as formas da lex divina. Condicionamento direto do direto
à igreja. O Direito Canônico surge como a única forma de direito universal
durante 1000 anos.
3) Moderno: Autonômico (própria lei), ou Contratualismo Naturalista, ou ainda,
Escola do Direito Natural ou das Gentes.
Grotius2 a Rousseau: Tanto Rousseau quanto Hobbes fundamentam o
estado no Contrato Social.
(1) Hobbes: o direito positivo decorre de um pacto social, saindo do estado
natural e entrando no Estado Civil.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


(a) Estado de Natureza: dor, desordem. O homem é o lobo do próprio
homem (Homo homini lupus).
(b) Contrato Social: possibilita o Estado Civil. O indivíduo se submete ao
Estado (Leviatã).
(2) Rousseau: o homem no Estado de Natureza é um “bom selvagem”. O
homem tem liberdade incondicionada no Estado de Natureza, mas
substitui essa liberdade, abdicando-se dela, para entrar no Estado. O
homem contrata porque tem vontade livre e racional. Aqui o homem
submete o Estado a sua vontade.
ii) Kant: nos dizeres de Edgar Godói da Mata-Machado Kant não estaria no
jusnaturalismo, mas sim em um jusracionalismo. Kant é de certo modo
legatário de Rousseau. Surge no filósofo de Königsberg a distinção entre o
Conhecer e o Agir (Razão prática). Esta Razão Prática é o fundamento de
todo o Direito, onde se encontram os imperativos categóricos.
(1) Agir: forma infinita do homem de agir de acordo com sua liberdade, seja
de pensar e de manifestar.
Do movimento do Direito Natural à positivação dos direitos:
Tércio Sampaio diz que dicotomia entre direito naturais e direito positivos foi
mitigada
com a positivação dos direitos naturais na forma de direitos humanos, estes são
os
direitos naturais positivados.
Os direitos humanos são historicamente construídos.

13. 2.9. Juspositivismo


O positivismo é um movimento de interpretação e aplicação do direito, de estudo
do direito que nasce no século XIX e tem a sua maior projeção na primeira metade
do século XX. Existem várias vertentes no Positivismo.
Uma, chamada vertente do Positivismo Normativista, cujo principal autor é
Hans Kelsen, que praticamente iguala o conceito de Estado ao conceito de
Direito. Para Kelsen não há Direito fora do Estado e esse Estado para ele é norma.
Estado não é uma instituição, mas um conjunto de normas. Só é Direito aquilo que
oficialmente emana do Estado, pelo devido processo legislativo.
Existem outras vertentes, uma das quais a mais importante é do Positivismo
Sociológico, um dos principais autores é o Norberto Bobbio, que vê o Estado
como um movimento social que, no entanto, só toma relevância a partir das
normas que são positivadas pelo Estado.
Outra, a inicial, é o Positivismo Exegético, forte na escola da exegese pós-
revolução francesa, que defendia que o juiz deveria ser simplesmente le bouche

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de loi, sem lhe ser permitido interpretar. Assim, sempre que dúvida houvesse,
deveria ele buscar a solução no próprio Direito posto, pois buscava-se uma
codificação plena e perfeita de todas as possíveis situações.
Então, a marca mais importante do Positivismo é dar um realce exacerbado à
norma produzida pelo Estado sempre e isso é o que é o mais importante na visão
positivista.

14. 2.10. Pós-positivismo


Pós-positivismo é toda proposta de repensar o direito após o movimento
positivista, que ideologicamente faliu, pois se acreditava que toda a realidade
poderia ser posta em códigos. Portanto é uma maneira de repensar o direito além
do positivismo jurídico. O pós-positivismo possibilitará o neo-constitucionalismo.

15. 2.11. Moralismo Jurídico

16. 2.12. Libertarismo

17. 2.13. Comunitarismo


Durante a década de 80, a teoria política anglo-americana foi dominada pelo
aparecimento do comunitarismo que, tendo-se desenvolvido em aberta polêmica
com o liberalismo em geral e o liberalismo rawlsiano em particular, pode ser
entendido como uma corrente de pensamento que essencialmente contesta a
insuficiência da teoria e prática liberal. Esta contestação e as respostas a que deu
lugar animaram o debate ético-político sobretudo do continente americano onde,
até então, num quadro geral de crise do socialismo, se antevia uma incontestada
hegemonia do liberalismo, na teoria e prática tanto econômica como política. O
desafio comunitarista a alguns dos axiomas liberais daria, assim, uma nova vida
ao debate dentro do liberalismo.
Ao contrário do que a designação ‘comunitarismo’ possa indicar, não é tanto
a questão da comunidade que está em causa no centro da controvérsia, mas
a forma de entendimento do sujeito liberal e da justiça ligada à distribuição
de recursos sociais. Embora seja clara a importância da comunidade como
depositária de valores coletivos que hão de conduzir a vida humana, como dizem
Cohen e Arato (1992), o que mobiliza o debate é então, por um lado, uma questão
epistemológica – a questão de saber se é possível defender uma concepção
universalista (deontológica) de justiça sem pressupor um conceito substantivo
(histórica e culturalmente situado) de bem – e, por outro, uma questão política,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


que é a de saber se o ponto de partida para a liberdade devem ser os direitos
individuais ou as normas partilhadas da comunidade.
Esta disputa entre comunitários e liberais pode ser vista como um novo capítulo
de um confronto filosófico de longa data, dado que a discussão pertence,
naturalmente, à grande tradição filosófica da oposição entre universalismo e
contextualismo, à oposição entre comunidade e sociedade, ou ao problema dos
termos da autonomia moral.

18. 2.14. Lógica do Razoável


2.14.1. Noções Preliminares acerca da Lógica do Razoável
Com o advento da lei francesa 16, de 24 de agosto de 1790, que impunha ao juiz o
dever de motivar a sentença, surgiu o interesse pela interpretação jurídica.
A Revolução Francesa, marcada pela vitória da burguesia, trouxe uma nova
tendência que tomou conta do pensamento jurídico, qual seja, a preservação dos
direitos individuais, limitados apenas pela norma, expressão dos ideais coletivos.
Se de um vértice verificou-se um extremado apego ao texto legal, no que se referia
à interpretação e aplicação do Direito (positivismo exegético), de outro, foi
imposta ao Judiciário a proibição de participar na criação jurídica, por ser
atividade exclusiva do Legislativo, como órgão representante da vontade popular.
Decorrente deste pensamento, surge a concepção mecânica da função
jurisdicional, de sorte que a sentença era considerada um ato meramente
mecânico; um simples exercício de lógica dedutiva, destituída de qualquer
elemento valorativo e alheia à realidade dos fatos.
Nesta esteira, a decisão proferida ou prolatada pelo julgador, seria então
assemelhada à construção de um mero silogismo, em que a lei seria a premissa
maior; a premissa menor, o caso concreto apresentado à apreciação; e, a
conclusão, o “decisum”.
Das transformações verificadas no seio da sociedade, motivadas sobretudo pela
Revolução Industrial e que alteraram sensivelmente as relações, surgiram
ferrenhas críticas contra essa concepção, reclamando uma melhor adequação da
lei à existência concreta, fazendo surgir novas posturas interpretativas.
Multiplicaram-se então as escolas e os métodos de interpretação, de sorte que em
1926 Recaséns Siches, professor da Universidade Nacional Autônoma do México,
frequentou um curso na Universidade de Viena, onde o professor era Fritz Schreir,
discípulo de Kelsen e Husserl. Neste curso, foi-lhe apresentada uma análise de
todos os métodos de interpretação de que se tinha conhecimento. O objetivo
básico era encontrar os critérios de eleição dos referidos métodos, mas o que

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


restou foi uma decepção, pois não havia nenhuma razão justificada, em termos
gerais, para preferir-se um método em detrimento dos outros.
É pertinente, a esta altura, ressaltar que Luís Recaséns Siches nasceu na
Espanha em 1903, onde fez os seus estudos universitários no período
compreendido entre 1918 a 1925. Não destoando daqueles jovens acadêmicos
que pretendem alçar vôos maiores, avançou além do programa curricular,
começando a desvendar, sozinho, os primeiros horizontes do pensamento
jurídico, apaixonando-se pela Filosofia do Direito.
Nos seus estudos de pós-graduação, foi discípulo de renomados mestres, como
Giorgio Del Vechio, em Roma, Rudolf Stanmmler, Rudolf Smend e Hermann Heller
em Berlim, Hans Kelsen, Felix Kaufmann e Fritz Schrgirer em Viena, que
inegavelmente eram os maiores expoentes do pensamento jurídico da época.
Inegavelmente ainda hoje, direta ou indiretamente, continuam orientando as
linhas mestras da Filosofia do Direito.
Durante o tempo em que foi professor da “Graduate Faculty” da “New School for
Social Research”, em Nova York, no período de 1949 a 1954, e da escola de Direito
da “New York University”, entre 1953 e 1954, bem como de outras universidades
norte-americanas, influenciado diretamente com o pensamento jurídico anglo-
saxão, desenvolveu algumas ideias sobre a interpretação do Direito, a dupla
dimensão circunstancial de todo Direito positivo, a lógica do humano e o caráter
criador da função judicial.
Alguns anos antes, Benjamin Cardoso, ao analisar suas experiências jurídicas, já
procurava saber quais eram os métodos que se empregava na interpretação do
Direito positivo vigente. Basicamente concluiu que primeiro se buscava a solução
mais justa e depois se preocupava encontrar, dentre os métodos de interpretação,
o que melhor serviria para justificar esta decisão.
Para superar este dilema, Recaséns Siches, então retornando às cátedras da
Universidade Nacional Autônoma do México, apresentou suas ideias em livro,
defendendo o emprego de um só método, o da LÓGICA DO RAZOÁVEL, DEFINIDA
COMO UMA RAZÃO IMPREGNADA DE PONTOS DE VISTA ESTIMATIVOS, DE
CRITÉRIOS DE VALORIZAÇÃO, DE PAUTAS AXIOLÓGICAS, QUE ALÉM DE
TUDO TRAZ CONSIGO OS ENSINAMENTOS COLHIDOS DA EXPERIÊNCIA
PRÓPRIA E TAMBÉM DO PRÓXIMO ATRAVÉS DA HISTÓRIA.
Recaséns Siches defendia então que, assim como a Ciência Jurídica, a Filosofia do
Direito não tinha condições de escolher um método ou uma tábua de prioridades
entre os vários métodos de interpretação.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Decorre daí, que a única regra que se poderia formular, com universal
validade, era a de que o juiz sempre deveria interpretar a lei de modo e
segundo o método que o levasse à solução mais justa dentre todas as
possíveis.
Defendia ele que esta atitude não se consubstanciaria em desrespeito à lei, porque
segundo seu pensamento, ao legislador cabe emitir mandamentos, proibições,
permissões, mas não lhe compete o pronunciamento sobre matéria estranha à
legislação e referente apenas à função jurisdicional. Quando o legislador ordena
um método de interpretação, quando invade o campo hermenêutico, esses
ensaios científicos colocam-se no mesmo plano das opiniões de qualquer teórico
e não têm força de mando.
É bem verdade que Alessandro Gropalli defende posição contrária, por entender
que “as normas de interpretação da lei, mais do que simples critérios dirigidos ao
prudente arbítrio dos magistrados, representam verdadeiras normas jurídicas,
que, por isso, vinculam a sua atividade lógica e vontade, indicandolhes os meios
de adotar e os fins a conseguir”.
PARA SICHES, AO CONTRÁRIO DO QUE OCORRE COM A LÓGICA DA
INFERÊNCIA, DE CARÁTER NEUTRO E EXPLICATIVO, A LÓGICA DO
RAZOÁVEL PROCURA ENTENDER OS SENTIDOS E NEXOS ENTRE AS
SIGNIFICAÇÕES DOS PROBLEMAS HUMANOS, E PORTANTO, DOS POLÍTICOS
E JURÍDICOS, ASSIM COMO REALIZA OPERAÇÕES DE VALORAÇÃO E
ESTABELECE FINALIDADES OU PROPÓSITOS.
Destarte, não interessaria ao juiz e mesmo ao legislador, a realidade pura, mas sim
decidir sobre o que fazer diante de certos aspectos de determinadas realidades,
de sorte que este método seria o correto para a função jurisdicional.
Segundo o mesmo autor, o legislador opera com valorações sobre situações reais
ou hipotéticas, em termos gerais e abstratos, de forma que o essencial em sua obra
não reside no texto da lei, mas nos juízos de valor adotados como inspiradores da
regra de Direito.
No que tange à atividade do magistrado, especialmente a sentença, é essa também
fruto de estimativa, pois o juiz para chegar à intuição sobre a justiça do caso
concreto, não separa sua opinião sobre os fatos das dimensões jurídicas desses
mesmos fatos. Pois “a intuição é um complexo integral e unitário, que engloba os
dois aspectos: ‘fatos’ e ‘Direito’.”
A este particular, o referido autor formula as seguintes observações:
primeiramente entende que a intuição do juiz acha-se embasada na lógica do
razoável e que, quando se fala que o juiz procura uma justificativa para o que

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


pressentiu intuitivamente, isto não significa que deva recorrer àquelas
pseudomotivações lógico-dedutivas, de que se serviram os juristas no século XIX,
bastando oferecer uma justificação objetivamente válida, com embasamento na
lógica do humano.
Isto faz com que a função do juiz, embora mantendo-se dentro da
observância do Direito formalmente válido, SEJA SEMPRE CRIADORA, por
alimentar-se de um amplo complexo de valorações particulares sobre o
caso concreto.
NÃO SE TRATA, CONTUDO, DE DIREITO ALTERNATIVO, MUITO MENOS DO
USO ALTERNATIVO DO DIREITO, PORQUANTO AQUI, TRATA-SE DE QUE O
JULGADOR SE VALHA, AO INTUIR A SOLUÇÃO MAIS JUSTA APLICÁVEL AO
CASO CONCRETO, DOS MÉTODOS TRADICIONAIS DE INTERPRETAÇÃO PARA
JUSTIFICAR A SUA TOMADA DE DECISÃO.
Recaséns Siches explica ainda que a estimativa jurídica informa ao intérprete
sobre quais são os valores cujo cumprimento deve ou não ser perseguido pelo
Direito, tais como justiça, dignidade da pessoa humana, liberdades fundamentais
do homem, segurança, ordem, bem-estar geral e paz. Mas há outros que podem
ser englobados no conceito do que tradicionalmente se denomina prudência:
sensatez, equilíbrio, possibilidade de prever as conseqüências da aplicação da
norma e de sopesar entre vários interesses contrapostos, legitimidade dos meios
empregados para atingir fins justos, etc.
Resta claro, então, que Luís Recaséns Siches é o catalisador, na ciência jurídica
latino-americana, das novas teorias em matéria de hermenêutica do Direito. Ao se
referir ao festejado autor, Luis Fernando Coelho assim se expressou: “estas
teorias que se afastam da silogística e da concepção subsuntiva da decisão
judicial, fundamentam-se na prudência, na equidade e no sentimento do
justo, ubicados no equilíbrio da dimensão humana, que o autor denomina o
razonable, em oposição ao racional. As decisões jurídicas, antes de serem
racionais, segundo a perspectiva lógico-subsuntiva, são razoáveis. A este
novo pensamento, vinculado à dimensão humana, é que se denomina o logos do
razoável.”
A lógica do razoável está exposta em três obras principais: “Tratado Geral de
Filosofia do Direito”, “Nova Filosofia da Interpretação do Direito” e “Experiência
Jurídica, Natureza das Coisas e Lógica do Razoável, já mencionadas em título
original nas citações anteriores.
Siches observa que em todos os casos em que os métodos de lógica tradicional se
revelam incapazes de oferecer a solução correta de um problema jurídico ou
conduzem a um resultado inadmissível, a tais métodos não se deve opor um ato

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de arbitrariedade, mas uma razão de tipo diferente, que aliás, ORTEGA Y GASSET
explica que: “razão no verdadeiro sentido, é toda ação intelectual que nos põe em
contato com a realidade, por meio da qual, deparamo-nos com o
transcendente.”(sem destaque no original) Na lição de Luís Fernando Coelho,
Recaséns Siches parte das teorias de Scheller e Hartmam, de sorte que a principal
preocupação é a conciliação da objetividade dos valores jurídicos, com a
historicidade dos ideais jurídicos, a qual decorre de cinco fatores:
“- a mutabilidade da realidade social;
- a diversidade de obstáculos para materializar um valor em determinada
situação;
- a experiência quanto à adequação de meios para materializar um valor;
- as prioridades emergentes das necessidades sociais, em função dos
acontecimentos históricos; e,
- a multiplicidade dos valores.“
Fica bastante claro que o ponto de partida para a teoria do comportamento
humano e a hermenêutica de Recaséns Siches é o seguinte fato: os homens
discutem, argumentam, pesam suas razões, ponderam, deliberam sobre os
problemas de seu comportamento prático, em debates que se travam à luz de
determinados critérios estimativos. Isto ocorre, pois os homens querem solução
para seus problemas de existência; as soluções que os homens encontraram para
o seu comportamento prático não trazem em regra, a marca da verdade, da
mentira ou da falsidade, do notoriamente errado ou certo, do absolutamente bom
ou do mau, mas que basicamente estes consideram as mais justas, convenientes,
adequadas, apropriadas, sensatas, eficazes, viáveis, prudentes, embora possam
ser opostas à verdade e ao bem.
A SOLUÇÃO, ENTÃO, É RAZOÁVEL, “NÃO IMPORTANDO SE É RACIONAL OU
NÃO, ISTO É SECUNDÁRIO; A SOLUÇÃO RAZOÁVEL É A SOLUÇÃO HUMANA,
EMBORA NEM SEMPRE RACIONAL”, COMO LUCIDAMENTE AFIRMA LUIS
FERNANDO COELHO.
Aliás, prossegue afirmando que “a lógica do racional não é a lógica toda, somente
uma parte dela, pois existe outra, a do logos do razoável”. Impende ressaltar aqui
a justeza da medida derivada desta “intuição” do julgador em cada caso concreto
submetido à sua apreciação.
Isto se explica na medida em que o que se sucede é que as leis não se aplicam
sozinhas, por si mesmas, decorrente de um mecanismo intrínseco que elas
tivessem, pois nem remotamente existe tal mecanismo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


As leis têm seu âmbito de império, dentro do qual figura um aspecto material,
relativo ao conteúdo, ou seja, cada norma jurídico-positiva se refere a uns
determinados tipos de situações, de assuntos, de fatos ou de negócios jurídicos,
sobre os quais trata de produzir especiais efeitos; efeitos que o legislador,
portanto, autor da norma, considerou justo, adequado e pertinente. Deve haver
alguém que declare qual é a norma aplicável ao caso concreto, como é aplicável
esta norma e com qual alcance. Este alguém é o juiz, na sua função interpretativa
e agora privilegiado com as cláusulas gerais, com os conceitos legais
indeterminados e conceitos legais indeterminados pela função.
Desta forma e além disto, na sua atividade jurisdicional, o julgador, indagando-se
qual a norma aplicável, não se deve guiar somente por critérios formais, mas
também, materiais. Portanto, para saber se uma determinada norma jurídica é
aplicável ou não a certo caso concreto e em que medida, deve antecipar
mentalmente os efeitos que esta aplicação haverá de produzir, como
magistralmente defende Recaséns Siches.
Isto significa dizer que tal atividade conduz à interpretação da lei, precisamente
do modo que leve a uma conclusão mais justa para resolver o problema no caso
em análise. Ao fazer isto, não significa dizer que o julgador se distancie de seu
dever de obediência ao ordenamento jurídico positivo, mas dá a este mister um
mais perfeito cumprimento, dado que o legislador, em seu labor, o faz, de regra,
com a melhor maneira possível de atender as exigências da justiça e os anseios
dos jurisdicionados.
Destarte, se o juiz ou julgador trata de interpretar tais regramentos de modo que
o resultado traga ao caso apresentado o maior grau de justiça, não faz nada além
do que se propôs o legislador. Servindo ao mesmo fim, interpretar, reconstruir
intuitivamente na sua imaginação, qual é a autêntica vontade do legislador e se os
métodos aplicáveis produzem ou não uma solução justa.
Diante de tal argumentação, atribui-se crédito a tal teoria, não somente porque é
da lavra de renomado autor, mas também porque o Direito não é algo estático,
estanque, de sorte que o seu funcionamento não pode consistir apenas numa
operação de lógica dedutiva.
É evidente que as atuais normas jurídicas, reformadoras de velhas instituições,
bem como criadoras de outras, não podem e não devem ser entendidas como
resultantes de um processo dedutivo, pois existe algo além, que é a consciência
valoradora.
Destarte, o “logos” do razoável constitui a lógica que serve ao homem. Não está
destinada a explicar, mas sim, compreender e penetrar o sentido dos objetos
humanos. Está voltada para a adequação das soluções aos casos reais, ainda que

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de forma irracional, pois assim como o próprio Direito, é fruto da concepção
humana, que tem por fim a realização de certos valores. Embora originando-se
indiretamente de fatos, transcende às fronteiras fáticas, devendo ser visto numa
noção de conjunto. Ademais, tem por objetivo a compreensão do sentido e nexos
entre as significações, a fim de realizar operações valorativas, fixando finalidades
e propósitos, pois o fato humano não se restringe apenas à causa e efeito, eis que
tem um algo a mais, um sentido.
Este sentido se explica na multiplicidade de fatores que intervêm na vida humana,
obrigando especialmente o julgador, que trata os conflitos humanos, a interpretar
os sentidos e significações legais, pois, efetivamente, verifica-se que a atividade
do legislador estava muito apartada da realidade.
Com o advento deste novo Código, a despeito de algumas fundadas críticas, outras
desprovidas de suporte, podemos perceber a intenção do legislador, certamente
influenciado pelo culturalismo de Miguel Reale, de tentar aproximar mais a sua
função legislativa e a jurisdicional, dos anseios dos jurisdicionados.
Nem se discute da possibilidade, como defendem alguns autores, de que o
legislador somente labora para o futuro, como norte ou referencial para a
sociedade, pois em muitos casos encontramos injustificáveis equívocos.
Evidentemente, ainda que a regra ditada no artigo 3º da Lei de Introdução ao
Código Civil15 esteja a serviço da segurança das relações, em muitos casos isto
não coaduna com a realidade e com o caso concreto pendente de julgamento, em
que a aplicação do texto da lei poderia conduzir a uma injustiça, não sendo
destarte “razoável”.
Nesta esteira, isto comportaria uma hipótese: suponhamos um indivíduo que
sempre viveu em uma região da selva amazônica, com parcos recursos e raros
contatos com aquelas comunidades ribeirinhas, onde precariamente aprendeu a
“desenhar” seu próprio nome. Este indivíduo é preso em flagrante ao derrubar
determinada espécie de árvore para fazer uma canoa, imitando o que sempre viu
seu avô e seu pai fazerem. Em um país de dimensões continentais como este,
composto em grande parte de sua população, de analfabetos ou semi-analfabetos,
seria “justa” sua reclusão, dado o fato típico praticado? O mesmo não poderia
acontecer com um indivíduo no sertão nordestino? Será que todos os
profissionais do Direito, seus operadores, têm pleno conhecimento de todas as
disposições editadas em sede de Medidas Provisórias?
Ao que parece, o legislador pátrio, quando da elaboração da regra constante no
artigo 14, inciso I da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


meio ambiente, teve tal preocupação, ao “intuir” que no caso concreto poder-se-
ia verificar tal situação. Tanto é verdade, que a regra está assim disposta:
“Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:
I – baixo grau de instrução ou escolaridade do agente.”
Aliás, tal medida somente vem a roborar o que já estava consagrado na âmbito do
Direito Penal, no tocante à figura do Erro sobre a ilicitude do fato, explicitada no
artigo 21 do Código Penal vigente:
“Art. 21 O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,
se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um
terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a
consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
atingir essa consciência.”
Ora, da mesma forma já abordada no tocante ao comentário do artigo 3º da
Lei de Introdução ao Código Civil, o agente não pode pretender se livrar da
responsabilidade penal, alegando simplesmente que ignorava a lei, pois
para a segurança do sistema jurídico-penal, quando a lei entra em vigor,
pressupõe-se ser conhecida por todos. Daí o período destinado à sua
divulgação. Entretanto, é inegável que o legislador penal não se colocou em
posição de cometer possíveis injustiças, porque dentro de sua atividade, ao
que se nos parece, não desconheceu ou desconsiderou a nossa realidade
social, reafirmando o objeto de sua “intuição”, na regra do artigo 65 do mesmo
diploma legal:
“Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - .....
II – o desconhecimento da lei.“
Evidentemente que a segurança das relações não pode coadunar com a simples
alegação de desconhecimento, mas em casos especiais, pode-se conduzir a
verdadeira injustiça. Muito certamente, o legislador mexicano debruçou-se sobre
sua realidade, sobre seus problemas sociais, reconheceu as deficiências e deu
margem ao julgador, de que em certos casos, poderia consultar o Ministério
Público e aplicar à situação, a medida justa e razoável.
2.14.2. A Lógica do Razoável e a Interpretação
A interpretação das normas jurídicas incluem a referência a princípios
axiológicos e a critérios valorativos, os quais muitas vezes não estão

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


expressos no texto da lei, o que resulta dizer, que um ordenamento jurídico
positivo não tem como funcionar, atendendo-se única e exclusivamente ao
que nele está formulado.
Destarte, torna-se mister recorrer a princípios ou critérios, que embora não
formulados explicitamente, são necessários, na medida em que o texto legal deva
ser interpretado em função do propósito para o qual fora emitido, sempre com
relação ao sentido e o alcance dos fatos particulares em relação à norma.
Desta forma, a interpretação apenas literal, além de absurda, torna-se sem
sentido, pois se está buscando uma interpretação, esta nunca poderá ser literal,
ainda que realcemos a importância do caráter semântico como elemento
facilitador de acesso à correta via de interpretação.
Não fosse somente por este particular, temos ainda que o sentido das
palavras empregadas pode ser delimitado, de sorte que por mais que o
legislador se esforce, na qualidade de transmissor, o receptor jamais
conseguirá fixar de modo preciso, o sentido claro e inequívoco das palavras
empregadas, o que se deve basicamente à plurisignificação das palavras e
também à mudança de sentido que estas sofrem através dos tempos.
Assim, Recaséns Siches aponta que o sentido de uma palavra ou frase, sobretudo
nas normas jurídicas, nunca está terminantemente definido nem completo. Muito
pelo contrário, seu significado existe somente em relação com a singular realidade
do problema humano prático sobre o qual deva operar.
Como o legislador ou o órgão jurisdicional, ao usar palavras e frases, dá o sentido
atual que elas têm na cultura de seu país, deve o julgador usar da atividade criativa
do espírito para julgar com propriedade.
2.14.3. A Lógica do Razoável e a Função Legislativa
Como já mencionado alhures, na atividade de elaboração da norma, o legislador
tem diante de si um enorme leque de opções e, por certo, deve escolher a que
melhor se ajuste aos propósitos eleitos, no sentido de melhor adequação ao fato
social gerado no seio da sociedade, que “requeira” e que justifique a sua
formulação.
Impende esclarecer que o termo “requerer” adredemente destacado, está
intimamente ligado àquela crítica de que o legislador, em várias situações, estaria
apartado da realidade.
Destarte, delimita então o campo axiológico, e, aplicando a Lógica do Razoável,
deverá eleger valores que interessem ao mundo jurídico. É bem verdade que
existem alguns valores, como os religiosos, entendidos como de superior

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


hierarquia, que se realizam espontaneamente. Somente a título de ilustração,
mister se faz mencionar que os valores estéticos, tidos como de menor hierarquia,
como o estabelecer distinção entre o belo e o feio, não são relevantes.
O que importa ressaltar é que não se deve cogitar de hierarquia entre valores, pois
este não é um critério a ser seguido pelo legislador. A Justiça sim é um valor que
sempre deve inspirar o legislador, já que entre outras funções, ao Direito se
designa a incumbência de garantir a realização de alguns valores e prestigiar
outros para a garantia da paz social.
Resulta disto que a atividade legislativa deve estar impregnada de critérios
valorativos, mas que não podem ser fornecidos pela lógica formal, mas sim, pela
lógica do humano, pela Lógica do Razoável.
2.14.4. A Lógica do Razoável e a Função Jurisdicional
Como visto no item retro, o legislador opera com valorações sobre os tipos de
situações reais ou hipotéticas, valorações sobre gêneros ou espécies de situações,
enquanto o Juiz, na sua atividade jurisdicional, completa a obra do legislador. Isto
porque em vez de avaliar os tipos de situações em termos de gênero e espécie,
avalia as situações individuais em termos concretos. Torna-se evidente então a
incontestável diferença entre a operação do julgador e a do legislador, pois o
essencial na atividade do primeiro não é necessariamente o texto da lei.
A despeito de colocado no presente opúsculo, de uma maneira bastante sintética,
Recaséns Siches elabora um esquema das situações em que pode o juiz se
encontrar, no mister de sua tarefa de prestação da tutela jurisdicional, elaborando
a norma individualizada, encontrada de maneira clara e precisa, também na
monografia de Lídia Reis de Almeida Prado:
“Situação 1 - Aparentemente existe uma norma vigente, aplicável ao caso em
julgamento, de modo a lhe produzir uma solução satisfatória. Mas, mesmo nesta
situação, o magistrado realiza uma série de juízos axiológicos: para encontrar a
norma, para apreciar a prova e qualificar os fatos, e para adequar o sentido
abstrato e geral da norma à significação concreta do caso controvertido;
Situação 2 - Há dúvida sobre a qual das normas de mesma hierarquia, mas de
conteúdo diferente, deve ser aplicável ao conflito. Em tal hipótese, além das
valorações referidas na "situação 1", o juiz, após analisar os resultados que cada
uma dessas normas produziria, deve escolher aquela que conduz a uma solução
mais justa;
Situação 3 - À primeira vista, o juiz, por se deixar influenciar por nomenclaturas e
conceitos classificatórios contidos numa norma, pensa estar diante da regra que
cobre o caso. Mas quando ensaia mentalmente a aplicação desta à controvérsia

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


sub judice, percebe que a aplicação de tal norma à espécie, levaria a uma
conseqüência diversa ao resultado a que a norma propõe, ou seja, contrária aos
efeitos que o legislador pretendeu ou que teria pretendido se tivesse em vista a
controvérsia concreta da questão. Em tal circunstância, o juiz deve afastar a
norma aparentemente aplicável à espécie e considerar-se diante de um caso de
lacuna.
Situação 4 - Por mais que o juiz investigue, não contém o Direito positivo vigente
uma norma aplicável ao caso. Nessa situação, dá-se uma autêntica hipótese de
lacuna.”
Após a apresentação dessas situações, Siches adverte serem frutíferas para
análise das situações "3" e "4", algumas considerações sobre a equidade, que serão
feitas no próximo item.
Como o processo de produção do Direito não se encerra com a promulgação
da lei, mas sim no momento de sua individualização, que é a fase concreta,
pode-se afirmar que esta é a mais importante. Mesmo não se verificando
lacunas e contradições na lei, o órgão jurisdicional, no momento de julgar o caso
concreto a si apresentado, valora as provas e fatos aos autos carreados,
qualificando-as de maneira jurídica e adaptando-as ao geral e abstrato sentido da
lei. Isto o faz, porque ao se deparar com leis contraditórias, deverá optar por uma
ou outra, e pautar-se por critérios de justiça, antecipando mentalmente os efeitos
que da aplicação da norma advirão e verificar se tais efeitos estão de acordo com
os propósitos da lei. Nada mais lógico e razoável do que isto.
2.14.5. A Lógica do Razoável e a Equidade
A equidade deve ser considerada em toda extensão possível do termo e liga-se a
três acepções intimamente correlacionadas no dizer de Alípio Silveira, e que são
as seguintes:
a) latíssima, o princípio universal da ordem normativa, a razão prática
extensível a toda conduta humana como religiosa, moral, social, jurídica e
outras, que configura-se como uma suprema regra de justiça a que os
homens devem obedecer;
b) lata, confundindo-se com a ideia de justiça absoluta ou ideal, com os
princípios de Direito, com a ideia do Direito, com o Direito natural em todas
as suas significações;
c) estrita, o ideal de justiça enquanto aplicado, ou seja, na interpretação,
integração,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


d) individualização judiciária, adaptação, etc. Sendo, nessa acepção empírica,
a justiça no caso concreto.
A equidade, segundo Agostinho Alvim, classifica-se em legal e judicial. Na
primeira, seria a contida no texto da norma, que prevê várias soluções, por
exemplo, o artigo 10, §§ 1º e 2º, da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977.
Torna-se evidente que ainda antes do advento do atual Código, o juiz ao aplicar
tal preceito em benefício das partes, sempre averiguava certas circunstâncias,
como idade dos filhos, inocência ou não dos pais, e outras. Todavia, em todas estas
situações, vê-se claramente um standard jurídico, e que “há um apelo à equidade
do magistrado, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, em face das
diretivas jurídicas”, no dizer de Limongi França.
Na segunda concepção do aludido autor, a judicial, podemos dizer que é
aquela em que o legislador permite, explícita ou implicitamente ao julgador,
no caso concreto, como no caso do artigo 1040, IV do Código Civil de 1916, que
antes da revogação promovida por força da Lei 9.307/96, consistia na
autorização, dada aos árbitros para julgarem por equidade, fora das regras e
formas de direito.
Dos requisitos que Limongi França aponta, o que mais ressalta aos olhos quanto
à pertinência deste trabalho, é no que tange à omissão, defeito ou acentuada
generalidade da lei.
A equidade é tradicionalmente vista como um método para colmatar, para
corrigir a lei em sua aplicação ao caso concreto, daí, a advertência de
Recaséns Siches no sentido de ser indispensável a restauração da autêntica
perspectiva de equidade, que foi mostrada, entre outros, por Aristóteles e
Cícero.
Para Aristóteles, a equidade consistia na expressão do justo natural em
relação ao caso concreto, sendo superior ao justo legal. Em outras palavras,
a equidade é o autenticamente justo a respeito do caso particular.
Observava Aristóteles que o erro resultante da aplicação da fórmula geral da lei a
casos particulares diferentes dos habituais por ela previstos, não é um erro que
tenha praticado o legislador, não é um erro que esteja na lei mas algo que decorre
da natureza das coisas, porque a lei só pode reger universalmente.
Segundo Cícero, equidade não consiste em corrigir a lei na aplicação desta a casos,
mas sim, na sua exata aplicação, precisamente de acordo com as verdadeiras
vontades do legislador, acima da imprecisão das palavras.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O que Siches extrai dos ensinamentos de Cícero e Aristóteles é que o legislador
elabora suas normas gerais tendo em vista as situações habituais. Quando se
tratar de um caso que não pertença a esse campo de situações, como quando o
caso se apresenta como um tipo diferente daqueles que serviram de motivação na
elaboração da lei ou, se a aplicação da regra genérica ao caso produzir resultados
opostos àqueles a que se propôs, então deve-se considerar aquela regra como não
aplicável à espécie. E se não há, na ordem jurídico-positiva, outra norma que sirva
para resolver satisfatoriamente o caso, o juiz deve considerar-se como se
estivesse diante de uma hipótese de lacuna.
Isto ocorre porque o problema de se decidir se uma norma jurídica é ou não
aplicável a um determinado caso concreto, não se resolve por procedimento de
lógica dedutiva. Ao contrário, é um problema que se pode solucionar somente por
ponderação e estimativa dos resultados práticos que a aplicação da norma
produziria em determinadas situações reais.
Siches conclui que correto é o caminho de se considerar a equidade como
um "procedimento-adaptação" das normas jurídicas aos casos práticos,
conjugando-as com as cambiantes necessidades da vida. No dizer de Lídia
Reis de Almeida Prado, a equidade não é um método de interpretação, mas o meio
de interpretação, pois foi um antecedente, um pressentimento do "logos" do
razoável em matéria da interpretação das normas jurídicas.
Maria Helena Diniz, supeditando-se em Recaséns Siches, afirma que a equidade
aparece na aplicação do método histórico-evolutivo no que pertine a
interpretação do Direito, pois preconiza a adequação da lei às novas
circunstâncias e do método teleológico, que requer a valoração da lei a fim de que
o órgão jurisdicional possa acompanhar as vicissitudes da realidade concreta.
Desta forma, pela equidade, compreendem-se e estimam-se os resultados práticos
que a aplicação da norma produziria em determinadas situações fáticas; se o
resultado prático concorda com as valorações que inspiram a norma em que se
funda, tal norma deverá ser aplicada. Todavia, se ao contrário, a norma aplicável
a um caso singular produzir efeitos que viriam a contradizer as valorações,
conforme as quais se modela a ordem jurídica, então indubitavelmente, tal norma
não deve ser aplicada a esse caso concreto, o que resulta dizer que a equidade está
consagrada como elemento de adaptação da norma ao caso concreto.
Na leitura, ainda que perfunctória da regra ditada no artigo 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil, vê-se claramente que é possível corrigir a inadequação
da norma ao caso concreto. Destarte, a equidade seria uma válvula de segurança
que possibilita aliviar a tensão e a antinomia entre a norma e a realidade, a revolta
dos fatos contra os códigos.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Por derradeiro a este tópico, convém ressaltar a posição de Vicente Ráo que
apresenta três regras que devem ser seguidas pelo magistrado ao aplicar a
equidade:
“a) por igual modo devem ser tratadas as coisas iguais e desigualmente as
desiguais;
b) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, coisa
ou pessoa, ou que, no tocante a estas, tenham importância, ou sobre elas exerçam
influência, devem ser devidamente considerados;
c) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais humana, por ser a que
melhor atende à justiça “.(sem destaque no original)
A equidade, então, confere um poder discricionário ao magistrado, mas não
uma arbitrariedade. É uma autorização de apreciar, segundo a lógica do
razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador,
estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou singular. Um
poder conferido ao julgador para revelar o direito latente. Ora, como valer-
se da equidade, aplicando-se a lógica do razoável, sem considerarmos o poder de
intuição do julgador?
2.14.6. Aplicações Práticas
As aplicações em casos práticos são da mais variada natureza possível. Não
somente naqueles casos já suscitados, que de certa forma contestam a regra ou
aplicação do artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil mas que
diuturnamente ocorrem.
Com específica relação aos negócios jurídicos, podemos arrolar como grandes
exemplos, ainda que outros possam ser alinhados, todas as disposições
constantes do Livro III, Título I, Capítulo IV, dos defeitos dos negócios jurídicos. É
que os efeitos reflexos destas patologias podem ser causa de extremada injustiça
se o julgador se descuidar das considerações alinhadas neste trabalho e, em
alguns casos, aplicar a norma positivada como está e declarar a nulidade ou a
anulação de um negócio defeituoso.
É ainda possível destacar dentre estes, os artigos 156 e 157 e respectivos
parágrafos, pois o leitor poderá perceber a imensidão de situações conseqüentes
da falta de razoabilidade. Aliás, esta foi a impressão digital do legislador: faltou
com a razoabilidade nestas específicas disposições. A despeito dos elogios que são
merecedores os aludidos artigos, não podemos nos furtar à crítica, dadas as
omissões que também são resultantes, como a previsão do parágrafo segundo do
157, inexistente no artigo 156.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Com base nestas ponderações, espera-se que a razoabilidade oriente o julgador
no instante de analisar o caso submetido à sua apreciação e que os conceitos de
“grave dano” e onerosidade excessiva sejam realmente verificados no negócio
jurídico, eis que a norma do artigo 171 determina a sua anulação. Todavia, talvez
em algumas situações, o melhor mesmo não seria retira-lo do mundo jurídico, mas
sim promover medidas que equilibrem a relação jurídica e atenuem a
onerosidade para patamares aceitáveis de acordo com a função social do contrato.
Demais disto, como esperar que o julgador atinja a percepção da intenção da
vontade prevista no artigo 112 do vigente Código, sem uma atividade intuitiva e
razoável? Como detectar e aplicar o preceito de boa-fé explicitado no artigo 113?
Será que no caso em concreto a atividade interpretativa, acerca do que seria
“pessoa de diligência normal” é algo que não exige uma maior cautela e que a falta
de razoabilidade não poderia conduzir à injustiça?

19. 2.15. Teoria da Argumentação Jurídica13


2.15.1. Introdução
É comum, ao sermos iniciados no mundo jurídico, ouvirmos e idealizarmos a
figura do operador do Direito, como aquele profissional capaz de articular com
perspicácia o sistema normativo com as minúcias de cada caso concreto. Como se
o conhecimento amplo dos recursos oferecidos pelo ordenamento jurídico desse
conta da complexa dimensão das relações humanas. Não basta sermos
operadores do Direito, devemos ser “pensadores do Direito”. Temos que ser
capazes de medir os efeitos de nossas ações perante o mundo e a responsabilidade
que decorre delas. Pensar o Direito envolve o ato de articular o pensar com a ação
argumentativa no mundo que expressa a reflexão, e por isso o exercício do Direito
está intimamente ligado à argumentação. Esse processo demanda uma dialética
constante do jurista com a realidade social e, de modo geral, aqueles que
conseguem desenvolver essa aptidão são frequentemente reconhecidos por sua
sabedoria e respeito à função social do Direito.
A argumentação é uma atividade indispensável ao Direito, sem ela a própria base
principiológica dos ordenamentos jurídicos estaria em ameaça. Os juízes, em
geral, e principalmente as cortes constitucionais estariam fadados a
cumprir dogmaticamente a Lei, e haveria um retrocesso ao método clássico
da Escola da Exegese que permitia apenas uma interpretação literal. Os
princípios constitucionais e o próprio funcionamento do Direito estariam

13
Extraído do texto: “A Teoria da Argumentação Jurídica como controle de racionalidade: breves considerações acerca
de sua viabilidade”, de Adílson Silva Ferraz.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


mitigados se não fosse possível conferir boas razões para lhes servir como
fundamento ao serem reivindicados os direitos.
A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA SURGE NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XX COM O OBJETIVO DE PROPOR MECANISMOS DE CONTROLE
SOBRE A RACIONALIDADE DO DISCURSO JURÍDICO, POSSIBILITANDO QUE
AS DECISÕES JURÍDICAS SEJAM PAUTADAS POR CRITÉRIOS SEGUROS
FRENTE À COMPLEXIDADE DOS CASOS CONCRETOS. Em contraposição
àqueles que defendem a pós-modernidade, a Teoria da Argumentação Jurídica é
uma retomada à crença na racionalidade iluminista e, como observaremos, possui
algumas deficiências. O nosso objetivo é realizar uma análise sucinta da evolução
deste ramo ainda recente da filosofia do Direito e posteriormente expor críticas a
esse modelo de racionalidade, visando ao aprimoramento e ao surgimento de
novas alternativas. Após esta breve introdução, adentremos no cerne das
reflexões que pretendemos desenvolver.
2.15.2. A Teoria da Argumentação Jurídica como Controle de Racionalidade
A racionalidade jurídica pode ser analisada sob diversos enfoques convergentes,
entre eles a questão da produção do Direito, o que remete à questão da
democracia e do Estado de Direito, bem como a discussão sobre a mudança de
paradigma empreendida pela filosofia da linguagem, o que nos leva à Teoria da
Argumentação Jurídica. Os autores que acabaram por construir o modelo padrão
de Teoria da Argumentação Jurídica atual (Viehweg, Perelman, Maccormick,
Alexy, Aarnio, Habermas, etc.) acreditam no poder emancipatório da Razão, são,
portanto, herdeiros do iluminismo. O debate se acentua quando os pós-modernos
negam a utilidade desse tipo de teoria, pois a falência do discurso moderno teria
trazido uma incredulidade em relação às metanarrativas, ou seja, nem a Razão, a
religião, a política, a moral, a ciência, a arte e quaisquer sistemas totalizantes
poderiam solucionar a condição fragmentada em que se encontra a
humanidade14. A atualidade se caracterizaria pela consumação da capacidade
crítica do sujeito (redução dos espíritos) e pela extinção das formas filosóficas que
serviam de referência para pensar o estar-no-mundo. Apesar das variadas
críticas, a teoria da argumentação jurídica continua em plena expansão e se
destaca pela interdisciplinaridade, ao envolver diversos ramos do conhecimento
em suas discussões.
De forma sucinta, a função da Teoria da Argumentação Jurídica é evitar
arbitrariedades nas decisões jurídicas, oferecendo respostas para a questão
das várias possibilidades de aplicação do Direito, explicitada desde Kelsen na
sua Teoria Pura do Direito. O pensador da Escola de Viena falava em uma
indeterminação do sujeito frente aos seus atos jurídicos, ou seja, a possibilidade

14
Pós-modernidad aqui tratada nas vertentes do ceticismo e do existencialismo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de escolher entre vários caminhos de fundamentação, interpretação e soluções
diferentes15. O Direito formaria uma moldura dentro da qual estariam contidas as
várias possibilidades de aplicação. Portanto, o grande problema da metodologia
jurídica atualmente é garantir que as decisões jurídicas sejam fundamentadas
racionalmente mesmo quando o Direito positivo não oferece uma solução
imediata e satisfatória para o caso concreto.
Há ainda outro aspecto relevante, o Direito não é uma ciência empírica. Alguns de
seus ramos sim, como a Sociologia do Direito, a História do Direito e a
Criminologia. Nas ciências naturais, o objeto de estudo é extensional, pode ser
mensurado, pesado, verificado pela experiência sensorial. Já a Ciência do Direito
trata da norma, do dever-ser, de modo que a dogmática jurídica envolve conceitos,
regras e princípios na solução das suas controvérsias. Mas se a Ciência jurídica
não engloba verificação empírica, quais seriam seus critérios de verdade e
segurança? Seria preciso desenvolver cada vez mais mecanismos que permitam a
ação dos juristas em função de uma técnica objetiva e que possibilitem maior grau
de imparcialidade na produção e na aplicação do Direito.
Os melhores candidatos para essa função seriam os cânones do Direito (métodos
de interpretação), mas da sua utilização decorrem algumas dificuldades. Os
resultados poderiam variar a depender do intérprete, há muitos cânones e não há
hierarquia entre os mesmos. Apesar das deficiências, os cânones apresentam uma
lógica interna importante para as decisões jurídicas. A Tópica, com seus catálogos
de Topoi, e a Nova retórica, de Chäim Perelman, representaram um avanço, mas
não atingiram uma solução adequada por não estabelecer procedimentos seguros
quanto aos resultados e por não dar a devida importância para os elementos
formais do ordenamento jurídico, enquanto um sistema dinâmico de normas
produzido pelo Estado. Dessa forma, critérios mais sólidos são necessários para
resolver casos jurídicos quando, mais do que a dogmática jurídica, é utilizada a
razão prática em detrimento da irracionalidade dos nossos impulsos, emoções e
interesses.
O caso Elmer (Riggs versus Palmer), citado por Dworkin, demonstra bem a
dificuldade em manter uma fundamentação racional frente a casos controversos
(hard cases). Elmer assassinou o avô por envenenamento em Nova York, em 1882.
Sabia que o testamento deixava-o com maior parte dos bens do seu avô e
desconfiava que o velho, que voltara a se casar havia pouco, pudesse alterar o
testamento e deixá-lo sem nada. O crime de Elmer foi descoberto e ele foi
considerado culpado e condenado a alguns anos de prisão. Estaria ele legalmente
habilitado para receber a herança que seu avô lhe deixara no último testamento?
A lei de sucessões da época não explicitava nada sobre o direito de herança na

15
Kelsen entendia que o ato de interpretar era um ato de vontade, e não de conhecimento.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


hipótese de o herdeiro assassinar o testador. A maioria dos juízes da mais alta
Corte de Nova York decidiram em acordo com a lei, o único voto dissidente foi do
juiz Gray, que defendia que o testador teria conhecimento e assumiu a
responsabilidade por todas as cláusulas do testamento ao estipulá-las. Além disso,
se Elmer perdesse a herança por causa do assassinato, estaria sendo duplamente
punido por seu crime (bis in idem). Esse tipo de caso controverso não é
incomum e revela como é complexo decidir quando há conflito entre a
esfera jurídica e a moral, pois o senso de equidade não só se revela em
seguir princípios corretos, mas também em aplicá-los de forma imparcial,
considerando-se todas as circunstâncias especiais, de modo que não é
possível abdicar da moralidade, da ética (razão prática).
Enquanto perdurou a visão positivista de raciocínio jurídico própria da exegese,
as decisões judiciais eram consideradas uma simples operação dedutiva de
subsunção, devendo a solução ser alcançada unicamente segundo o critério da
legalidade, sem levar em consideração o seu caráter de razoabilidade. A
concepção positivista tinha como consequência negar o papel da lógica, dos
métodos científicos e do uso prático da razão, rompendo a tradição aristotélica
que admitia a sua utilização em todos os domínios de ação. No século XX, com o
resgate da tradição retórica e em virtude da mudança de paradigma empreendida
pela linguistic turn, foi reconhecida a importância do desenvolvimento de uma
teoria da argumentação jurídica. Essa necessidade é ainda mais premente, já que
a complexidade, função e estrutura do Direito se diferenciam de outros
fenômenos sociais justamente porque a prática jurídica é essencialmente
argumentativa. A seguir, analisaremos mais detalhadamente dois modelos de
Teoria da Argumentação, desenvolvidos por Jürgen Habermas e por Robert Alexy.
2.15.3. A Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas
Introduzindo em 1981 uma nova visão a respeito das relações entre a linguagem
e a sociedade, Habermas publica “Teoria da Ação Comunicativa”, aquela que é
considerada sua obra mais importante. Nessa obra o filósofo alemão demonstra
sua capacidade de dialogar com desenvoltura com as diversas correntes
filosóficas e científicas. Quanto à crítica à sociedade moderna, assume um
caminho próprio em relação aos filósofos da Escola de Frankfurt, desenvolvendo
uma teoria comunicativa calcada num procedimento discursivo que
prescreve a igualdade entre os sujeitos, de modo a precaver a alienação e a
dominação. Os escritos de Habermas foram marcantes na formulação de uma
teoria do discurso prático racional geral e posterior elaboração da Teoria da
Argumentação jurídica. Para os fins do nosso estudo, destacaremos sucintamente
alguns aspectos da sua teoria do discurso e a sua relação com a construção da
democracia através do consenso.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A Teoria do Discurso de Habermas explica a legitimidade do Direito com auxílio
de regras e pressupostos de comunicação que são institucionalizados
juridicamente, os quais permitem concluir que os processos de criação e de
aplicação do Direito levam a resultados racionais.
Ora, para Habermas, a prática da linguagem serve como garantia da
democracia, uma vez que a própria democracia pressupõe a compreensão
de interesses mútuos e o alcance de um consenso. Assim, O CONSENSO
SOCIAL DERIVA DA AÇÃO COMUNICATIVA, ou seja, uma orientação que
responde ao interesse por um entendimento recíproco e pela manutenção
e proteção de uma intersubjetividade permanentemente ameaçada no
mundo da vida. A prática da ação comunicativa objetiva resgatar da razão a sua
verdadeira função social, já que, “no curso da modernização capitalista, o
potencial comunicativo da razão é simultaneamente desdobrado e deformado.”
Nem sempre a ação é voltada para o entendimento e na maioria das vezes se
reveste de estratégias (ação estratégica) visando a outros fins, envolve uma
comunicação distorcida ou é impossibilitada pelas características físicas e
psíquicas dos sujeitos.
O discurso pressupõe a argumentação, a participação de atores que se comunicam
livremente e em situação de simetria. Habermas reconhece que uma ética
formada com base no consenso discursivo é quase inalcançável, porém, não
impossível. Dessa forma, os pressupostos da racionalidade comunicativa
serviriam como uma idéia reguladora de uma ética pragmática.
Habermas fornece dois princípios que são complementares e orientam a
argumentação no sentido ético. O primeiro é chamado de “PRINCÍPIO DO
DISCURSO”, representado por (D), o qual é colocado como uma condição anterior
ao discurso. De acordo com (D): “São válidas as normas racionais às quais todos
os possíveis atingidos poderiam dar seu assentimento, na qualidade de
participantes de discursos racionais.” Ou seja, só são válidas as normas que
puderem ser assentidas por todos os participantes do discurso. Habermas é
radical em afirmar que só sob essa condição é que as normas (jurídicas ou morais)
provenientes do discurso são válidas. A adesão de todos significa também a sua
participação integral na produção da norma, o que torna qualquer um competente
para resgatar a sua pretensão de validade para assegurar a obediência.
Enquanto o princípio (D) se refere ao processo de elaboração da norma, o
princípio (U) refere-se às consequências de sua realização. Esse princípio não tem
conteúdo como uma norma positivada, pois esta é uma tarefa histórica de cada
sociedade. Tem o objetivo de ser apenas o método, o procedimento pelo qual as
normas advindas do discurso são justificadas. Esse princípio de regulação da ética
é chamado de (U), ou “PRINCÍPIO DE UNIVERSALIZAÇÃO”. Seguindo um critério

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de fundamentação da ética segundo normas, a correção das ações entre os
sujeitos diz respeito à retitude dessas ações em relação às normas vigentes. O
princípio (U) informa que “Qualquer norma válida deve satisfazer a condição de
que as consequências e os efeitos colaterais, que resultarem previsivelmente da
sua observância geral para a satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos,
possam ser aceitos sem coação por todos os afetados.” Esse princípio expressa a
idéia de uma fundamentação discursiva da ética, informando que só podem
reclamar validez das normas que encontrem ou possam encontrar assentimento
de todos os participantes do discurso. Uma norma que não satisfaça essa condição
não é uma norma moral ou válida. Uma norma justificada por esse processo é uma
norma boa para todos os envolvidos. O que determina o caráter moral de uma
norma de ação é que ela possa ser aceita como justa por qualquer um que a
analisasse. A aceitação sobre a decisão tem que ser compartilhada não pela
maioria, mas sim por todos. Assim, age moralmente quem age de acordo com uma
norma que foi fruto de um procedimento de universalização dessa conduta,
decorrente do consenso de uma comunidade ideal de comunicação.
É na sua obra de 1992, intitulada “Direito e Democracia: entre Facticidade e
Validade”, que Habermas tenta unir a sua teoria discursiva ao Direito. Até esse
livro, não havia conferido ao Direito um papel central na sua teoria, limitando-se
a examinar indiretamente o seu desenvolvimento histórico tendo a racionalidade
como parâmetro. A grande questão que Habermas tenta solucionar é: como o
Direito pode ser legítimo recorrendo apenas à própria legalidade? O Direito
seria uma amálgama entre facticidade e validade, entre o mundo da vida e
o sistema, impedindo a colonização do primeiro pelo segundo. Afirma ainda
que as ordens jurídicas modernas não podem tirar sua legitimação senão da idéia
de autodeterminação, com efeito, é necessário que os cidadãos possam conceber-
se a qualquer momento como os autores do Direito ao qual estão submetidos
enquanto destinatários. A tese defendida por Habermas é a de que não se pode
supor que a fé na legalidade de um procedimento legitime-se por si mesma, pois
uma correção processual das etapas de formulação do Direito aponta para a base
de validade do Direito. Então, o que dá força à legalidade é justamente a certeza
de um fundamento racional que transforma em válido todo ordenamento jurídico.
Mas como pode a legitimidade surgir da legalidade? Somente à medida que a
legalidade é resultado da criação discursiva e reflexo da opinião e da vontade dos
membros de uma comunidade jurídica. De acordo com Habermas, a pergunta pela
legitimidade da ordem legal não obtém resposta adequada quando se apela para
uma racionalidade jurídica autônoma, isenta da moral. Para Max Weber, as ordens
estatais ocidentais seriam desdobramentos da “dominação legal”, do uso legal da
força. A legitimidade conferida à legalidade advém da fé nas formas jurídicas
independentemente da tradição ou do carisma. Weber introduziu um conceito
positivista de Direito, segundo o qual o Direito é aquilo que o legislador,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


legitimado ou não, produz como norma através de um processo
institucionalizado. Isso significa que o Direito tem uma racionalidade própria que
independe da moral. Habermas discorda dessa posição afirmando que o
Direito é moral na medida em que é produzido sob as condições de uma
argumentação racionalmente moral. A legitimidade pode ser obtida através
da legalidade, na medida em que os processos para a produção de normas
jurídicas são racionais no sentido de uma razão prático-moral
procedimental16. Não há uma identificação intrínseca entre legalidade e
legitimidade, de modo que a legalidade não produz legitimidade de per si.
Somente uma legalidade legítima produz legitimidade, ou seja, a legitimidade é
resultante do entrelaçamento entre os processos jurídicos e uma argumentação
moral que obedece à sua própria racionalidade procedimental (Discurso). Assim,
para Habermas, só tem sentido falar em legitimidade da legalidade à medida que
a juridicidade se abre e incorpora a dimensão da moralidade, estabelecendo assim
uma relação com o Direito que, ao mesmo tempo, é interna e normativa. Em
síntese, só é legitima a legalidade circunscrita em uma racionalidade cujo
procedimento se situa entre processos jurídicos e argumentos morais.
O Direito não seria um sistema fechado em si mesmo, o que possibilita uma
abertura, inevitável, aos discursos morais. Dentre os princípios do Direito
moderno, há em grande parte os princípios morais, que possuem uma dupla
estrutura: ao mesmo tempo em que são morais, foram incorporados ao sistema
jurídico por meio da positivação. A segunda questão que ele procura responder é:
A moral é capaz de garantir a integração da sociedade? Habermas procura aliar a
moralidade com a segurança jurídica, e essa abertura do Direito à Moral significa
uma incorporação da moral à própria racionalidade procedimental. Um dos
pontos mais conflituosos da teoria de Habermas é justamente a ética do discurso.
Chega à conclusão de que um discurso que gera as normas entre os indivíduos
calcado apenas na moral (Razão Prática) não é capaz de garantir as pretensões de
validade do discurso e é por isso que atribui ao Direito o papel de intervir como
Medium, estabilizando a tensão entre a facticidade dos procedimentos jurídicos e
a validade desses procedimentos, confrontando-os ao contexto histórico de cada
sociedade.
Até as Tanner Lectures Habermas defendia uma relação de co-originariedade
entre Direito e Moral, em que sua origem é simultânea, declinando-se
posteriormente em favor de uma complementação recíproca. Essa relação de
complementação recíproca significa que, ao mesmo tempo em que o Direito e a
moral podem se originar simultaneamente, ocorre o condicionamento da ordem

16
Assim, o fundamento democrático do Direito é o próprio procedimento prévio de criação baseado no consenso. Como
nele atuaram pessoas livres e racionais, dotadas de moralidade, o resultado do trabalho legiferante só pode ser legítimo.
Como Habermas pregava o consenso, se a norma não fosse produzida por essa via, ela seria legal, mas não legítima.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


jurídica a uma esfera moral superior que a legitima, sendo a validade inerente ao
Direito falível e sempre aberta à problematização pela sociedade através do
discurso: “Para que o Direito mantenha sua legitimidade, é necessário que
os cidadãos troquem seu papel de sujeitos privados do direito e assumam a
perspectiva de participantes em processos de entendimento que versam
sobre as regras de sua convivência.” Enquanto pessoa moral, o sujeito
encontra-se sob o domínio da cultura, tendo como referência os valores
sociais pelos quais age segundo seus interesses. Por pertencer
simultaneamente à esfera da cultura e ser institucional, o Direito tem a
capacidade de compensar as fragilidades morais do indivíduo. Ao se
integrar a uma comunidade jurídica, ou seja, ao ser sujeito de Direito, retira-
se o fardo das decisões individuais e se passa a decidir intersubjetivamente.
É sob a tutela do ordenamento jurídico que a pessoa moral se livra do fardo
de decidir monologicamente e pode decidir universalmente. Assim, o critério
de Justiça é transferido, por meio do Direito, para o momento de formalização
institucional da validade das normas, e já que o Direito complementa a moral,
irradia a moralidade em todas as áreas da ação humana. Assim, ressalta que esse
direito retira dos indivíduos “o fardo das normas morais e as transfere para leis
que garantem a compatibilidade das liberdades de ação”. O Direito deve agir como
medium de integração social, pois lhe cabe evitar ações moralmente inadmissíveis
e estratégicas, além de solucionar os conflitos de forma democrática. Ocorre uma
transferência de responsabilidade para o Direito, que retira o peso do sujeito de
decidir o que é justo ou injusto. É o Direito o encarregado de barrar os excessos
do sistema econômico e político, porque ele, ao mesmo tempo em que
regulamenta o poder e a economia, também regulamenta as expectativas dos
sujeitos no mundo da vida. Cumpre, assim, uma função integradora. Embora o
Direito e a Moral sejam esferas distintas, não existe preponderância de uma sobre
a outra, sendo que o processo legislativo, as decisões judiciais e a própria
Dogmática Jurídica atrelam a ambas uma reciprocidade. Habermas, de certa
forma, recusa a credibilidade de uma esfera moral individual que oriente nossas
ações de forma confiável. A resolução dos problemas desliga-se da tradição e
atrela-se ao procedimento unicamente.
A Teoria da Ação Comunicativa garantiria através de procedimentos
democráticos o diálogo racional e justo entre a sociedade civil, o mercado e
o Estado, permitindo a autonomia no sentido de auto-regulamentação. O
pensamento de Habermas foi o alicerce para os modelos padrões de Teoria da
Argumentação Jurídica.
2.15.4. Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy
É interessante perceber que Alexy, influenciado por Kant e Habermas, e Neil
Maccormick, por Hume, Hart e pela tradição da Common Law, trilharam caminhos

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


diferentes em direção ao mesmo objetivo, alcançando resultados semelhantes.
Ambos pensadores partiram da necessidade de construir uma teoria da
argumentação para o Direito e do reconhecimento de que o juiz não decide
exclusivamente com base na capacidade de extrair logicamente conclusões
válidas (silogismo jurídico), mas deve julgar mesmo na ausência desses
pressupostos lógicos, naqueles casos em que não é claro o método que utilizará
para argumentar racionalmente. A decisão judicial nestes casos sofre a
abrangência interpretativa do ordenamento jurídico e é pautada
primordialmente segundo a razão prática e pelos princípios gerais de Justiça. Por
isso o principal objetivo da elaboração de uma teoria da argumentação para o
Direito é encontrar uma forma de manter a racionalidade do discurso jurídico,
conferindo o máximo de segurança às decisões jurídicas.
Alexy retoma a difícil questão enfrentada desde Kant: é possível a moral ser
racionalizada? E aproxima o problema especificamente para o Direito, ao
qual a mesma pergunta repercute indiretamente: é possível uma
argumentação jurídica racional? Obter uma resposta satisfatória seria bastante
útil nas decisões que se tornam complexas por envolverem conflito de princípios,
normas, valores etc. Da própria argumentação jurídico-racional depende não só o
caráter científico do Direito, mas também a legitimidade das decisões judiciais. A
racionalidade de um discurso prático poderia ser mantida ao serem cumpridas as
condições expressas por um sistema de regras ou procedimentos. A
racionalidade do discurso se define pelo conjunto dessas regras do discurso,
portanto, o critério de racionalidade não se refere a uma verdade ontológica
a priori, mas a um critério de “correção” do agir conforme o procedimento17.
Nesse sentido, a racionalidade deve ser entendida enquanto “racionalidade
comunicativa”.
A aplicação das regras do discurso não leva à segurança de sua efetividade, mas a
uma considerável redução de sua irracionalidade. A Teoria da Argumentação
Jurídica constitui, de certo modo, uma busca por uma objetividade na prescrição
de normas ou condutas aceitas indiscriminadamente por todos aqueles que
participam do discurso e que possam ser universalizáveis.
Embora tenhamos citado o caso Riggs versus Palmer descrito por Dworkin, este
discorda em vários pontos de Alexy, se recusando a construir um sistema de
regras procedimentais como fez o jurista de Kiel. No ensaio “Sistema Jurídico,
Principios Jurídicos y Razón Práctica”, ALEXY APRESENTA SUAS OBJEÇÕES À
TESE DWORKIANA DA EXISTÊNCIA DE UMA ÚNICA RESPOSTA CORRETA
PARA UM CASO CONTROVERSO (HARD CASE). O filósofo de Oxford rejeita duas

17
A racionalidade do discurso jurídico, para Alexy, não está, então, no seu objeto, mas no adequado procedimento que
ele trilha para ser desenvolvido.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


correntes de pensamento, o convencionalismo, que considera a melhor
interpretação a de que os juízes descobrem e aplicam convenções legais especiais,
e o pragmatismo, que encontra na história dos juízes vistos como arquitetos de
um futuro melhor, livres da exigência inibidora de agir coerentemente uns com os
outros.
Dworkin desenvolve sua teoria levando em conta o giro hermenêutico
empreendido por Heidegger e Gadamer. A orientação do decidir humano estaria
submetida à orientação e aos limites das pré-compreensões inscritas na
consciência histórica do sujeito. Com a metáfora do “Juiz Hércules”, Dworkin
defende a figura ideal de um magistrado capaz de decidir de maneira
criteriosa e íntegra, através de uma interpretação construtiva do
ordenamento jurídico como um todo, considerando também a leitura da
sociedade quanto aos princípios envolvidos no caso. Portanto, dentro dos
limites da história e da moralidade está circunscrita a única resposta certa
para cada caso. ALEXY DEFENDE QUE HÁ UMA MULTIPLICIDADE DE OPÇÕES
E QUE A SUA ESCOLHA DEVE SER PAUTADA SEGUNDO OS CRITÉRIOS DE
CORREÇÃO DO DISCURSO. Como não é possível uma teoria da razão prática de
cunho ontológico, somente se pode recorrer para as teorias morais
procedimentais, que formulariam regras ou condições para a argumentação
e para uma decisão racional18. A teoria da correspondência de Aristóteles é
então superada na medida em que o critério da verdade não é mais a
correspondência entre a asserção que descreve algo e a realidade, mas construída
discursivamente. Portanto, A VERDADE NÃO ESTÁ NO MUNDO, É UMA
PRODUÇÃO CULTURAL HUMANA SUBORDINADA À REFUTABILIDADE
(FALSEABILIDADE) E QUE, POR SER HISTÓRICA, PODE SER NEGADA E
SUBSTITUÍDA POR UM NOVO ARGUMENTO RACIONAL QUE LHE SIRVA
ENQUANTO FUNDAMENTO.
A argumentação jurídica é vista por Alexy como um caso especial da
argumentação prática geral. Sua peculiaridade está na série de vínculos
institucionais que a caracteriza, tais como a Lei, o precedente e a dogmática
jurídica (tese do caso especial). O procedimento da teoria da argumentação
jurídica é vinculado a quatro níveis de limitação: o discurso prático geral, o
procedimento legislativo, o discurso jurídico e o procedimento judicial. Mas
mesmo esses vínculos, concebidos como um sistema de regras, princípios e
procedimento, são incapazes de levar a um resultado preciso. As regras do

18
Veja a grande diferença entre o procedimentalismo de Habermas e o procedimentalismo de Alexy. Em Habermas, o
procedimentalismo é voltado à política, à formação do Direito, criando-se condições discursivas adequadas entre os
participantes do jogo político. Em Alexy, o procedimentalismo é voltado para a atuação do juiz (especialmente), no
estabelecimento de critérios e condições para uma argumentação judicial válida do ponto de vista racional.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


discurso serviriam então para que se pudesse contar com um mínimo de
racionalidade. Assim, ter-se-ia uma decisão aproximadamente correta.
Embora o discurso jurídico esteja circunscrito às regras da razão prática geral,
Alexy afirma a necessidade de formulação de regras próprias à atividade da
argumentação jurídica.
A justificação das decisões jurídicas poderia se dar através de uma justificação
interna (internal justification) e uma justificação externa (external justification).
Na justificação interna a decisão segue logicamente das suas premissas (silogismo
jurídico), enquanto o objeto da justificação externa é a correção dessas premissas.
A partir das teorias do discurso prático da ética analítica (naturalismo,
intuicionismo, emotivismo, Wittgenstein, Austin, Hare, Toulmin e Baier), da teoria
consensual de Habermas e da teoria da argumentação de Perelman é que Alexy
retira o substrato para estabelecer o conjunto de procedimentos da sua teoria da
argumentação jurídica, entre eles a regra das cargas da argumentação e a regra
de transição. A obra de Alexy é um marco na história da Filosofia do Direito, e,
apesar das deficiências e críticas à teoria da argumentação, esse ramo se confirma
como uma das promessas do porvir da Ciência do Direito.
ALEXY DIZ QUE A LEGITIMAÇÃO DO TRIBUNAL É ARGUMENTATIVA. O
TRIBUNAL CONVENCE NÃO POR UMA PRESUNÇÃO DE QUE O PESO DA
CORREÇÃO REPOUSA NO FATO DA MAIORIA TER DECIDIDO. TEM SUA
LEGITIMIDADE ARGUMENTATIVA, NO MODO ARGUMENTATIVO, A
PRESUNÇÃO DE QUE AQUELE GRUPO SE HOUVE COM A MAIOR CORREÇÃO
POSSÍVEL AO DECIDIR EM UMA ÚLTIMA INSTÂNCIA DE DEBATE. É assim que
sustentamos o STF. O Tribunal tem que convencer a população em cada
julgamento de que somente se pode concluir pelo justo daquela maneira. Tanto o
Tribunal quanto o Parlamento são representantes do povo, mas atuam de
maneiras diferentes. O Parlamento atua democraticamente, e o Judiciário atua
argumentativamente. O Tribunal age em nome do povo, às vezes até contra o
processo político democrático. A representação argumentativa dá certo quando o
Tribunal é aceito como instância de reflexão do processo político democrático.
Observe-se que o Judiciário é um órgão político também, mas que atua
argumentativamente.
O Tribunal é a institucionalização da razão. A segurança jurídica é dada pelo
Tribunal quando da solução para conflito que perturba a segurança jurídica. O
tribunal concretiza direitos fundamentais em um Estado Constitucional
Democrático. A democracia convive com a legitimação argumentativa.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


2.15.5. Teoria da Argumentação Jurídica de Chaïm Perelman: A Nova Retórica
Chaïm Perelman foi um filósofo do Direito que apesar de nascido na Polônia, viveu
grande parte de sua vida na Bélgica, tendo estudado Direito e Filosofia na
Universidade de Bruxelas. Sua obra principal é o Traité de l'argumentation - la
nouvelle rhétorique5 (1958), escrita juntamente com Lucie Olbrechts-Tyteca,
obra base de sua Teoria da Argumentação. Importantes contribuições no campo
filosófico o qualificam como um dos mais importantes teóricos da Retórica do
século passado. O estudo da argumentação em seu Traité de l'argumentation foi
sistematizado em três grandes partes: os pressupostos, os pontos de partida da
argumentação e as técnicas argumentativas, essas últimas, por exigirem um
tratamento mais profundo do tema, não são indicadas para uma abordagem que
se propõe inicial. Por esse motivo, considerando a proposta apresentada,
trabalharemos basicamente com os pressupostos da argumentação.
A sua idéia de redefinição da retórica centra-se no conceito de auditório, ou
seja, os destinatários de um discurso. Trabalhando com a premissa de contato
de espíritos, Perelman defende a argumentação como meio de promover uma
adesão de espíritos por intermédio da não-coação. Pensamento de grande valia,
uma vez que se alcança a adesão do destinatário, mediante suas próprias
convicções. Desse modo, destaca o discurso como um importante elemento da
argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório,
entre emissor e destinatário.
Assim, para um completo tratamento do tema, torna-se importante apresentar os
elementos da argumentação, visualizados nos conceitos de orador, discurso e
auditório, que são pressupostos para o entendimento da nova retórica. Partindo
posteriormente para o conceito perelmaniano de auditório universal,
imprescindível destacar sua importância como parâmetro ideal para o
desenvolvimento da argumentação, bem como para a definição das estratégias
argumentativas pautadas na persuasão e no convencimento. Estas estratégias, em
virtude de sua importância, também serão objeto de uma breve discussão, tendo
em vista a ligação intrínseca que possuem com os auditórios a que são
direcionadas. Finalmente, com a intenção de resgatar parte do pensamento do
filósofo belga, cabe apresentar a ligação existente entre seu conceito de auditório
universal e a concepção da situação ideal de fala, trabalhada por Habermas e
Alexy, demonstrando em que medida tais idéias atuam na busca pela
universalidade e racionalidade do discurso jurídico.
2.15.5.1. Os Elementos da Argumentação
A discussão proposta não está relacionada a um estudo da oratória, entretanto,
sendo a Teoria da Argumentação de Perelman uma retomada da antiga arte
retórica concebida por Aristóteles, o estudo do pensamento perelmaniano,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


poderia parecer em um primeiro momento, uma simples reedição dos antigos
ensinamentos do filósofo grego. Todavia, o próprio Perelman afirmou que seu
trabalho se tratava de uma nova visão acerca da antiga retórica, mantendo com
relação a esta, basicamente a idéia de auditório (PERELMAN, 1996:7).
Em seus estudos, o filósofo belga destaca alguns pontos de suma importância para
o entendimento desta nova retórica. O discurso é compreendido como
argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, aquele que
apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido (PERELMAN,
1996:7). Assim, Perelman promove interessante construção ao estabelecer
discurso, auditório e orador como elementos da argumentação, entendida aqui
em sentido amplo, como método para provocar ou aumentar a adesão dos
espíritos às teses que lhes são apresentadas (PERELMAN, 1996:4).
Tal ponto de vista é bem fundado na idéia de que auditório e orador são elementos
em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder
do orador, enquanto o orador deve se adaptar às características do
auditório, de modo a alcançar melhores resultados em sua empreitada. Dessa
maneira, não há como afastar a idéia de que a argumentação se desenvolve para
o auditório.
Acerca do orador, Perelman destaca a importância da constante adaptação do
discurso aos destinatários, afirmando que cabe ao auditório o papel principal para
determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores
(PERELMAN, 1996:27).
O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer
influenciar com sua argumentação, pode ser concebido de três formas distintas. A
partir de sua extensão, Perelman e Olbrechts-Tyteca nos apresentam três
modelos:
a) O primeiro é o auditório universal, constituído por toda humanidade, ou
pelo menos, por todos os homens adultos e normais.
b) O segundo formado apenas pelo interlocutor a quem se dirige, entendido
como um diálogo.
c) O terceiro auditório abrange o próprio sujeito, quando delibera consigo
próprio, hipótese em que coincidem os elementos auditório e orador
(PERELMAN, 1996:33-34).
Tal extensão não pode ser compreendida simplesmente como a visualização física
dos destinatários do discurso. Essa dimensão física é facilmente visualizada em
um discurso verbal, todavia, não é bem estabelecida em um discurso escrito. O

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


exemplo clássico é o do escritor que publica um livro, mas não sabe ao certo, no
momento da confecção ou publicação, quem é o seu auditório. Desse modo, um
dos grandes problemas colocados à frente do orador é descobrir quem de
fato são os seus destinatários, os quais são imprescindíveis para o processo
de adaptação e construção. Essa construção do auditório, à luz dos
destinatários, não se trata de inovação dos nossos tempos, já sendo visualizada
em Aristóteles, Cícero e Quintiliano, demonstrando estes autores que o
conhecimento daqueles a quem se dirige a argumentação é uma condição prévia
para o desenvolvimento de uma argumentação eficaz (PERELMAN, 1996:23).
Essa extensão dos auditórios, a princípio, sem muita utilidade prática, acaba por
se tornar essencial na definição de uma estratégia argumentativa pautada na
convicção ou persuasão.
Apesar das críticas sobre a imprecisão destes conceitos, oportuna lição nos ensina
Atienza, ao demonstrar a distinção entre persuadir e convencer sob o viés do
pensamento perelmaniano. Com vistas ao auditório que se pretende
argumentar, considera o jusfilósofo espanhol que “uma argumentação
persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório
particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende
válida para todo ser dotado de razão” (ATIENZA, 2006:63).
Nesse sentido, quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte,
encarado como auditório particular, deve-se optar por uma estratégia
argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório
universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento.
Acredita-se que o interesse maior do estudo da argumentação, seja a descoberta
de técnicas argumentativas passíveis de se impor a todos os auditórios. Tal
objetivo seria possível mediante um discurso pautado na objetividade,
alcançando um modelo ideal de argumentação que se imporia a auditórios
compostos por homens competentes ou racionais (PERELMAN, 1996:29).
2.15.5.2. O Auditório Universal
Tendo em vista que a própria concepção de auditório utilizada por Perelman
deriva da definição tradicional de Aristóteles, especificamente, nessa parte, o
filósofo belga inova em uma noção basilar de seu pensamento, ao estabelecer o
conceito de auditório universal (Auditoire Universel).
Mediante a idéia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se
desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório “constituído por
toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais”
(PERELMAN, 1996:33-34). A partir disso, busca-se elucidar a objetividade desse
conceito, citando Perelman, destaca-se que este auditório “é constituído por cada

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas
oposições de que tem consciência” (PERELMAN, 1996:37).
Assim, para ele, o auditório universal é tido como um limite a ser atingido.
Todavia, apesar dessa importância, ele não nega a imprecisão do conceito, uma
vez que cada cultura ou cada indivíduo poderão ter sua concepção acerca do
auditório universal (PERELMAN, 1996:37). Essa idéia desempenha importante
papel como objeto de discussão aqui proposto, pois além de promover o
parâmetro ideal de visualização do destinatário, permite ainda ao orador, em seu
exercício de adaptação com relação àquele, escolher entre duas estratégias
argumentativas: persuadir ou convencer (ATIEZA, 2006:63), as quais por também
serem fonte de imprecisões, são igualmente objeto de forte crítica por parte de
outros autores. A consideração do caráter ideal, atribuído ao conceito de auditório
universal, permite uma aproximação deste com a situação ideal de fala, descrita
por Habermas e utilizada por Alexy em sua Teoria da Argumentação Jurídica.
Atienza ao também analisar o conceito perelmaniano, enxerga aspectos positivos
e negativos. Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e
sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro
de racionalidade e objetividade (ATIENZA, 2006:81), concordando com o papel
central exercido pelo auditório universal. Já sob o aspecto negativo, destaca a
noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e
Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006:81) ao conceito em comento Alexy
contempla importante papel à Teoria da Argumentação de Perelman no campo
normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório
universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Nota-se que, a
aproximação entre auditório universal, convencimento e racionalidade é
novamente alvo de deliberação (ALEXY, 2005:168). Assim, de uma forma mais
lúcida, acerca dessa ligação, assevera o mestre alemão que esse estado (o
auditório universal) corresponde à situação ideal de fala Habermasiana. “O que
em Perelman é o acordo do auditório universal, é em Habermas o consenso
alcançado sob condições ideais” (ALEXY, 2005:170). Acerca da racionalidade na
argumentação, citando Alexy, observa-se estreita relação com a busca pela
universalidade, “o apelo a uma universalidade, visando à realização do ideal de
comunidade universal é a característica da argumentação racional” (ALEXY,
2005:140).
Finalizando, ainda nos dizeres do jusfilósofo alemão, este conceito de Perelman
(auditório universal) não é uno, mas contempla duas visões: a primeira formando
um auditório que os indivíduos ou uma sociedade representam para si próprios,
e a segunda como a totalidade de seres humanos participantes do discurso. Sendo
assim, será a concordância alcançada por parte do auditório universal, o
critério de racionalidade e objetividade da argumentação, uma vez que o

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


auditório universal só é convencido mediante argumentos racionais. Neste
ponto, reside o caráter objetivo, alcançando-se uma validade para todo ser
racional, consequentemente empreende-se uma argumentação racional, ao
considerar que “cada homem crê num conjunto de fatos, de verdades, que
todo homem ‘normal’ deve, segundo ele, aceitar, porque são válidos para todo
ser racional” (PERELMAN, 1996:31).
2.15.5.3. Persuadir e Convencer
Em seu Tratado da Argumentação Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca
diferenciariam os procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do
orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir
é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no
caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir (PERELMAN,
1996:30).
Assim, visualiza-se que a argumentação pode ser desenvolvida mediante um
processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro,
como já dito, deriva da concepção que o orador faz do auditório e de suas
extensões. Nesse sentido, para uma melhor visualização, as extensões já
concebidas são divididas em dois modelos: o auditório particular e o auditório
universal. O primeiro compreende a argumentação realizada perante um
indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador consigo próprio. O segundo
compreende o auditório sob aspectos ideais, formado por todos os seres humanos
racionais.
Com isso, busca o filósofo belga ligar uma estratégia argumentativa a um auditório
específico, ao propor “chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer
só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a
adesão de todo ser racional” (PERELMAN, 1996:31). Ao presente trabalho não
cabe discorrer acerca da ligação entre auditório particular e as técnicas de
persuasão, concentrando-se na análise de uma argumentação pautada na
convicção e realizada perante o auditório universal, que está relacionada com o
caráter de universalidade e racionalidade.
Assim, observando as diferentes formas que assumem as argumentações perante
auditórios diversos, é nítido que a adaptação do orador ao seu auditório, não se
refere somente à escolha dos argumentos a serem utilizados, mas também às
estratégias de argumentação que devem variar de acordo com o auditório a que
se destina.
Por fim, é certa a visão de Perelman, ao estabelecer que do ponto de vista racional,
convencer é mais que persuadir, tornando uma argumentação formulada sob os
ditames do convencimento, mais próxima do ideal de objetividade e

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


racionalidade, ligada ao auditório universal. Por isso há uma convergência entre
as concepções de auditório universal e situação ideal de fala, como parâmetros
ideais de objetividade e racionalidade.
2.15.5.4. A Situação Ideal de Fala
A Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy apóia seu caráter de universalidade
na situação ideal de fala, idéia já concebida por Habermas. Trata-se de uma
situação ideal em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe
coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud
ATIENZA, 1996:163). Essas condições ideais de Habermas são utilizadas por
Alexy em sua Teoria da Argumentação Jurídica e apresentadas sob a forma de
regras, assim definidas como: regras fundamentais, de razão, de carga da
argumentação, de fundamentação e de transição (ALEXY, 2005:283-286).
Muitas críticas pairam sobre as Teorias da Argumentação quando se discute
acerca das possibilidades de sua realização, questionam os críticos, se este
estabelecimento de regras abstratas, não tornaria a realização completa dos
procedimentos, algo impossível de se obter na prática. Alexy frisa que é possível
uma realização aproximada da situação ideal de fala (ALEXY, 2005:136). Além
disso, importante destacar que a elaboração e cumprimento dessas regras,
proporcionam a racionalidade do discurso, e é precisamente a racionalidade o que
confere universalidade às conclusões obtidas consensualmente (TOLEDO,
2006:615).
Assim, o estabelecimento desses critérios a serem observados na prática do
discurso, especificamente no discurso jurídico, não tem como condição sine qua
non a exigibilidade de cumprimento de modo absoluto e em todas as situações a
que são submetidos. Somente não se pode afastar o entendimento de que é
mediante eles que devem ocorrer a fundamentação e orientação do discurso.
Ainda nesse entendimento, a própria racionalidade do discurso, não pode ser
inferida somente mediante o cumprimento de todas as regras apresentadas, uma
vez que se trata de uma situação ideal, e que devido a este aspecto não é real
(TOLEDO, 2006:616). Entretanto, quando respeitados, alcançam padrões de
racionalidade e universalidade, que proporcionam no âmbito do discurso jurídico
a legitimidade da legislação e a controlabilidade das decisões judiciais,
importantes bases para a consolidação da democracia e do próprio Estado de
Direito (TOLEDO, 2006:619), fatores indissociáveis dos objetivos perseguidos
pelo atual Estado brasileiro.
2.15.5.4. A Busca pela Universalidade
O próprio Alexy destacou a proximidade existente entre a situação ideal de fala
Habermasiana, concepção utilizada em sua teoria, e o conceito de auditório

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


universal perelmaniano (ALEXY, 2005:179). A proposta de resgatar o trabalho de
Chaïm Perelman, demonstrando ainda seu caráter atual, foi aqui trabalhada
evidenciando o seu conceito de auditório universal e a situação ideal de fala de
Habermas, utilizada por Alexy, em teoria mais recente, como meio de se alcançar
a racionalidade e universalidade do discurso jurídico. Desse modo, buscou-se uma
ligação entre o conceito perelmaniano e conceitos mais recentes da atual
discussão que cerca as Teorias da Argumentação Jurídica.
Perelman promove uma composição ideal do auditório universal, ao estabelecer
sua formação “por toda humanidade, ou pelo menos por todos os homens adultos e
normais” (PERELMAN, 1996:33-34). Considerando que o acordo para estes casos
seria alcançado mediante o convencimento, estratégia argumentativa relacionada
com os métodos racionais, tem-se o auditório universal como um limite a ser
atingido, uma vez que a composição alcançada neste limiar é o critério de
racionalidade e objetividade da argumentação.
Habermas estabelece a situação ideal de fala como um parâmetro, sendo
considerada aquela em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe
coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud
ATIENZA, 2006:163). Assim, o acordo é obtido mediante a igual participação
entre os falantes.
Nessa situação ideal, a elaboração e cumprimento de regras proporcionam a
racionalidade, sendo ela o que confere a universalidade ao discurso.
Por fim, torna-se evidente que o resultado buscado pelos idealizadores de tais
parâmetros é a busca pelo caráter universal da argumentação, aproximando-se
do aspecto racional. Como se vê, seja mediante a situação ideal de fala, seja
mediante o auditório universal, esse objetivo é alcançado.
2.15.6. Teoria da Argumentação Jurídica de Neil Maccormick
A teoria de MacCormick pode ser sintetizada em alguns pontos. Primeiro,
MacCormick identifica que a justificação básica no direito é uma justificação de
natureza dedutiva: diante de fatos operativos, aplicam-se determinadas
consequências normativas. Porém, isso não é o bastante para solucionar
controvérsias em casos problemáticos, nos quais nem os fatos operativos nem as
consequências normativas são claras.
MacCormick identifica quatro tipos de problemas que podem ocorrer com as
premissas do raciocínio dedutivo no direito. São eles os problemas de
interpretação, problemas de pertinência, problemas de prova e problemas
de qualificação. Quando eles ocorrem, o julgador deve fazer uma escolha entre
aplicações por vezes conflitantes do direito: os mesmo fatos operativos e as
mesmas normas gerariam consequências normativas diferentes.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Seguindo a ideia de que o direito é uma atividade racional, MacCormick foge da
ideia de que, em casos problemáticos, o que se faz é simplesmente arbitrário. Ele
diz que há uma racionalidade além da dedução silogística que está presente no
direito nos casos difíceis, e essa racionalidade é retórica. ELE PROPÕE QUATRO
CRITÉRIOS PARA ANALISAR A RACIONALIDADE DE ARGUMENTOS: A
UNIVERSALIZAÇÃO, A CONSISTÊNCIA, A COERÊNCIA E O
CONSEQUENCIALISMO JURÍDICO.
Em resumo, esses critérios podem ser definidos assim:
(i) universalização – um argumento deve poder ser afirmado na forma de um
princípio de ação universal aceitável, que poderia ser aplicado de forma
satisfatória a todos os casos com as mesmas características decisivas;
(ii) consistência – a exigência da consistência significa que as afirmações
constantes de um raciocínio de justificativa devem ser postuladas de forma livre
de contradições entre si. Difere da coerência na medida em que esse último
critério relaciona-se com o sentido que se dá à narrativa. É possível criar uma
narrativa livre de inconsistências, mas cujo sentido seja de alguma forma injusto,
e por isso a consistência não se sustenta sozinha como critério de avaliação de
argumentos.
(iii) coerência – resumidamente, a coerência diz respeito aos princípios e valores
que são afirmados ou almejados na decisão, e sobre a justificabilidade desses
princípios e valores no delineamento de uma forma de vida satisfatória. Ou seja,
esse critério procura identificar se os valores afirmados em uma decisão, em
conjunto, são aceitáveis e válidos.
(iv) consequencialismo jurídico – diz respeito não às consequência sociais de
longo prazo, difíceis de serem calculadas e avaliadas de fato, mas aos
comportamentos logicamente permitidos pela decisão, de forma que, se esses
comportamentos forem aceitáveis, as consequências possíveis são tidas como
aceitáveis também, e vice-versa.
3. Conceitos Básicos da Filosofia do Direito
1. Autopoiese: trata-se de conceito criado inicialmente para a biologia
(chilenos Maturana e Varela), se referindo à capacidade dos seres de se
autoproduzirem. No Direito, foi adaptado por Niklas Lühmann.]
O sistema jurídico é considerado um dos “sistemas funcionais”, ou sistemas
parciais, do sistema social global, com a tarefa de reduzir a complexidade
do ambiente por meio da absorção do comportamento social. “O sistema
jurídico, para Luhmann, integra o ‘sistema imunológico’ das sociedades,
imunizando-as de conflitos entre seus membros, surgidos já em outros

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


sistemas sociais (político, econômico, familiar, etc). (...) Para tanto, a
complexidade da realidade social, com sua extrema contingência, é
reduzida pela construção de uma ‘para-realidade’, codificada a partir do
esquematismo binário ‘direito/não-direito’ (ou ‘lícito/ilícito), em que se
prevêem os conflitos que são conflitos para o Direito e se oferecem as
soluções que são conformes ao Direito”.
O fechamento operacional, e a autopoiése do sistema, dá a este a
possibilidade de se desenvolver dinamicamente. Assim o desenvolvimento
do Direito se dá reagindo apenas aos seus próprios impulsos, mas
estimulado por “irritações” do ambiente social.
“O sistema jurídico, enquanto autopoiético, é fechado, logo, demarca seu
próprio limite, auto-referencialmente, na complexidade própria do meio
ambiente, mostrando o que dele faz parte, seus elementos, que ele e só ele,
enquanto autônomo, produz, ao conferir-lhes qualidade normativa
(=validade) e significado jurídico às comunicações que nele, pela relação
entre esses elementos, acontecem”.
Considerando o Direito como capaz de se autoproduzir, portanto o sistema
jurídico como autopoiético, há a necessidade de elementos do meio
ambiente.
Hans Kelsen (Teoria pura do direito) falando sobre sistemas estático e
dinâmico na ordem jurídica, estabelece que um há “normas regulando
normas” e no outro “condutas produzindo normas”. Adaptando esse
raciocínio ao sistema jurídico – sob a teoria dos sistemas sociais – teríamos
as condutas como elementos provenientes do meio, ou de outro sistema,
que irritam o sistema jurídico, fazendo com que haja uma seletividade (por
meio da seleção dentre as diversas possibilidades de agir – denominado por
Luhmann de dupla seletividade) gerando uma reação do sistema jurídico
que resulta na produção de uma norma, essa sim regula a conduta.
“O sistema (jurídico) é autopoiético e diferenciado de outros, pois
estabelece conexões que conferem sentido (jurídico) a condutas referidas,
assim, umas às outras e delimitadas, no sistema, em relação ao ambiente”.
Quando, por exemplo, a conduta que gerou a reação do sistema jurídico ao
produzir uma norma reguladora do sistema social, é proveniente de outro
sistema, fala-se na necessidade de realizar o acoplamento estrutural do
sistema jurídico com outros sistemas sociais, como o político, econômico,
etc. Nesse contexto a constituição é a grande responsável pelo acoplamento
estrutural ente os sistemas jurídico e político.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A caracterização do sistema jurídico como um sistema social autopoiético
se faz por meio da identificação de sua especificidade na realização da
forma exclusiva com que nesse sistema, o Direito, se veiculam
comunicações.
“Note-se que a autonomia do sistema jurídico não há de ser entendida no
sentido de um isolamento deste em face dos demais sistemas sociais, o da
moral, religião, economia, política, ciência, etc., funcionalmente
diferenciados em sociedades complexas como as que se têm na atualidade.
Essa autonomia significa, na verdade, que o sistema jurídico funciona com
um código próprio, sem necessidade de recorrer a critérios fornecidos por
algum daqueles outros sistemas, aos quais, no entanto, o sistema jurídico se
acopla, através deprocedimentos desenvolvidos em seu seio, procedimentos
de reprodução jurídica, de natureza legislativa, administrativa, contratual
e, principalmente, judicial
2. Axiologia: estudo dos valores que emanam de uma norma ou de um
conjunto normativo.
3. Deontologia: trata-se do estudo dos deveres que se impõem a
determinadas pessoas que se encontram em certas posições jurídicas. Aqui
entram as questões dos modais deônticos, o proibido, o permitido e o
obrigado.
4. Eidética: busca da essência das coisas. Termo muito importante na
fenomenologia e em Platão.
5. Epicurismo: corrente mais suavizada do hedonismo. Prega que o homem
deve sim procurar o prazer e gozar a vida, pois a felicidade seria a finalidade
última da existência. Porém, o prazer seria filtrado pelo sábio, o qual
priorizaria o prazer intelectual ao sensível, o sereno ao violento, o ético ao
grotesco.
6. Estoicismo: defende que o papel da ética é viver de acordo com a razão,
devendo fazer imperar a racionalidade sobre os sentidos, eliminando-se o
homem de suas paixões, que o escravizam.
7. Eudemonismo: doutrina que considera a busca por uma vida feliz o
princípio e fundamento dos valores morais.
8. Epistemologia: trata-se da doutrina do conhecimento jurídico em todas as
suas modalidades. É que, com o constituir-se de novos campos de estudo do
Direito, tais como a Sociologia Jurídica, a Etnologia Jurídica ou a Lógica
Jurídica, alargaram-se, concomitantemente, os horizontes epistemológicos,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


os quais não podem mais ficar adstritos às exigências da Ciência Dogmática
do Direito, por mais que esta assinale o momento culminante do processo
comum de investigação. Uma das tarefas primordiais da Epistemologia
Jurídica consiste, aliás, na determinação do objeto das diversas
ciências jurídicas, não só para esclarecer a natureza e o tipo de cada
uma delas (recorde-se o exposto supra, vol. I, pág. 264 e segs.) mas
também para estabelecer as suas relações e implicações na unidade
do saber jurídico. Compete-lhe, outrossim, delimitar o campo da pesquisa
científica do Direito, em suas conexões com outras ciências humanas, como,
por exemplo, a Sociologia, a Economia Política, a Psicologia, a Teoria do
Estado etc.
É só graças a essa visão compreensiva que é possível situar com rigor os
problemas epistemológicos da Jurisprudência ou Ciência Dogmática do
Direito, a qual ocupa o centro do quadro jurídico, não só pela maturidade
de seus estudos, devido a uma tradição mais que bimilenar, mas também
porque representa, como já dissemos, o momento culminante da
experiênca do Direito.
Muitas são, pois, as questões com que se defronta a Epistemologia Jurídica,
que poderia ser definida como sendo a doutrina dos valores lógicos da
realidade social do Direito, ou, por outras palavras, dos pressupostos lógicos
que condicionam e legitimam o conhecimento jurídico, desde a Teoria Geral
do Direito — que é a sua projeção imediata no plano empírico-positivo --—
até às distintas disciplinas em que se desdobra a Jurisprudência.
É nessa linha de estudos que caberá ao epistemólogo do Direito determinar,
por exemplo, que tipo de experiência é essa que denominamos "experiência
jurídica"; qual a natureza e o papel da Lógica Jurídica e a sua situação
perante a Ciência Dogmática do Direito; como se põem os problemas de
sistematização e integração dos institutos jurídicos: se nos quadros de um
único ordenamento ou, ao contrário, numa pluralidade deles; qual a
natureza da Hermenêutica Jurídica e os seus pressupostos, em função do
papel por ela desempenhado na tela da Teoria Geral do Direito; qual a
natureza e a estrutura das normas jurídicas, se elas devem ou não ser
concebidas como "bens culturais de suporte ideal" insuscetíveis, portanto,
de serem tratadas como simples "proposições lógicas"; se a tradicional
teoria das fontes do Direito deve ou não ser atualizada à luz de uma teoria
dos "modelos jurídicos", e assim por diante.
Poder-se-ia dizer, em suma, à vista desses exemplos, que a Epistemologia
Jurídica recebe da Ontognoseologia Jurídica o conceito de Direito e o
desenvolve na multiplicidade de suas projeções e conseqüências,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


especificando, em função das exigências práticas da vida jurídica, as
"categorias regionais da juridicidade", conform a feliz terminologia de
Recaséns Siches, tais como as de direito subjetivo, direito objetivo, relação
jurídica, fonte do direito, modelo jurídico, instituição, ficção jurídica etc., que
são como que as vigas mestras do edifício jurídico, assegurando-lhe
validade lógica ou vigência.
Costumamos dizer que a Epistemologia Jurídica, ao estudar o Direito,
considera, de maneira prevalecente, o problema da vigência, mas sempre
em função da eficácia e do fundamento.
9. Gnoseologia: estudo da capacidade cognitiva do homem, sobre como ele
pode chegar ao conhecimento.
10. Hedonismo: doutrina que prega que o papel do homem na terra é ter
prazer e fugir da dor.
11. Idealismo: doutrina que prega que a finalidade última do homem é
praticar o bem.
12. Lógica apodítica: lógica que distingue entre o verdadeiro x falso
(possibilidade de verdade absoluta).
13. Lógica dialética: lógica que distingue entre o verossímel x
inverossímel (juízo de probabilidade, certeza construída, e não dada).
14. Neokantismo: novas leituras de Kant após o radicalismo do
positivismo jurídico, em que se retomou a discussão do fundamento moral
do direito.
15. Virada kantiana: "Kantish wender", é um momento onde o kantismo
é retomado no direito, principalmente nas teorias de John Rawls, Robert
Alexy, Ronald Dworkin, Konrad Hesse.
16. Revolução copernicana: Antes de Kant, a Filosofia clássica vivia
girando em torno de objetos, aos quais se subordinava essencialmente
(empirismo, métodos descartianos); enquanto que, no dizer de Kant, quem
deve ficar fixo é o sujeito, em torno do qual deve girar o objeto, que somente
é tal porque "posto" pelo sujeito. Era isso o que Kant chamava
significativamente de revolução copernicana. Assim como Copérnico supera
o sistema ptolemaico, colocando não mais a Terra, mas sim o Sol no centro
de nosso sistema planetário, afirmava o filósofo germânico ser necessário
romper com a atitude gnoseológica tradicional. Em lugar de se conceber o
sujeito cognoscente como planeta a girar em torno do objeto, pretende Kant
serem os objetos dependentes da posição central e primordial do sujeito

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


cognoscente. Esta referência ao criticismo de Kant visa a mostrar a
correlação essencial que existe entre o problema do objeto e o do método,
até ao ponto de subordinar-se um problema ao outro: — uma ciência viria
a ser o seu método, porque o sujeito que conhece, ao seguir um método,
criaria, de certa maneira, o objeto, como momento de seu pensar. Com a
revolução copernicana, Kant refutou a Fiolosfia do Objeto (relação sujeito
objeto), para mudar o foco para a Filosofia do Sujeito (sujeito-sujeito). É
uma concepção transcendental da filosofia, em que o dado não se
desenvolve na realidade, mas no intelecto, um modo de perceber a
realidade.
17. Metodologia: estudo dos diversos processos que devem disciplinar a
pesquisa do real, de acordo com as peculiaridades de cada campo de
indagação.
18. Ontognoseologia: doutrina das condições transcendentais e
empírico-positivas do conhecimento. Ela tem foco tanto no ser cognoscente
quanto no objeto.
19. Ontologia: teoria do conhecimento clássico que se preocupa com o
objeto cognitivo
20. Semiótica: a semiótica enquanto ciência geral dos signos é uma
linguagem que estuda outras linguagens. Nesse diapasão, a semiótica
jurídica é uma metalinguagem que fala da linguagem do Direito e da Ciência
do Direito, ou seja, da linguagem utilizada pelos operadores do Direito. Na
semiótica jurídica, a exemplo do que ocorre na semiótica, podemos
identificar três diferentes dimensões: a semântica, a sintaxe e a pragmática.
Portanto, é possível destacar a existência de uma semântica jurídica, de uma
sintaxe jurídica e de uma pragmática jurídica. Seguindo este viés de
raciocínio, a Ciência do Direito, entendida como metalinguagem que fala de
uma linguagem objeto, que é o direito positivo, pode examinar o seu objeto
através da sintaxe, da semântica ou da pragmática (a dimensão escolhida
vai depender da concepção adotada por cada jurista). Assim, por exemplo,
a investigação acerca da validade das normas jurídicas no pensamento de
Hans Kelsen é uma relação sintática. Por outro lado, mister frisar que como
metalinguagem, a semiótica jurídica é utilizada para identificar as
estruturas lógicas do Direito.
4. Direito, Ética, Cultura, Justiça, Equidade e Moral e Outras Questões de
Humanística

20. 4.1. Conceitos de Direito

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O direito é fato social. Mas não qualquer fato, e sim um que se
Émile destaca acima dos demais por ter fundamento social capaz de
Durkheim impor sanções, perda de patrimônio e privação da liberdade, mais
contundentes do que as sanções dos outros fatos sociais
O Direito é um fato ou fenômeno social; não existe senão na
sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das
características da realidade jurídica é, como se vê, a sua
socialidade, a sua qualidade de ser social. O Direito, por
Miguel
conseguinte, tutela comportamentos humanos: para que essa
Reale
garantia seja possível é que existem as regras, as normas de
direito como instrumentos de salvaguarda e amparo da
convivência social. Direito é fato, valor e norma. Vide o tópico do
tridimensionalismo jurídico.
Direito é uma estrutura, parte da superestrutura estatal, que serve
Karl Marx
à classe dominante, meio oficial de dominar o proletariado.
Corrente Direito é se confunde com justiça; justiça é dar a cada um o que é
clássica seu, aquilo que merece.
A noção de direito refere-se à relação exterior e prática de uma
pessoa com outra, na medida em que as suas ações possam influir
sobre outras ações; essa noção diz respeito à relação do arbítrio
do agente com o arbítrio do outro. Estabelece-se, assim, uma
relação mútua de arbítrios, onde se consideram não as finalidades
pretendidas por cada um dos agentes, mas unicamente se a
Kant manifestação da vontade de um, expressa em sua ação, constitui
um empecilho ao exercício da liberdade do outro, de acordo com
uma lei universal ou o princípio universal do direito. O direito em
si reporta-se à manutenção da liberdade de cada um segundo uma
lei válida para todos. Logo, a injustiça é a perturbação do estado
de livre coexistência, pois o impedimento à liberdade de um não
pode subsistir com a liberdade de todos, segundo leis gerais.
Direito se confunde com poder. É o conjunto de determinações
estatais oficiais cogentes, dotadas de heteronomia. O Direito não
Positivismo se caracteriza com base em sua justiça, mas sim em sua
oficialidade. Daí a possibilidade, no positivismo, de falarmos em
um direito injusto.
4.1.1. Direito em Kant
O que é o direito? Quid jus? O que é o direito é a pergunta que os juristas não
conseguem responder há séculos. Kant diz que quando os juristas procuram
compreender o que é o direito eles caem na tautologia – jus est quod justum est, o
justo é aquilo que é justo – ou então definem o direito como sendo as leis

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


existentes. Mesmo nos tribunais, o juiz diz o que é o direito conforme as leis
positivas de determinado país, numa época histórica. Por essa razão, a decisão
judicial não deixa de expressar um relativismo empírico.
A questão não é respondida pelos jurisconsultos, pois ir ao fundo do problema
consiste em examinar a pretensão inerente às determinações das condições de
legitimidade de um sistema jurídico e em nome do que é legítimo. É preciso, então,
saber qual é o critério universal em função do qual o jus é reconhecido como o
justum e que preside a toda júris-latio (legislação) e a toda júris- dictio (aplicar o
direito).
Torna-se, assim, necessário que se renuncie às perspectivas dogmático-
descritivas do empirismo de Hume e do pragmatismo utilitarista, bem como não
se satisfaça com a lógica hipotético-dedutiva do jusnaturalismo.
A questão quid juris somente poderá ser respondida quando procurarmos
conhecer as condições que tornam justas as normas prescritivas de uma
ordem jurídica, de acordo com um “princípio universal de direito” (Kant,
Doutrina do Direito, Introdução, §C). Trata-se, assim, de buscarmos a lei
universal que torna possíveis não somente a justiça de determinada ação,
mas para além dela, a justiça – entenda-se o bem fundamentado ou a
legitimidade – das regras que asseguram a obrigatoriedade (você deve) ou
a liceidade (você pode).
A doutrina do Direito de Kant efetua uma reflexão transcendental, partindo das
leis e das regras de direito como material jurídico e pesquisa as estruturas a priori
da razão prática, não ao nível da casuística, como escreve Kant, mas enquanto
condições legisladoras e organizadoras do sistema do direito. O Direito enquanto
ciência é o conjunto de leis suscetíveis de uma legislação exterior, que forma a
ciência do direito positivo. O Direito em si é uma questão que só se resolve
reportando-se à razão, como pensa Kant, na Doutrina do Direito: “Uma ciência
puramente empírica do Direito (como a cabeça de madeira na fábula de Fedro) é
uma cabeça que pode ser bela, mas tem somente um defeito – não tem cérebro”.
Encontra-se na obra de Kant os seguintes pressupostos, a partir dos quais se pode
desenvolver a ideia de direito: A NOÇÃO DE DIREITO REFERE-SE À RELAÇÃO
EXTERIOR E PRÁTICA DE UMA PESSOA COM OUTRA, NA MEDIDA EM QUE AS
SUAS AÇÕES POSSAM INFLUIR SOBRE OUTRAS AÇÕES; ESSA NOÇÃO DIZ
RESPEITO À RELAÇÃO DO ARBÍTRIO DO AGENTE COM O ARBÍTRIO DO
OUTRO. Estabelece-se, assim, uma relação mútua de arbítrios, onde se
consideram não as finalidades pretendidas por cada um dos agentes, mas
unicamente se a manifestação da vontade de um, expressa em sua ação,
constitui um empecilho ao exercício da liberdade do outro, de acordo com

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


uma lei universal ou o Princípio Universal do Direito. Esse princípio é
formulado por Kant da seguinte forma: “é justa toda a ação ou cuja máxima
permite à liberdade de todos e de cada um coexistir com a liberdade de todos os
outros, de acordo com uma lei universal”.
O princípio universal do direito origina-se desse princípio geral, que lhe antecede:
é justa toda ação que por si, ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à
conformidade da liberdade do arbítrio de todos com a liberdade de cada um,
segundo leis universais.
O DIREITO EM SI REPORTA-SE À MANUTENÇÃO DA LIBERDADE DE CADA UM
SEGUNDO UMA LEI VÁLIDA PARA TODOS. LOGO, A INJUSTIÇA É A
PERTURBAÇÃO DO ESTADO DE LIVRE COEXISTÊNCIA, POIS O IMPEDIMENTO
À LIBERDADE DE UM NÃO PODE SUBSISTIR COM A LIBERDADE DE TODOS,
SEGUNDO LEIS GERAIS. Kant estabelece, então, a Lei Universal do Direito para
que se possa objetivar as determinações do princípio universal do Direito nas
relações sociais: “Age exteriormente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa
coexistir com a liberdade de todos, segundo uma lei universal”.
O direito pretende, assim, limitar a liberdade pessoal irrestrita de cada indivíduo,
própria da natureza humana no estado de natureza. Nesse contexto é que Kant
desenvolve a teoria da liberdade, ideia angular em todo o sistema do pensamento
ético-filosófico e político kantiano. Para Kant, o conceito de liberdade explicita-se
através de dois elementos, que se articulam e complementam um ao outro:
a) Liberdade como coexistência, que consiste na limitação recíproca da vontade
de cada e tem como limite a esfera individual do outro; esse aspecto da liberdade
torna-se possível na medida em que a liberdade é considerada também como
obediência;
b) Liberdade como autonomia, que é a propriedade da vontade graças à qual esta
é para si mesma a sua lei, somente sendo livre aquele que se torna, através da
vontade própria, fonte das suas próprias leis, ou seja, autônomo.
Kant reconsidera então o conflito entre a possível contradição entre a liberdade
como autonomia e a liberdade como coexistência. DE FORMA IMEDIATA, O
DIREITO RESTRINGE A AUTONOMIA, OBRIGANDO O INDIVÍDUO A CURVAR-
SE DIANTE DE UMA VONTADE QUE NÃO LHE É PRÓPRIA. ESSE POSSÍVEL
CONFLITO SERÁ SOLUCIONADO POR KANT COM O USO DA IDEIA DO
CONTRATO SOCIAL. ATRAVÉS DO CONTRATO SOCIAL AS AUTONOMIAS
INDIVIDUAIS IRÃO REFLETIR-SE NA VONTADE GERAL, QUE ASSEGURA A
MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA E DA COEXISTÊNCIA DE FORMA
COMPLEMENTAR. Dessa vontade geral, todos participam na sua elaboração e na
submissão aos seus ditames.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A ideia do justo e do injusto insere-se, assim, no quadro de uma teoria da
liberdade. Quando o uso de uma liberdade pessoal consubstancia-se em obstáculo
ao exercício de outra liberdade pessoal segundo leis universais ocorre uma
injustiça. Para Kant a violação da liberdade do outro ocorre porque se rompe a
relação de igualdade existente entre os homens, que assegura ao homem a sua
humanidade, que se encontra determinada pela liberdade. A igualdade inata ao
homem significa para Kant independência de não ser obrigado a aquilo que os
outros reciprocamente não obrigados. Trata-se a independência, nas palavras de
Kant, “da qualidade do homem ser o seu próprio senhor (sui iuris) e também
daquela de um homem ilibado (iusti), porque antes de qualquer ato jurídico nada
fez de injusto.”
As consequências dessa argumentação residem na impossibilidade lógica de
separação do direito e da faculdade de obrigar, aos que se opõem ao seu livre
exercício e a possibilidade de uma obrigação mútua, que se torna universal
conforme a liberdade de todos segundo leis gerais. Embora o direito se funde na
consciência da obrigação de todos segundo uma lei geral, essa consciência não é
seu móbil. Pelo contrário, seu móbil é a possibilidade de uma força exterior
conciliável com a liberdade de todos, segundo leis gerais.
4.1.2. Direito em Kelsen
Na Teoria Pura, Direito é norma (Se A é, B deve ser) e o conhecimento jurídico
dirige-se, precisamente, a estas normas que conferem a certos fatos o caráter de
atos jurídicos ou antijurídicos (...) (pois) só as normas de Direito podem constituir
o objeto do conhecimento jurídico (Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Saraiva,
1939, p. 11/12). A interpretação restringe-se à fixação do sentido da norma, tendo
por resultado a determinação do espaço representado pela norma e, por
conseqüência, o conhecimento das várias possibilidades que existem dentro dele
(op. cit., p. 80). Estabelecido o âmbito de validez e vigência da norma aplicada, não
há mais nenhum critério jurídico que possa auxiliar na escolha de uma ou outra
das possibilidades decisórias: O problema do saber qual das possibilidades
existentes no âmbito duma norma é a justa é o problema que, pela sua natureza,
escapa ao conhecimento jurídico; não é um problema de teoria, mas de política do
Direito
4.1.3. Direito em Carlos Cossio
Derecho no es norma, sino conduta normada (Cossio, La Teoria Egológica dei
Derecho), sendo a conduta o objeto do estudo da ciência jurídica. A superação da
concepção racionalista percebe-se advertindo que ao jurista não interessa tanto a
lei, senão aquilo a que a lei se refere, quer dizer, a conduta dos homens. Se advierte
entonces que ei jurista no interpreta ia iey sino que interpreta ia conduta mediante
la /ey (Aftalión, Olano, Vilanova, Introducción aI Derecho, p. 83). O Direito, como

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


objeto, é conduta em interferência intersubjetiva; é um ser cultural (cultura é tudo
o que o homem faz com fins valorados), real, está no mundo da experiência, tem
valor positivo ou negativo, podendo ser conhecido através de um ato capaz de
apreender a realidade que está no mundo da experiência e seu valor. Cossio
considera que interpretação é esse ato de compreensão da conduta através de
certos esquemas conceituais fornecidos por standards chamados leis, atingível
mediante um método empírico-dialético.
4.1.4. Direito no Realismo Jurídico
Para os realistas, a ciência jurídica deve ocupar-se de fatos, não entes metafísicos,
tais como dever jurídico, direito subjetivo, etc. Toda a palavra que não tenha
provisão de fundos no mercado dos fatos à vista, está falida (Cohen). Criticam a
ideia de que o Direito cria vínculos (dado o fato x, a conseqüência será y),
porquanto isto não está no mundo do ser, não há realidade sensível nessa relação
de causalidade. O extraterreno, que observasse o comportamento das pessoas,
não perceberia a existência do Direito (Olivecrona, Linguaje Jurídico Y Realidad,
p. 7/8). O que existe é o fato x e a conseqüência será o que vier a ser ditado na
sentença. Ambos o entes reais: o fato e a sentença. A crença de que o efeito
reconhecido na sentença decorre da existência do Direito é mística, servindo
apenas para nos tranqüilizar, atendendo aos nossos anseios de segurança. ‘Os
direitos e deveres são mais que profecias, predições do que acontecerá com quem
praticar certos atos’, dizia Holmes, o iniciador do realismo americano. Afirmar a
existência da relação jurídica entre A e B é uma predição do que a sociedade
(através do Juiz) irá dizer e fazer a favor de um ou de outro. Nesse contexto,
interpretar é conhecer as situações de fato presentes e criar a norma para o caso.

21. 4.2 Ética


4.2.1. Ética X Moral
Há quem não distinga ética de moral. Isso por causa de uma antiga confusão
realizada na história. A palavra moral vem da palavra latina que significa
costumes, e a palavra ética da palavra grega que também significa costumes. Logo,
isso induz ao erro de pensar que moral = ética visto que ambas significam
costumes. A filologia, entretanto, prova que o pensamento está equivocado.
Ética é um sistema filosófico que tenta extrair de forma geral e abstrata
princípios morais em sua unidade a partir das práticas sociais, possuindo
uma normatividade externa e passível de impor uma reprovação social ao
agente que se comporte de forma antiética.
Em outra definição, ÉTICA É A CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO MORAL DOS
HOMENS EM SOCIEDADE. O objeto da ética é a moral. A moral é um dos aspectos
do comportamento humano. Com exatidão maior, o objeto da ética é a moralidade

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


positiva, ou seja, o conjunto de regras de comportamento e formas de vida através
das quais tende o homem a realizar o valor do bem.
A ÉTICA SERIA UMA TEORIA DOS COSTUMES; JÁ A MORAL NÃO É CIÊNCIA,
SENÃO OBJETO DA CIÊNCIA. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos
morais os princípios gerais a eles aplicáveis. A ética deve aspirar à racionalidade
e objetividade mais completas, e, ao mesmo tempo, deve proporcionar
conhecimentos sistemáticos, metódicos.
A ética é uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e
elucidá-las. A Ética aprimora e desenvolve o sentido moral do
comportamento humano e influencia a conduta humana.
De acordo com Raul Livino (membro da Banca do TRF1), ética começa quando
entra em cena o outro, que a impõe. E mais: hodiernamente, a ética é
condição indispensável para eficácia econômica e política. E continua:
No confronto entre o todo – algo que é construído com uma
parte de cada eu - , temos vários enfoques. Da Grécia, temos
em princípio uma ética naturalística, objetivando adequar a
conduta humana ao cosmo (pré-socráticos, Sócrates, Platão e
Aristóteles), relacionadas neste campo com uma localidade
específica.
Com a decadência do modelo exsurge uma ambição por um
conhecimento prático, não especulativo, com tendência para
produzir resultado na vida pública, ou seja, “tudo é relativo ao
sujeito, ao homem, medida de todas as coisas”.
A ética, em Sócrates, é racionalista, contém três elementos e é
universal: conhecimento universalmente válido; a natureza do
conhecimento é moral; conhecer para agir corretamente.
Em síntese: o homem é feliz, quando conhece o bem e em assim
sendo não pode deixar de praticá-lo, tornando-se dono de si
próprio. Em Platão, a polis é o terreno adequado para a vida
moral. Em Aristóteles, a comunidade social é a ambiência
própria da realização moral, embora aquela seja restrita,
limitado ficando o agir reto a uma minoria ou elite.
Com a decadência e ruína do mundo helênico, onde operou-se
também a queda dos principais impérios (macedônio e
romano), os estados gregos perderam suas autonomias e os
referidos impérios experimentaram organização,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


desenvolvimento e queda; a questão moral deslocou-se da
polis para a necessidade física natural do mundo. O homem,
como tudo no mundo, possui seu destino e somente lhe é dado
ter consciência de tal condição (estóicos e epicuistas).
Thomas de Aquino cristianizou Aristóteles, enquanto Santo
Agostinho enalteceu a interioridade, da vontade e do amor,
valorando a experiência pessoal, criando um posicionamento
oposto à ética racional dos gregos.
No mundo moderno, tivemos uma gradual mudança do
cenário da ética teocêntrica para a antropocêntrica cujo ponto
primordial fora Kant.
Sobre a ética em Kant, assinala Adolfo Sánchez Vasquez Kant –
fiel ao seu antropocentrismo ético - empresta assim à moral o
seu princípio mais alto, e o faz exatamente num mundo
humano concreto no qual o homem, longe de ser um fim em si,
é meio, instrumento ou objeto mercadoria, (por exemplo), e no
qual, por outra parte, ainda não se verificam as condições
reais, efetivas, para transformá-lo efetivamente em fim. Mas
esta consciência de que não deve ser tratado como meio, e sim
como fim, tem um profundo conteúdo humanista, moral, e
inspira, hoje, todos aqueles que desejam a realização desse
princípio kantiano, não já num mundo ideal, mas em nosso
mundo real.
A ética kantiana é uma ética formal e autônoma. Por ser
puramente formal, tem de postular um dever para todos
os homens, independente da sua situação social e seja
qual for o seu conteúdo concreto. Por ser autônoma (e opor-
se assim às morais heterônomas nas quais a lei que rege a
consciência vem de fora), aparece como a culminação da
tendência antropocêntrica iniciada no Renascimento, em
oposição à ética medieval. Finalmente por conceber o
comportamento moral, como pertencente a um sujeito
autônomo e livre, ativo e criador, Kant é o ponto de partida de
uma filosofia e de uma ética na qual o homem se define antes
de tudo como ser ativo, produtor ou criador.
Na visão ainda do autor citado, sobre a ética contemporânea, tem se:
No plano filosófico, a ética contemporânea se apresenta em
suas origens como uma reação contra o formalismo e o

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


racionalismo abstrato kantiano, sobretudo contra a forma
absoluta que este adquire em Hegel. Na filosofia hegeliana,
chega a seu apogeu a concepção kantiana do sujeito soberano,
ativo e livre; mas, em Hegel, o sujeito é ideia, razão ou espírito
absoluto, que é a totalidade do real, incluindo o próprio
homem como um seu atributo. A sua atividade moral não é
senão uma fase do desenvolvimento do espírito ou um meio
pelo qual o espírito – como verdadeiro sujeito – se manifesta e
se realiza.
A reação ética contra o formalismo kantiano e o
racionalismo absoluto de Hegel é uma tentativa de salvar
o concreto diante do formal, ou também o homem real em
face da sua transformação, numa abstração ou num
simples predicado do abstrato ou do universal.
De acordo com a orientação geral que segue o movimento
filosófico, desde Hegel até os nossos dias, o pensamento ético
também reage: a) contra o formalismo e o universalismo
abstrato e em favor do homem concreto (o indivíduo, para
Kierkegaard, o existencialismo atual; o homem social, para
Marx); b) contra o racionalismo absoluto e em favor do
conhecimento do irracional no comportamento humano
(Kierkegaard, o existencialismo, o pragmatismo e a
psicanálise); c) contra a fundamentação transcendente
(metafísica) da ética e em favor da procura da sua origem no
próprio homem (em geral, todas as doutrinas que
examinamos, e, com um acento particular, a ética de inspiração
analítica, a qual, para subtrair-se a qualquer metafísica,
refugia-se na análise da linguagem moral).
Segundo Sartre, o homem é liberdade. Cada um de nós é
absolutamente livre e mostra a sua liberdade sendo o que
escolheu ser. A liberdade, além disto, é a única fonte de valor.
Cada indivíduo, escolhe livremente e, ao escolher, cria o seu
valor. Assim, na medida em que não existem valores
objetivamente fundados, cada um deve criar ou inventar os
valores ou as normas que guiem o seu comportamento. Mas,
se não existem normas gerais, o que é que determina o valor
de cada ato? Não é o seu fim real nem o seu conteúdo concreto,
mas o grau de liberdade com que se realiza.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Cada ato ou cada indivíduo vale moralmente não por sua
submissão a uma norma ou a um valor estabelecido – assim
renunciaria à sua própria liberdade -, mas pelo uso que faz da
própria liberdade. Se a liberdade e o valor supremo, o valioso
é escolher e agir livremente.
Segundo Marx, o homem real é, em unidade indissolúvel, um
ser espiritual e sensível, natural e propriamente humano,
teórico e prático, objetivo e subjetivo. O homem é, antes de
tudo, práxis: isto é, define-se como um ser produtor,
transformador, criador; mediante o seu trabalho, transforma a
natureza externa, nela se plasma e, ao mesmo tempo, cria um
mundo à sua medida, isto é, à medida de sua natureza humana.
Esta objetivação do homem no mundo externo, pela qual
produz um mundo de objetos úteis, corresponde a sua
natureza de ser produtor, criador, que também se manifesta
na arte e em outras atividades.
Em conclusão, trago à colação síntese elaborada pelo
Professor Adolfo Sánchez Vasquez em sua obra Ética:
A ideia de que a ética deve ter suas raízes no fato da moral,
como sistema de regulamentação das relações entre os
indivíduos ou entre estes e a comunidade, orientou nosso
estudo. Por ser a moral uma forma de comportamento
humano que se encontra em todos os tempos e em todas as
sociedades, partimos do critério de que é preciso considerá-la
em toda a sua diversidade, fixando, de maneira especial em
suas manifestações atuais. Podemos assim impugnar as
tentativas especulativas de tratar a moral como um sistema
normativo único, válido para todos os tempos e para todos os
homens, assim como rejeitar a tendência de identificá-la com
uma determinada forma histórico-concreta de
comportamento moral.
Não se confundem ética e moral. Ainda que seja certo que toda moral efetiva
supõe certos princípios, normas ou regras de conduta, não é a ética que, em uma
comunidade dada, os estabelecem. A ética se encontra com uma experiência
histórico-social no terreno da moral, ou seja, uma série de morais efetivas já
existentes, e partindo delas, trata de estabelecer a essência da moral, sua origem,
as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes de valoração, a natureza

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


e função dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos, e o princípio
que rege a mudança e sucessão dos sistemas morais.

4.2.2. Conceitos de Ética


Entendo que o conceito mais adequado está exposto no item anterior. Aqui
exponho conceitos específicos, apresentados historicamente por certos
importantes filósofos e sociólogos.
Ética é ser racional. Através da razão o homem estabelece um
comportamento otimizado, estabelece a virtude do
comportamento. Ele deve levar a racionalidade às últimas
consequências e através da razão estabelecer qual o
comportamento ideal do ser humano e a virtude do seu
Sócrates
comportamento. Sócrates, portanto, estabelece a chamada
ética racionalista, porque, segundo Sócrates o que diferencia
o homem dos animais é a razão. Ademais, para ele só era
possível ser Ético obedecendo às leis da pólis, pois foram
construídas pelo homem.
Ética é agir com racionalidade despida de interesse pessoal,
Platão
cumprindo a virtude com a qual já nasceu o homem.
Ética é ser virtuoso pela razão, praticando-a. Ser virtuoso, por
Aristóteles
sua vez, é adotar o meio termo dos extremos, ser moderado.
Ética é o desenvolvimento da ligação entre o ser criado e Deus.
Então ser ético é pautar sua conduta aos parâmetros divinos,
Agostinho e
que representa a perfeição teórica. Há aí uma mistura entre
Tomás de
racionalismo platônico e aristotélico, mas a fé e a ligação com
Aquino
Deus agora assumem, a virtude aí assume uma feição menos
racional e mais teocrática.
Em Kant, não há uma separação muito precisa entre ética e
moral. Para Kant, através do uso concentrado da razão, o ser
humano, sem olhar aspectos externos, sociais, consegue
deduzir normas de comportamento obrigatórias, por si
Kant
mesmo impostas pelo agente como um dever (imperativos
categóricos). O imperativo categórico nada mais é do que o
comprometimento da própria pessoa com seu
comportamento ético.
Contrasta o formalismo excessivo de Kant, para o qual a
pessoa só atingiria a ética através do uso concentrado da
Georg Hegel
razão, do ponto de vista individual. E Hegel entendia que a
situação não era tão formal assim, porque a ética depende das

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


circunstancias sociais, onde o indivíduo nasceu, as relações
sociais e históricas, e, portanto, não tem como cada um
estabelecer normas internas, porque não se vai chegar num
consenso. Esse formalismo kantiano não permite que se
chegue a um consenso ético.
Não se pode chegar a nenhum padrão de ética sem um
discurso democrático. Para que se chegue a um padrão de
ética, a um comportamento ético, é necessário que todos os
indivíduos da sociedade iniciem um processo de discussão
dialético através de argumentos válidos, para que o mais
adequado prevaleça (instrumentalismo do discurso). Agir
Jürgen
comunicativo: só devemos agir após um processo de
Habermas
comunicação; esgotado todo o processo de comunicação, a
dialética dos argumentos, e escolhido o melhor argumento,
então a sociedade age. Isso tem uma implicação enorme com
a propria aplicabilidade das normas jurídica, porque uma
norma jurídica só vai ter validade após o discurso
argumentativo (contraditório).
Os seres humanos podem inventar e escolher, em parte, sua
Savater
forma de vida. Esse saber-viver é o que se chama de ética.
Questiona se é possível chegar a um conceito de ética numa
Peter Singer sociedade tão plural como a atual. Entende que sim, desde que
o homem se valha da razão e que seja ela convincente.
A pessoa sensível deve determinar quais os princípios de
moralidade e justiça nortearão sua vida. Deve-se partir de
condições comumente aceitas, a partir da posição original
John Rawls (véu da ignorância) que seria suprida pela racionalidade. A
ética é justamente saber discernir entre o devido e o indevido,
o bom e o mau, o bem e o mal. Isso cabe aos lúcidos fazer, já
que aos doidos e psicopatas de nada adianta falar em ética.
A moralidade na ética pós-moderna não é universalizável e é
Bauman
aporética.
4.2.2. Ética e Meio Ambiente
Esse tema é desenvolvido em profundidade por Peter Singer.
Desde a Antigüidade, as culturas hebraicas e gregas fizeram o ser humano o
centro do universo moral, e não somente o núcleo, mas a preferência totalitária
das características moralmente significativas do mundo.
Para o antropocentrismo clássico o homem é o centro do mundo, o limite de cada
coisa, de onde emanam todos os valores. Tem como base filosófica o humanismo

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


que, de acordo com um dicionário especializado possui dois significados distintos:
I) o movimento literário e filosófico que teve suas origens na Itália, na segunda
metade do séc. XIV e da Itália difundiu-se para os demais países da Europa,
constituindo a origem da cultura moderna; II) qualquer movimento filosófico que
tenha como fundamento a matéria humana ou os limites e interesses do homem.
Esta posição humana vem sendo questionada e suas práticas consideradas
não mais aceitas, trata-se da (tentativa de) superação do paradigma
antropocêntrico, por uma nova visão de mundo, com valores recentes.
Contudo, para uma reflexão inicial sobre essas mudanças, faz-se necessária uma
análise do conceito de paradigma. Dentro desse exame, Thomas Kuhn, definiu:
Paradigmas (do grego, parádeigma) são realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante um período de tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes da ciência. Nessa concepção, um
primeiro sentido sociológico do conceito de paradigma indica toda a constelação
de crenças, valores, procedimentos e técnicas partilhadas no consenso de uma
comunidade determinada. Num segundo e mais profundo sentido, denota um tipo
de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebracabeças que,
empregadas de forma modelar ou exemplar, podem substituir regras explícitas
como base para a solução dos demais problemas da ciência normal.
Somente após a devida articulação das experiências e teoria experimental
ratificando a novidade relativa aos fatos, ou seja, de descoberta é que a simples
teoria dá passagem à nova síntese: o paradigma.
O novo paradigma traz consigo uma ética preocupada com a universalidade, que
considera as consequências dos atos humanos em relação ao todo.
E mais, tira o homem do centro das preocupações e quer trazer o ambiente
para o foco principal, sem é claro, desconsiderar o primeiro, mas
conseguindo definir preocupações que não atinjam-no de modo direto,
somente como parte do meio. Nisso encontra-se o grande desafio de como
atribuir importância à preservação dos animais, das espécies, das árvores e
do ecossistema, sem considerarmos os interesses dos seres humanos, sejam
eles econômicos, de lazer ou científicos.
4.2.3. Ética de Princípios e Ética de Resultados
A ética dos princípios julga a ação com base naquilo que está antes, o princípio,
a norma, a máxima – não matar, não mentir, observar os pactos estabelecidos.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A ética dos resultados julga a ação com base naquilo que vem depois, isto é, com
base nos efeitos da ação. Pela ética de resultados, a ação humana é boa e correta
quando atinge os resultados esperados.
Pela ética de princípios, o uso da camisinha, a pesquisa das células-tronco, o
aborto de fetos sem cérebro, o divórcio, a eutanásia são questões resolvidas que
não requerem decisões: os princípios universais os proíbem. Mas a ética
contextual ou de resultados nos obriga a fazer perguntas sobre o bem ou o mal
que uma ação irá criar. O uso da camisinha contribui para diminuir a incidência
da Aids? As pesquisas com células-tronco contribuem para trazer a cura para uma
infinidade de doenças? O aborto de um feto sem cérebro contribuirá para
diminuir a dor de uma mulher? O divórcio contribuirá para que homens e
mulheres possam recomeçar suas vidas afetivas? A eutanásia pode ser o único
caminho para libertar uma pessoa da dor que não a deixará?
4.2.4. Eutanásia e Ética/Moral
Sobre o aspecto ético existem, segundo Nalini, quatro pontos de vista essenciais
sobre a admissibilidade ou não da eutanásia.
A primeira, é a doutrina da sagração da vida em sentido estrito, para a qual
nenhuma das modalidades de eutanásia é aceitável.
A segunda é a doutrina da sagração da vida em sentido moderado, e corresponde
às acepções ético-médicas habituais, ou seja, proíbe-se toda forma de eutanásia
direta-ativa, bem como toda forma de assistência ao suicídio, mas, sob certas
circunstâncias, permite-se a eutanásia indireta: deixar morrer um paciente no
sentido da eutanásia-passiva.
O terceiro ponto de vista é a posição liberal moderada, a permitir a eutanásia
indireta-ativa ou deixá-lo morrer no sentido da eutanásia passiva, mas também
permite o suicídio do paciente.
O último e o quarto ponto de vista é a posição fortemente liberal, que permite a
assistência ao suicídio e também todas as formas de eutanásia, inclusiva a direta-
ativa.
Em termos éticos, segundo o autor, apenas as duas primeiras posições
seriam admissíveis. As demais colidem com o valor insuperável da vida.

22. 4.3. Conceitos de Cultura


Cultura, de acordo com Miguel Reale, é o conjunto de tudo aquilo que, nos
planos material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza,
quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo. É, desse modo, o
conjunto dos utensílios e instrumentos, das obras e serviços, assim como das

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


atitudes espirituais e formas de comportamento que o homem veio formando e
aperfeiçoando, através da história, como cabedal ou patrimônio da espécie
humana.
Não vivemos no mundo de maneira indiferente, sem rumos ou sem fins. Ao
contrário, a vida humana é sempre uma procura de valores. Viver é
indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente, entre dois ou mais
valores. A existência é uma constante tomada de posição segundo valores. Se
suprimirmos a ideia de valor, perderemos a substância da própria existência
humana. Viver é, por conseguinte, uma realização de fins. O mais humilde dos
homens tem objetivos a atingir, e os realiza, muitas vezes, sem ter plena
consciência de que há algo condicionando os seus atos.
O conceito de fim é básico para caracterizar o mundo da cultura. A cultura
existe exatamente porque o homem, em busca da realização de fins que lhe
são próprios, altera aquilo que lhe é "dado", alterando-se a si próprio.
Para ilustrar essa passagem do natural para o cultural, - mesmo porque não há
conflito entre ambos, pois, como adverte Jaspers, a natureza está sempre na base
de toda criação cultural, - costuma-se lembrar o exemplo de um cientista que
encontra, numa caverna, um pedaço de sílex.
À primeira vista, por se tratar de peça tão tosca, tão vizinha do natural
espontâneo, considera-a apenas com olhos de geólogo ou de mineralogista,
indagando de suas qualidades, para classificá-la segundo os esquemas do saber
positivo.
Um exame mais atento revela, todavia, que aquele pedaço de sílex recebera uma
forma resultante da interferência, do trabalho do homem, afeiçoando-se a fins
humanos, para servir como utensílio, um machado, uma arma. Desde esse
instante, o dado da natureza se converte em elemento da cultura, adquirindo uma
significação ou dimensão nova, a exigir a participação do antropólogo, isto é, de
um estudioso de Antropologia cultural, que é a ciência das formas de vida, das
crenças, das estruturas sociais e das instituições desenvolvidas pelo homem no
processo das civilizações.
Esse exemplo, que nos transporta às origens da cultura, tem o mérito de mostrar
a vinculação originária da cultura com a natureza, evitando-se certos exageros
culturalistas, que fazem do homem um Barão de Münchausen pretendendo
arrancar-se pelos cabelos para se libertar do mundo natural, no qual se acha
imerso... É, ao contrário, com apoio na natureza, que a cultura surge e se
desenvolve.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O sentido ora dado à palavra cultura não deve ser confundido com a acepção
corrente da mesma palavra. "Cultura", na acepção comum desse termo,
indica antes o aprimoramento do espírito, que possibilita aos homens
cultivar todos os valores humanos. Homem culto é aquele que tem seu
espírito de tal maneira conformado, através de meditações e experiências
que, para ele, não existem problemas inúteis ou secundários, quando eles
se situam nos horizontes de sua existência. O homem culto é bem mais do
que o homem erudito. Este limita-se a reunir e a justapor conhecimentos,
enquanto que o homem culto os unifica e anima com um sopro de
espiritualidade e de entusiasmo.
O termo técnico "cultura", embora distinto do usual, guarda o mesmo sentido
ético, o que compreenderemos melhor lembrando que a cultura se desdobra em
diversos "ciclos culturais" ou distintos "estágios históricos", cada um dos quais
corresponde a uma civilização. O termo "cultura" designa, portanto, um gênero,
do qual a "civilização" é uma espécie.
4.3.1. Bens Culturais e Ciências Culturais
Dissemos que existem duas ordens de fenômenos: os da natureza e os da cultura.
No estudo dos fenômenos puramente naturais, o homem chega a uma soma de
conhecimentos que forma, em síntese, as chamadas ciências físico-matemáticas,
como, por exemplo, a Física, a Química, a Matemática, a Astronomia, a Geologia, e
assim por diante.
Essas ciências não podem ser chamadas ciências culturais; elas, entretanto, como
ciências que são, constituem "bens da cultura". Elas entram a fazer parte do
patrimônio da cultura, mas não são ciências culturais, porquanto o seu objeto é a
natureza: são "ciências naturais", e como produto da atividade criadora do
homem, integram também o mundo da cultura.
Se o homem, por um lado, estuda e explica a natureza, atingindo ciências especiais,
por outro lado, volta-se para o estudo de si mesmo e da sua própria atividade
consciente; ele abre perspectivas para outros campos do saber, que são a História,
a Economia, a Sociologia, o Direito etc.
Essas ciências, que têm por objeto o próprio homem ou as atividades do homem
buscando a realização de fins especificamente humanos, é que nós chamamos de
ciências propriamente culturais. Há, pois, uma distinção bem clara e necessária:
todas as ciências representam fatos culturais, bens culturais, mas, nem todas as
ciências podem ser chamadas, no sentido rigoroso do termo, ciências culturais.
Ciências culturais são aquelas que, além de serem elementos da cultura, têm
por objeto um bem cultural. A sociedade humana, por exemplo, não é só um

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


fato natural, mas algo que já sofreu no tempo a interferência das gerações
sucessivas.
Quando uma criança nasce já recebe, através dos primeiros vocábulos, uma série
de ensinamentos das gerações anteriores. Herda ela, indiscutivelmente, através
da linguagem, um acervo de espiritualidade que se integrou na convivência.
Em seguida, o ser humano vai recebendo educação e adquirindo conhecimentos
para, depois, atuar sobre o meio ambiente e, desse modo, transformá-lo, através
de novas formas de vida. A sociedade está constantemente em mutação, não
obstante ter sua origem na natureza social do homem.
É necessário, pois, esclarecer o valor do ensinamento, que nos vem de Aristóteles,
de que "o homem é um animal político" por sua própria natureza, ou seja, um
animal destinado a viver em sociedade, de tal modo que, fora da sociedade, não
poderia jamais realizar o bem que tem em vista.
É preciso compreender o sentido da palavra "natural" empregada por Aristóteles
e seus continuadores. Não há dúvida que existe, na natureza humana, a raiz do
fenômeno da convivência. É próprio da natureza humana viverem os homens uns
ao lado dos outros, numa interdependência recíproca. Isto não quer dizer que o
homem, impelido a viver em conjunto, nada acrescente à natureza mesma, pois
ele a transforma, transformando-se a si mesmo, impelido por irrenunciável
exigência de perfeição.
A sociedade em que vivemos é, em suma, também realidade cultural e não mero
fato natural. A sociedade das abelhas e dos castores pode ser vista como um
simples dado da natureza, porquanto esses animais vivem hoje, como viveram no
passado e hão de viver no futuro. A convivência dos homens, ao contrário, é algo
que se modifica através do tempo, sofrendo influências várias, alterando-se de
lugar para lugar e de época para época. É a razão pela qual a Sociologia é
entendida, pela grande maioria de seus cultores, como uma ciência cultural.
É evidente que o Direito, sendo uma ciência social, é também uma ciência
cultural, como será objeto de estudos especiais.

23. 4.4. Conceitos de Justiça


Viam o mundo como o resultado dos feitos e desfeitos dos
deuses. A Justiça era baseada nos mitos, alegorias que
Pré-socráticos
buscavam explicar os sucedidos terrenos de acordo com
caprichos advindos de uma ordem sobrenatural.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Justiça seria um valor fundamental, cujo conhecimento
Sócrates somente poderia ser alcançado através do diálogo, no
interior da Pólis.
Platão defendia que cada pessoa tinha uma aptidão. Justiça
ocorre quando cada um exerce a virtude sua na sociedade,
Platão
de acordo com sua natural designação. Assim, o papel do
homem já era pré-determinado
Justiça é o agir com cooperação interpessoal (homem é um
ser político). Não se trata de algo individual, mas algo
essencialmente social, que se manifesta nas relações entre
os homens. Como se concretiza a justiça? Pelo alcance da
igualdade. Ele via a justiça em duas acepções, justiça
particular (justiça na relação entre as partes) e justiça
universal (justiça que envolve o todo, ou seja, a legislação e
toda comunidade por ela protegida). A justiça particular
podia ser:
Justiça particular comutativa ou corretiva: trata-se da justiça
entre particulares, entre pessoas que atuam com
coordenação, sem diferenciações hierárquicas, a qual deve
ser concretizada de forma simples ou aritmética. Os ganhos
e perdas das partes devem ser iguais, não importando o
Aristóteles mérito individual. Esse justo conduz à noção de
reciprocidade proporcional das forças dentro da malha
social.
Justiça particular distributiva: trata-se da justiça entre
sociedade e particulares, não devendo ser implementada de
forma direta, e sim proporcional. Nela se insere a
importância do mérito (avaliação subjetiva do merecimento
ou não de benefícios) para se fixar a justiça na distribuição
dos bens. Aristóteles reconhecia que o mérito era um valor
variável, conforme o sistema político adotado.
Para se completar a teoria da justiça em Aristóteles, ele
agregou o elemento da equidade em sua concepção.
Equidade significaria avaliar o justo no caso concreto, visto
que a lei possui um caráter geral e abstrato. Assim, equidade
é a correção dos rigores da lei.
apontavam a identidade entre a legalidade e a justiça, de
Sofistas modo a favorecer o desenvolvimento de ideias que
associavam à inconstância da lei a inconstância do justo.
Justiça é a justificação humana alcançada pela fé em Deus
Jesus Cristo
(Jesus); somente pelo conhecimento de Deus, e sendo por

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Ele justificado, o homem é capaz de praticar a verdadeira
justiça. Ser justo é cumprir os dois mandamentos que
guardam toda a axiologia do cristianismo verdadeiro: amar
a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
A justiça cristã é transcendental, eis que o “assunto” de Deus
com o homem se refere à alma, que é eterna, e não ao corpo
físico, que é mortal, perecível, do pó veio e ao pó voltará.
Justiça é buscar a correspondência entre a lei humana e a lei
divina. A justiça terrena é, na verdade, reflexo da cidade dos
homens; essa concepção deverá imperar até o advento da
Agostinho
Cidade de Deus, quando então haverá a ruptura com a
presente ordem social. Se o homem, por outro lado, se deixar
inspirar divinamente, seus atos e instituições prosperarão.
Justiça consiste na disposição constante da vontade de dar a
cada um o que é seu, segundo uma igualdade. Não
Tomás de
respondeu, entretanto, o que era devido a quem. Ele é
Aquino
jusnaturalista, admite a existência de uma lei natural, a qual,
entretanto, seria mutável.
Não desenvolveu especificamente o tema sobre a justiça,
mas sim sobre o poder. Para ele, o governante tinha que
manter o poder para garantir a ordem, e da ordem poderia
Maquiavel
vir a justiça. O poder poderia vir e ser mantido por várias
formas: carisma, competência, força. O importante é ser
mantido (
Contratualista. Ser justo é obedecer ao contrato social
firmado com o Leviatã (Estado), ente necessário para
Thomas Hobbes
impedir que o homem retorne ao estado de natureza, em que
o que imperava era a lei do mais forte.
Contratualista. Ser justo é obedecer ao contrato social,
contrato este muito mais razoável, entretanto, do que o de
Hobbes. Antes do Estado, o homem não vivia no caos. O
homem se organiza naturalmente. Os homens firmaram o
John Locke
contrato social a fim de permitir a solução de questões que
dificilmente poderiam ser solvidas sem a participação de um
poder. Em Locke, há direitos pré-contratuais, abrindo-se aí
margem para a defesa dos direitos humanos.
Contratualista. Rousseau era um jusnaturalista, tendo sua
filosofia um aspecto imanentista de justiça, não advinda de
Jean-Jacques
Deus, mas dos próprios homens. E a justiça, em Rousseau, é
Rousseau
a observância das leis justas que foram elaboradas com base
nos direitos naturais pela vontade geral de preservar

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


direitos e liberdades inatos ao homem. Esses direitos os
homens já tinham antes, quando viviam na Idade de Ouro,
situação originária pré-contratual.
Empirista e cético, antiracionalista. A justiça não se define
por critérios subjetivos, pelo que um indivíduo considera
justo, mas sim pelo que objetivamente se tem como justo na
David Hume coletividade. Essas convenções podem mudar com o tempo,
razão pela qual a Justiça seria o conjunto de
comportamentos juridicamente exigidos em certo
espaço/tempo.
A noção de direito refere-se à relação exterior e prática de
uma pessoa com outra, na medida em que as suas ações
possam influir sobre outras ações; essa noção diz respeito à
relação do arbítrio do agente com o arbítrio do outro.
Estabelece-se, assim, uma relação mútua de arbítrios, onde
se consideram não as finalidades pretendidas por cada um
dos agentes, mas unicamente se a manifestação da vontade
de um, expressa em sua ação, constitui um empecilho ao
exercício da liberdade do outro, de acordo com uma lei
universal ou o princípio universal do direito. O direito em si
Immanuel Kant
reporta-se à manutenção da liberdade de cada um segundo
uma lei válida para todos (imperativo categórico geral).
Logo, a injustiça é a perturbação do estado de livre
coexistência, pois o impedimento à liberdade de um não
pode subsistir com a liberdade de todos, segundo leis gerais.
Kant traz como elemento essencial para se caracterizar a
justiça a liberdade, o homem dando a si mesmo as suas leis
e cumprindo-as por dever pessoalmente imposto A ação
somente seria justa se exercida com o máximo de liberdade,
respeitada a existência da liberdade alheia.
“Uma pessoa que sustenta que certa regra ou conjunto de
regras – por exemplo, um sistema tributário – é injusto não
indica nenhuma qualidade discernível nas regras; não
apresenta nenhuma razão para sua atitude. Simplesmente se
limita a manifestar uma expressão emocional. Tal pessoa
Alf Ross diz: “Sou contra essa regra porque é injusta’. O que deveria
dizer é: “Esta regra é injusta porque sou contra ela”. Alf Ross
é o que há de mais radical no pensamento a respeito da
justiça, porque ele nega a justiça. Para ele não há
possibilidade de conhecimento racional a respeito da justiça.
Para ele nós nem se quer devemos nos dar ao trabalho de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


teorizar a respeito da justiça, porque a justiça é fruto das
nossas emoções, a justiça é fruto das nossas reações, é como
uma criança de 06 anos que diz é injusto, mas criança de 06
anos não tem essa capacidade. Então ele vai dizer, a justiça é
uma reação emocional do homem, ele diz que é injusto
aquilo que o desagrada. Eu não sou capaz de conhecer a
justiça, ele nega a possibilidade de se conhecer a justiça,
então justiça não tem nada a ver com direito.
O direito deve ser visto como instrumento que realiza
valores e expectativas de justiça que lhe são anteriores. Isso
não pode ser feito no modelo positivista propugnado por
Kelsen. Para Dworkin, a interpretação no direito é essencial,
especialmente mediante sua posição de que o juízo jurídico
não pode ser feito sem o juízo moral. Porém, ele não quer,
com isso, ir de encontro ao sistema jurídico vigente para
afirmar a inexistência de parâmetros judiciais de decisão ou
conceder uma carta branca aos juízes para julgar. Para
Dworkin Dworkin, a atividade interpretativa, inerente ao Direito, é
essencialmente evolutiva, na medida em que as concepções
jurídicas do “ontem” são remanejadas, a cada case, para ser
o melhor possível hoje. A satisfação do bem particular
privado não pode ser conquistada sem que alguns elementos
de justiça (públicos) intervenham para a sua realização. A
justiça é entendida como condição de bem estar para a
realização dos indivíduos. Seu ideal de justiça é liberal, mas
descurar que a liberdade não pode ser confundida com a
sorte.
Rawls é completamente antiutilistarista; elaborou uma
teoria de justiça voltada para a democracia. A teoria da
justiça parte de duas ponderações: a) A equidade rege todas
as reflexões sobre a questão da justiça (equidade aqui em
nada coincidindo com a concepção aristotélica). Equidade
para ele dá-se quando do momento inicial em que se
definem as premissas com as quais se construirão as
John Rawls
estruturas institucionais da sociedade; mais claramente,
quando se fala em equidade em Rawls, fala-se de um
momento inicial em que os atores do contrato social
discutiram em pé de absoluta igualdade os princípios da
justiça; b) Rawls é contratualista (neocontratualista). Como
ele cria uma teoria, ele a assenta numa base hipotética, não
histórica, para poder desenvolver todo o seu raciocínio.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Outro ponto nevrálgico em Rawls é o fato de que a justiça
não é estudada com base na ação humana individualmente
tomada, mas sim com base nas instituições sociais. É a
justiça das instituições humanas (interesses comuns a
todos) que beneficia ou prejudica a comunidade que a ela se
encontra vinculada.O que são essas “instituições” em Rawls?
São as leis fundamentais, regras e preceitos de uma
sociedade, não devendo ser compreendidas no sentido
organizacional, isto é, de Estado, Igreja etc. Assim, o modelo
de Rawls BUSCA, ALÉM DE DETERMINAR O QUE É
SOCIALMENTE JUSTO, MOSTRAR QUAIS SÃO OS MODAIS
DEÔNTICOS (DEVERES) DAS INSTITUIÇÕES NAS
ESTRUTURAS BÁSICAS DE UMA SOCIEDADE. Para apontar o
que é justiça, Rawls confere um importante papel às
questões relativas à distribuição de direitos e deveres e das
oportunidades econômicas e condições sociais, assim como
às relativas à participação nessa distribuição.
Justiça é a maximização das possibilidades de se alcançar a
felicidade, já que o homem é movido pelo prazer e pela fuga
da dor. Trata-se de um ser que age por interesses, interesses
na obtenção do bem estar. A justiça utilitaária é ordenar a
sociedade de forma que suas instituições mais importantes
sejam planejadas de modo a conseguir o maior saldo líquido
Utilitaristas
de satisfação obtido a partir da soma das participações
individuais de todos os seus membros. Há justiça, então, se
a maioria da sociedade possui bem estar, mesmo que em
detrimento do mal causado para uma minoria. Justo é
permitir que o homem seja feliz e se realize (conceito super-
simplficiado das ideias utilitárias, cuidado).
Justiça é permitir que cada um realize seu projeto pessoal de
vida, sem ingerência estatal e sem pressões exteriores que
Libertarianistas
levem o ideal pessoal a ser diferente do real (conceito super-
simplficiado das ideias utilitárias, cuidado).

24. 4.5. Conceitos de Moral


A moral é o comportamento que a pessoa adota espontaneamente,
independentemente de sanção, por considerar que deve fazê-lo. O ato moral
implica a adesão do espírito ao coneúdo da regra. Georg Jellinek dizia que o Direito
era um mínimo ético, ou seja, que ele representaria o mínimo de Moral declarado
obrigatório para que a sociedade possa sobreviver.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Isso, no entanto, não é correto. Isso porque existem várias questões incorporadas
ao direito que podem ser tidas por amorais, ou seja, totalmente indiferentes da
moral (exemplo: essa lei começa a vigorar na data de sua pulicação...) e várias
questões imorais, mas incorporadas ao Direito, como a delação premiada. De
acordo com Reale, por mais que os homens se esforcem por manter relações
imorais apartadas do Direito, sempre permanece nele um resíduo de imoral
tutelado.
Logo, vê-se que há sim, por evidente, pontos comuns entre o Direito e a Moral,
mas daí a dizer que o Direito é um mínimo ético é incorreto. Idealmente,
representa-se o Direito e a moral por dois círculos concêntricos, sendo o Direito
o círculo do meio. Mas na concepção real ou pragmática, o Direito é melhor
representado por dois círculos secantes.
4.5.1. Moral Kantiana
Kant opõe-se ao relativismo, ao ceticismo e ao dogmatismo, do mesmo modo que
pensadores contemporâneos, como Rawls, Apel, Habermas e Dworkin.
O julgamento e o ato moral não dependem de sentimentos pessoais, de decisões
arbitrárias, de valores sócio-culturais ou de convenções. A ação humana, para
Kant, é submetida a obrigações últimas, sendo o homem responsável diante de si
mesmo e do outro, sendo que essa ação resulta de uma racionalidade que é
própria do homem. Para que se possa justificar racionalmente a ação moral irá
obedecer ao princípio último da moral - o imperativo categórico.
Do ponto de vista dos costumes, Kant classifica as ações humanas em ações:
a) contra o dever e, nesse sentido, as subdivide em ações: I) Por interesse
pessoal; II) Legalidade simples; III) Por inclinação imediata;
b) De acordo com o dever e;
c) Por dever. Somente as últimas são consideradas como ações morais e,
portanto, fazem parte do universo da moralidade.
Kant explica a ética/moral apelando para o conceito de dever, porque o homem –
ser moral – não possui uma boa vontade sempre e naturalmente. O dever é que
irá permitir que se torne boa a vontade nos seres finitos. Por sua vez, a boa
vontade reside em cumprir o dever pelo respeito ao dever (e não em respeito à
legalidade). O critério metaético da moralidade, a bondade incondicional, se
realiza quando se faz o que é justo por ser moralmente correto e, portanto,
quando a ação materializa o dever mesmo, independente de qualquer causa
externa.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Apenas nesses casos, Kant fala de moralidade. A moralidade, portanto, irá dotar a
vontade de uma qualidade que irá distinguir os seres humanos dos animais
racionais, que agem somente de acordo com as leis da natureza. Escreve Kant que
o essencial de toda a determinação da vontade mediante a lei moral é que ela, para
ser uma manifestação da liberdade, será determinada unicamente pela lei moral,
expressa no imperativo categórico. Essa determinação se realizará “não apenas
sem a cooperação das impulsões sensíveis, mas até com a rejeição de todas elas e
com a exclusão de todas as inclinações, enquanto elas se poderiam opor àquela
lei.” Torna-se necessário, assim de acordo com Kant determinar-se um princípio
objetivo, enquanto dirigido à vontade do agente.
Nesse contexto é que Kant demonstra a importância do imperativo categórico.
KANT DIVIDE OS IMPERATIVOS, MÁXIMAS DE QUALQUER AÇÃO HUMANA,
EM HIPOTÉTICOS E CATEGÓRICOS. O IMPERATIVO É HIPOTÉTICO, QUANDO
A AÇÃO É APENAS BOA, COMO MEIO PARA SE ATINGIR ALGO MAIS, ALGUM
FIM. O IMPERATIVO É CATEGÓRICO, QUANDO REPRESENTA UMA AÇÃO
COMO, OBJETIVAMENTE, NECESSÁRIA, SEM RELAÇÃO COM QUALQUER FIM;
A AÇÃO É REPRESENTADA COMO BOA EM SI MESMA.
Logo, o imperativo categórico é o critério objetivo da moralidade e se articula, em
três formulações, todas dirigidas à vontade do agente. Estabelecem máximas ou
princípios subjetivos da ação e é passível de generalização, ou seja, exclui,
expressamente, a análise das consequências ou do bem-estar imediato da pessoa,
pois antes visa o bem-estar dos outros. Kant faz a formulação geral do imperativo
categórico nos seguintes termos: “Age segundo a máxima que possa
simultaneamente fazer-se a si mesma lei universal”.
1ª. Formulação - “age unicamente de acordo com a máxima que possa se tornar
universal”
2ª formulação – “age como se a máxima da tua ação se devesse tornar por tua
vontade uma Lei Universal da Natureza’”.
3ª formulação – “age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa,
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e jamais
como meio”.
4ª formulação – “age segundo máximas que contenha simultaneamente em si a
sua própria validade universal para todo o ser racional”.
O imperativo categórico refere-se a máximas, ou seja, a princípios subjetivos da
ação, que diferem de um indivíduo para outro, são princípios que o próprio sujeito
reconhece como próprios e que contêm várias normas de orientação para a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


própria existência em termos pessoais e sociais (ex. eu ajo de determinada
maneira e não de outra por princípio). As normas práticas são diversas de acordo
com a situação e as possibilidades do sujeito, já que essas são também infinitas.
Mesmo seguindo a mesma máxima, pode-se agir de forma diferente diante
de situações que exigem a sua adoção.
A fórmula racional adotada por Kant para resolver a questão da adequação
das máximas ao dever, sem cair no dogmatismo ou no formalismo rígido,
consiste no emprego da ideia da razão prática e da autonomia. Autonomia
consiste, como o próprio nome indica, na ação realizada de acordo com a lei
elaborada pela própria vontade.
Kant argumenta que sendo a lei moral, a única lei estabelecida pela consciência
individual, ela será o princípio determinante da manifestação da autonomia.
ENCONTRA-SE NESSA CATEGORIA A FUNDAMENTAÇÃO DO CONCEITO DE
LIBERDADE: VONTADE LIVRE É VONTADE SUBMETIDA A LEIS MORAIS,
PORTANTO, ÀS LEIS QUE EXPRESSAM A AUTONOMIA. O respeito ao dever,
imposto pela lei da autonomia será então o único móbil da ação que não torna a
vontade heterônoma, ou seja, determinada por fatores alheios ao agente.
O princípio da autonomia implica que se escolham somente aquelas máximas do
nosso próprio querer que possam, simultaneamente, serem consideradas como
lei universal, ou seja, de acordo com o imperativo categórico.
A moralidade torna-se, assim, como a única condição que torna o homem um fim
em si mesmo. O homem torna-se um fim em si mesmo quando participa no reino
dos fins, cada homem é um fim nesse reino como um membro legislador.
O homem é um membro legislador desse “reino” quando sua vontade é livre, ou
seja, conforme uma lei universal e necessária que determina que o homem nunca
seja tratado como meio e sempre como um fim em si mesmo. Como só a lei moral
considera o homem como um fim em si mesmo, só em obediência a ela é que
os homens podem coexistir livremente, na medida em que a liberdade de
um encontra obstáculo na liberdade do outro em seu uso externo. A ausência
de moralidade implica que cada um aja segundo as suas próprias inclinações, pois
o homem, além do mundo inteligível, faz parte também do mundo sensível, o que
o torna suscetível a paixões e inclinações diversas, ou seja, segundo leis que não
podem ser universalizáveis, por exemplo, mentir. É a possibilidade de
coexistência em um “reino” em que todos são respeitados como fins em si mesmos
que acaba produzindo no homem o interesse pela lei moral. E, por isso, a lei moral
é a única lei que o homem pode produzir para si mesmo.
Portanto, a heteronomia da vontade, a obediência não à lei moral, mas a
determinações externas à nossa consciência, tem como consequência

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


desconsiderar-se o homem como um fim em si mesmo, logo, não podendo ser
universalizável, destruindo, assim, a igual liberdade de todos os homens. A
autonomia da vontade, por outro lado, permite a liberdade de todos, entendida
como coexistência, e, sendo assim, como obediência a uma lei que considera o
outro como um fim em si e a não lhe fazer nada que não se deseje para si mesmo.
A vontade autônoma é aquela que adota uma máxima (que leva à ação) conforme
o dever, pois ela toma para si esse dever, como se sua lei fosse, já que somente
através dela pode se tornar um homem livre. A heteronomia da vontade, ao
contrário, não leva à liberdade, pois o homem estará agindo segundo uma
lei (uma determinação) que ele não produziu para si. O conceito de
liberdade, em Kant, ao pressupor obediência à lei moral, exclui qualquer
forma de consideração egoísta, pois a obediência tem em vista somente o
outro, a quem a lei moral manda que se trate como um fim em si mesmo. Esta
concepção oferece importantes aportes à construção da ideia de dignidade
humana.
A lei moral é universal, pois vale indistintamente para todos os seres racionais, e,
além disso, determina que o homem seja tomado, na ação, sempre como um fim
em si mesmo. Ao formular o imperativo categórico, o homem torna-se um fim em
si mesmo. Como essa condição só é alcançada através da ação moral, a moralidade
e a humanidade são as únicas coisas dotadas de dignidade.
Kant afirma que o homem existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio,
para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, tanto as
direcionadas a ele mesmo, quanto nas que o são a outros seres racionais, o homem
deve ser sempre considerado, simultaneamente, como fim.
Tudo tem um preço ou uma dignidade, escreve Kant. Uma coisa caracteriza-se por
ter um preço e pode ser substituída por outra coisa que lhe seja equivalente; “mas
quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite
equivalente, então tem ela dignidade”. Ao contrário das coisas que têm um valor
meramente relativo, os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua
natureza os distingue como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode
ser empregado como simples meio e que, por isso, limita todo o arbítrio e é um
objeto de respeito. O homem não é, pois, um fim subjetivo para a ação, mas um
fim objetivo, isto é, algo cuja existência é, em si mesma, um fim. Por isso, Kant
remete à existência de um princípio prático da razão que determina a vontade
humana e que pressupõe que a natureza racional existe como fim em si. A
submissão a essa lei que ordena que cada homem jamais se trate, a si mesmo ou
aos outros, simplesmente como meios, remete a uma ligação sistemática de leis
objetivas comuns, isto é, a um “reino dos fins”, ou seja, a um estado no qual cada

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


homem é um fim em si mesmo e somente nesse “reino”, o homem é um ser livre,
um ser autônomo, em cuja vontade reside toda obrigação e toda autonomia.
4.5.1.1. Tratamento do Direito em Kant
Ao contrário do que consideram alguns leitores de Kant, na filosofia do direito
kantiana não ocorre uma separação conceitual entre a moral e o direito,
mas uma separação analítica. Isto significa que ocorre uma necessária
complementaridade entre o sistema da moralidade e o sistema jurídico, que
se materializa não na esfera da vontade individual, mas da ação do poder
público, especificamente, na legislação. O direito à inviolabilidade da pessoa
humana, por exemplo, se caracteriza como um direito subjetivo que pertence ao
homem como pessoa, antes mesmo do direito estatal.
A doutrina do direito de Kant reflete, no campo da teoria do direito, a sistemática
da metafísica dos costumes, que se apóia sobre os conceitos preliminares da
teoria kantiana da moral, a philosophia practica universalis - dever e imperativo
categórico, obrigação e coerção - e destaca duas questões fundamentais: a
legalidade e a moralidade, e o a priori universal da razão jurídica.
Assim, Kant aborda um aspecto da moral, que a ética contemporânea ignora,
pois o sujeito encontra-se ligado a dois tipos de relação, ambos subsumidos
numa única e mesma obrigação, que é a lei moral, a saber, a legalidade e a
moralidade.
A LEGALIDADE NÃO É UMA SOLUÇÃO CONTRÁRIA À MORALIDADE, MAS SUA
CONDIÇÃO NECESSÁRIA. Dessa forma, a tese de Max Weber – os dois tipos
weberianos de ética: a ética da responsabilidade e a ética da convicção – e a tese
do positivismo da separação absoluta entre a legalidade e a moralidade não se
sustentam diante da argumentação implícita no pensamento de Kant.
O ato moral para Kant não disputa com o ato legal, mas representa um reforço de
suas exigências. A resposta à pergunta “o quê é o direito?” e não à pergunta “o quê
está de acordo com o direito?”, insere-se no quadro geral que constitui as
indagações fundamentais da metafísica kantiana:-“ O quê posso saber?” Ou os
limites do conhecimento; “O quê devo fazer?”, onde se analisa o problema da ação
humana e onde se encontra a quaestio iuris; “O quê posso esperar?”, onde são
respondidas as indagações sobre a religião e a história e “O quê é o homem?” ou a
antropologia filosófi ca.
A razão prática designa a faculdade de agir independentemente de princípios de
determinação, de escolha, a saber, dos desejos, das necessidades e das paixões,
dos sentimentos do agradável e do desagradável. O estudo do julgamento estético
conduziu Kant a afirmar na Crítica da Faculdade de Julgar que se existe um ser que
é o objeto final da natureza, esse ser somente pode ser o homem. Kant repete

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


então a tese do primado teleológico puro da ideia da liberdade e de seu valor
regulador. Ao mesmo tempo, Kant procura articular a filosofia teórica com a
filosofia prática no edifício de uma filosofia transcendental.
KANT APRESENTA O HOMEM NÃO COMO ELE É, MAS COMO DEVERIA SER.
Dentro dessa perspectiva, Kant argumenta como pertence à faculdade de julgar
estética realizar a síntese do mundo da natureza e com o da liberdade, ou seja, os
requisitos da razão teórica e da razão prática.
A terceira Crítica representa uma virada na reflexão política e jurídica. Isto porque
Kant estabelece uma ligação entre o “belo” – objeto do julgamento estético – e o
bem – objeto da moralidade. Essa ligação é realizada considerando-se como
hipótese do bem, o “belo”, que signifi ca ordem, uma harmonia que o direito, com
vistas a governar a sociedade civil, deve encarnar nas regras jurídicas. Assim, a
virada é realizada, pois a ordem jurídica, à semelhança da beleza estética,
apresenta-se para Kant como a inscrição da ideia de liberdade na natureza. O
PODER LEGAL DA SOCIEDADE CIVIL DEVERÁ CONTER A VOCAÇÃO
ANÁRQUICA DA LIBERDADE NATURAL. AS LEIS DEVERÃO INSTITUIR UMA
ORDEM QUE SE ALGUM DIA, ESPERAVA KANT, PUDER SER PROJETADA EM
DIMENSÃO MUNDIAL, CONSTITUIRÁ O DIREITO COSMOPOLÍTICO, O DIQUE
CONTRA TODAS AS GUERRAS.
Kant chama de virtude a fortaleza moral do homem que tem em vista a superação
de todos os impulsos sensíveis opostos à liberdade. A doutrina das virtudes trata
da submissão da liberdade interna a leis, na medida em que a moralidade é a
conformidade da máxima da ação com o dever. Já O DIREITO É A SOMA DAS
CONDIÇÕES SOB AS QUAIS O ARBÍTRIO DE UM PODE SER CONCILIADO COM
O DE OUTRO, SEGUNDO UMA LEI UNIVERSAL DE LIBERDADE. PELA
REALIZAÇÃO DA LIBERDADE EXTERNA, ALCANÇA-SE A LEGALIDADE, QUE É
A CONFORMIDADE DE UMA LEI UNIVERSAL DA LIBERDADE.
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Introdução à Metafísica dos
Costumes, Kant faz a distinção entre “legalidade” e “moralidade’: a “conformidade
com o dever” não é o “dever”. “A simples conformidade ou não conformidade de
uma ação com a lei, abstraindo-se o móvel de ação, chamamos legalidade
(conformidade com a lei); todas às vezes que a Ideia do dever tirada da lei é ao
mesmo tempo o móvel da ação, encontra-se aí a moralidade desta (os bons
costumes)”. Não se encontra, entretanto, na lei moral o fundamento do direito
para Kant.
Tanto para o direito, como para a moral, existem deveres. Tanto num, como
noutro, o dever não é definido por seu conteúdo, mas pela sua forma. “Agir por
dever” significa que não se leva em conta nem as inclinações do agente, nem a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


finalidade pretendida. A Fundamentação da Metafísica dos Costumes define o
dever como “a necessidade de realizar uma ação por respeito à lei”. O dever,
segundo definição contida na Introdução, é aquela ação a que cada um é obrigado,
sendo a obrigação a “necessidade de uma ação livre exercida sob a influência do
imperativo categórico da razão”. Mas Kant assinala que sendo toda obrigação uma
resposta ao imperativo categórico, enunciado pela razão, podemos ser obrigados
de diferentes maneiras, pois existem duas legislações da razão prática.
Kant toma o exemplo da promessa para diferenciar os dois tipos ou formas de
obrigação encontradas na razão prática. De um lado, a obrigação moral de
cumprir uma promessa corresponde a uma determinação do agir que se origina
numa pura legislação interior (a obrigação moral obriga in foro interno); a lei do
dever moral é aquela dada ao sujeito por si mesmo, ela resulta do exercício de sua
autonomia. O cumprimento de uma obrigação jurídica, estabelecida num
contrato, é um dever externo, pois diferentemente do imperativo moral ela não
integra o motivo do agir de acordo com a lei; ela permanece externa. A legislação
jurídica, para o sujeito de direito, significa assim heteronomia, sendo esta a
razão do caráter coativo do direito. Dessa forma, para a metafísica dos
costumes exigida por uma filosofi a prática que tem por objeto não a natureza,
mas liberdade do arbítrio, o dever é o único móvel das ações morais, que
determinará os limites do arbítrio; e se nas ações relativas ao direito a ideia do
dever ocupa o seu lugar, a coatividade legal, acompanhada em caso de
desobediência de uma sanção, legalmente prevista e definida, é que irá fornecer o
critério de uma ação juridicamente válida.

25. 4.6. Regras Jurídicas, Regras Morais e Regras de Trato Social


Regras jurídicas, regras morais e regras de trato social, de acordo com a sociologia
jurídica, se tratam de instrumentos de controle social:
a) Regra moral: orienta a consciência humana em suas atitudes. É unilateral,
autônoma, interior, incoercível, sanção difusa;
b) Regra de trato social: padrões de conduta social ditados pela própria
sociedade, com o propósito de tornar mais agradável o ambiente social. São
seguidas por força do costume, de hábitos consagrados. De acordo com
Radbruch e Del Vecchio, as regras de trato social encontram-se entre a
Moral e o Direito. Ex: cortesia, etiqueta. Quem desatende a essa categoria de
regras sofre uma sanção social, tal como a censura ou o desprezo público,
mas não pode ser coagido (legitimamente) a praticá-las. É unilateral,
heterônomo, exterior, incoercível, sanção difusa;
c) Regra jurídica: é bilateral, heterônomo, exterior, coercível, sanção
prefixada.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


REGRA MORAL REGRA DE TRATO REGRA JURÍDICA
SOCIAL
Unilateral Unilateral Bilateral
Não Atributiva Não Atributiva Atributiva
Autônoma Heterônoma Heterônoma
Interior Exterior Exterior
Não coercitivas Não coercitivas Coercitivas
Sanção difusa Sanção difusa Sanção pré-
fixada

Vejamos:
a) Bilateralidade, alteridade ou intersubjetividade: Miguel Reale chama essa
questão de bilateralidade atributiva. Segundo ele, “há bilateralidade
atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma
proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer
garantidamente (garantia oficial, estatal) algo. Quando um fato social
apresenta esse tipo de relacionamento dizemos que ele é jurídico.
Onde não existe proporção no pretender, no exigir ou no fazer não há
Direito, como inexiste este se não houver garantia específica de tais atos”.
Em resumo, trata-se de uma proporção intersubjetiva em função da qual
os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir ou a fazer,
garantidamente, algo.
b) Unilateral: impõe dever, sem previsão de um direito correspondente;
c) Heterônomo: regra (ou dever) cuja fonte criadora é externa ao homem,
advindo do Estado ou da sociedade. Em relação ao Direito, significa que
suas normas têm validade objetivamente aferida, independentemente da
adesão do espírito. Essa validade objetiva e transpessoal das normas
jurídicas, as quais se põem acima das pretensões dos sujeitos de uma
relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos
destinatários, é o que se denomina de heteronomia.
d) Autônomo: regra que a pessoa se impõe por nela reconhecer
espontaneamente uma obrigação, sendo um dever pessoal. Isso é bem
próximo ao conceito de imperativo categórico de Kant;
e) Exterior: atuam diretamente nas ações das pessoas em sociedade;
f) Interior: voltada para a consciência da pessoa, como um aconselhamento
que pode interferir na conduta;

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


g) Coercível: refere-se à compatibilidade do Direito com a força, ou seja, que
o Direito é a ordenação coercível da conduta humana. A coação no Direito
não está sempre presente, não é efetiva, mas potencial. Isso porque a
grande maioria dos institutos jurídicos, como, por exemplo, os contratos,
são cumpridos espontaneamente. O Direito possui a coerção como recurso
para lhe dar efetividade, mas tal atributo permanece latente, se
implementando somente quando necessário.
h) Incoercível: quando não há a possibilidade de se ver uma regra cumprida
mediante coerção. As regras morais, para serem realmente morais, devem
ser cumpridas pelo dever pessoal ao qual se curva a pessoa, e não por
imposições de terceiros. Se houver força exterior, deixa a conduta de ser
moral;
i) Sanção prefixada: já traz, de antemão, a punição para o descumprimento;
j) Sanção difusa: não traz punição prefixada. No momento da violação é que
haverá uma reprovação, uma censura, ao infrator, por diversas formas.

26. 4.7. Realidade, Verdade e Conhecimento


Os termos não são sinônimos, por evidente, mas sob o ponto de vista filosófico
estão intimamente entrelaçados. A realidade é a porta de acesso ao conhecimento
e este, por sua vez, a porta de acesso à verdade. A verdade é o que busca a filosofia.
No dizer de Miguel Reale, filosofia significa amizade ou amor pela sabedoria,
reflete no mais alto grau uma paixão pela verdade, o amor pela verdade que se
quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo-se em mira os pressupostos
últimos daquilo que se sabe.
A Filosofia começa com um estado de inquietação e perplexidade, para culminar
numa atitude mais crítica diante do real e da vida. Parafraseando Blaise Pascal,
diz a respeito do filósofo em relação à verdade: “tu não me procurarias, se já não
me tivesses encontrado” e conclui que “a Filosofia não existiria se todos os
filósofos culminassem em conclusões uniformes, idênticas”. A Filosofia é, assim,
um conhecimento que converte em problemas os pressupostos da ciência. É,
portanto, sempre de natureza crítica, dialética.
Não há verdade absoluta, imutável, imune a críticas.
Por outro lado, é óbvio que, se existem as ciências, é porque é possível conhecer,
é porque o homem tem uma conformação tal que lhe é dado conhecer a realidade
com uma certa margem de segurança e objetividade, demonstrando o poder –
inerente ao espírito – de libertar-se do particular e do contingente, graças às
sínteses que realiza. Conhecimento, então, é o processo de explicação e

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


compreensão das distintas esferas da realidade. A realidade é objeto do
conhecimento, é aquilo que existe efetivamente e que pode ser percebido com
certa margem de segurança e objetividade. Não é por outra razão que a coruja é a
ave que simboliza a sabedoria (ave de Athena para os gregos, Minerva para os
romanos), símbolo da racionalidade e da sabedoria, a representação de atitude
desperta, que procura e que não dorme quando se trata na busca do
conhecimento, associada à capacidade de enxergar nas trevas.

27. 4.8. O Valor


Quase impossível conceituar-se o valor, como já reconheceu Miguel Reale. Nesse
sentido, legítimo que fosse o propósito de uma definição rigorosa, diríamos com
Lotze que do valor se pode dizer apenas que vale. O seu “ser” é “valer”. Da mesma
forma que dizemos que “ser é o que é”, temos que dizer que o “valor é o que vale”.
Por que isto? Porque ser e valer são duas categorias fundamentais, duas posições
primordiais do espírito perante a realidade. Ou vemos as coisas enquanto elas são,
ou as vemos enquanto valem; e, porque valem devem ser. Não existe terceira
posição equivalente. Todas as demais colocações possíveis são redutíveis àquelas
duas, ou por elas se ordenam. Reale fornece as características do valor.
O valor é sempre bipolar. A bipolaridade possível no mundo dos objetos ideais, só
é essencial nos valores, e isso bastaria para não serem confundidos com aqueles.
Se os valores são bipolares, cabe observar que eles também se implicam
reciprocamente, no sentido de que nenhum deles se realiza sem influir, direta ou
indiretamente, na realização dos demais. Além da bipolaridade, o valor
também implica sempre uma tomada de posição do homem e, por
conseguinte, a existência de um sentido, de uma referibilidade. Tudo aquilo
que vale, vale para algo ou vale no sentido de algo e para alguém. O valor
envolve, pois, uma orientação e, como tal, postula uma quarta nota, que é a
preferibilidade.
Daí dizermos que fim não é senão um valor enquanto racionalmente reconhecido
como motivo de conduta. Toda sociedade obedece a uma tábua de valores, de
maneira que a fisionomia de uma época depende da forma como seus valores se
distribuem ou se ordenam. É aqui que encontramos outra característica do valor:
- sua possibilidade de ordenação ou graduação preferencial ou hierárquica,
embora seja, como já foi exposto, incomensurável. Bipolaridade, implicação,
referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade e graduação hierárquica são,
como se vê, algumas das notas que distinguem o mundo dos valores, a que se
devem acrescentar as de objetividade, historicidade e inexauaribilidade.
Para Nalini adquire especial relevo na doutrina da realização de valores a noção
do dever ser. É uma noção kantiana suprema e, portanto, indefinível. Todo valor

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


ético deriva da subordinação da vontade ao imperativo categórico. Já Scheler e
Hartmann invertem a proposição: o valor moral não se funda no dever, mas
ocorre o inverso: todo dever pressupõe a existência dos valores. Para eles, não
haveria sentido dizer que algo deve ser, se o que se postula como devido não fosse
valioso. Caridade, justiça, temperança e outras virtudes deve ser, enquanto vale.
Carecessem de valor não deveriam ser.
Da mesma forma que dizemos que “ser é o que é”, temos que dizer que o “valor é
o que vale”. Por que isto? Porque ser e valer são duas categorias fundamentais,
duas posições primordiais do espírito perante a realidade. Ou vemos as coisas
enquanto elas são, ou as vemos enquanto valem; e, porque valem devem ser.

28. 4.9. Por que Estudar as Matérias de Humanística?


A razão da introdução de temas ligados à Filosofia do Direito, Psicologia Jurídica,
Teoria Geral do Direito e da Política, além de Ética e Estatuto Jurídico da
Magistratura, como novos temas a serem objeto de cobrança nos concursos para
a carreira de magistrado, nos termos da Resolução 75 do Conselho Nacional de
Justiça, busca exigir dos candidatos a juízes uma visão mais científica e humanista
da Justiça e do próprio Direito, em decorrência do crescente caráter
interdisciplinar resultante da quebra de barreiras entre as diversas áreas do
conhecimento humanístico. O novo milênio exige um magistrado que não esteja
apegado exclusivamente à técnica, numa postura positivista dentro de um
contexto que deixou de sê-lo. Reclama-se um juiz que, além de dominar a técnica,
tenha também uma postura ética e humanista, de pessoas com sensibilidade e
sensatez suficientes para solucionar as contendas humanas, capaz de reconhecer
a falência dos compromissos sociais e a insuficiência dos parâmetros sobre os
quais edificou-se a ideia de Democracia ocidental e para reagir a disfunção da
Justiça, de reconhecer que a ideia de segurança jurídica não pode abdicar do ideal
de realização do justo concreto, de que o juiz não pode ater-se a ao formalismo e
ao cumprimento rigoroso aos preceitos de ordem procedimental. Só um
magistrado com formação humanística poderá atender a esses reclamos.
5. Sociologia do Direito
Conceito de Sociologia Geral
A sociologia geral é uma ciência que estuda os fenômenos sociais e
particularmente os modos de organização e de relacionamento dos seres
humanos num contexto comunitário. Vale dizer, a sociologia estuda as relações
entre os seres humanos e a sociedade, uma relação que se revela fundamental,
porque a própria construção do ser humano é feita dentro da sociedade.
Aristóteles escreveu em sua obra fundamental “Política”, uma obra que tem uma
grande importância para as ciências humanas, que o homem é um animal político,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


porque a sua própria condição humana é construída dentro da comunidade
política, dentro da sociedade.
Conceito de sociologia do direito
A sociologia do direito é um ramo da sociologia geral que procura estudar as
conexões existentes entre a sociedade e a ordem jurídica. Ela estuda as relações
biunívocas estabelecidas entre o direito e a sociedade, vale dizer, estuda a
influência que os fatores sociais exercem sobre o direito assim como estuda a
influência que o direito exerce sobre a sociedade. A sociedade influencia a
produção, interpretação, e aplicação das normas jurídicas, assim como o
ordenamento jurídico, através das suas disposições normativas,
influenciam o desenvolvimento da vida social. Trata-se de uma RELAÇÃO
BIUNÍVOCA.
Importante que nós percebamos que o direito é muito mais influenciado pela
sociedade do que propriamente capaz de interferir no desenvolvimento das
transformações sociais.
Pode-se dizer, portanto, que fatores econômicos, políticos e ideológicos a todo
momento interferem na produção da normatividade jurídica. Por isso que os
romanos já diziam: “ubi societatis ibi jus” (Onde há sociedade, há o direito). Não
há como conceber o direito como uma ordem normativa voltada para a regulação
da conduta humana fora da sociedade.
Diversos fatores sociais interferem na produção do direito, e eu poderia destacar
três fatores ou três subsistemas sociais:
a) O subsistema ideológico: conjunto de concepções, valores e visões de
mundo prevalecentes numa dada sociedade.
b) O subsistema político: modo de organização, distribuição, aquisição e
exercício do poder na sociedade. Nós sabemos que a sociedade é sempre o
palco para as lutas em prol da obtenção do poder, e evidentemente isso tem
grande influência na produção da norma jurídica. O direito constitucional,
por exemplo, é um ramo muito influenciado pelo subsistema político, pois
o sistema constitucional trata do estudo da Constituição, que é a lei de
organização fundamental do Estado, que estabelece os direitos
fundamentais do cidadão. Então o direito constitucional, assim como os
outros ramos do direito, mas sobretudo o direito constitucional, é muito
sensível às mudanças que ocorrem no chamado subsistema político.
c) O subsistema econômico: conjunto de fatores de produção que regem e
direcionam as economias, como o capital, o trabalho, o poder econômico etc.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Esse é o pensamento de Norberto Bobbio que visualiza a sociedade como um
conjunto de subsistemas que se interferem reciprocamente. E esses
subsistemas (ideológico, político e econômico) interferem a todo instante na
produção do direito.
Por exemplo: toda sociedade é de alguma forma organizada a partir de certos,
valores, concepções e visões de mundo, e naturalmente essas ideologias acabam
interferindo no chamado “processo normogenético”, vale dizer, no processo de
produção do direito.
Por exemplo, durante muito tempo prevaleceu na sociedade ocidental, inclusive
no Brasil, uma ideologia patriarcalista, ou seja, uma concepção ideológica que
estabelecia a superioridade do homem em face da mulher. E evidentemente essa
ideologia patriarcalista acabou interferindo na produção, interpretação e
aplicação do direito ocidental e particularmente do direito brasileiro.
Observe como esses fatores sociais interferem na produção do direito. Agora, essa
influência é biunívoca, o direito também influencia os fatores, os subsistemas
ideológico, político e econômico. Como exemplo, no plano ideológico, pode-se
citar a reforma administrativa promovida pelo FHC, por meio de seu ministro
Bresser-Pereira. Num primeiro momento havia uma grande resistência à política
de privatizações, até uma resistência justificada, e poderíamos até criticar
algumas privatizações que foram feitas, mas isso foge da nossa proposta, mas a
verdade é que a mudança do próprio estado brasileiro, a transição de uma
administração burocrática para uma administração gerencial, que se refletiu no
âmbito da CR/88 e também no âmbito da legislação e dos atos administrativos,
isso também acabou influenciando o nosso próprio modo de pensar. Hoje se
percebe, passada a década de 90, que os brasileiros aceitam com menor
resistência a ideia de uma maior participação dos particulares na prestação dos
serviços públicos. Uma lei como a da “PPP” seria inconcebível em décadas
passadas. E isso ocorre porque a própria mudança normativa operada através da
EC/19, acabou também influenciando o nosso modo de pensar, os nossos valores,
a nossa visão de mundo, enfim, o plano ideológico da sociedade.
O importante é perceber que o objeto mesmo da sociologia do direito, como
ramo da sociologia geral, é o estudo das relações biunívocas que se estabelecem
entre a sociedade e o direito, entre os subsistemas econômico, político e
ideológico e o ordenamento jurídico e sua feição normativa.
Qual seria o papel da sociologia do direito no quadro geral dos saberes
jurídicos?
Estilos de abordagens do fenômeno jurídico

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Podemos estudar o direito de duas formas, por meio de dois estilos de abordagem
do fenômeno jurídico:
a) Estilo de abordagem dogmático: abordagem que prioriza a dimensão
normativista do fenômeno jurídico. Vale dizer, quando os juristas estudam
o direito dentro de uma perspectiva dogmática, priorizam o estudo do
direito em sua dimensão, basicamente, de validade, ou seja, em sua
dimensão estritamente normativa, sem que haja espaço para uma dimensão
critica, a norma, é portanto um dogma, uma premissa inquestionável de
raciocínio.
b) Estilo de abordagem zetético: enfatiza-se a dimensão de efetividade, ou seja,
eficácia social ou mesmo de legitimidade, vale dizer, realização da
justiça na compreensão do direito, ou seja, quando se estuda o fenômeno
jurídico numa perspectiva zetética, busca-se desenvolver uma reflexão
crítica sobre a norma jurídica.
E por que é importante diferenciar esses estilos? PORQUE A SOCIOLOGIA DO
DIREITO TRATA DO FENÔMENO JURÍDICO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA
ZETÉTICA.
A sociologia do direito é um saber que dentro do quadro geral dos saberes
jurídicos prioriza essa dimensão zetética. O sociólogo do direito não está
preocupado exclusivamente no estudo do direito em sua dimensão
exclusivamente normativa, mas sim está preocupado em estudar o direito em
suas conexões com a sociedade. É por isso que se estuda sobretudo a dimensão
de efetividade, vale dizer, o sociólogo indaga: Será que o sistema jurídico está em
consonância com a sociedade? Será que as normas jurídicas apresentam eficácia
social, vale dizer, elas estão sendo cumpridas, observadas, pelos atores sociais?
Veja que o sociólogo do direito está preocupado não com o sistema jurídico
em sua dimensão normativa, como um conjunto de estrutura de ‘dever ser’,
mas sim em sua dimensão efetiva, o direito inserido no mundo do ‘ser’.
Exemplo: filme “tropa de elite”. Nele resta clara a distinção entre a ordem jurídica
no plano do dever ser e a ordem jurídica no plano do ser. O Direito Penal no plano
do dever ser não é observado nas comunidades desfavorecidas do e nos grandes
centros urbanos do Brasil. Há uma discrepância entre o mundo do dever e o
mundo do ser. O Direito Penal dentro de comunidades favorecidas apresenta um
outro perfil. A CR/88, o próprio Código Penal são legislações pouco observadas
em tais contextos.
Então a sociologia do direito demonstra muitas vezes essa incongruência do
direito no mundo normativo em sua conexão com a sociedade.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Por quê é importante estudar o direito nesta dimensão fática, nessa dimensão de
efetividade, nessas conexões com os fatos sociais? PORQUE TODA VEZ QUE O
JURISTA, E PARTICULARMENTE AQUI, O SOCIÓLOGO DO DIREITO, ESTUDA A
DIMENSÃO DE EFETIVIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO, O JURISTA
CONTRIBUI PARA O APERFEIÇOAMENTO E PARA A PRÓPRIA LEGITIMAÇÃO
DESTA ORDEM JURÍDICA. Vale dizer, o sociólogo do direito, ao diagnosticar a
perda de efetividade do ordenamento jurídico pode formular propostas capazes
de reconectar, religar, reordenar as relações entre direito e sociedade. Veja que,
para tanto, não é possível desenvolver uma perspectiva meramente dogmática,
baseada naquele brocardo “dura lex sed lex”; é necessário refletir criticamente
sobre o sistema jurídico e sua dimensão normativa e indagar se no mundo dos
fatos o direito está sendo observado e cumprido pelos atores sociais.
Se os sociólogos do direito constatarem que há uma discrepância entre o direito,
como estrutura de dever-ser e as respectivas práticas sociais, poderá formular
soluções normativas capazes de restaurar essa filosofia, essa ligação entre o
direito e a sociedade.
Pelo exercício da sociologia do direito, os doutrinadores, julgadores, legisladores,
administradores, enfim, pelos mais diversos intérpretes do direito, conseguem
adaptar o sistema jurídico aos novos fatos e aos novos valores sociais. A
preocupação com a efetividade da ordem jurídica é fundamental para que os
intérpretes do direito possam contribuir para o aperfeiçoamento da ordem
jurídica e para a constante adaptação do sistema normativo à realidade social.
Logo, vejam como a sociologia do direito muito contribui para a abertura do
direito aos fatos e aos valores sociais e para a própria legitimação da ordem
jurídica.
A interpretação sociológica, é portanto, fundamental, tão fundamental que a
própria hermenêutica jurídica contemporânea, superando o positivismo e já
visualizando a nova era pós positivista demonstra à saciedade, a necessidade de
adaptar o sistema jurídico à realidade social. Daí porque o uso frequente do
método sociológico na hermenêutica jurídica é um indício, quase que um
sinal evidente da importância da sociologia do direito no quadro dos
saberes jurídicos.
Concluindo, a sociologia do direito cumpre um papel importantíssimo dentro do
conhecimento jurídico porque quebra o dogmatismo puro, a redução
normativista do conhecimento jurídico, e permite assim um estudo mais crítico
do direito, um estudo mais especulativo do direito, buscando valorizar a dimensão
de efetividade, e portanto, buscando enfatizar as conexões das normas jurídicas
com os fatos sociais, e a partir do diagnóstico da perda da efetividade e da eficácia

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


social, torna-se possível, através dos estudos sociológicos, a formulação de novas
normas, a formulação de e de novas interpretações e aplicações normativas do
direito.
As caracterísiticas da sociologia do direito
São elas:
• Natureza zetética - que pode ser entendida como crítica ou
especulativa.
• Natureza empírica: porque a sociologia do direito apresenta
natureza empírica? Porque é um conhecimento construído a partir da
observação da realidade social, e a partir da observação das efetivas
conexões entre direito e os fatos sociais. Vale dizer, o tratamento empírico
do plano da teoria do conhecimento busca enfatizar a apreensão da
realidade concreta, fenomênica, passível de apreensão através dos
chamados órgãos sensoriais. A sociologia do direito não é um
conhecimento idealista, é um conhecimento que busca estabelecer as
relações fáticas e concretas entre o direito e a sociedade19.
• Natureza causal: porque a sociologia do direito apresenta uma
natureza causal? É importante aqui o seguinte, existe uma diferença entre
imputação e causalidade. Imputação é também conhecida como lógica do
dever-ser, e causalidade é chamada lógica do ‘ser’. São duas categorias do
pensamento que, embora correlacionadas, não podem ser confundidas.
Quando eu penso eu penso utilizando a lógica do dever-ser eu estruturo
meu raciocínio da seguinte forma: Dado ‘A’ deve ser ‘B’. Esse é o raciocínio
imputativo, em razão da lógica do dever-ser. Agora, quando eu penso de
forma causal, eu penso da seguinte forma: Dado “A” é “B”. Ou seja, a
causalidade estabelece uma relação necessária entre um antecedente e um
conseqüente. Pois bem, vamos tentar explicar isso. Dado “A” deve ser “B”:
não preciso lhes dizer que o conhecimento dogmático do direito é um
conhecimento que se vale da lógica do dever-ser ou da imputação. Porque a
ciência jurídica é uma ciência normativa. Então quando, por exemplo, eu
leio o art. 121 do Código Penal, que estabelece o crime de homicídio e que
proíbe o ato de matar alguém, naturalmente eu estruturo o seguinte
raciocínio: dado A deve ser B, ou, dada a proteção jurídica do direito à vida,
deve a vida ser respeitada ou dado o descumprimento do dever jurídico, ou

19
A filosofia do direito, embora não desconheça um tratamento empírico dos fenômenos, é um saber idealista, porque
quando nós discutimos os temas da filosofia do direito, a ontologia, a axiologia, a própria ética, semiótica, nós
estabelecemos um plano de reflexão abstrato ou um plano de reflexão num nível abstrato, muitas vezes desvinculado
desta realidade concreta que nos circunda.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


dado o comportamento de matar alguém, deve ser aplicada uma sanção que,
no caso brasileiro, é a privação da liberdade. Então vejam que o
conhecimento dogmático do direito, porque conhecimento normativo, vale-
se, sobretudo, da lógica do dever-ser, da lógica da imputação. Agora, pensar
de forma causal é buscar estabelecer relações fixas e necessárias entre o
antecedente e o conseqüente: Dado “A” é “B”. Vejam, a causalidade é muito
empregada nas ciências naturais. Eu posso, por exemplo, estudando a física,
afirmar que a força da gravidade promoverá a queda dos corpos, dado “A”
é “B”, ou seja, a força da gravidade promove a queda dos corpos. Ou no
campo da química ou da físico-química eu posso afirmar que o calor
promove a dilatação dos corpos (dado “A” é “B”).
Então, para sintetizar, diria que a sociologia do direito, como ramo da sociologia
geral, estuda as conexões entre o direito e a sociedade dentro de uma perspectiva
zetética, apresentando também como características importantes entre sua
natureza empírica e a sua natureza causal.

29. 5.1. Introdução à Sociologia da Administração Judiciária. Aspectos


Gerenciais da Atividade Judiciária (Administração e Economia). Gestão.
Gestão de Pessoas.
5.1.1. Introdução à Sociologia da Administração Judiciária
A sociologia do direito só se especializou como segmento da sociologia geral após
o advento da segunda guerra mundial, muito embora antes deste período tenha
sido ampla e valiosa a produção e as discussões teóricas orientadas por uma
perspectiva sociológica do direito em disciplinas como a filosofia do direito, a
dogmática jurídica e a história do direito. Percebe-se claramente, nesse período
inicial, o predomínio de uma visão normativista e substantivista das ciências
jurídicas20, opondo aqueles que defendiam uma concepção de direito que se
limitava a acompanhar e a incorporar os valores sociais e os padrões de
conduta constituídos na sociedade (“variável dependente”) e os que
defendiam uma concepção do direito como promotor de mudança social
tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades (“variável
independente”). Também assim o debate oitocentista que polarizava os que
concebiam o direito como garante da composição harmoniosa dos conflitos por
via da qual se maximiza a integração social e realiza o bem comum e os que o viam
como um instrumento de dominação econômica e política destinado a operar
ideologicamente os interesses da classe dominante.

20
Ou seja, as ciências jurídicas eram tidas em conformidade com a concepção científica positivista de enquadramento
da realidade na norma, sem influência da realidade NA norma.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Essa conjuntura normativo-substantivista só deixa de influenciar decisivamente
o pensamento sociológico sobre o direito em meados do século passado, com o
surgimento de determinadas condições teóricas e sociais. Destacam-se entre as
primeiras, o desenvolvimento da sociologia dos agrupamentos sociais criados
para a obtenção de um fim específico, que logo desenvolveu um interesse
específico pela organização judiciária; o desenvolvimento da ciência política
voltada para os tribunais enquanto instância de decisão e de poder; e o
desenvolvimento da antropologia do direito, centrada nos litígios e nos seus
mecanismos de prevenção e resolução. No que se refere às condições sociais,
distinguem-se as lutas protagonizadas por agrupamentos sociais, como os negros
e as mulheres, que passaram a confrontar a igualdade dos cidadãos perante
a lei com a desigualdade da lei perante os cidadãos, e a eclosão da chamada
crise da administração da justiça, condição parcialmente relacionada com a
anterior. Essas lutas sociais aceleraram a transformação do Estado liberal no
Estado assistencial ou providencial, “ativamente envolvido na gestão dos conflitos
e consertações entre classes e grupos sociais, que se por um lado significou a
expansão dos direitos e a integração de classes trabalhadoras em círculos sociais
que até então encontravam-se fora do seu alcance, por outro resultou em um
aumento dramático do número de processos ajuizados, entre outras
consequências.
Essa explosão de litigiosidade agravou-se ainda mais com a incapacidade
financeira do Estado “para dar cumprimento aos compromissos assistenciais e
providenciais assumidos”, que inevitavelmente acabou repercutindo na
qualidade da prestação jurisdicional. Ora, na medida em que deixou de haver
uma “oferta de justiça compatível com a procura”, criou-se um fator
adicional da crise da administração da justiça, que propiciou a criação de “um
novo e vasto campo de estudos” para a sociologia, passíveis de serem divididos
em três grandes grupos temáticos: (a) o acesso à justiça; (b) a administração
da justiça enquanto instituição política e profissional; e (c) os conflitos
sociais e os mecanismos da sua resolução. Recai sobre esse três temas,
portanto, o objeto da sociologia da administração judiciária ramo da
administração pública que compreende, além da atividade administrativa
do Poder Judiciário, o relacionamento com os demais entes estatais e com
as entidades sociais.
A primeira das contribuições da sociologia da administração judiciária foi a de
identificar os obstáculos econômicos, sociais e culturais que costumam
impedir o efetivo acesso à justiça por parte das classes populares. Quanto
aos primeiros, constatou-se que os custos dos litígios são muito dispendiosos e
que o custo do processo era inversamente proporcional ao valor da causa, o que,
em outras palavras, faz com que a justiça se torne ainda mais cara para os

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


cidadãos economicamente mais débeis, protagonistas e maiores interessados nas
ações de menor valor. No tocante aos obstáculos sociais e culturais, que estão, de
certo modo, relacionados com as desigualdades econômicas, pôde-se verificar que
“a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto
maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem”. Isso porque
falta aptidão aos cidadãos de menores recursos a reconhecer os seus direitos e a
partir daí, propor uma ação ou contentar uma demanda. Muitas vezes, nem
mesmo o reconhecimento da existência de um problema jurídico é
suficiente para que a pessoa se disponha a acionar o Judiciário, seja porque
ela já teve uma experiência anterior negativa com a justiça; seja em função
do temor de represálias de se recorrer aos tribunais; ou, simplesmente pela
falta de disposição psicológica para induzi-lo a procurar assistência
judiciária.
A contribuição da sociologia para o estudo da administração da justiça enquanto
instituição política teve sua origem na ciência política, que viu nos tribunais uma
excelente oportunidade para, de um lado analisar os comportamentos de seus
integrantes, as decisões por eles proferidas e as motivações delas constantes,
relacionando esses dados com variáveis como, por exemplo, sua formação
profissional, sua idade, e, sobretudo, sua ideologia político-social, e, de outro
desmentir a ideia da administração da justiça como uma “função neutra
protagonizada por um juiz apostado apenas em fazer justiça acima e
equidistante dos interesses das partes”.
No que diz respeito ao âmbito da administração da justiça enquanto organização
profissional, devem ser destacados os ESTUDOS SOCIOLÓGICOS
RELACIONADOS COM O RECRUTAMENTO DOS JUÍZES E SUA DISTRIBUIÇÃO
TERRITORIAL, além de trabalhos voltados para o conhecimento das atitudes e as
opiniões dos cidadãos sobre a administração da justiça, sobre os tribunais e sobre
os magistrados.
A análise dos conflitos sociais e dos mecanismos de sua resolução constitui a
terceira grande contribuição da sociologia para o estudo da administração
judiciária. Empreendidos inicialmente pela antropologia social, OS ESTUDOS
NESSA ÁREA REVELARAM A EXISTÊNCIA DE UMA PLURALIDADE DE
DIREITOS E PADRÕES DE VIDA JURÍDICA TOTALMENTE DIFERENTES DOS
EXISTENTES NAS SOCIEDADES DITAS CIVILIZADAS, PERMITINDO EXTRAIR
DUAS CONCLUSÕES QUE INFLUENCIARAM ALGUMAS REFORMAS DA
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA NOS ÚLTIMOS ANOS: A PRIMEIRA, É QUE,
DESDE O PONTO DE VISTA DA SOCIOLOGIA, O “ESTADO CONTEMPORÂNEO
NÃO TEM O MONOPÓLIO DA PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DO DIREITO”; A
SEGUNDA, A DE QUE “O RELATIVO DECLÍNIO DA LITIGIOSIDADE CIVIL,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


LONGE DE SER INDÍCIO DA DIMINUIÇÃO DA CONFLITUALIDADE SOCIAL E
JURÍDICA, É ANTES O RESULTADO DO DESVIO DESSA CONFLITUALIDADE
PARA OUTROS MECANISMOS DE RESOLUÇÃO INFORMAIS, MAIS BARATOS E
EXPEDITOS, EXISTENTES NA SOCIEDADE”. Na atualidade, pode-se afirmar que
as contribuições mais promissoras no domínio da sociologia da administração
judiciária são percebidas na democratização da vida econômica, relacionada com
a constituição interna do processo, e da vida política, que diz respeito ao acesso à
justiça.
Os estudos neste domínio têm logrado demonstrar que as reformas do processo
ou mesmo do direito substantivo só se revelam úteis se complementadas com
uma reforma da organização judiciária, em suas duas vertentes: (a) a
racionalização da divisão do trabalho, com a implementação de uma nova gestão
dos recursos de tempo e de capacidade técnica; além de (b) uma reforma da
formação e dos processos de recrutamento dos magistrados.
5.1.2. Aspectos Gerenciais da Atividade Judiciária (Administração e
Economia)
A atividade judiciária apresenta algumas particularidades decorrentes de sua
natureza pública, ausentes no setor privado, que desaconselham a mera
reprodução das diretrizes e ações utilizadas no gerenciamento administrativo da
atividade empresarial. Além das diferentes contingências a que estão submetidos
os dois setores, como, por exemplo, o perfil da clientela e os limites de autonomia
estabelecidos pela legislação, há que se notar que o objetivo da atividade
empresarial volta-se para a obtenção do lucro e para a sobrevivência em um
ambiente de alta competitividade, enquanto os objetivos da atividade judiciária
devem ser imbuídas do ideal democrático de prestar serviços à sociedade, em prol
do bem-estar comum; que a preocupação em satisfazer o cliente no setor privado
é baseada no interesse, enquanto no setor público essa preocupação tem que ser
alicerçada no dever; o cliente atendido no setor privado remunera diretamente a
organização, pagando pelo serviço recebido ou pelo produto adquirido; que no
setor público, o cliente atendido, paga indiretamente, pela via do imposto, sem
qualquer simetria entre a quantidade e a qualidade do serviço recebido e o valor
do tributo que recolhe; que as políticas voltadas para a qualidade no setor privado
referem-se a metas de competitividade no sentido da obtenção, manutenção e
expansão de mercado; e, finalmente, que no setor público, a meta é a busca da
excelência no atendimento a todos os cidadãos, ao menor custo possível.
Técnicas de gerenciamento como a reengenharia, o programa de qualidade total,
a administração participativa, o planejamento estratégico, o “benchmarking”,
entre outras, que têm sido desenvolvidas e aplicadas com sucesso na iniciativa
privada certamente podem ser úteis ao juiz a fim de que possa proporcionar

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


melhor desempenho nas suas tarefas administrativas. Essas técnicas,
entretanto, não podem ser simplesmente transportadas para o Judiciário,
sobretudo pela carga ideológica, humanística e ética que a Justiça deve
observar e que não necessariamente está presente no universo das
atividades empresariais.
Não obstante, uma vez consciente da importância da adoção das técnicas
gerenciais apresentadas, o magistrado deve buscar o engajamento dos demais
servidores, especialmente do diretor de secretaria e dos supervisores, até o ponto
em que todas as pessoas que compõem a unidade jurisidicional estejam
plenamente envolvidas na necessidade de modernizar a forma de prestar a
jurisdição, bem como conscientes do relevante papel social que desempenham.
5.1.3. Gestão
Conceitua-se gestão como a “prossecução coletiva e conjugada de determinados
objetivos organizacionais, isto é, a tentativa de obter resultados úteis na empresa
ou nas organizações em geral, através das pessoas e com as pessoas que aí
labutam”, podendo o termo ainda simplesmente ser compreendido como
sinônimo de administração, isto é, a coordenação de recursos humanos e
materiais com vista a concretizar os desígnios específicos de uma organização
qualquer. Os atos de gestão encontram-se normalmente associados a um ou mais
elementos do chamado processo administrativo, resultante da interação
constante de quatro funções ou elementos fundamentais: planejamento,
organização, direção e controle. Cada uma delas pode, a seu turno, ser
decompostas em processos menores, a fim de que se possa definir as várias
atividades envolvidas no processo gerencial, e seus desdobramentos. Esses
princípios-base de gestão são semelhantes em todas as organizações, públicas ou
privadas, mas desde que persigam os mesmos objetivos. Isso ocorre porque o
modo como uma organização é gerida pressupõe um entendimento especial dos
seus objetivos e atribuições, dos meios que tem ao seu dispor e das pessoas que a
compõem.
A administração pública, como qualquer outra organização, também recebe
insumos, processa-os e gera produtos. Os insumos consistem nos recursos
materiais e nos recursos humanos. Entre os primeiros, incluem-se os recursos
financeiros, as máquinas, equipamentos, edificações, instalações em geral etc. Os
agentes públicos, de outra parte, são os recursos humanos utilizados pela
administração pública para atingir seus propósitos institucional. Os produtos da
administração pública, por fim, correspondem aos bens e serviços públicos
colocados à disposição da coletividade. O problema é que diferentemente do que
ocorre no setor privado, onde o cliente que consome o bem ou serviço, é, em geral,
o mesmo agente econômico que paga por ele, no setor público o produto da ação

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


estatal tem como financiador e como destinatário pessoas ou segmentos sociais
distintos. Em face dessa particularidade, o contribuinte precisa ser convencido de
que sua parcela de esforço para a manutenção da prestação jurisdicional que não
atenda à sua específica demanda está sendo bem aplicada, o que pode não se
verificar a depender do modo como é administrada a organização e,
consequentemente, o sistema de gestão escolhido.
No âmbito da administração pública, três são os modelos de gestão em confronto:
o modelo de administração patrimonialista, o modelo de administração
burocrático e o de administração gerencial. O aspecto mais proeminente na
caracterização do patrimonialismo na administração pública é a confusão da
patrimônio público com o patrimônio particular do dirigente, o que leva o
aparelho administrativo do Estado ser percebido como uma extensão do poder do
agente político, como ocorre, por exemplo, nas concessões de funções de
confiança e nas contratações por prazo determinado, efetivadas na forma do art.
37, IX, da Constituição Federal. Outro atributo característico do modelo
patrimonialista de gestão da coisa pública é tendência ao nepotismo, alicerçada
na crença de que os laços familiares constituem a mais plena garantia de lealdade;
na oportunidade profissional ou riqueza para a família; na garantia de maior
probabilidade de convivência com eventuais desvios. Já o modelo de
administração burocrático, de inspiração weberiana, contempla a ideia de que a
administração deve ter um caráter “racional”: sua atitude encontra-se
determinada pela formalização de regras por escrito; pela definição de funções
específicas para cada pessoa; pela visão piramidal e hierárquica; pela
impessoalidade; pela seleção com base na qualificação e no mérito; pela
separação entre propriedade e administração; pela profissionalização dos
funcionários; pela completa previsibilidade do comportamento funcional. Por fim,
o modelo de administração gerencial, tem sua tônica no na gestão profissional, na
fragmentação das unidades administrativas, na competição, na adoção de
modelos de gestão empresarial, na clara definição dos padrões de performance,
no foco nos resultados, e na importância dada ao uso eficiente dos meios
existentes. Segundo essa lógica gestionária, o processo administrativo, isto é, o
planejamento da ação, a organização dos recursos necessários, a condução do
processo (direção) e o controle devem ter como parâmetro de elaboração e
avaliação o resultado das ações.
No Brasil, muitas das características tradicionalmente associadas ao modelo
burocrático, como, por exemplo, os regulamentos detalhados que definem as
diversas funções existentes, a seleção e a promoção profissional realizada
segundo regras impessoais, a centralização das decisões, o isolamento dos níveis
hierárquicos e o desenvolvimento de relações paralelas de poder, ainda hoje estão
presentes na administração dos tribunais, resultando em dificuldades,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


morosidade e ineficácia. Esse modelo de gestão afeta os serviços prestados, as
técnicas utilizadas, as capacidades dos funcionários, além de dificultar o acesso à
justiça. Por conta dessa realidade, o CNJ introduziu na administração pública
judiciária o conceito de qualidade total dos serviços. De acordo com essa nova
concepção de administração, a qualidade resulta, acima de tudo, de uma
liderança: diretiva, em que o líder fornece instruções específicas e controla passo
a passo o cumprimento de suas instruções; orientativa, em que o líder não só
dirige, mas também apoia, elogia e trata com dignidade seus subordinados,
procurando mobilizá-los e motivá-los; participativa, que envolve os subordinados
com alguma experiência na definição e execução das tarefas; e, finalmente,
delegativa, em que o líder supervisiona o trabalho de seus subordinados, dando-
lhes alguma liberdade na realização das tarefas, ao delegar a atribuição de
responsabilidades.
A filosofia de gestão pela qualidade reconhece ainda a importância da motivação
dos funcionários a fim de que se possa alcançar os objetivos previamente
definidos. Para tanto, as organizações devem levar em consideração as
necessidades sentidas pelos seus próprios funcionários: a necessidade das
pessoas sentirem que o trabalho que desempenham é importante; a necessidade
de reconhecimento do seu esforço e empenho; a necessidade de curiosidade; de
quebrar a rotina através da realização de novas tarefas; a necessidade de
segurança de estabilidade no emprego; a necessidade de amizade e convívio,
criando laços de proximidade com a organização; a necessidade de realização e
prestígio profissional; a necessidade de ter poder, de sentirem que contribuem
para o sucesso da organização; e a necessidade de desenvolvimento e de
progressão na carreira. Uma vez identificadas essas necessidades, os meios para
satisfazê-las devem ser integrados em uma estratégia de desenvolvimento de uma
cultura organizacional com responsabilidades e objetivos sociais, que contribuirá
ao mesmo tempo para a integração dos funcionários e para a diminuição da
distância hierárquica. Por último, o incentivo de diferentes formas de
comunicação é de vital importância para essa nova concepção de administração,
na medida em que permite ao líder determinar a necessidade de seus
funcionários, permite a sua satisfação, bem como o desenvolvimento de uma
cultura organizacional forte e homogênea.
Em um sistema de gestão de qualidade, a unidade jurisidicional tem como
atribuição a entrega da prestação que lhe é demandada. Esse é o principal produto
ou serviço prestado pelo Poder Judiciário, sua atividade-fim. Nesse sentido, a
unidade jurisdicional funciona como uma rede interdependente de
macroprocessos de trabalho que mostra os principais processos de trabalho, bem
como suas interações. O escopo do sistema de gestão passa a se referir à operação

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


integrada da entrega da prestação jurisdicional e ao gerenciamento da secretaria
da unidade da organização judiciária.
5.1.4. Gestão de pessoas
Concebe-se a gestão de pessoas no setor público como o esforço orientado para o
suprimento, a manutenção e o desenvolvimento de pessoas nas organizações
públicas, em conformidade com os ditames constitucionais e legais, observadas
as necessidade e condições do ambiente em que se inserem. Esse segmento da
ciência da administração também se processa segundo as quatro etapas
interdependentes do processo administrativo, pois envolve um conjunto de ações
preliminares de planejamento das necessidades mútuas entre a organização e as
pessoas, o arranjo dos recursos necessários à satisfação dessas necessidades,
seguido dos esforços de direção desse conjunto, orientados pelo vetor resultante
do produto dos objetivos institucionais e individuais, constantemente balizado
pelo cotejo entre o desempenho efetivo e previsto com vistas às correções de
curso do processo”. Assim, nas práticas de gestão de pessoas, o planejamento
busca produzir e atualizar um diagnóstico que permita estruturar cenários de
atuação do setor público e definir as formas e condições de inserção dos agentes.
Exige a definição dos objetivos institucionais globais e setoriais, e seus
desdobramentos no tempo, em face das demais contingências impostas, além da
função administrativa de organização, especificamente no caso da gestão de
pessoas, implica a configuração não somente das estruturas material e humana
afetas à denominada área de recursos humanos ou de pessoal, mas também dos
arranjos de processos de trabalho relacionados às demais áreas da administração.
Por sua vez, a direção está essencialmente relacionada com a gestão de pessoas,
assentando-se a direção organizacional na condução de pessoas por meio de sua
influenciação. Por fim, o controle, como função administrativa, pode ser percebido
como recurso de gestão, sob uma perspectiva formal (sistemas e procedimentos
de controle como manuais, normas, registros de horários, sistemas de aferição de
resultados etc.), e o controle sob a ótica das relações de poder, que se estabelecem
entre os membros da organização. Note-se que cada uma destas funções
administrativas pode ser decomposta em processos menores, a fim de que se
possa definir as várias atividades envolvidas no processo gerencial, assim como
os seus desdobramentos.

30. 5.2. Relações Sociais e Jurídicas. Controle Social e Direito.


Transformações Sociais e Direito.
5.2.1.1. Relações Sociais e Jurídicas
O Direito estabelece o regramento da vida em sociedade, em última análise, a
relação entre os homens. As relações sociais que interessam ao direito, são

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


aquelas relevantes para o atendimento de seus fins, quais sejam: a ordem, a paz,
segurança e justiça.
O relacionamento humano se dá através de certos acontecimentos, fatos que
podem ser voluntários ou não. E são estes fatos, que acabam influenciando o
ordenamento jurídico, a ponto de serem descritos na Lei, gerando inclusive
modificações, já que fatos novos acontecem a cada instante e, como tal,
influenciam na forma de agir, pensar, enfim, nas relações sociais que por si só
poderão gerar novas relações jurídicas.
Conceitos de Relação Jurídica:
É um vínculo entre pessoas, em virtude do qual uma delas pode pretender algo a
que outra está obrigada. (Savigny)
É a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna
jurídica. (Pontes de Miranda)
Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo
instaurado pelo legislador, esta realidade concreta é reconhecida como sendo
relação jurídica.(Miguel Reale)
Conclui-se:
a) As Relações Jurídicas conferem direitos e geram obrigações entre as partes
envolvidas.
b) Toda Relação Jurídica é também uma Relação Social. Contudo nem toda
Relação social, constitui uma Relação Jurídica.
Pode-se falar em Relação Jurídica sempre que, em decorrência de certos fatos, as
pessoas se ligam, criando, transmitindo e modificando direitos e obrigações, ou
ainda, se desvinculam, no momento que extinguem tais direitos e obrigações.
Características e distinções:
Podemos afirmar que a Relação jurídica é o vínculo existente entre as pessoas
tendente a criar, transformar, transferir ou extinguir direitos e obrigações.
Para Savigny a relação jurídica é composta por dois elementos:
a) Elemento material- Relação social
b) Elemento formal – Determinação jurídica do fato através da norma do
direito.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Vale ressaltar que o Direito se ocupa do fato social relevante, criando para ele uma
regra abstrata. O fato social, se amolda à regra, dando ensejo a Relação Jurídica
que, por sua vez é o ponto de convergência dos fatos sociais e as regras de Direito.
Elementos da Relação Jurídica:
Pessoas, Partes ou Sujeitos
Sujeitos= Pessoas entre as quais a relação jurídica se estabelece.
Assim, de qualquer dos lados podemos ter um indivíduo ou mais ou ainda, um
ente (pessoa jurídica)
Pessoa Jurídica = Entes nos quais o direito reconhece a capacidade para serem
sujeitos de direitos e obrigações.
São sujeitos da Relação Jurídica:
Ativo - Titular do direito
Passivo – Responsável pelo cumprimento da obrigação
A bem da verdade, a maioria das relações jurídicas impõem direitos e deveres
para ambas as partes. (ex: compra e venda).
Os sujeitos (ativo e passivo) são as partes envolvidas na relação jurídica. As
pessoas não envolvidas são conhecidas como terceiros. Estes podem ser
interessados ou desinteressados.
Ex: No contrato de locação os sujeitos serão locador e locatário.
O terceiro interessado seria, por exemplo, um sublocatário, e o terceiro
desinteressado, qualquer outra pessoa como o dono da padaria.
Objeto ou bem = Poderá ser uma coisa ( imóvel, carro), como uma pessoa (filho,
criança), ou um certo bem imaterial (liberdade, honra, integridade moral),
podendo ainda constitui-se numa prestação.
OBS: Na ausência do objeto extingue-se a relação
Objeto imediato= a coisa em si. O bem a que recai o direito do sujeito ativo, o poder
da pessoa sobre ele se exerce sem intermediário.
Objeto mediato= é o conteúdo, o fim que o direito garante, exercido por meio de
outrem.
3) Fato jurígeno ou jurídico, fato gerador, fato propulsor = Fato que a Lei atribui
um especial efeito..

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Obs: Alguns autores incluem a garantia como um dos elementos essenciais da
relação jurídica, que em última análise esta representada pela norma jurídica ou
sanção, servindo como um apoio ao titular do direito para exercer pressão sobre
o titular do dever jurídico, a fim de tornar efetivo o seu direito.
4) Vínculo de atributividade = Surge com a ocorrência de um fato gerador
conferindo a cada um dos participantes da relação o poder de pretender ou exigir
algo de outro.
Nos dizeres de Miguel Reale, quando alguém tem uma pretensão amparada por
uma norma jurídica, diz-se que tem título para o ato pretendido ou que esta
legitimado para exigir o seu direito.
O vínculo, que gera os títulos legitimadores da posição dos sujeitos de uma
relação, pode advir de muitas origens.
Elementos Externos da Relação Jurídica
Vimos que os elementos da relação jurídica são os sujeitos, o objeto, o fato
jurígeno, a garantia e o vínculo. Todavia, os sujeitos, o objeto, o fato jurígeno (fato
jurídico) e a garantia são tidos como elementos externos da relação, sendo o
vínculo um elemento interno.
5.2.1.2. O Processo de Formação da Sociologia Jurídica
A sociologia jurídica trata da influência dos fatores sociais na formulação do
Direito e ao mesmo tempo da repercussão do Direito na vida social. Pois, como
nos diz Rosa (1993, p. 67) “Se o Direito é condicionado pelas realidades do meio
em que se manifesta, entretanto, age também como elemento condicionante”.
Sociologia é uma ciência do mundo moderno. No entanto, quando tratamos da
Sociologia Jurídica vamos encontrar as primeiras manifestações de um
tratamento mais próximo dessas duas ciências – Sociologia e Direito, entre os
pensadores gregos – os sofistas. É lógico que não podemos falar de ciência, como
passamos a entender tal forma de conhecimento a partir do renascimento.
Entretanto os sofistas são considerados os precursores da Sociologia Jurídica. Só
é possível entender o surgimento do movimento sofístico na Grécia Antiga a partir
da compreensão desse contexto sócio-cultural. Ou seja, por serem estrangeiros e
professores itinerantes se encontravam em posição privilegiada para criticar toda
a estrutura social da pólis. Nesse sentido, o movimento sofístico é resultado de
uma dupla crise:
1) Resultado da crítica ao pensamento pré-socrático (desconfiança na capacidade
da razão em responder à questão ontológica).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


2) Crise provocada pelo sistema social. A guerra contra os Persas colocou lado a
lado plebeus e aristocratas na defesa do território grego. Tal situação contribuiu
para a transição do sistema aristocrático para o democrático, no século V a. C.,
período também do apogeu da racionalização grega.
Os sofistas eram céticos, não acreditavam na possibilidade do homem, por meio
da razão, chegar a uma verdade universal. Para eles, era impossível se alcançar a
verdade. Deste modo, passaram a criticar de forma contundente os valores da
cultura grega. Entre os quais a pólis que era considerada para os gregos o oposto
da Barbárie e o Nomos (a lei) que era concebida como essencial para garantia da
vida civilizada na pólis. E é justamente por se voltarem criticamente para as leis
da pólis grega, que os sofistas são considerados os precursores da Sociologia
Jurídica. Entre os sofistas, podemos destacar: a) Protágoras – considerado o mais
ilustre dos sofistas e o iniciador desse movimento, afirmava: “porque as coisas
que parecem justas e belas a cada cidade, o são também para ela, enquanto as
creia tais”.
b) Cálicles – personagem utilizado por Platão para criticar o direito positivo.
Considerava a lei uma violência contra a natureza, além de uma injustiça. O
verdadeiro direito seria aquele que está inscrito na natureza (direito natural) do
mais forte sobre os mais fracos. Nesse sentido, a suposta lei democrática da pólis,
ao instituir a igualdade quando os seres humanos são por natureza desiguais,
demonstra ser um artifício utilizado pelos mais fracos contra os mais fortes. Por
atuar como desmascarador das ideologias legais, mesmo se apoiando em uma
concepção jusnaturalista, Cálicles é considerado também um dos precursores da
Sociologia Jurídica.
c) Hípias de Élis – afirmava que a ideologia igualitária da pólis não podia ser
considerada suficientemente justa, uma vez que a natureza faz os homens iguais
e a lei supostamente democrática, torna-os desiguais ao serem considerados
livres ou escravos, cidadãos ou metecos. A lei era concebida por Hípias como a
“tirana dos homens”.
d) Antiphon – defensor do direito natural, considerava a lei como a “cadeia da
natureza”. Uma vez, que a lei obriga e constrange os homens a adotá-la sem uma
adesão voluntária. e) Crítias – crítico severo, como os demais sofistas, em seu
drama Sysifos, considerava os deuses como astutas invenções dos homens de
estado para obter o respeito à lei. O medo era considerado como base da
estabilidade social e política que as leis pretendiam.
f) Trasímaco da Calcedônia – considerado precursor do marxismo. Representa a
expressão mais sociológica do pensamento sofistico. Considerava o direito como
fruto dos interesses dos mais fortes.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Os sofistas sofreram duras críticas, principalmente pelo caráter demolidor de
seus pensamentos. Deste modo, os filósofos do período clássico (séc. V e IV a. C.)
enfatizavam a importância da formação ética e da política a serviço de toda a
sociedade.
Contrários ao ceticismo dos sofistas vamos encontrar:
a) Platão – em A república, atribui à educação o papel de construção da sociedade
ideal. Para ele, o poder da educação seria suficiente para a conformação das
classes sociais. Não via necessidade das leis, se as classes sociais fossem
condicionadas pela educação para se adequarem as suas respectivas funções. Da
mesma forma, não considerava importante limitar o poder do filósofo-rei, uma
vez que esse sendo considerado, sócraticamente, o melhor, o governante perfeito,
seria um mal impor freios à sua atuação. No entanto, viu sua crença no governo
ideal cair por terra, ao escrever As Leis. Nesta obra, Platão reformula sua posição
sobre o papel e a importância das leis para o governo da cidade. Aprendeu com a
experiência de Siracusa que, nem os filósofos como ele chegavam ao governo, nem
os tiranos como Dionísio, tinham a mínima disposição para a filosofia.
Passou a considerar então, as leis como imprescindíveis para a constituição das
sociedades humanas.
b) Aristóteles – considerado um dos precursores da Sociologia Jurídica. Se utilizou
de um empirismo realísticos no tratamento das leis e dos governos. Segundo
relatos, Aristóteles teria reunido e estudado 158 constituições de povos da Grécia
e de Bárbaros para produzir sua obra a Política. No entanto, mesmo procedendo
como um moderno sociólogo do direito, que estuda a realidade, Aristóteles não
conseguiu se desvencilhar dos preconceitos e das ideologias legais, afirmando em
sua obra, a desigualdade natural entre livres e escravos, quando considera ainda
a pólis como forma mais evoluída de organização social e política e, finalmente
quando considerou superioridade dos homens sobre as mulheres.
Apesar de todos os avanços, o pensamento clássico da Grécia não favoreceu o
tratamento empírico da realidade jurídica. O mesmo vai acontecer durante a
Idade Média, em que o conhecimento teológico vai frear qualquer possibilidade
de tratamento sociológico do direito.
É com o surgimento do mundo moderno, após o Renascimento e a Reforma
Protestante, que vamos assistir a construção de uma nova mentalidade e
tratamento da realidade jurídica.
A formação definitiva da Sociologia Jurídica não pode ser atribuída ao fundador
da Sociologia Geral, Augusto Comte. É com a escola objetiva francesa e seu
principal representante Émile Durkheim (1858-1917) que a Sociologia Jurídica

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


passa a ter uma maior consistência e caráter de ciência. Durkheim vai encontrar
na coercitividade do fenômeno jurídico o exemplo mais perfeito do fato social, que
é o objeto de estudo da Sociologia.
5.2.1.3. O Direito como Fato Social
Para o sociólogo Francês Émile Durkheim, a sociedade prevalece sobre o
indivíduo. A sociedade representa, para esse autor, um conjunto de normas de
ação, pensamento e sentimento que são construídos exteriormente, ou seja, fora
de cada uma das consciências individuais.
Dito de outra forma, vivendo em sociedade o homem se defronta com as regras de
conduta que não foram exclusivamente criadas por ele, mas que possuem uma
existência e são aceitas pela sociedade, devendo por isso ser seguidas e adotadas
por todos os indivíduos independentemente de qualquer situação ou condição
social. Sem a existência dessas regras, seria impossível viver em sociedade.
Por isso se justifica, em nome da harmonia social, a existência das leis, da moral e
das normas do trato social.
As leis são um exemplo perfeito do pensamento desse sociólogo.
Em todas as sociedades existem leis que padronizam a vida em sociedade. O
homem individual não cria nem pode modificar essas leis. É o conjunto dos
homens, ou seja, o coletivo que vai criando, modificando e transformando para as
futuras gerações os códigos e constituições que devem ser adotadas por todos. Se
o indivíduo não aceitar e obedecer o que está prescrito nesses ordenamentos
jurídicos, sofrerá a coerção e castigo por sua conduta contrária ao modelo
padronizado. Para Durkheim, os fatos sociais, ou seja, o objeto de estudo da
Sociologia, são essas regras e normas coletivas que orientam e determinam
a vida dos homens em sociedade.
ESSES FATOS POSSUEM UMA NATUREZA DIFERENTE DOS FENÔMENOS
ESTUDADOS PELAS DEMAIS CIÊNCIAS, EM CONSEQUÊNCIA DE TEREM SUA
ORIGEM NA SOCIEDADE E NÃO NA NATUREZA (CIÊNCIA NATURAIS) OU NO
INDIVÍDUO (PSICOLOGIA).
Tais fenômenos (fatos sociais) apresentam características específicas que os
distinguem dos demais fenômenos estudados por outras ciências: são exteriores,
coercitivos e coletivos. Exteriores, porque não foram criados pelo indivíduo
isolado e sim pelo coletivo. Coercitivo, porque essas ideias, normas e regras
devem ser adotadas por todos os membros da sociedade. Quando isso não
acontece, se algum membro da sociedade não obedece a essas regras ele será
punido, de alguma forma pelos outros membros da sociedade ou grupo do qual
faz parte.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Durkheim considera que a educação é de fundamental importância para garantir
a vida social. Segundo o autor, a criança não nasce sabendo quais são as normas
de conduta necessárias para determinado grupo social. Deste modo, toda
sociedade precisa educar os seus membros para que aprendam as regras
necessárias à vida em sociedade. As gerações mais adultas vão transmitindo às
crianças aquilo que foi aprendido ao longo de suas vidas. E é esse mecanismo que
vai garantir a reprodução e perpetuação da sociedade
5.2.2. Controle Social e Direito
O controle social é exercido em todas as situações sociais, de formas variadas e
imprevisíveis. O objetivo comum é adaptar a conduta do indivíduo aos padrões de
comportamento dominantes.
A depender do grau de organização, os meios de controle social podem ser
formais ou informais. Nas sociedades desenvolvidas e complexas denota-se a
existência de meios de controle tanto formais como informais. O controle formal
é realizado, principalmente, pelas autoridades do Estado. Este pressupõe um
processo de institucionalização, como é o caso do controle dos comportamento
desviantes, efetuado pelo sistema jurídico.
O controle informal é, ao contrário, difuso, móvel e espontâneo e realiza-se
através da dinâmica que se desenvolve no âmbito de pequenos grupos
sociais. Os meios de controle informal são próprios de sociedades pequenas e
homogêneas, onde não há necessidade de criar instituições específicas para o
controle de seus membros. Porém, o controle informal também se manifesta
nas sociedades modernas. Neste contexto, este é exercido através da
famílias, amigos, colegas de trabalho, entre fiéis da mesma religião etc., que
reprovam determinados comportamentos e fazem recomendações.
Dependendo do tipo de atuação, os meios de controle podem ser negativos ou
positivos. O CONTROLE NEGATIVO consiste na reprovação de determinados
comportamentos através da aplicação de sanções. A intensidade das sanções
negativas é variada. Esta pode ser leve ou grave, de caráter intimidador ou de
coação. O CONTROLE POSITIVO consiste em premiar e incentivar o “bom
comportamento” ou em persuadir os indivíduos, através de orientações e
conselhos (sanções positivas). Levando em consideração o critério da
intensidade, esse controle pode ser gratificador, orientador ou persuasivo.
O controle social é interno quando indivíduo é, ao mesmo tempo, objeto do
controle e seu fiscalizador. Ciente da norma e da eventualidade de sanção, ele
opta, em geral, por conformar-se aos requisitos sociais. As razões dessa
“autodisciplina” não se encontram na livre vontade do indivíduo, mas sim no
condicionamento realizado através de mecanismos de controle social

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


(“socialização”, isto é, aprendizado de regras e submissão a limites). Já o controle
social externo se efetua sobre os indivíduos através da atuação dos outros e
objetiva restaurar a ordem. Isso acontece, sobretudo, quando falha o controle
interno e o indivíduo transgride as normas. O controle externo é, na maior parte
dos casos, repressivo: manifesta-se através da aplicação de sanções. Porém, este
controle pode ser também preventivo, tendo a finalidade de confirmar o valor das
normas sociais e de descobrir eventuais violações.
O DIREITO CONSISTE EM UMA FORMA ESPECÍFICA DE CONTROLE SOCIAL
NAS SOCIEDADES COMPLEXAS. TRATA-SE DE UM CONTROLE FORMAL,
DETERMINADO POR NORMAS DE CONDUTA, QUE APRESENTAM TRÊS
CARACTERÍSTICAS. ESTAS NORMAS SÃO: (A) EXPLÍCITAS, INDICANDO À
POPULAÇÃO DE FORMA EXATA E CLARA AQUILO QUE NÃO DEVE FAZER; (B)
PROTEGIDAS PELO USO DE SANÇÕES; (C) INTERPRETADAS E APLICADAS
POR AGENTES OFICIAIS.
A depender da posição teórica adotada (funcionalista ou conflitiva), podem ser
feitas afirmações diferentes sobre a finalidade do direito como espécie de controle
social institucionalizado pelas autoridades estatais.
Sob a perspectiva liberal-funcionalista, o controle social exercido pelo direito tem
por objetivo impor regras e padrões de comportamento para preservar a coesão
social perante comportamentos desviantes. O controle social diminui os
conflitos e garante o convívio pacífico, exprimindo o interesse de todos por
usufruir uma vida social ordenada. Neste caso, o controle é considerado
legítimo e necessário para a vida em sociedade (“paz”, “civilização), desde que
sejam respeitadas determinadas regras. Uma política liberal e democrática de
controle social restringe seu exercício com base em quatro princípios: (a)
consecução de um bem-estar maior do que o que existiria sem o uso do controle
social; (b) limitação da intervenção ao estritamente necessário
(proporcionalidade entre meio e objetivo); (c) criação democrática dos
instrumentos de controle; (d) responsabilização dos agentes de controle
(controle dos controladores).
Os juristas-sociólogos de formação funcionalista consideram que o sistema
jurídico realiza um controle social baseado nas seguintes características: (a)
certeza; (b) exigibilidade; (c) generalidade; (d) garantia do bem comum; (e)
expansão; (f) uniformidade (f.1) espacial; (f.2) objetiva; (f.3) subjetiva; e (f.4)
temporal.
Sob a perspectiva conflitiva, os instrumentos e os agentes do controle induzem as
pessoa a se comportarem de forma funcional ao sistema. O que se controla? Quem
é controlado? Para que se controla? Estas são as perguntas formuladas pela teoria

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


do conflito social, que afirma que os detentores do poder direcionam o processo
de legislação e de aplicação do direito.
O sistema seria fundamentado na concentração do poder econômico e político.
Objeto do controle seria o comportamento que agride a ordem estabelecida,
sendo que, na maior parte dos casos, o controle seria exercido sobre as camadas
mais carentes da população.
Com relação à sua finalidade, o controle social teria por objetivo favorecer
os interesses da minoria que detém o poder e a riqueza social (capital,
prestígio, bens de consumo), o que demonstraria uma preocupação em
condicionar as pessoas a aceitarem uma distribuição desigual dos recursos
sociais, ao apresentar a ordem social como “justa”, e ao intimidar os que colocam
essa afirmação em dúvida.
As regras sociais não exprimiriam uma “vontade geral” ou interesses comuns de
todos os cidadãos. Em outras palavras, OS ADEPTOS DA TEORIA CONFLITIVA
NÃO ACEITAM A IDEIA DE QUE É POSSÍVEL REALIZAR UM CONTROLE SOCIAL
DEMOCRÁTICO E EM FAVOR DA SOCIEDADE COMO UM TODO, TAL COMO
SUSTENTAM OS LIBERAIS. RESUMINDO, AS TEORIAS DO CONFLITO PARTEM
DA EXISTÊNCIA DE GRUPOS SOCIAIS DIVERGENTES E CONSIDERAM O
CONTROLE SOCIAL COMO MEIO DE GARANTIA DAS RELAÇÕES DE PODER.
TAIS RELAÇÕES SÃO SEMPRE ASSIMÉTRICAS. Em outras palavras, constata-se
um desequilíbrio permanente entre os grupos sociais, inexistindo o igual
tratamento e reciprocidade nas relações sociais.
Os juristas-sociólogos que adotam a abordagem do conflito social concordam
parcialmente com a descrição funcionalista do papel do direito no controle social,
como, por exemplo, no que tange aos fenômenos de expansão e de uniformização
do direito. Os teóricos do conflito discordam, porém, de forma radical, no que se
refere às finalidades do controle. Consideram que o controle realizado através do
direito exerce funções latentes, diferentes de suas funções declaradas e criticam
o funcionalismo por adotar ideias provenientes do “senso comum”. Por não serem
dotadas de cientificidade, essas análises possuiriam caráter ideológico, servindo,
assim, para legitimar o controle social através do direito, de modo a ocultar sua
verdadeira função social.
A visão conflitiva pode ser exprimida através de cinco críticas, que indicam quais
seriam as funções reais do controle social através do direito: (a) ilegitimidade do
poder punitivo; (b) inexistência da distinção ente o bem e o mal (“normalidade do
crime”); (c) inexistência da culpabilidade pessoal (pluralidade cultural); (d)
impossibilidade de ressocialização; (e) desigualdade na aplicação da lei.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


5.2.2.1. Instituições e Controle Social
A vida em sociedade é resultado de nossas experiências nas diferentes
instituições. As instituições são estruturadas para regular e controlar a
distribuição dos bens sociais e atender à necessidade dos indivíduos e dos
diferentes grupos sociais. O filosofo alemão Nietzsche apud Castro (1996)
afirmava que “As necessidades geram perspectivas”. Foi das nossas necessidades
que nasceram a cultura, a ciência, a política, a economia, o direito, a religião, a
civilização (Infelizmente, as “nossas” necessidades são muito mais as dos
detentores do poder econômico). O indivíduo, por necessidade de autoafirmação,
recorre às instituições para suprir o seu desejo de segurança e realização.
Segundo Castro: “A instituição, portanto, ordena desigualdades biopsíquicas e de
estratificação social, impedindo que vigore a ‘Lei da Selva’, sem a utópica
pretensão de vencer a natureza, que apresenta diversidades individuais de
capacidade e condições corpóreas e mentais, e sem o ilusório pressuposto de
nivelamento social.”
Entre as instituições sociais, destacamos:
a) Família: considerada como a mais importante instituição social. É o núcleo
responsável pela criação, conservação e reprodução da sociedade. Como
instituição social, a família apresenta três funções básicas: procriativa, educativa
e econômica.
- A função procriativa é aquela que garante a existência e continuidade do grupo.
- A função educativa é a que busca a socialização e integração e interação dos
indivíduos ao grupo social. É a responsável pela transmissão da herança sócio-
cultural.
- A função econômica é responsável pela sobrevivência dos membros da família.
A função econômica é responsável pela sobrevivência dos membros da família.
Com o desenvolvimento da sociedade, essas funções vão sendo aos poucos
substituídas por outras instituições (por exemplo a criança socializada em
creches ou pela empregada doméstica).
b) Escola: é a instituição responsável pela formação profissional dos indivíduos e
também, juntamente com a família, pela socialização. É importante salientar que,
mesmo tendo como função básica a formação profissional, a escola não pode
deixar de lado a formação de cidadãos críticos e conscientes do seu papel na
sociedade. A escola não pode ser apenas a fornecedora de mão-de-obra
qualificada para o mercado. Ela precisa proporcionar condições para que os

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


indivíduos possam atuar com competência técnica, mas ao mesmo tempo, tenham
condições políticas de questionar o modelo social no qual estão inseridos.
c) Religião: é a instituição que atende às necessidades humanas diante do
desconhecimento do que virá após a vida. É responsável pela conduta dentro de
padrões compatíveis com os preceitos religiosos. Atua ainda como elemento de
conforto diante da dor, da miséria e da angústia humana.
Para Marx, a religião era considerada como: “consciência é o sentimento do
homem que ainda não se encontrou a si mesmo ou que se tornou a perder... é o
ópio do povo[...] toda a crítica, qualquer que seja, deve ser precedida de crítica da
religião[...] a crítica da religião leva à doutrina de que o homem é o ser supremo
para o homem, e ao imperativo de derrubar as relações sociais nas quais o homem
é um ser degradado, escravizado, abandonado, miserável.”
d) Justiça: se expressa em leis que obrigam e constrangem o indivíduo em seu
relacionamento social. Está ligada a um dever moral, cuja emissão define culpa
sancionada por lei. Além dessa justiça legal, temos ainda a justiça social que se
situa no plano de possibilidade de construção de uma sociedade mais justa e
fraterna. Nesse campo são discutidas questões como o desemprego, a miséria, a
violência, a fome e outras mazelas que atingem milhões de indivíduos em todo o
mundo.
e) Estado: é considerada a mais complexa das instituições. O Estado existe como
instituição dotada de poder, que tem como objetivo a segurança e a justiça. Na
visão Marxista, o Estado é produto da sociedade dividida pelos antagonismos de
classes. É um poder que existe para amenizar os conflitos entre essas classes.
Nesse sentido, o Estado representa os interesses da classe dominante.
5.2.3. Transformações Sociais e Direito
As transformações sociais têm sido, e são, sem dúvida alguma, um tema central da
sociologia, da ciência política e da psicologia social; sua origem e sua tipologias
são abordados por diferentes teóricos, que, a seu turno, têm contribuído com
distintas opiniões e enfoques para o fim de entendê-las. Embora a bibliografia seja
ampla, os tratadistas quase não se detêm em definições; partem de algo que
supõem ser um conceito claro, dedicando-se desde logo à análise de suas origens
e modelos. Os estruturalistas têm insistido numa definição que, em princípio,
parece acertada: toda transformação se reflete na estrutura social; a partir daí,
elaboram uma série de critérios para medir a intensidade da mudança. Alguns
estimam que a transformação mais importante é a que se dá no campo da
axiologia, isto é, dos valores vigentes tidos como os de maior hierarquia em
uma sociedade e em uma situação determinada. Outros medem a intensidade
da transformação pelos aspectos econômicos, dando prioridade aos fatores que

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


refletem a distribuição da renda e do produto nacional bruto. Os sociólogos
efetuam diversas classificações para as transformações; assim, fala-se desde em
transformações institucionais até transformações que podem ocorrer nas pessoas
que ocupam os postos de comando de um determinado sistema social.
Todas as teorias denominadas clássicas abordam, de uma forma ou outra, o tema
das transformações sociais, suas fontes e sua tipologia. Herbert Spencer viu o
desenvolvimento da sociedade como um processo evolutivo. Auguste Comte
considerava a sociedade como um processo de evolução e progresso. Para Oswald
Spengler, a existência humana é uma série interminável de vaivéns. Arnold
Tonynbee sustentou que uma civilização nasce de uma resposta vitoriosa a um
desafio, e atribui a capacidade de conceber essas respostas às “minorias
criadoras”. Karl Marx sustentava que o avanço a uma sociedade sem classes se dá
mediante conflitos dialéticos nos quais uma classe subordinada derruba a classe
governante. Max Weber deu relevância especial ao líder carismático que, ao
esgotar a legitimidade de uma velha estrutura, surge e lhe dá o golpe de
misericórdia. No âmbito das teorias modernas, Talcott Parsons relacionou as
transformações com o equilíbrio, não apenas para aquebrantá-lo, mas também
para consolidá-lo. Francesca Cancian os relacionou diretamente com a
estabilidade do sistema e ressalta a necessidade do mesmo em conservá-la. C.
Wright Mills atribuiu um papel considerável aos fatores políticos, certamente sem
desprezar os fatores classistas, refletindo assim suas influências marxistas. David
McLelland e Everett E. Hagen afirmaram que a força motriz das sociedades não
descansa nos fatores ambientais, nem nos conflitos sociais, nem nas ideias, mas
nos indivíduos, fortemente movidos pelo afã de alcançar certos êxitos.
Diversas escolas do pensamento jurídico sustentaram veementemente que
o direito é um simples reflexo da realidade, incapaz de promover
transformações sociais. SAVIGNY TALVEZ TENHA SIDO O MAIS DESTACADO
DEFENSOR DESSA IDEIA. Ferrenho adversário das tendências racionalizadoras
e legisladoras que foram estimuladas pela Revolução Francesa, considerava que
o direito não se encontra, se faz. Para Savigny, o corpo legislativo só deveria entrar
em ação quando o costume popular tivesse se desenvolvido plenamente. Savigny
condenava particularmente a tendência de codificação do direito inaugurada
pelos códigos napoleônicos e rapidamente propagada pelo mundo civilizado. Sua
obra fala de um “direito vivo do povo [...] produto de forças internas que operam
sigilosamente”. Como o idioma, o direito não seria “o produto de uma vontade
arbitrária, mas de um crescimento lento, gradual e orgânico”, e como a cultura,
seria a “emanação das forças inconscientes anônimas, graduais e irracionais da
vida individual de uma nação”.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Puchta manifestou-se partidário de ideia semelhante ao afirmar que “a gênese ou
o desenvolvimento do direito, partindo do espírito do povo, é um processo
invisível. Quem seria capaz de empreender a tarefa de seguir os caminhos por
meio dos quais surge no povo a convicção, como germina, cresce, prospera e se
desenvolve? O que vemos é tão só o produto – o direito – tal como surgiu do
obscuro laboratório em que foi preparado e fez dele realidade”.
Por outro lado, Herman Kantorowicz, criador e máximo expoente do do direito
livre, considera, resumindo sua teoria, que este “movimento tende, com todas as
suas forças, à meta mais alta de toda a juridicidade: a justiça. Só se fizermos
estourar os estreitos cauços das poucas disposições legais, só se a plenitude do
direito fizer possível o dar a cada caso a regulamentação adequada, só onde há
liberdade, existirá também justiça. Só se dominarmos sutilezas estéreis e
colocarmos em seu lugar a vontade criadora que engendra novos pensamentos,
só onde há personalidade, exisitirá também justiça. Só se tirarmos a vista dos
livros, dirigindo-os à vida, calculando as consequências e as condições mais
distantes das nossas ações, só onde há sabedoria, existirá também justiça”.
Segundo W. Friedmann, “a teoria de Savigny é hoje um tema histórico
excessivamente fora de tom em relação às condições da sociedade moderna para
que possa constituir um motivo sério de discussão. Já a discussão mais sutil e
realista, exposta um século depois pelo jurista austríaco Ehrlich é um ponto de
partida adequado”. Ehrlich coincide com Savigny ao dar importância ao “direito
vivo do povo”, baseado na conduta social e não na norma coercitiva do Estado;
concede ao direito certa influência na realidade, mas só no que se refere aos fins
do Estado, a saber: a organização militar, a tributação e a administração
policialesca; sustenta que, “hoje como sempre, o centro de gravidade do
desenvolvimento jurídico, não se encontra na legislação, nem na ciência jurídica,
nem na decisão judicial, senão na própria sociedade”. “Sucede, contudo, que a vida
é incomparavelmente mais rica que os conceitos e tipos contidos nas normas
jurídicas gerais: os interesses na realidade apresentam uma multitude de matizes
diferenciais entre si, um número tão grande e em variações tais, que nenhuma
norma jurídica nem conjunto de normas jurídicas algum jamais poderia
expressar”. Por fim, Gurvitch distingue entre o direito organizado, o qual foi fixado
previamente – leis, regulamentos, estatutos dos tribunais – e sói ser relativamente
imutável e rígido, e o direito vivo, o espontâneo, o flexível e o inventivo.
Outras escolas do pensamento jurídico vão ainda mais além: não só negam ao
direito a capacidade de ser um eficiente instrumento transformador; apontam-no
como um obstáculo. Este é o caso, fundamentalmente dos juristas marxistas, que
tiram suas próprias conclusões a partir do postulado segundo o qual as relações
jurídicas, assim como as formas estatais, não podem ser compreendidas por si

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


mesmas, nem explicadas pelo chamado progresso geral da mente humana, haja
vista que tem suas raízes nas condições materiais de vida, modificando-se a
estrutura mais ou menos rapidamente com a transformação dos fundamentos
econômicos.
Partindo desse ponto, Pachukanis afirmou que “o direito, sobretudo em sua forma
mais desenvolvida, é um produto típico da economia e cultura burguesa [...] o
direito pressupõe interesses contrapostos que requerem um acordo pacífico. Em
uma sociedade coletivista, onde haverá uma unidade de propósito social e uma
harmonia de interesses, o direito deixará de ser necessário; será substituído por
normas técnicas sociais baseadas na utilidade e conveniências econômicas”.
Outro marxista, Yudin, afirmou que “o direito não é uma força inovadora, e sim
um fator estabilizante do fator social. Em 1975, um jurista chileno, Novoa
Monreal, escreveu um livro denominado “O direito como obstáculo à
transformação social”, cuja principal tese é a de que “não há direito desapegado
da concepção política e concreta vivida por uma sociedade. O direito deve ajustar-
se ao “projeto concreto de vida social” que anima cada sociedade em um dado
momento histórico. O problema é que isto não se concretizou, pelo que nos
encontramos na presença de um direito obsoleto que o conservadorismo dos
juristas é incapaz de notar e muito menos, de remover”.
Em seu livro, Novoa Monreal analisa o espírito liberal individualista da legislação
latino-americana e o considera influenciado pelo “Code Civil”, que responde, a seu
turno, à ideologia política da Revolução francesa “e serve para sancionar o triunfo
da burguesia sobre os privilégios feudais, à base da afirmação dos princípios de
igualdade pessoal, de respeito a um direito de propriedade privada tido por
consagrado e inviolável, de liberdade de contratação e amplo reconhecimento da
autonomia da vontade e do direito de herança”.
Novoa Monreal considera que a influência do “Code”, o raciocínio do direito
romano e o ideal cristão “permitiram o nascimento e o desenvolvimento do
capitalismo moderno, de modo que todo o nosso direito encontra-se atualmente
impregnado do espírito capitalista, por ter aceitado e encorajado a produção com
vistas à ganância”. O homem das leis é qualificado por Novoa Monreal como um
ser eminentemente conservador a partir de afirmações de juristas como
Bodenheimer, para quem “o direito, por sua própria natureza, é uma força
estática, com tendência ao estancamento e de índole conservadora”; cita, ainda,
Vinogradof, de modo a respaldar a sua particular concepção de direito. Assinala
uma série de avanços desde a técnica até o intervencionismo estatal e o
planejamento, que não foram considerados no direito vigente. Critica Ripert, que,
sem negar a necessidade de reformas, não crê numa evolução fatal do direito,
devendo-se “prever o perigo de romper com a tradição e destruir direitos

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


respeitáveis”. Ataca as deficiências de uma técnica legislativa obsoleta,
assinalando que em certos casos idealizou-se a norma, opinando que em casos
outros a promulgação das leis pode igualmente ser “impulsada por afãs populistas
de um governo que se sente débil e que espera obter o apoio de grupos numerosos
ou politicamente fortes”.
Novoa Monreal cita quais seriam as características de um sistema moderno de
normatividade social: (a) inovação que expresse adequadamente as necessidade
sociais do momento; (b) integração de todos os seus preceitos em um
ordenamento sistemático único, bem articulado e coerente; (c) flexibilidade de
seus preceitos a fim de que possam se conformar prontamente com as novas
necessidades sociais, tão logo sejam apresentadas; (d) composição por um
número reduzido de preceitos, claros, ordenados e precisos. Assinala, na
sequência, os limites do direito, negando que o legislador possa tudo; observa que
a mesma natureza o circunscreve e que o direito é superado pelo espiritual, pela
generalidade da lei e por algo muito importante: o respeito à dignidade humana,
e aos direitos fundamentais do homem. Considera vícios individualistas do direito
desde a propriedade privada, a qual ataca como fonte de poder pelas poucas
limitações que lhe são impostas no direito moderno, até o princípio da liberdade
de contratação e da autonomia da vontade, que considera o “símbolo jurídico por
excelência da sociedade capitalista”. Também a irretroatividade da lei e a
segurança e certeza jurídica seriam mecanismos impeditivos de transformações.
Ao analisar as perspectivas do direito moderno, Novoa Monreal assinala as novas
funções do Estado e, apoiando-se em Latorre, desconstrói o conceito tradicional
de segurança, que se converte em “segurança contra a miséria, contra as
enfermidades, o desemprego, a velhice etc., tudo o que hoje é denominado de
seguridade social”.
Ocorre que, atualmente, ninguém mais nega a possibilidade de que um sistema
possa implantar e levar até as últimas consequências as transformações
necessárias, sem que isso implique na perda de estabilidade. Esse processo,
contudo, dependerá do grau de legitimidade do sistema e das instituições
encarregadas especificamente deste mister.
A teoria de Savigny não foi elaborada a partir de bases lógicas e sim com
base em um sentimento conservacionista. Ao valorar a escola histórica, não
se deve esquecer que Savigny era um nobre conservador que detestava o
racionalismo igualitário da Revolução francesa. Era, ademais, um nacionalista
alemão adversário do cosmopolitismo implícito na doutrina revolucionária;
opunha-se ao Código de Napoleão e tratava de evitar a promulgação de códigos
similares na Alemanha. Isso tudo explica sua inimizade com a legislação e a
importância que atribuía às “forças silenciosas, anônimas e inconscientes”,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


verdadeiros elementos do desenvolvimento jurídico com os quais legislador
algum deveria interferir. E no que se refere ao pensamento jurídico marxista,
nota-se uma “virada” na obra de Engels quando, ao assinalar a interrelação e a
mútua influência existente entre as transformações da estrutura e da
infraestrutura, menciona a ciência jurídica como um dos principais elementos do
ideario, dos costumes e das tradições de uma sociedade, representadas em sua
concepção de superestrutura.
É preciso deixar claro que a ideia de que o direito é a expressão da classe
dominante fornece uma explicação pobre para o fenômeno jurídico. Os marxistas
não se dão conta de que o direito possui uma função permanente na vida humana
social; é a resposta para muitas necessidades, assim como também organiza,
limita e legitima o poder político. Imaginar que o direito irá desaparecer em um
Estado comunista é algo utópico. E ainda que eventualmente fosse possível
imaginar uma situação de anarquia na qual desaparecesse o estado de direito, tal
situação seria transitória e efêmera. Kelsen, aliás, fez duras críticas à posição
marxista ao observar que “a tentativa de se desenvolver uma teoria do direito
baseada na interpretação econômica da sociedade de Marx fracassou por
completo. Os motivos desse fracasso se devem, em primeiro lugar, à tendência de
substituir (ao invés de agregar) uma interpretação normativa do direito por uma
análise estrutural de um sistema específico de normas, uma investigação
sociológica sobre as condições nas quais se dá e se faz efetivo um sistema
normativo”.
A sociologia jurídica norte-americana trouxe luzes quanto à capacidade do
direito de servir como instrumento de transformações sociais. Roscoe
Pound, por exemplo, compreendia o direito “como uma instituição social
voltada para a satisfaçào de necessidades sociais – as pretensões e
demandas implícitas na existência da sociedade civilizada – logrando o
máximo possível com o mínimo de sacrifício, tanto quanto puderem ser satisfeitas
tais necessidades ou realizadas tais pretensões mediante uma ordenação de
conduta humana através de uma sociedade politicamente organizada.
O direito deve ser constantemente modificado, conservando, não obstante, certa
orientação axiológica. Segundo Friedmann, “seria trágico que direito estivesse tão
petrificado que não pudesse responder às incitações das transformações sociais
evolutivas e revolucionárias”.
5.2.4. Coerção, Coação e Sanção: Diferenças
Excertos do livro do paulo nader (Filosofia do Direito. Rio de janeiro: Forense, 19ª
ed., p.93):

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


“Enquanto a coação é a força em ato, a coercibilidade é em potência. Tal distinção
é básica, pois se a coação se manifesta apenas eventualmente, a coercibilidade é
um estado permanente da prdem jurídica. [...] Uma parte do ordenamento
jurídico, além de definir a conduta exigida, prevê sanções de diferentes tipos aos
seus infratores. A sanção jurídica não se confunde com a coação. Esta é força,
enquanto aquela é apenas determinação de penalidade, que pode ser aceita
espontaneamente ou não pelos destinatários. Ocorrendo esta última
circunstância, o aparato coativo do estado deverá ser acionado”. Assim, o direito
é fato social coercitivo (obrigatório) que pode se valer da coação (força) para se
afirmar.

31. 5.3. Direito, Comunicação Social e Opinião Pública


5.3.1. Direito, Comunicação Social e Opinião Pública
5.3.1.1. Texto Introdutório
A característica do Direito de operar a partir de impulsos da sociedade e a ela
devolver resultados por meio do controle social faz com que ele seja marcado por
uma relação importante com a opinião pública. Por sua possível relação ou
identificação à soberania popular, a opinião pública é um recurso simbólico dos
mais relevantes para a esfera das relações jurídicas e políticas. Constitui-se,
muitas vezes, em um argumento irresistível, a respeito do qual ninguém ousaria
discordar, na medida em que seria capaz de expressar a transição das opiniões
individuais às coletivas e, por isso mesmo, representaria a síntese do pensamento
da sociedade21.
O conceito de opinião pública não pode ser apresentado de forma definitiva, uma
vez que encontrou variações ao longo do tempo, como será visto a seguir. Tem-se
por consenso na atualidade, contudo, que a opinião pública não se reduz à
soma das opiniões individuais, tampouco se identifica com o consenso ou com
a unanimidade sobre determinado tema. Pode-se defini-la provisoriamente como
um posicionamento favorável ou desfavorável do corpo social a respeito de uma
ideia, um fato, uma pessoa um produto etc.22. Segundo João Pissarra Esteves, a
opinião pública é “filha da razão” e é manifestada enquanto vontade coletiva
através da liberdade de expressão do pensamento, liberdade de associação e,
sobretudo, da liberdade de imprensa. É, portanto, o seu caráter racional e a sua
forma de comunicação que formam os pilares do sentido moral e ético da opinião
pública23.

21
CAVALIERI FILHO. Sergio. Programa de sociologia do direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 176.
22
CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia aplicada ao direito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 168
23
ESTEVES, João Pissarra. A Ética comunicação e os media modernos: legitimidade e poder nas sociedades complexas.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, pp. 198-202.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Referências à opinião pública podem ser localizadas desde o pensamento das
civilizações clássicas, como nas expressões “vox populi” (voz do povo), “opinião
popular” (Heródoto), “voz pública da pátria” (Demóstenes) ou “apoio do povo”
(Cícero). Em sua trajetória histórica, constata-se que o conceito de opinião pública
transitou de uma relação com o uso público da razão, com a encarnação do valor
da publicidade (isto é, da existência e da fruição de uma esfera pública), em que se
consubstanciava no “produto do raciocínio público sobre os assuntos públicos”,
para um emaranhado de opiniões parcamente relacionáveis com os sujeitos,
porquanto mediadas pela atuação dos Mass Media (meios de comunicação de
massa)24.
Sem prejuízo das referências remotas acima citadas, as concepções sobre a
opinião pública que chegaram à atualidade têm suas raízes no liberalismo político
e dos séculos XVII e XVIII. Metaforicamente, Jeremy Bentham falava de um
“tribunal da opinião pública”, com o objetivo de desnudar e avaliar o poder
político, com o objetivo de torná-lo transparente e controlável, uma vez que o
segredo dos assuntos supõe a tirania dos governantes. O julgamento da opinião
pública, em Bentham, é “para o exercício pernicioso do poder governamental a
única medida (check); para o exercício benéfico, um suplemento indispensável. Os
governantes competentes seguem-no; os néscios ignoram-no. No presente
estádio da civilização, os seus ditames coincidem, na maior parte dos casos, com
o princípio da maior felicidade”25. Nesta fase, como foi dito acima, o conceito de
opinião pública era ainda influenciado pelo ideal kantiano de publicidade e de
esclarecimento dos assuntos públicos, próprio do ambiente iluminista, sendo
resultante de uma discussão racional e crítica entre os cidadãos ativos.
A partir da segunda metade do século XIX, o conceito de opinião pública começa
a ser influenciado cada vez mais fortemente pela inclusão de um contingente cada
vez maior de pessoas no contexto democrático (constituindo uma democracia de
massas, a partir da explosão demográfica, da universalização do sufrágio e, ainda,
do reconhecimento de direitos de participação política quase indistintos), bem
como pela evolução da comunicação social por meio de novos veículos
tecnológicos de mediação simbólica (da televisão à internet). NAS SOCIEDADES
MODERNAS, A OPINIÃO PÚBLICA ESTÁ INTIMAMENTE LIGADA COM A
COMUNICAÇÃO SOCIAL DE MASSA, DE SORTE QUE A PERFORMANCE DOS
SUJEITOS NA SUA FORMAÇÃO É FRANCAMENTE LIMITADA. Se houve, por um
lado, o aumento numérico dos participantes na esfera pública, houve também, de
outro lado, a dissolução da opinião pública em opinião publicada, perdendo-se em
boa medida sua dimensão efetivamente crítica. Segundo Jürgen Habermas, “à

24
MATEUS, Samuel. A estrela (de)cadente: uma breve história da opinião pública. In: Estudos em comunicação. nº 4.
Covilhã. Nov., 2008, pp. 59-80.
25
BENTHAM, Jeremy. Constitutional Code. Vol. I. Oxford: Oxford University Press, 1983, p. 36.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


medida que as pessoas privadas se tornavam públicas, a própria esfera pública
assumia formas de fechamento privado (…). O debate crítico e racional do público
também se tornou uma vítima desta “refeudalização”. A discussão como forma de
sociabilidade deu lugar ao fetichismo do envolvimento na comunidade por si
só”26.
As contradições que permeiam o conceito de opinião pública, desta forma,
residem em fatores externos e internos. Do ponto de vista interno, é
extremamente difícil, nas sociedades de massa da atualidade, operacionalizar um
efetivo uso público da razão. Do ponto de vista externo, reconhece-se que a
influência dos mass media não somente expõe as opiniões retiradas de
deliberações sociais, mas em certa medida as constitui. Deste modo, a opinião
pública midiatizada não reflete as subjetividades, mas molda as
subjetividades a partir dos meios de comunicação de massa27. A imprensa,
escreve Adriano Duarte Rodrigues, “veículo da opinião publicamente produzida
nos espaços de debate e convívio, torna-se pouco a pouco produção de opinião,
substituindo-se, assim, ao trabalho de produção coletiva que orientava o projeto
iluminista”28.
De outro lado, o aspecto qualitativo da opinião pública oferece desafios, na
medida em que a população em geral desconhece os assuntos sobre os quais
opina, não raro em matéria de Direito. A mídia brasileira, por outro lado, parece
privilegiar aspectos estereotipados e sensacionalistas, deixando de oferecer ao
público uma visão do cotidiano normal do sistema político e jurídico29. Não se
apresentará livre de distorções, ainda, a consideração estatística da opinião
pública. Este enfoque fará apenas com que a problemática aqui tratada, alusiva às
condições pelas quais se forma a maioria ou a minoria, seja suplantada pela
simples exposição, mediante relatórios baseados em investigações e pesquisas de
opinião, da maioria ou da minoria constatada.
Por isso tudo, é seguro dizer que A OPINIÃO PÚBLICA DA MODERNIDADE,
DISSOLVIDA NOS MASS MEDIA E COM SEVEROS DÉFICITS QUALITATIVOS,
CONQUANTO SEJA UM VALOR SOCIOLÓGICO A SER CONSIDERADO, NÃO
DEVE DE NENHUMA FORMA SERVIR COMO BALIZA PARA A ATUAÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO. Antes disso, é função deste último reagir ao quadro atual de
dissolução da opinião pública, mormente quando não se sabe se o que está em
26
HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade
burguesa. Trad. Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 158.
27
MATEUS, Samuel. A estrela (de)cadente: uma breve história da opinião pública. In: Estudos em comunicação. nº 4.
Covilhã. Nov., 2008, p. 77.
28
RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da comunicação: questão comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa:
Editorial Presença, 1990, p. 41.
29
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 3 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 181.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


jogo é efetivamente a vontade majoritária. Neste ponto, é salutar recordar o
ceticismo de Hegel quanto à opinião pública: “Em si mesma, não possui ela a pedra
de toque ou a capacidade de elevar a um saber o que tem de substancial; e, por
isso mesmo, a primeira condição formal para fazer algo grande e racional é ser
independente (tanto na ciência como na realidade)”30.
5.3.1.2. Continuação
Dentro da sociologia do direito é indispensável examinarmos a percepção que a
sociedade nutre em face das instituições jurídicas. Estudar as relações entre
opinião pública e o direito é estudar qual é a percepção que a sociedade tem do
sistema jurídico normalmente considerado. Isso é indispensável para que nós
possamos caminhar para a busca de uma maior efetividade e legitimidade
social do próprio direito.
O estudo acerca da opinião pública e dos seus reflexos jurídicos foram
desenvolvidos, sobretudo, nos Estados Unidos. São as chamadas pesquisas kol
(knowledge and opinion about law).
São muito desenvolvidas nos Estados Unidos e possuem, claro, uma grande
importância para a sociologia do direito. Essas pesquisas são pesquisas empíricas,
decorrem da sociologia do direito, é uma ciência empírica, e são pesquisas
baseadas no uso de questionários e entrevistas. E, particularmente, podem ser
observados três níveis de análise sócio-jurídica nas pesquisas kol.
a) O primeiro nível é acerca do conhecimento do direito, conhecimento do
direito por parte da população, da sociedade. Aí indaga-se se a sociedade
conhece o direito.
b) O segundo diz respeito à aceitação do direito. A sociedade, uma vez
conhecendo o direito posto, aceita o poder normativo? Ele goza de
legitimidade social?
c) O terceiro nível de abordagem busca aferir a opinião pública sobre o
funcionamento do sistema jurídico. E aí, indaga-se: será que o sistema
jurídico, composto de instituições e de agentes (magistrados, advogados,
policiais, promotores, procuradores), apresenta uma imagem positiva
dentro da sociedade? Ou seja, a sociedade percebe essas instituições e esses
agentes de uma forma positiva?
São três níveis de abordagem sócio-jurídica indispensáveis para a busca de uma
maior efetividade e legitimidade social.

30
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Trad. Norberto de Paula Lima. 2 ed. São Paulo:
Ícone, 1997, p. 260.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Conhecimento do Direito
Quando se examina o primeiro nível de abordagem, que é o conhecimento do
direito, nós encontramos estudos sociológicos, indagamos, se os cidadãos
efetivamente conhecem o conteúdo do sistema jurídico. E claro, teremos que
reconhecer, em sociedades avançadas e, sobretudo, em sociedades periféricas ou
semi-periféricas como a nossa, que o grau de desconhecimento do conteúdo das
normas jurídicas é muito grande. O que compromete a efetividade do direito, a
eficácia social das normas jurídicas. A norma constante da Lei de Introdução
do Código Civil, segundo o qual a ninguém é dado alegar a ignorância da lei
para eximir-se de obrigação e dever jurídico é uma norma necessária para
permitir o funcionamento dogmático do sistema jurídico, mas é uma norma
de baixa efetividade e eficácia social. Porque, se nem mesmo nós juristas
conhecemos a totalidade das normas que compõem o direito positivo brasileiro,
ainda mais um cidadão que não teve acesso à ciência jurídica.
Infelizmente é cada vez maior o desconhecimento da ordem jurídica e o
afastamento da ciência jurídica em face do senso comum. As pesquisas sócio-
jurídicas desenvolvidas no Brasil, sobretudo no RS e em SC, demonstram que esse
desconhecimento varia conforme o ramo do direito. E isso é até perceptível por
nós. Por exemplo, as pessoas elas conhecem um pouco mais do direito penal,
depois um pouco mais do direito civil e do direito do trabalho, e nada conhecem,
quase nada conhecem do direito constitucional, do direito eleitoral, do direito
administrativo, e do direito tributário. Direito penal é mais conhecido porque o
direito penal é a última barreira no centro de controle social e, portanto, as
situações jurídicas são aquelas mais contundentes, mais coercitivas e mais
coativas. Daí porque, é também porque o direito penal está muito atrelado à
moralidade social, é mais fácil o indivíduo internalizar que matar alguém, que
furtar, que mentir perante o juiz, são crimes. Entretanto, esse conhecimento do
direito penal é muito rasteiro, e é seguramente, um conhecimento pouco
significativo. De modo geral, o direito civil e o direito trabalhista são
relativamente conhecidos. Nós temos noções legais do que seja personalidade,
capacidade, contrato, obrigações, propriedade, sucessões. Temos uma relativa
noção dos direitos trabalhistas, e isso tudo nós internalizamos a partir do
conhecimento vulgar da mera observação da realidade social, mas enquanto
cidadãos temos muita dificuldade de entender direito público. Para nós juristas
isso não ocorre, nós temos acesso a esse conteúdo científico, mas o cidadão
comum ele tem dificuldade em compreender os ramos do direito público.
Boaventura de Souza Santos afirma ser um grande desafio dentro da
sociologia do direito da administração judiciária permitir essa maior
aproximação entre sociedade e direito também no sentido de permitir um

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


conhecimento maior do direito. E para tanto, nós precisamos com atenção
simplificar a linguagem jurídica. Transformar a linguagem jurídica em uma
linguagem mais acessível ao povo. Claro, linguagem jurídica não pode ser a mesma
da linguagem vulgar. Mas o legislador precisa produzir leis com linguagem mais
simples. Nós, ao escrevermos artigos e livros, precisamos usar também uma
linguagem mais acessível para que também as pessoas que não façam parte da
comunidade estritamente jurídica possam conhecer os seus direitos. Temos que
utilizar cada vez com maio parcimônia o latim, para não incorrer em
rebuscamentos linguisticos. Enfim, precisamos romper aquilo que Boaventura
Santos chamou de “dominação oracular” através da linguagem que compromete
o conhecimento do direito.
Aceitação do Direito
Na dimensão da aceitação do direito, temos que indagar se o direito posto é aceito
pela sociedade. Verifica-se que muitas vezes o direito posto carece de
legitimidade social. Por exemplo, todos sabem que o voto é obrigatório.
Se nos fizéssemos uma pesquisa kol para aferir a aceitação dessa norma do art. 14
da CR/88, constataríamos, sem sombra de dúvida, que a sociedade não concorda
com a obrigatoriedade do voto porque não considera a obrigatoriedade do voto
um instituto consentâneo com o Estado Democrático.
Se nós vivemos em uma democracia, porque não estender a facultatividade do
voto e assegurar a liberdade do cidadão? Às vezes também a pesquisa kol no
campo da aceitação do direito nos remete a resultados um tanto controversos.
Pesquisas, por exemplo, sobre a adoção da pena de morte no Brasil apontam que
as pessoas são contra a proibição da pena de morte, proibição expressa no art. 5º
da Constituição, e são a favor da adoção da pena capital, sobretudo, em crimes
hediondos.
E quando nós discorremos sobre a opinião pública acerca do funcionamento do
sistema jurídico, nós percebemos que em muitas sociedades avançadas e,
sobretudo, em sociedades periféricas e semi-periféricas, como a sociedade
brasileira, há uma crença generalizada na seletividade da justiça. Há uma
desconfiança por parte da sociedade na atuação de magistrados, promotores, e
advogados. E essa percepção negativa acaba erodindo o respeito institucional e
afastando a sociedade do Poder Judiciário e comprometendo de forma ampla o
próprio acesso à justiça.
As pesquisas sobre opinião pública e seu impacto no direito são criticadas pelas
distorções muitas vezes operadas pelos membros da comunicação de massa. De
fato, meus amigos, não há como negar, que a mídia, malgrado a sua grande
importância para a sociedade, muitas vezes distorce os fatos e muitas vezes

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


antecipa o devido processo legal. Os processos midiáticos não respeitam a ampla
defesa, não respeitam o contraditório, não respeitam a presunção de
culpabilidade. E os processos midiáticos muitas vezes conduzem a opinião pública
a posicionamentos equivocados, porque são precipitados, porque são
sensacionalistas, porque são muitas vezes movidos por interesses inconfessáveis.
É por isso que Pierre Bourdieu, um autor também francês, autor de um livro
chamado “A violência simbólica”, diz: a opinião pública não existe porque ela
é o produto das distorções midiáticas, o que muitas vezes afasta a sociedade
da busca da verdade.
Enfim, como fica a imagem e a dignidade dessas pessoas depois do processo
midiático que não acompanhou o devido processo legal? Então, são questões
interessantes, são questões muito importantes. Toda vez que ocorre um crime de
notoriedade o Estado responde com leis severas, esquecendo o garantismo penal
e buscando implementar o modelo penal; esquecendo Ferrajoli e lembrando de
Jakobs, e ideia do direito penal do inimigo. E por que isso ocorre? Porque a
produção de leis penais severas procura simbolicamente oferecer respostas
à sociedade capazes de acomodar os anseios fugazes e emocionais,
passionais da opinião pública, muitas vezes direcionadas pelos meios de
comunicação de massa.

32. 5.4. Conflitos Sociais e Mecanismos de Resolução. Sistemas Não


Judiciais de Composição de Litígios.
5.4.1. Conflitos Sociais e Mecanismos de Resolução
A teoria jurídica caracteriza um conflito por uma quebra na harmonia
intersubjetiva, uma insatisfação, decorrente de alguma pretensão pessoal que se
choca com a pretensão de outro indivíduo. Esta insatisfação pode surgir porque a
posição do outro não permite que minha pretensão seja satisfeita, ou porque o
outro apresenta resistência explícita à minha pretensão. Dito de forma mais clara,
um conflito surge sempre que meu desejo é limitado pela “resistência de outrem
ou pelo veto jurídico à satisfação voluntária”31.
A teoria sociológica encara a problemática dos conflitos e dos métodos de sua
resolução na perspectiva da sociologia dos tribunais. As pesquisas realizadas no
campo da Etnologia Social e da Antropologia, entre os anos 50 e 70 do século
passado, lograram demonstrar a existência de sistemas jurídicos totalmente
diferentes dos que são registrados nas sociedades modernas. Estes sistemas
concentravam-se na resolução particular de conflitos, sendo marcados pela

31
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et. alli. Teoria geral do processo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 20.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


participação comunitária e pela conciliação, mediada por um discurso
eminentemente retórico, tópico-problemático e informal32.
Como reflexos destes avanços da Antropologia, surgiram inquirições sociológicas
relativas às sociedades contemporâneas, que buscavam analisar, de um lado, a
existência de várias ordens jurídicas gravitando em torno de um mesmo sistema
social, e, de outro lado, a razão pela qual uma parcela significativa dos conflitos de
interesses é resolvida por meios informais de que a sociedade dispõe. A Sociologia
demonstrou, com isso, que a produção jurídica estatal, ainda que seja prioritária,
não é a única presente na sociedade. Demonstrou, igualmente, que a busca de
resolução para os conflitos é orientada cada vez mais para fora da jurisdição
estatal, dirigindo-se a meios mais baratos e céleres, disponíveis em estruturas
sociais independentes33.
Estes resultados da Sociologia, levados a público na segunda metade do século XX,
coincidiram temporalmente com o aguçamento do contexto de crise do Poder
Judiciário. Com base nisso, foi natural que o estudo dos meios de resolução de
conflitos sociais pudesse apresentar algum contributo relativo ao problema do
acesso à justiça, no plano da admissão a um sistema de composição dos conflitos,
da mudança do perfil deste sistema, ou, de resto, no plano da efetividade e da
celeridade das decisões. Entre outros fatores, estas contribuições ajudaram a
fomentar, até os dias atuais, mudanças no âmbito da resolução estatal de conflitos,
na mesma medida em que foram ampliados os meios alternativos e não-judiciais
de composição34.
No âmbito do processo judicial, houve uma sensível mudança no perfil na
atividade judiciária. Como exemplos disso, podem ser citados a criação de
órgãos judiciários especializados e dotados de maior celeridade e
informalidade, a concessão ao magistrado de poderes mais significativos para a
tentativa de conciliação ou transação — inclusive na esfera do direito penal —, e,
ainda, o desenvolvimento de técnicas diferenciadas de manejo da tutela
jurisdicional. Não obstante, estas reformas no plano da justiça estatal, ainda
que representem avanços, não foram suficientes para dar conta dos
incessantes e cada vez mais complexos conflitos sociais que a pós-
modernidade traz consigo35. Foram igualmente importantes, em termos de

32
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10 ed. São Paulo: Cortez,
2005, p. 175.
33
SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder: ensaio de sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1988, pp. 5-6, nota n. 2
34
FIGUEIRA JUNIOR. Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 60.
35
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10 ed. São Paulo: Cortez,
2005, p. 176.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


sociologia judiciária, proposições que levassem em conta os métodos não-
judiciais de composição de litígios.
5.4.1.1. Os Conflitos e as suas Soluções
É indiscutível que o homem nasceu para viver em sociedade e para completar-se
com outro ser de sua espécie, buscando, dessa forma, realizar seus ideais de vida.
Porém conflitos entre os interesses, sejam eles, individuais, coletivos ou difusos,
e as necessidades de se proporcionar proteção às prerrogativas naturais, nascem
com os seres humanos e sempre foram uma constante na vida social.
É certo que toda a sociedade e seu sistema jurídico deve prover à população
modos de solucionar seus conflitos, exercer seus direitos e deduzir suas
pretensões, tendo em vista que, por lei, o sistema judicial deve estar ao alcance de
todos em condições de igualdade.
No decorrer dos séculos, a humanidade continuamente se preocupou com a
criação e o aperfeiçoamento dos meios de pacificação dos conflitos, até atingirmos
a etapa referente ao processo judicial, com todas suas garantias constitucionais.
No início dos tempos a vingança era o modo de fazer justiça – era chamada
de autotutela ou autodefesa. Vigorava a Lei da XII Tábuas, originária da Lei do
Talião – olho por olho, dente por dente, em que se limitava a vingança ao tamanho
do dano.
Este modelo foi gradativamente substituído pelo autocomposição que ao
invés de fazer uso da vingança individual ou coletiva contra o ofensor, a
vítima era ressarcida por meio de uma indenização estabelecida por um
árbitro, momento em que o Estado começa a intervir obrigando a adoção da
arbitragem pelas partes quando estas não resolviam consensualmente, e
assegurando a execução da sentença.
O estabelecimento do juiz estatal se deu no momento em que o magistrado
romano, até então sem poder jurisdicional, chamou para si a responsabilidade de
solucionar o litígio entre as partes em nome do Estado, missão que até então era
exercida por um terceiro, particular, árbitro, escolhido pelos próprios
contendores ou por indicação do magistrado.
O processo nasceu no instante em que a composição da lide passa a ser
função estatal, surgindo a jurisdição em sua feição clássica, ou seja, o poder-
dever dos juízes de dizer o direito na composição das pendências. Todavia,
se as partes concordassem, era lícito dirimir o conflito mediante a designação de
árbitro. Quanto a processualística, esta só se definiu em meados do século
passado, e atravessa uma fase de busca por estratégias mais rápidas e eficazes.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Hodiernamente as soluções dos conflitos se realizam às custas da intervenção
estatal materializada na decisão judicial, dotada de coerção típica da atuação
soberana do Estado, ou à margem de qualquer atividade estatal como ocorre nos
meios alternativos de solução de conflitos.
5.4.1.2. A Crise do Processo
Figueira júnior diz que estamos vivendo uma tendência universal de
reestruturação do processo civil, que se prepara para atender às exigências do
mundo contemporâneo, através de uma busca incessante de um processo de
resultados, um processo que seja um instrumento político de pacificação social
que seja hábil a prestar a efetiva tutela perseguida pelos jurisdicionados.
Eduardo Medina por sua vez afirma que há nos dias atuais, um descompasso entre
o instrumento processual e a célere e segura prestação da tutela por parte do
Estado-juiz. O que os processualistas têm afirmado é que “o processo está em
crise!”.
Inúmeros são os fatores que retardam a prestação da tutela jurisdicional pelo
Estado, e neste Estudo apontaremos alguns.
O arcaísmo aumenta a lentidão, a ineficiência e a desordem na condução dos
processos, fomentando o desprestígio da administração da justiça, que gera a
insatisfação e descrédito dos jurisdicionados. Conforme bem ilustrou Rui Barbosa
“justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Para o êxito da utilização do processo como meio de alcançar a justiça há
custos que devem ser levados em consideração como o custo econômico da
transação; a conformidade mútua das partes com o resultado, ou seja, a
satisfação dos interesses e a crença em um resultado justo; o efeito
produzido na solução da relação entre as partes; e por fim a reincidência do
conflito, ou seja, a durabilidade da pacificação das partes e a possibilidade
de que se reitere o conflito no futuro.
Ressalta-se que, para Alvaréz, o termo “Justiça” deve ser utilizado em uma dupla
acepção.
Primeiro como valor de equidade político-social e individual, e segundo como
meio típico do poder judicial.
Ele destaca que é necessário ainda definir os objetivos públicos em matéria de
justiça. Por um lado o objetivo a alcançar pode ser definido como a possibilidade
dos sujeitos de direitos obterem a tutela judicial, e por outro lado esse objetivo
pode ser definido como a possibilidade de aquiescer, com o menor custo possível,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


a um procedimento mais efetivo – não necessariamente o judicial – de tutela dos
próprios direitos.
A diferença entre ambas as formas se aprecia facilmente, pois a primeira se define
como objetivo de política pública com criação de mais tribunais para melhorar a
eficiência, a segunda conduz a diversificação das formas de resolução de conflitos
através de mecanismos alternativos, desjudicializando a administração da justiça.
Há boas razões para optar pelo segundo objetivo, em busca de uma política de
justiça que deve ter como objetivo favorecer o cidadão com a possibilidade de
proteção de seus próprios direitos, definindo um objetivo que visa o bem-estar
social através da facilitação do acesso a um procedimento mais efetivo;
proporcionando mais tutela a um menor custo; diversificando as formas de
resolução dos conflitos; desjudicializando o sistema; instaurando a cultura do
diálogo e abandonando a cultura do litígio.
O Professor Leonardo Greco em seu texto Acesso ao direito e à justiça alerta para
o fato de que “muitos direitos se perdem porque seus titulares não estão dispostos
a lutar por eles, conscientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a
proteção judiciária tardia, ou, até, de que os ônus e sofrimentos da perseguição do
direito sobrepujarão o beneficio de sua conquista” e diz ainda que “mais do que
em países ricos, acesso a justiça dependerá, em grande parte, da estruturação e
fortalecimento de varias modalidades de tutela jurisdicional diferenciada”.
A verdade é que as exigências do mundo contemporâneo não são mais as dos
nossos avós e muito menos as da Roma antiga, o que justifica a buscar
incessantemente mecanismos diversificados e hábeis à solução dos conflitos fora
do sistema judicial tradicional, rompendo-se definitivamente com a quebra do
monopólio estatal da jurisdição, a fim de melhor adequar a ação de direito
material a ação de direito processual.
Vislumbra-se então, nesse novo cenário mundial, que as cortes estatais de
justiça não são os únicos foros para a resolução dos conflitos ou disputas e
a busca da satisfação de pretensões resistidas ou insatisfeitas,
principalmente pela circunstância dos elevados custos e da demora da
prestação da tutela jurisdicional oferecida pelo Estado-juiz, dentre outros
entraves.
Constata-se que o processo pode se realizar à margem de qualquer atividade
estatal como, por exemplo, a chamada mediação, que leva a conciliação
espontânea, aparecendo como relevante a atividade dos interessados na busca da
solução comum; pode também o processo realizar-se através da intervenção
estatal, materializada na decisão judicial; ou ainda, em meio aos dois pólos, de
forma paraestatal, isto é, sob os auspícios e garantias do Estado, mas com a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


decisão delegada a particular, cujas decisões se afirmam, inclusive com sanções
típicas da solução estatal.
Sendo assim, verifica-se que os métodos alternativos de solução dos conflitos
surgem como novos caminhos a serem trilhados facultativamente pelos
jurisdicionados que necessitam resolver seus litígios e são melhor
compreendidos quando enquadrados no movimento universal de acesso à justiça.
5.4.2. Sistemas Não Judiciais de Composição de Litígios
Os mecanismos resolução dos conflitos sociais podem ser classificados entre a
autotutela, a autocomposição (direta ou assistida) e a heterocomposição. Os
mecanismos judiciais ocupam espaço no plano da heterocomposição, ou da
autocomposição assistida, mas ainda assim parcialmente. Nos demais casos, e de
acordo com a matéria tratada, é possível que as partes em conflito encontrem
meios de resolver o caso sem recorrer ao Poder Judiciário, ou mesmo de fazê-lo
sem recorrer a ninguém36. Estas possibilidades, em que não há a intervenção da
jurisdição estatal, têm recebido a designação genérica de ADR - Alternative
Dispute Resolution (resolução alternativa de conflitos)37.
A AUTOTUTELA compreende os procedimentos levados a efeito para
garantir a realização de pretensões pelo seu próprio titular, sem um
interesse de resolução bilateral do conflito, constituindo uma categoria
identificável de forma generalizada somente em períodos primitivos da
história da humanidade. Atualmente, a autotutela só é permitida em casos
excepcionais, para os quais a própria lei abre exceção, como no caso do desforço
imediato, em matéria de direito possessório, ou no caso da legítima defesa, na
seara do direito penal38.
A AUTOCOMPOSIÇÃO DIRETA é aquela que ocorre entre as partes, sem a
intervenção de um terceiro imparcial. A dinâmica da autocomposição direta
demanda que seja vislumbrada alguma vantagem, material ou imaterial, que
possa convencer as partes de que a geração de um consenso seria mais vantajosa
do que a disputa. Fala-se, nestes casos, em transação, conciliação ou,
simplesmente, em acordo. O termo transação é utilizado tecnicamente para
definir o acordo que previne ou extingue obrigações através de concessões
mútuas, ao passo que o termo conciliação significa “a composição amigável sem
que se verifique alguma concessão por quaisquer das partes, a respeito do
pretenso direito alegado ou extinção de obrigação civil ou comercial” (por meio
36
COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição dos conflitos. In: AZEVEDO, André Gomma de
(org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. 1 ed. Vol. 3. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2003, pp. 161-
201
37
Para um comentário sobre as ADR´s em espécie, vide FIGUEIRA JUNIOR. Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997, pp. 63-67.
38
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et. alli. Teoria geral do processo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 29.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de desistência da pretensão ou reconhecimento de procedência à pretensão do
outro)39.
Da AUTOCOMPOSIÇÃO ASSISTIDA seguem os mesmos efeitos da
autocomposição direta, com a diferença de que existe a figura de um
terceiro imparcial, que auxilia as partes a encontrar uma solução amigável
para o conflito que protagonizam. Aqui incluem-se todas as técnicas
identificadas sob o título de mediação, nas quais, ressalte-se, a solução resulta de
consenso das próprias partes, embora com auxílio do mediador. A conciliação ou
a transação podem ter lugar, como se viu acima, de forma direta ou assistida,
sendo neste último caso, resultado de uma mediação (como ocorre com os
conciliadores nos Juizados Especiais, que são, nos termos aqui expostos,
mediadores judiciais). Não há, contudo, que se confundir os dois termos:
transação ou conciliação são efeitos da mediação ou da autocomposição direta40.
Por fim, cumpre referir a HETEROCOMPOSIÇÃO, que se caracteriza pela
resolução heterônoma (exterior) do conflito. É neste plano, portanto, que
está localizada a atividade jurisidicional. No plano da HETEROCOMPOSIÇÃO
NÃO-JUDICIAL, de que ora se cuida, a ARBITRAGEM surge como principal
meio alternativo, desde que se trate de direitos patrimoniais disponíveis. Na
arbitragem, as partes submetem a questão à avaliação de um árbitro, dentro de
certas condições legais e convencionais41, para que ele exerça a jurisdição e
solucione o conflito. Esta modalidade tem os auspícios do Estado, porquanto
encontra-se regulamentada por lei e está dotada de “sanções típicas de solução
estatal” — assim, fala-se em juízo arbitral —, sendo um instituto de natureza
paraestatal42. Deste modo, embora a adoção do procedimento de arbitragem seja
realizada de forma livre pelas partes, sua implementação é feita de forma
compulsória, assim como a imposição de seus efeitos.
5.4.2.1. Meios Alternativos de Resolução de Conflitos e Operadores do Direito
Os advogados têm o dever ético de orientar o cliente sobre as diversas formas de
solução do conflito, e em função da pressão dos próprios clientes, dos juízes e da
realidade da morosidade da justiça muitos escritórios estão organizando e
divulgando serviços de meios alternativos em alguns países.

39
FIGUEIRA JUNIOR. Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 72.
40
COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição dos conflitos. In: AZEVEDO, André Gomma de
(org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. 1 ed. Vol. 3. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2003, pp. 161-
201
41
Sobre as condições e termos da arbitragem, vide CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário
à Lei n. 9.307/96. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
42
FIGUEIRA JUNIOR. Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 68.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Porém, inúmeros são os obstáculos ao envolvimento dos advogados no Brasil,
dentre eles: a não familiaridade, por falta de educação ou interesse, e o medo do
desconhecido combinado com medo de perda de receita.
Eduardo Medina aponta outros fatores que são a escassa literatura especifica
sobre o assunto no Brasil e o reduzido número de cursos jurídicos que tenham em
seus conteúdos programáticos disciplinas deste tema.
Ocorre que a cultura jurídica brasileira tem como fundamento que, pela
tradição, só o Estado é capaz de resolver os litígios entre as partes, e temem
a solução originária de particulares, além de pré-estabelecerem que as partes
nunca poderão se conciliarem, mas sempre serão contendores, donos de uma
única verdade, e assim, os operadores do direito, em especial os advogados, saem
em busca da “Justiça!” e não da simples solução do conflito.
Ressalta-se que código de disciplina da Ordem dos advogados do Brasil prevê o
dever do advogado “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo,
sempre que possível, a instauração de litígios”.
Assim, os advogados, como possuem o primeiro contato com as partes, são de
fundamental importância, pois no momento da orientação jurídica, deverão, ao
nosso entender, fazê-la demonstrando a escolha do melhor método alternativo ao
seu cliente, bem como continuar atuando durante o desenvolvimento do processo
alternativo em busca da solução mais satisfatória oferecendo mais atenção aos
efetivos interesses e necessidades dos seus clientes, enfim, utilizando os meios
alternativos para o real acesso à justiça do jurisdicionado.
5.4.2.2. Empecilhos à Aplicação dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos
Para se atingir escopos de socialização do processo e de justiça participativa faz-
se mister que haja uma mudança da postura da mentalidade dos operadores
(advogados, magistério, Ministério público e serventuários) e dos consumidores
do direito (os destinatários das normas, os jurisdicionados), arraigadas nos
nossos costumes.
Não basta apenas a previsão normativa constitucional e principiológica do acesso
à justiça; faz-se mister a existência de mecanismos geradores da efetivação dos
direitos subjetivos, cuja realização verifica-se por intermédio de instrumentos
que possibilitem a consecução dos objetivos perseguidos pelo autor com rapidez,
isto é, dentro de um período de tempo razoável e compatível coma complexidade
do litígio, proporcionando ao beneficiário da medida a concreta satisfação do
escopo perseguido.
Em um primeiro aspecto, é necessário reconhecer a crise não somente do
processo, mas de toda a estrutura estatal de solução de conflitos, uma vez

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


que o judiciário é complexo, lento, caro e quase sempre inacessível aos
hipossuficientes, e que as iniciativas tomadas no intuito de melhorar o
desempenho da jurisdição estatal, como, por exemplo, a Lei nº 9.099/95 e a lei
que instituiu a arbitragem vêm colaborando nesse sentido de melhorar a
prestação jurisdicional do Estado, porém são ainda insuficientes.
Há que se dizer, ainda, que a consagração da arbitragem não contraria a
regra – essencial aos Estados Democráticos de Direito – de monopólio
estatal da jurisdição. Este monopólio continua existindo, mesmo com a
aprovação da lei de arbitragem. É de se afirmar, porém, que se o estado tem o
monopólio da jurisdição, não tem o monopólio da realização da justiça. Esta pode
ser alcançada por vários meios, sendo a jurisdição apenas um deles.
Eduardo Medina aponta um segundo aspecto que é o mito da imposição de grupos
econômicos fortes e do neoliberalismo econômico, que buscam os meios
alternativos para afastar da tutela estatal os consumidores e as pessoas mais
frágeis.
Porém não prospera tal razão, pois sabemos que meios alternativos como a
arbitragem, existiam desde a babilônia há 3.000 anos a.C., com a presença de
juizes particulares, sendo anterior ao liberalismo, além de ser uma ofensa ao
trabalho dos juristas que se manifestam sobre o tema, e elaboram textos como o
da lei nº 9.307/96.
Dentre vários outros óbices utilizados como obstáculos à utilização dos meios
alternativos destacamos outro mito que diz respeito à privatização do Processo.
Vitório Dentis citado por Cappelletti diz que os movimentos conciliatórios tendem
a perseguir duas finalidades: a) maior eficiência do aparelho da justiça e b)
“privatização” através da atividade mediadora.
Em contrapartida Cappelletti diz que tal análise pode ser correta, mas não
compartilha as valorações negativas do fenômeno, alegando que a decisão judicial
emitida em sede contenciosa, presta-se a resolver relações isoladas, relativa a um
episódio do passado, não destinado a perdurar.
Ao contrário, a justiça coexistencial dos meios alternativos não visa decidir,
mas “remendar” uma ruptura, em preservação do bem mais duradouro, a
convivência pacifica de sujeitos que fazem parte de um determinado grupo.
E diz ainda que a razão que acentua a forma coexistencial consiste justamente na
privatização criticada por Denti, onde aparenta a história dos últimos anos o
progresso onde se verifica a oportunidade de por um limite às intervenções

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Estatais, que com frequência se revelou demasiadamente lenta, formal, rígida, e
burocraticamente opressiva.
Sendo assim, não há que prosperar qualquer pretensão de valoração negativa da
privatização da solução dos conflitos sociais através dos meios alternativos.
Convictos estamos de que esses empecilhos ou mitos poderão ser superados
através da instituição de órgãos de planejamento permanente, criando escolas de
formação e aperfeiçoamento, promovendo conclaves nacionais e internacionais,
investindo em pesquisas e meios alternativos de resolução de conflitos, fazendo
com que seja superada a insatisfação generalizada dos jurisdicionados, em
dimensões mundiais, com a ineficiência da jurisdição estatal.

33. 5.5. Estratificação Social


O termo estratificação é usado na geologia para indicar a estrutura das rochas que
são compostas por diversas camadas ou estratos.
As ciências sociais usam o termo metaforicamente, para indicar que a sociedade
é dividida em vários grupos sociais, constatando-se um fenômeno de
superposição ou hierarquização dos mesmos.
A sociologia mostra que existem classes sociais e indica as grandes diferenças
entre elas.
Para Sabadell, o Direito ignora as classes sociais, pois é, com poucas exceções,
“neutro”, considerando todos os indivíduos livres e iguais, cabendo à sociologia
jurídica as consequências disso. Para ela, existem duas tendências principais da
abordagem da estratificação social, a marxista e a weberiana.
A análise marxista considera que as classes resultam do modo de produção
predominante em cada sociedade, de forma que, nas sociedades atuais, existiriam
apenas duas classes principais, os capitalistas e os proletários.
Já os sociólogos que seguem a linha weberiana, admitem, ao contrário, a
existência de uma multidão de “estamentos” ou “grupos” de status. Nesta
perspectiva é importante especificar a localização do indivíduo na estratificação
social segundo critérios múltiplos, como grau de educação, nível de renda, tipo de
profissão, religião, espaço de moradia (rural ou urbano), comportamento,
prestígio e mentalidade.
Apesar de utilizar múltiplos critérios, em última análise, prevalece na linha
weberiana o critério da renda dos indivíduos, já que os outros critérios, como a
profissão, o nível educacional e o prestígio social, são estreitamente relacionados
com a renda. A diferença, segundo Sabadell, é que os marxistas utilizam o critério

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


econômico de forma qualitativa (posse ou não dos meios de produção), sendo que
os weberianos realizam um uso quantitativo, de forma que podemos dizer que
existem duas linhas principais de definição das classes sociais na sociologia:
a perspectiva qualitativa (marxista) e a perspectiva quantitativa
(weberiana).
6. Ética e Estatuto Jurídico da Magistratura Nacional

34. 6.1. Introdução


O Código de ética da magistratura nacional se dirige a todos os magistrados, sem
distinção alguma e impõe normas de comportamento tidas como ideais, a conduta
ideal dos magistrados.
Todo aquele que ingressar na magistratura receberá, no momento da posse, um
exemplar do código de ética da magistratura.
De onde surgem os parâmetros éticos de comportamento dos magistrados?
As próprias consideranda, ou seja, as considerações, as fundamentações do
Código de Ética já desenvolvem uma noção, eles invocam o artigo 35 da LOMAN.
O artigo 35 da LOMAN estabelece os deveres do magistrado. Depois, no próprio
corpo do Código de Ética se encontra afirmação de que ele procura esmiuçar os
deveres dos magistrados; então note que o Código de Ética da Magistratura
buscou subsídios na legislação existente, nos deveres estabelecidos para os
magistrados.
O código de ética é só uma exortação a um comportamento ético ou ele tem
validade vinculativa, vale dizer, se o magistrado não se portar eticamente
nos termos do código de ética, haverá consequências?
O código de ética nasce de um dever já existente, apenas ampliando os conceitos
já previstos na LOMAN. O código de ética nada mais faz portanto, do que ampliar,
explicitar os deveres dos magistrados já existentes na legislação.
Então, de fato, O CÓDIGO DE ÉTICA TEM CARÁTER SIM VINCULATIVO,
DECORRE DE EXIGÊNCIA LEGAL, MAS NADA MAIS É DO QUE UMA
AMPLÍSSIMA INTERPRETAÇÃO DA REGRAS ATINENTES AOS DEVERES DOS
MAGISTRADOS JÁ EXISTENTES NA LEGISLAÇÃO.
O código de ética, por ter origem legal vincula o magistrado no seu
comportamento, na sua conduta funcional; não se trata de mera exortação
ética, mas sim dever funcional. Isso significa que o juiz que quebra o
comportamento ético, quebra também a sua conduta funcional e, portanto,
poderá está sujeito a responsabilização administrativa, sanção penal e até civil.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O código de Ética fala claramente que o juiz ético é o juiz que contribui para
a consecução dos direitos fundamentais e também para a democracia. Então
há passagens do código de ética que faz essa afirmação. Como é que o
magistrado pode contribuir para a consecução dos direitos fundamentais e
para a concretização da democracia no país ao mesmo tempo sendo ético?
Ou seja, ele é ético quando contribui para a consecução dessas categorias
jurídicas e quando ele não contribui ele é antiético? Para responder a essa
pergunta vamos ao artigo 3º da CR. Veja, a CR/88 traz um núcleo protetivo e que
encerra o interesse público do Estado.
Todos nós sabemos que o fim do estado é o atendimento geral do interesse
público, daí surjem diversos princípios, como impessoalidade, eficiencia etc., mas
existe um núcleo fundamental na CR que estabelece os objetivos fundamentais
para a constituição da República Federativa do Brasil. Então o artigo terceiro
esclarece quais são esses objetivos.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
O Poder Judiciário exerce parcela do poder estatal; se ele exerce parcela do poder
estatal, ele está atrelado aos objetivos do Estado. O Estado cria o Poder Judiciário
e o Poder Judiciário tem que agir conforme os seus objetivos. E quais são os
objetivos do Estado? Eles estão inseridos no artigo 3º da CR.
Esse núcleo protetivo diz, em linhas gerais, que a igualdade substancial deve ser
atingida mediante a erradicação da pobreza, diminuição das desigualdades
sociais, desenvolvimento nacional. Para se obter a igualdade substancial, é
necessário que sejam atendidos certos direitos de conteúdo social, que estão
previstos no artigo 5º, especialmente no artigo 6º, e outros artigos da CR.
Garantindo e efetivando direitos sociais o Estado promove a igualdade
substancial, atendendo o artigo 3º da CR. A concessão de direitos fundamentais
sociais não é atribuição primária do Poder Judiciário, mas é atribuição primária

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


das demais formas de expressão do poder do Estado, ou seja, Poder Legislativo e
Poder Executivo, que desenvolvem as chamadas políticas públicas.
O que são políticas públicas? Políticas públicas são um conjunto de atos que o
estado pratica para atender ao interesse público, para atender os direitos
fundamentais sociais.
Então, na verdade, o comportamento do Poder Judiciário tem um caráter mais
eventual, porque, ao legislativo e executivo cumprem prioritariamente atender
políticas publicas, agora quando eles não cumprem políticas publicas,
residualmente, o judiciário vai ter que examinar a inconstitucionalidade dessa
omissão.
Então, voltando à indagação, como é que o juiz pode ser ético e ao mesmo tempo
atender a democracia e aos direitos fundamentais? Ética, segundo o professor
Goffredo da Silva Telles, nada mais é do que a satisfação e o cumprimento
ou satisfação do bem soberano da humanidade.
Existem certos bens que a sociedade reputou de maior importância. Depois da
segunda guerra mundial, em que no ano de 1945 foram devastadas as cidades de
Hiroshima e Nagasaki com artefato atômico, a humanidade ficou aniquilada,
tendo o valor humano sido simplesmente desmanchado. A declaração de
direitos humanos de 1948 veio como uma restauração ética, como diz o prof
Fábio Konder Comparato, na sua reconstrução dos direitos humanos. A ética
surge agora como uma nova vestimenta, impulsão de caráter internacional,
os Estados se reúnem para declararem que os direitos, os valores mais
importantes da sociedade são os direitos humanos, direitos individuais,
direitos de primeira, segunda, terceira e outras gerações; então há uma
restauração à ética.
Então essa progressiva internacionalização dos direitos humanos produziu a
precipitação dos direitos fundamentais no bojo das constituições. Aquilo que
se chamava direitos humanos, segundo a doutrina portuguesa, passou a se
chamar direitos fundamentais, porque inseridos no bojo de uma constituição
e merece integral proteção do Estado.
Ora, se ao Poder Judiciário cabe atender aos objetivos do Estado, que é uma forma
de expressão do poder estatal, ao Poder Judiciário cumpre atender o disposto no
artigo 3º da CR. E para que se atenda o disposto no artigo 3º é necessário que se
atenda o disposto no artigo 6º da CR, direitos fundamentais sociais. Quando as
demais formas de expressão do poder, legislativo e executivo, são omissas, aí
intervém o Poder Judiciário, para atingir esse objetivo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Então, todas as vezes que o Poder Judiciário concede direitos fundamentais,
principalmente de caráter social, ele está igualando os desiguais, criando
igualdade substancial, e assim o fazendo ele torna a democracia mais forte,
porque não é possível que alguém delibere na democracia quando nem
mesmo a sobrevivência está garantida; como é que eu posso optar pelo destino
de um Estado, uma democracia, exercer o meu direito de voto, quando eu estou
com fome? É nesse momento que há arbitrariedade, o uso do dinheiro, o uso dos
valores econômicos para compra de votos, para a compra da dignidade humana,
para a compra do direito à cidadania. Então o cidadão, infelizmente, ele troca o
seu direito de cidadão por um pedaço de pão. Então se o Estado não pode deixar
isso acontecer, se o Estado permitir que isso ocorra, se a omissão dos demais
poderes chegar a tal ponto que os demais poderes manipulem as massas através
de concessões através de concessões de sobrevivência, de mera subsistência
biológica, então acabou-se a democracia, nós temos um factóide, uma democracia
formal, como diz o professor José Afonso da Silva, não é uma democracia
substancial.
ENTÃO A DEMOCRACIA SUBSTANCIAL EXIGE QUE O CIDADÃO SEJA
EFETIVAMENTE CIDADÃO, o Estado tem que permitir que o cidadão tenha
condições econômicas de administrar o seu voto; nós temos hoje uma grande
margem de pessoas que estão afastadas da possibilidade de deliberação como
cidadão porque não possuem condições econômicas. E aí o Poder Judiciário vem
como ultimo recurso para a restauração disso. Daí porque o código de ética faz
essa afirmação de que atua eticamente, ou seja, renovação ética da carta de 1948
ela é efetivamente implementada quando o juiz concede e protege os direitos
fundamentais, e assim garante uma democracia material, substancial, porque
garante a igualdade substancial, e por via de consequência atende os objetivos do
estado.
Então o juiz ético é o juiz que atua de acordo com o artigo 3º da CR, com plena
independência, é aquele que realmente, com a sua independência e
imparcialidade examina e concede direitos fundamentais e por via de
consequência está garantindo a democracia no país. Isso é importantíssimo, mas
não se faz isso para se mostrar, para dizer que está realizando, faz de forma
silenciosa e dentro dos limites de sua atuação e de forma residual.
Vamos agora começar examinar os direitos previstos no artigo 35 da LOMAM,
vamos ser agora mais pontuais sobre a matéria específica, vamos ver agora esses
deveres dos magistrados, nos quais surgiram as regras de comportamento ético
do código de ética da magistratura nacional.

35. 6.2. Deveres dos Magistrados

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


6.2.1 Deveres Previstos na LOMAN (art. 35)
O art, 35 da LOMAN tem que ser lido com bastante cuidado, porque tem sido
questionado algumas coisas na prova sobre isso.
São deveres do magistrado, ou seja, ele deve cumprir dessa forma.
Dos Deveres do Magistrado
Art. 35 - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e
exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
Cumprir e fazer cumprir significa não só os atos judiciais examinados, como
também as atividades dos escrivães e fazer cumprir significa não só da
escrivaninha, mas também as suas decisões, o juiz não pode produzir um
provimento jurisdicional e se calar depois quando for o momento de sua
execução, é seu dever funcional fazer cumprir; daí porque a execução deve ser
tratada com o maior carinho pelo magistrado para fazer com que a coisa julgada
efetivamente se projete para o exterior.
II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou
despachar;
A regra, infelizmente, tem sido o extrapolamento dos prazos, porque o volume de
processos hoje é muito grande, está muito além daquilo que o legislador
infraconstitucional imaginava que iria. Quando do primeiro Código Civil não se
imaginava que a CR ia produzir tantas demandas assim, então o que temos hoje é
uma quantidade enorme de demandas. Os tribunais, até por questões
orçamentárias, estão procurando novas formas de suprir essas dificuldades. O
ideal, segundo a organização mundial da saúde, seria que cada magistrado
trabalhasse com certa com 500.000 feitos distribuídos por ano, mas isso não vai
existir aqui no Brasil nunca, a não ser em determinadas varas de muito pouca
movimentação. Então os magistrados atuam com uma carga muito superior à que
a Organização Mundial da Saúde indica pra trabalhar. Daí porque isso é alvo
eventualmente de indagação em concurso, porque o proprio CNJ com a resolução
própria assim o definiu. Existem certas técnicas de organização judiciária e de
racionalização do trabalho que precisam ser utilizadas.
O que nós temos hoje em matéria de tecnologia judicial para atender as
demandas de números elevados de processos em todo país?
Uma das soluções é possibilitar que os atos de mero expediente sejam delegados
aos escrivães. Essa hipótese que já era prevista no CPC foi explicitamente
consignada na CR. Então como alternativa para a impulsão desses processos de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


forma mais automatizada, despacho de mero expediente pode ser conduzido pela
escrivaninha; isso significa que o juiz pode realizar uma disciplina dessa matéria
através de portaria por exemplo. Os estados, as corregedorias podem estabelecer
normas que disponha sobre isso. Então aquele funcionamento como vista às
partes, junta de documento, isso não precisa voltar para o magistrado, isso pode
ser feito de forma normal pela serventia, é uma tecnologia que deve ser
estimulada e deve ser usada como forma de diminuir a quantidade de conclusões.
Então essa alteração da CR promovida pela EC nº 45/04 veio a atingir isso; a
primeira forma de racionalização a própria CR traz, que é através da DELEGAÇÃO
DE ATOS À SERVENTIA.
Mas há mais, hoje se discute o PROCESSO DIGITAL, e essa é uma realidade, isso
é um fato, isso vai ocorrer, é irreversível, todos os estados da federação já estão
se preparando, e no futuro, num prazo médio, o processo digital será uma
realidade. E o processo digital tem uma virtude, ele acaba com aquela pilha de
processos. Quem já viu uma escrivaninha de processos físicos, principalmente nos
juizados, fica boquiaberto porque aquela quantidade de processos todos
espalhados pelo cartório, aquilo é substituído por alguns micros que ficam em
determinado departamento. Então o que acontece é que a escrivaninha fica no
próprio micro, e o juiz despacha através das vias de comunicação. Então, as vezes
um foro regional inteiro fica dentro de uma sala no tribunal de justiça, ou as vezes
vários foros regionais ficam de uma mesma sala. Então, até a questão de espaço
fica otimizado, o numero de funcionários diminui também.
Mas, mais do que isso, o STJ pela enorme carga de demanda, tem utilizado um
SISTEMA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA, MAS NÃO EXAUSTIVA; significa
dizer que os acórdãos são redigidos de forma extremamente bem elaborada mas
dentro daquela extensão necessária para a resolução do litígio.
Hoje se exige que o magistrado, o CNJ tem exigido isso, que o magistrado
tenha um conhecimento administrativo da atividade jurisdicional. Como
assim? Antes só se imaginava o magistrado como um receptor de conclusões a aí
ele prolatava sua decisão, hoje, com tantas conclusões, com um numero tão
grande de processos, o magistrado precisa organizar administrativamente sua
serventia, então ele precisa estar de acordo, examinando o comportamento da
serventia e resolvendo problemas da serventia que criam obstáculos, então, mais
do que nunca exige-se do magistrado um comportamento administrativo.
O magistrado excelente hoje é aquele que detém conhecimento, não só jurídico e
ético, mas em especial detém conhecimento de administração, capaz de organizar
e resolver problemas dentro do cartório.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O juiz, na verdade, é chamado para o conhecimento de informática, porque hoje
em função das inúmeras demandas repetitivas, as sentenças são produzidas em
série; um dos recursos existentes são as tabelas processuais unificadas,
utilização de certas classificações comuns nos processos que permitem a
identificação de causas semelhantes, prolatando-se sentenças de igual teor,
apenas com pequenas adaptações para o caso concreto.
O prazo máximo admissível pelo CNJ para que uma sentença seja prolatada
é de 100 dias.
III - determinar as providências necessárias para que os atos
processuais se realizem nos prazos legais;
É intuitivo esse dever.
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério
Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e
auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a
qualquer momento, QUANDO SE TRATE DE PROVIDÊNCIA
QUE RECLAME E POSSIBILITE SOLUÇÃO DE URGÊNCIA.
O que é tratar as partes e todos os figurantes do processo com urbanidade?
A educação e a cortesia, isso está no nosso código de ética. O juiz presta um serviço
de alta relevância, direito fundamental para o cidadão, o juiz não está fazendo
favor para ninguém, e isso é um postulado ético básico. Então tratar com
urbanidade é cortesia.
A urbanidade faz parte da ética, o juiz tem que estar preparado para escutar
inclusive críticas da sua atuação, isso está no código de etica; então se fizerem
pergunta para você nesse sentido, você tem que ter tranquilidade escutar a crítica
e absorver aquilo, desde que não haja extravasamento, não haja excesso.
Mas ainda consta na segunda parte do inciso: “...e atender aos que o procurarem, a
qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução
de urgência”. Essa questão é polêmica e pode ser alvo de indagação mesmo,
porque não raras vezes nós temos o seguinte problema, o magistrado é procurado
pela parte para atender um caso urgente e às vezes ele se recusa a atender. Há
possibilidade de recusa a atendimento? A regra geral é atender àqueles que
procurarem. O juiz tem que ir com muita tranquilidade para gerir esse contato
que a própria lei orgânica da magistratura estabelece e o código de ética também.
Agora é claro que não se pode chegar aos excessos.
V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão
disciplinar a que estiver subordinado;

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Trata-se de dever funcional que está escrito inclusive na CR. Então o juiz tem o
dever funcional de residir na comarca onde atua. Agora a EC diz o seguinte, salvo
autorização do órgão competente. O que tem de mais novo a respeito disso é que
resolução do CNJ determinou que os tribunais regulamentem os critérios para
essa autorização. Então, cada tribunal tem critérios específicos para a
regulamentação dessa autorização. Então é a distancia? É uma circunstancia
especial? Quem vai determinar é o tribunal. Então em termos de autorização, os
tribunais estão baixando normas que regulamentam as possibilidades de
residência fora da comarca.
VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente
ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu
término;
Esse dever é intuitivo.
VII - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados,
especialmente no que se refere à cobrança de custas e
emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
O juiz, no exercício da jurisdição, é o responsável direto por aplicar as sanções
administrativas em face de faltas funcionais dos servidores que lhes estão
vinculados. Ele não pode se omitir, se houver falta funcional, ele deve instalar
sindicância e processo administrativo disciplinar e levar a cabo.
No que tange a CUSTAS E EMOLUMENTOS, custas e emolumentos são
modalidades de tributos, são taxas. Então se perguntarem para vocês na prova
objetiva qual a natureza jurídica de custas e emolumentos trata-se de taxas,
segundo o STF. Há uma diferença entre custas e emolumentos. As custas são
exigidas para o custeio das atividade dos escrivães judiciais, ou seja, são
exigidas no processo judicial, é o que você paga para o processo ter
andamento. E emolumentos são valores devidos aos agentes delegados do
foro extrajudicial, registradores de notas, tabelionato de notas, protestos.
Para eles a designação é emolumentos, para os escrivães, custas. despesas
processuais são os dispêndios que não constituem custas nem emolumentos, que
são feitos para saldar determinados eventos processuais, como por exemplo, o
deslocamento do oficial de justiça, que é pago através de despesas processuais.
Em todos esses casos o magistrado tem o dever funcional de velar pela exata
cobrança, ou seja, se houver cobrança excessiva ou a menor, ou irregular
cobrança, o magistrado tem o dever funcional de apurar os fatos, determinar o
recolhimento correto e ainda apurar administrativamente uma falta funcional.
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Esse inciso VIII talvez tenha sido o inciso mais importante para a construção
do código de ética da magistratura, porque manter conduta irrepreensível
é uma clausula aberta, que permite amplíssima interpretação, que varia
conforme o momento histórico e social. Daí a dificuldade de se chegar a um
bom termo do que seja manter conduta irrepreensível na vida pública e
particular.
Quando o magistrado que se apresenta em público, e todos nós juízes tivemos esse
primeiro impacto, chega em uma subseção judiciária menor, é comum que as
pessoas tentem “se socorrer” do juiz, todos querem saber onde o juiz mora, onde
o juiz foi, o que o juiz fez. Agora conforme as entrâncias vão se ampliando a figura
do juiz vai diminuindo o seu impacto e o chamarisco, então é uma questão da
carreira que tem que ser enfrentada por todos.
Então eu recomendo que vocês façam uma leitura do código ética à vista do artigo
39. Mas não se esqueçam de outros deveres do magistrado que não foram
consignados no artigo 35.
6.2.2. Outros Deveres dos Magistrados
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios:
[...]
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)
O juiz tem o dever de fundamentar suas decisões, art. 93, IX. A ausência de
fundamentação constitui quebra de dever funcional.
Não confundir ausência de fundamentação com fundamentação suficiente.
Suficiente é aquilo necessário ao entendimento da decisão e a sua exequibilidade,
e ausência de fundamentação é a completa ausência de nexo entre o fundamento
e a consequência existente na decisão.
Art. 39 - Os juízes remeterão, até o dia dez de cada mês, ao órgão
corregedor competente de segunda instância, informação a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


respeito dos feitos em seu poder, cujos prazos para despacho ou
decisão hajam sido excedidos, bem como indicação do número
de sentenças proferidas no mês anterior.
Outro dever funcional do magistrado é prestar as informações aos órgãos de
segunda instancia a respeito de suas atividades e dos processos que
excederam carga.
Dos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do Juiz
Art. 125, CPC. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições
deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da
Justiça;
IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
Declarar-se suspeito ou impedido de ofício, quando ocorrer alguma das
hipóteses para tanto:
Art. 137, CPC. Aplicam-se os motivos de impedimento e
suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o
dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser
recusado por qualquer das partes (art. 304).
Tratamento igualitário das partes previsto no artigo 125 do CPC.
Art. 5º, CR/88 [...]
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
E talvez o dever de maior importância do magistrado seja a observância da
razoável duração do processo – art. 5, LXXVIII da CR.
Significa que o juiz deve conduzir o processo da forma mais célere possível,
evitando delongas. Isso pode constituir falta funcional, agora baseado no artigo
5º. Como é que se examina isso? Tem se desenvolvido uma tecnologia para prever
a duração razoável do processo. Qual o prazo que o CNJ considera razoável? Foi
tirada uma conclusão pela meta dois de nivelamento, ou seja, aqueles processo
distribuídos até 31.12.2005 e não julgados até 31.12.2009, considera-se prazo

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


não razoável, outras palavras, 4 anos. Então o CNJ considera prazo irrazoável,
ou não razoável, aquele que ultrapassa a medida da meta 2. Então a meta 2,
na medida do possível, está sendo aplicada por todos os tribunais do país, e esse
é o conceito de razoável duração do processo atualmente, mas não há nenhuma
vinculação científica ou metodológica para esse critério, de fato que ninguém
revelou até o momento, como é que se chegou a essa conclusão.

36. 6.3. O Estatuto da Magistratura


O que o estatuto da magistratura? A CR/88 estabeleceu que o regime jurídico da
magistratura será definido pelo estatuto da magistratura. Esse estatuto da
magistratura vai substituir a LOMAM. Hoje o regime jurídico da magistratura é
disciplinado pela LOMAM à luz da CR. Várias foram as disposições constitucionais
que implicaram revogação parcial de dispositivos da LOMAM.
Então o estatuto da magistratura tem que se adaptar à CR, em especial o artigo 93.
O estatuto da magistratura segundo o caput do artigo 93 deverá na sua redação,
observar os parâmetros constitucionais do artigo 93.
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios:
Qual a natureza jurídica do Estatuto? O artigo 93 da CR dispõe que será elaborado
através de Lei Complementar de iniciativa do STF. Então há uma reserva de
iniciativa do STF, porque nenhuma matéria que disponha sobre regime jurídico
da magistratura pode ser aprovada se não for via lei complementar e por
iniciativa do STF.
É constitucional a criação de órgãos de fiscalização por lei estadual? Não, é
inconstitucional, já que nenhum diploma normativo que diga respeito a
regime jurídico da magistratura poderá ser editado por lei que não seja da
iniciativa do STF. Daí porque qualquer ato administrativo ou legal que não siga
esse parâmetro do artigo 93 é inconstitucional. Nós estamos cheios de atos
provavelmente ou pretensamente inconstitucionais que estão dispondo sobre o
regime jurídico da magistratura através de ato administrativo, através de
legislação infraconstitucional que não observaram a reserva constitucional do
STF e nem a natureza jurídica de lei complementar.
Outro ponto que é questionado também: qual é o quorum de aprovação do
estatuto da magistratura? Se é lei complementar, é só por maioria absoluta (art.
69, CR).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Outra pergunta de concurso que foi formulada, qual a amplitude do estatuto da
magistratura? O estatuto da magistratura vai desde a observância dos princípios
do artigo 93 da CR, até o estabelecimento das atribuições do CNJ.
Como é que anda o estatuto da magistratura? Hoje nós temos alguns projetos. Há
o projeto de lei complementar 144 que está sendo discutido, e o STF tem realizado
os estudos junto com o Congresso nacional, através das comissões, para a votação
desse importantíssimo diploma do regimento da magistratura. O que vai tratar?
Tratar de tudo, direitos da magistratura. Quem pretende ser magistrado tem que
estar por dentro disso. Quais são os direitos da magistratura? Quais são as
prerrogativas do magistrado? Quais são os impedimentos, quais são os deveres?
Tudo isso vai ser inserido, aliás vai inclusive dispor sobre regras
importantíssimas, como o processo de eleição nos tribunais. Como é que vai ser
essa eleição nos tribunais? Continua sendo pelo critério da antiguidade previsto
na LOMAM, ou agora parte para o critério democrático pela escolha através do
voto? Como sinaliza a CR para a alteração da composição do órgão especial? Então
tudo isso vai ser discutido no estatuto da magistratura.
E até que não seja aprovado o estatuto da magistratura, nós vamos trabalhando
com a LOMAM, que foi recepcionada em grande parte pela CR, embora alguns
artigos tenham sido revogados.

37. 6.4. Regime Jurídico da Magistratura


6.4.1. Garantias do Poder Judiciário
São basicamente duas as garantias da magistratura:
• Garantias institucionais;
o Autonomia orgânico-administrativa;
o Autonomia financeira.
• Garantias funcionais
o Independência do magistrado;
o Imparcialidade do magistrado.
6.4.1.1. Garantias Institucionais
São garantias previstas na lei, necessárias à independência do Poder Judiciário
como instituição.

6.4.1.1.1. Autonomia Orgânico-Administrativa

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Os tribunais têm a prerrogativa constitucional de se autocomporem,
estabelecerem as regras de concessão de licenças, férias etc., ou seja, de se auto-
organizarem administrativamente. Isso nasce do pacto federativo, porque
assegura-se a autonomia dos estados-membros e assegura-se também a
autonomia dos tribunais de justiças, além, evidentemente, dos próprios Tribunais
Regionais Federais.
ma das vedações ao CNJ diz respeito a essa autonomia orgânico-
administrativa, porque é uma autonomia constitucional.
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos
internos, com observância das normas de processo e das
garantias processuais das partes, dispondo sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos
jurisdicionais e administrativos;
Tudo completamente que trate de ato jurisdicional, de organização
administrativa do tribunal, é de competência privativa dos tribunais.
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos
juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da
atividade correicional respectiva;
Atividade correcional é estabelecida na legislação estadual, também é disposto no
regimento interno, porque isso é da autonomia do tribunal. Serviços auxiliares
também, como funciona uma escrivaninha, como ela se comporta, qual o quador
de servidores, isso tudo só o tribunal pode decidir.
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de
juiz de carreira da respectiva jurisdição;
Ou seja, ninguém pode prestar concurso em nível nacional para juiz federal, cada
Tribunal de cada Região deve fazer o seu.
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e
títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os
cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de
confiança assim definidos em lei;

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus
membros e aos juízes e servidores que lhes forem
imediatamente vinculados;

6.4.1.1.2. Autonomia Financeira


AUTONOMIA FINANCEIRA
A garantia da autonomia financeira significa que cada tribunal elabora sua
proposta orçamentária. E como se elabora isso? Basicamente através de uma
análise das diretrizes orçamentárias. Os demais poderes também elaborarão suas
propostas orçamentárias e tudo isso deve ser harmonizado dentro das diretrizes
orçamentárias. Quem faz essa elaboração? No âmbito federal, o presidente do
STF, após receber e consolidar a proposta dos TRF´s e demais tribunais federais,
assim como dos tribunai superiores. Se não houver o encaminhamento, a
consequência vai ser a consideração do orçamento do exercício atual. É possível
que o Poder Executivo faça correções em caso de excesso? Sim, o Poder Executivo
pode fazer as correções em caso de excesso.
Agora há uma garantia também de que haja o repasse através de duodécimos
de verbas orçamentárias ao Poder Judiciário, até o dia 20 de cada mês (art.
168, CR). Então ele tem direito de receber esses duodécimos para fazer frente às
suas despesas, sob pena de intervenção estadual ou federal.
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os
Estados criarão:
[...]
§ 2º As custas e emolumentos serão destinados
exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades
específicas da Justiça.
Essa previsão é importantíssima, porque antes havia uma discussão a respeito dos
valores recolhidos a titulo de custa e emolumentos, se eram devidos ao estado e
portanto poderiam ser objeto de outra destinação. O § 2º estabeleceu que esses
valores devem ser destinados a atividades especificas da justiça, ou seja, não pode
haver quebra da destinação, tudo que for arrecadado deve ser utilizado para o
custeio das atividades judiciais.
No plano das atividades exclusivamente jurisdicional, importantíssimo, é o artigo
31 do ADCT. Esse artigo 31 do ADCT estabelece o seguinte:
Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim
definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.
São duas espécies de serventias: foros judiciais e foros extrajudiciais.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Serventias dos foros judiciais – trata das atividade dos escrivães. São estatizadas,
trata-se de atividades dos escrivães.
Serventias do foro extrajudicial – tratam das atividades dos agentes delegados.
São privatizadas, trata-se das atividades dos agentes delegados.
Assim que forem estatizadas todas as serventias do foro judicial (existem
serventias do foro judicial não estatizadas em vários estados), todas as custas
judiciais serão vertidas para um fundo para o custeio dessas atividades.
E a serventia do foro extra judicial? O que se tem hoje é a possibilidade exclusiva
de exploração da área privada através de delegação. Mas como emolumentos
serão destinados ao custeio das atividades jurisdicionais? É que essas atividades
estatais dos agentes delegados, devem ser custeadas pelos emolumentos e
também servirão como remuneração dos próprios agentes delegados. E mais
ainda, há percentuais em lei estaduais em todo o país que aplicam determinado
percentual e taxam essas atividades dos foros extra judiciais. Então esses valores
também vão para fundos específicos.
- Artigos – ADCT 31 e 236 da CR.
Pergunta: como podem coabitar os poderes de fiscalização do CNJ com essa
autonomia orgânico administrativa dos tribunais previsto no artigo 96, e essa
possibilidade fiscalizatória ampla do CNJ?
Resposta: Na verdade essa autonomia orgânica administrativa é de construção
desse poder, ou seja, através da legislação é que vai se dispor sobre a organicidade
do poder. Então quando a CR passou a ter vigência, imediatamente as
constituições estaduais se adaptaram para modelar o Poder Judiciário local ao
ditame da CR. por sua vez os presidentes dos tribunais de justiça, os órgãos
especiais, encaminharam mensagem de projeto do código de organização
judiciária para a assembléia legislativa, que por sua vez votaram a criação dos
órgãos internos do TJ e os cargos de juízes e diversas funções ali estabelecidas e
ao mesmo tempo, o TJ cria o seu RI disciplinando a atividade desses órgãos que
foram criados pelas leis de organização judiciária. Então por exemplo, quando a
lei de organização judiciária se remete a existência de uma corregedoria, é o
regimento interno que disciplina qual o âmbito da sua atribuição, da sua
competência. Tudo isso, essa auto-organização administrativa se dá no plano
legislativo, que vai desde a CE, passando pela lei de organização judiciária, até o
Regimento Interno. Então, o ataque a esses atos se faz exclusivamente através de
controle de constitucionalidade desses atos. Então nesse ponto essa estrutra não
pode ser maculada pelo CNJ.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Agora, o CNJ pode fazer a fiscalização orçamentária, ou seja, o uso do dinheiro
público, fiscalização quanto à forma de estruturação que está sendo dada, em
algumas serventia isso pode também porque é um fator correcional, a estrutura,
o comportamento dos tribunais em geral, a forma de despesa pública realizada.
6.4.1.2. Garantias Funcionais
São garantias dos magistrados enquanto no exercício do cargo, daí porque
também são conhecidas como garantias dos órgãos, funcionais dos órgãos.

6.4.1.2.1. Garantias Relativas à Independência do Magistrado


Independência é a capacidade ou aptidão do órgão de produzir seus julgamentos
sem que dependa de qualquer fator externo. Isso é muito importante,
independência do magistrado é algo que deve ser observado, porque quando
lutamos pela independência do juiz, estamos lutando pela democracia e pelos
direitos fundamentais.
Embora isso seja um processo longo e demorado, aos poucos o Poder Judiciário
vai se afirmando com independência e toda conduta que importe na supressão da
independência do juiz é uma conduta antidemocrática, é uma conduta que labora
contra os direitos fundamentais e contra o próprio Estado.
Então, quando se fala em juízes independentes, PENSA-SE EM UMA GARANTIA
DE QUE A SOCIEDADE VAI TER UM AMPARO DEMOCRÁTICO, DE QUE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS VÃO SER CONCEDIDOS, QUE HÁ O CONTROLE DO
PODER.
Essa independência dos magistrados, ela se expressa em três espécies de
garantias, previstas no artigo 95 da CR: vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídios.
• VITALICIEDADE – art. 95, I da CR.
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após
dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse
período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver
vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada
em julgado;
Assim, o juiz não vitaliciado pode perder o cargo por decisão do tribunal. Quem é
o juiz vitaliciado? É o juiz de primeiro grau que entrou por concurso público, após
dois anos de EFETIVO exercício do cargo, e o juiz que ingressou na magistratura
pelo quinto constitucional, que já é vitalício desde a posse.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Durante o período de vitaliciamento o que ocorre é que o magistrado fica sob o
exame dos tribunais. Alguns tribunais criaram a figura do juiz formador, juiz ao
qual o juiz substituto fica atrelado e que vai examinando o comportamento e a
conduta do magistrado. O que se observa no juiz vitaliciando? A qualidade da
atividade jurisdicional em primeiro lugar; em segundo lugar a sua produtividade;
ainda a sua conduta privada e pública, todos os elementos necessários que um juiz
experiente ou o tribunal poderá observar.
Pergunta: digamos que o juiz substituto, durante o período de 2 anos, faça um
monte de besteiras, e aí o tribunal vai avaliando se está bom ou não, e passa o
prazo de dois anos, e quando dá 2 anos e meio o tribunal resolve não vitaliciar,
isso é possível? Tanto para o STF quanto para o STJ, o prazo de vitaliciamento
é um prazo peremptório e constitucional. Significa que o único requisito
previsto na constituição é o prazo de dois anos, se o tribunal não tomar as
providencias necessárias para iniciar o procedimento administrativo disciplinar
e afastar o magistrado de suas funções, então automaticamente o magistrado se
torna vitalício. Então esse entendimento do Superior Tribunal impõe ao tribunal
que realize as diligências para a análise da conduta do magistrado antes que se
complete os dois anos, porque se completar os dois anos e o tribunal nada
deliberar, automaticamente ele se vitalícia
Mas se dentro dos dois anos o juiz cometer faltas graves? Ele é afastado por
deliberação do tribunal, ou seja, administrativamente, por simples deliberação.
Esse é o entendimento sedimentado no STJ. Isso aí nos termos da resolução 30 do
CNJ, ou seja, processo administrativo contra vitaliciando deve ser disciplinado
pelos tribunais. Ou seja, EXISTE UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA
VITALICIANDO E EXISTE UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA JUIZ
VITALÍCIO. Os tribunais devem disciplinar sobre esse procedimento no
regimento interno, no qual deve ser assegurado contraditório e ampla defesa.
Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e
Territórios será composto de membros, do Ministério Público,
com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório
saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de
efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla
pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará
lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte
dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para
nomeação.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Em prova escrita perguntaram como funciona o quinto constitucional. A resposta
é assim:
▪ Os órgãos e classes (OAB e MP) indicam 06 pessoas com os requisitos
constitucionais;
▪ O tribunal reduz para 03;
▪ O chefe do Poder Executivo reduz para 01.
E se na lista sêxtupla não existir candidato que se enquadre dentro dos requisitos
constitucionais, o tribunal pode devolver a lista para complementação ou
reformulação pelos órgãos de classe? Segundo o STF pode. Vide:
EMENTA: I. Mandado de Segurança: processo de escolha de
candidatos a cinco vagas de Desembargador do Tribunal de
Justiça de São Paulo, correspondente à cota no "quinto
constitucional" da advocacia: composição de lista sêxtupla
pelo Tribunal de Justiça que, desprezando a lista sêxtupla
específica organizada pelo Conselho Seccional da OAB para a
primeira das vagas, substituiu os seus integrantes por nomes
remanescentes das listas indicadas para as vagas
subseqüentes e, dentre eles, elaborou a lista tríplice:
contrariedade ao art. 94 e seu parágrafo único da Constituição
Federal: declaração de nulidade de ambas as listas, sem
prejuízo da eventual devolução pelo Tribunal de Justiça à OAB
da lista sêxtupla apresentada para a vaga, se fundada em
razões objetivas de carência, por um ou mais dos indicados,
dos requisitos constitucionais, para a investidura e do controle
jurisdicional dessa recusa, acaso rejeitada pela Ordem. II. O
"quinto constitucional na ordem judiciária constitucional
brasileira: fórmula tradicional, a partir de 1934 - de livre
composição pelos tribunais da lista de advogados ou de
membros do Ministério Público - e a fórmula de
compartilhamento de poderes entre as entidades corporativas
e os órgãos judiciários na seleção dos candidatos ao "quinto
constitucional" adotada pela Constituição vigente (CF, art. 94
e parágrafo único). 1. Na vigente Constituição da República
- em relação aos textos constitucionais anteriores - a
seleção originária dos candidatos ao "quinto" se
transferiu dos tribunais para "os órgãos de representação
do Ministério Público e da advocacia"-, incumbidos da
composição das listas sêxtuplas - restando àqueles, os

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


tribunais, o poder de reduzir a três os seis indicados pelo
MP ou pela OAB, para submetê-los à escolha final do Chefe
do Poder Executivo. 2. À corporação do Ministério Público
ou da advocacia, conforme o caso, é que a Constituição
atribuiu o primeiro juízo de valor positivo atinente à
qualificação dos seis nomes que indica para o ofício da
judicatura de cujo provimento se cogita. 3. PODE O
TRIBUNAL RECUSAR-SE A COMPÔR A LISTA TRÍPLICE
DENTRE OS SEIS INDICADOS, SE TIVER RAZÕES OBJETIVAS
PARA RECUSAR A ALGUM, A ALGUNS OU A TODOS ELES, AS
QUALIFICAÇÕES PESSOAIS RECLAMADAS PELO ART. 94
DA CONSTITUIÇÃO (v.g. mais de dez anos de carreira no MP
ou de efetiva atividade profissional na advocacia.) 4. A
questão é mais delicada se a objeção do Tribunal fundar-
se na carência dos atributos de "notório saber jurídico" ou
de "reputação ilibada": a respeito de ambos esses
requisitos constitucionais, o poder de emitir juízo
negativo ou positivo se transferiu, por força do art. 94 da
Constituição, dos Tribunais de cuja composição se trate
para a entidade de classe correspondente. 5. Essa
transferência de poder não elide, porém, a possibilidade
de o tribunal recusar a indicação de um ou mais dos
componentes da lista sêxtupla, à falta de requisito
constitucional para a investidura, desde que fundada a
recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da
deliberação do órgão competente do colegiado judiciário.
6. NESSA HIPÓTESE AO TRIBUNAL ENVOLVIDO JAMAIS SE
HÁ DE RECONHECER O PODER DE SUBSTITUIR A LISTA
SÊXTUPLA ENCAMINHADA PELA RESPECTIVA ENTIDADE
DE CLASSE POR OUTRA LISTA SÊXTUPLA QUE O PRÓPRIO
ÓRGÃO JUDICIAL COMPONHA, ainda que constituída por
advogados componentes de sextetos eleitos pela Ordem
para vagas diferentes. 7. A SOLUÇÃO HARMÔNICA À
CONSTITUIÇÃO É A DEVOLUÇÃO MOTIVADA DA LISTA
SÊXTUPLA À CORPORAÇÃO DA QUAL EMANADA, PARA
QUE A REFAÇA, TOTAL OU PARCIALMENTE, CONFORME O
NÚMERO DE CANDIDATOS DESQUALIFICADOS: dissentindo
a entidade de classe, a ela restará questionar em juízo, na via
processual adequada, a rejeição parcial ou total do tribunal
competente às suas indicações.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


(MS 25624, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal
Pleno, julgado em 06/09/2006, DJ 19-12-2006 PP-00036
EMENT VOL-02261-05 PP-00946 RTJ VOL-00207-02 PP-
00617)
Pois bem.
Como visto, se o juiz não é vitalício ele pode ser exonerado por deliberação do
tribunal, mas se o juiz é vitalício ele só pode ser exonerado por sentença judicial
transitada em julgado. Há uma diferença, portanto, entre os cargos de servidores
estáveis, que adquirem sua estabilidade com 3 anos de exercício no cargo e
poderão ser exonerados por sentença judicial transitada em julgado, processo
administrativo disciplinar que se lhe garanta contraditório e ampla defesa e ainda
por insuficiência de desempenho. Essa comparação entre o juiz vitaliciando e os
servidores do estado cai sempre em concurso.
Os servidores do Estado adquirem vitaliciedade após 03 anos de exercício e são 3
as hipóteses de exoneração, enquanto o magistrado adquire vitaliciedade com
dois anos e aí só com a sentença transitada em julgado. De onde vem a sentença
transitada em julgado? Pode vir da área civil e pode vir da área criminal, como
efeito secundário da sentença penal condenatória.
NUNCA USE O TERMO EFETIVO PARA JUÍZES! O JUIZ NUNCA SE TORNARÁ
EFETIVO, ELE SE TORNARÁ VITALÍCIO.
Houve um caso, PCA nº 267 do CNJ em que se propôs o seguinte, que o CNJ
exonerasse o magistrado que ingressou na carreira. Chegou-se à seguinte
conclusão: o magistrado já tinha cumprido os dois anos de vitaliciamento. E aí se
peguntou o seguinte, o CNJ poderia exonerar por deliberação sua o juiz que
acabou de ingressar? ENTENDEU-SE QUE CASO O JUIZ FOSSE VITALICIANDO,
NÃO COMPLETADO O PERÍODO DE DOIS ANOS, O CNJ PODERIA DELIBERAR
SOBREPONDO O ÓRGÃO ESPECIAL DO TRF OU DO TJ
ADMINISTRATIVAMENTE, DESDE QUE GARANTIDO O PROCESSO
ADMINISTRATIVO COM AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
DESSE MODO, EM QUE PESE A REGRA PARA DECIDIR SOBRE O NÃO
VITALICIAMENTO SEJA DO TRIBUNAL, SE O PROCESSO ADMINISTRATIVO
TIVER SIDO AVOCADO PELO CNJ, ELE PODERÁ DELIBERAR EM DESFAVOR
DO ATO.
Existe alguma exceção à regra de que o juiz vitalício só pode ser exonerado por
sentença judicial transitada em julgada? Existem duas hipóteses:

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


▪ 1 – ministros do STF podem ser exonerados por irresponsabilidade perante
o senado federal e podem ser destituídos do cargo, artigo 52, II da CR.
▪ 2 – os membros do CNJ. Os membros do CNJ possuem as mesmas
prerrogativas dos magistrados por conta do seu regimento interno. E
possuindo estas prerrogativas, também estaria aí a impossibilidade de
exoneração a não ser por sentença judicial transitada em julgado, e também
estão sujeitos a julgamento perante o senado federal por crime
responsabilidade, artigo 52, II.
• INAMOVIBILIDADE – ART 95, II, CR/88
Art. 95, C/88 [...]
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na
forma do art. 93, VIII;
Quando o juiz ingressa na magistratura ele pode escolher para onde ele vai se
deslocar na entrância, de acordo com os critérios de remoção estabelecidos pelo
Tribunal. Acontece que o juiz tem a opção de escolher permanecer no local. Isso
existe para obstar que o juiz seja constantemente removido com base em
criptocausas políticas, a fim de que ele não analise tal ou qual demanda relevante.
Então essa é uma garantia, mas é uma garantia que admite exceção.
A exceção está na possibilidade de remoção compulsória no interesse público,
artigo 93, VIII da CR.
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios:
[...]
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do
magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão
por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;
Por voto da maioria absoluta do tribunal. A anterior redação do inciso VIII falava
em 2/3 do tribunal. Essa é uma alteração doa EC 45, a remoção por interesse
público, ou a aposentadoria ou a disponibilidade, se fazem por maioria absoluta.
Estabeleceu a possibilidade também de o CNJ por maioria absoluta decidir pela
remoção compulsória ou aposentadoria do magistrado. O CNJ já produziu
algumas decisões administrativas colocando em disponibilidade magistrados até
da cúpula dos tribunais e até remoção compulsória também. Existe um

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


procedimento dentro do regimento interno do CNJ que estabelece como se faz
isso.
A inamovibilidade se aplica somente aos juízes titulares ou também aos
substitutos? Também a estes, de acordo com o STF:
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA QUE CONSIDEROU A
INAMOVIBILIDADE GARANTIA APENAS DE JUIZ TITULAR.
INCONSTITUCIONALIDADE. A INAMOVIBILIDADE É
GARANTIA DE TODA A MAGISTRATURA, INCLUINDO O JUIZ
TITULAR E O SUBSTITUTO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I –
A inamovibilidade é, nos termos do art. 95, II, da
Constituição Federal, garantia de toda a magistratura,
alcançando não apenas o juiz titular, como também o
substituto. II - O magistrado só poderá ser removido por
designação, para responder por determinada vara ou comarca
ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se
o interesse público o exigir, nos termos do inciso VIII do art.
93 do Texto Constitucional. III – Segurança concedida.
(MS 27958, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 28-08-2012 PUBLIC 29-08-
2012)
• IRREDUTIBILIDADE DE SUBSÍDIOS – ART. 95, III, CR/88
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
[...]
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos
arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.
O que é irredutibilidade de subsídios? O magistrado ele tem uma imposição, o
próprio CNJ reconhece isso, e o STF também reconhece isso nos seus julgados. Ele
tem a obrigatoriedade de se dedicar à jurisdição. O juiz não pode deixar as suas
atividades jurisdicionais e dar prioridade, por exemplo, às atividades de
magistério43.

43
Código de Ética da Magistratura Nacional
Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento
apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Essa imposição legal impõe que os subsídios sejam compatíveis para que ele
possa se dedicar somente a essa atividade. Então a irredutibilidade de subsídios
significa o seguinte: uma vez fixado o subsídio em lei, o magistrado tem o direito
constucional de ter remuneração compatível.
Entretanto, o próprio STF, embora diga que a magistratura deve ter a
irredutibilidade de subsídio para que não se ocupe com outra atividade, tem o
posicionamento a meu modo de ver equivoco, e é o posicionamento que cai na
prova, que a irredutbilidade dos subsídios é uma irredutibilidade nominal e
não real.
Outro ponto importante é que os vencimentos de magistrados foram
transformados em subsídios. Por quê? Porque a expressão vencimentos
incorporava verba de representação, salários e outros adicionais, isso ia
incorporando e acrescentando valor.
E com o subsídio foi estabelecido um teto remuneratório. Ninguém pode ganhar
mais que ministro do STF. Temos a primeira figura, teto remuneratório. O teto
remuneratório deve ser mais do que o subsidio do ministro do STF. Agora existem
os sub tetos. Quais são os sub tetos?
▪ Sub teto dos tribunais superiores – que recebem 95% do valor
reservado a membro do STF.
▪ Sub teto dos desembargadores, que recebem 90,25% do
ministro do STF. Então o subsidio máximo estadual é de 90,25% do
valor do subsidio dos ministros do STF.
É possível extrapolar o teto remuneratório?
▪ Se por acaso os desembargadores, além dos 90,25%, ganharem,
por exemplo, subsidio em função de atividade eleitoral, se somar
outras gratificações previstas em lei, ele pode perceber esse valor?
Sim, só que limitado ao teto máximo, então ele chega no teto e para.
▪ Agora, existe uma previsão no § 11 do artigo 37 da CR, que fala
de parcelas indenizatórias. Então as parcelas de caráter
indenizatório podem ultrapassar o teto, aquelas previstas no
artigo 37, § da CR, por exemplo, ausência de pagamento de valores
que eram devidos e depois são complementados. Então, primeiro o
STF e STJ decidem o que sejam parcelas de caráter indenizatórias, se
forem indenizatórias podem sobrepujar o teto, se não for não podem.

§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o exercício da judicatura com o
magistério deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Art. 37, CR/88 [...]
§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites
remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo,
as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.
Só lembrando que a remuneração dos magistrados é escalonada, ou seja, parte
do sub teto e vai descendo, de 10 em 10% ou de 5 em 5%, conforme o numero de
entrância (na justiça estadual). NA JUSTIÇA FEDERAL SÓ HÁ DIFERENÇA
REMUNERATÓRIA ENTRE JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO, JUIZ FEDERAL
TITULAR (geralmente 10% a mais do que aquele) E DESEMBARGADORES.

6.4.1.2.2. Garantias Relativas à Imparcialidade do Magistrado


Previstas no art. 95, p. u. da CR.
Imparcialidade significa que o juiz é equidistante, ou seja, que o juiz não pende
nem para um lado nem para outro, ele julga com total isenção.
Qual é o vício processual quando o juiz é parcial? O juiz que perde a
imparcialidade pode ser dado como suspeito ou impedido. Isso vai gerar uma
nulidade dentro do processo, e essa nulidade se refere a pressuposto processual
positivo relativo ao juiz, que é a imparcialidade.
• O processo será relativamente nulo se houver suspeição;
• E será absolutamente nulo se houver impedimento.
Quais são essas garantias de imparcialidade? Art. 95, p. u. da CR.
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou
função, salvo uma de magistério;
A respeito disso existe uma resolução do CNJ que estabelece que os cargos da
justiça desportiva não podem ser exercidos por magistrados; isso era comum
antigamente, mas eles exerciam as atividades com muita assiduidade e
atrapalhava a atividade jurisdicional. O STF chamado a examinar a questão
decidiu:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO N.
10/2005, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. VEDAÇÃO
AO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, POR PARTE DOS MAGISTRADOS,
EM TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DESPORTIVA E SUAS COMISSÕES
DISCIPLINARES. ESTABELECIMENTO DE PRAZO PARA
DESLIGAMENTO. NORMA PROIBITIVA DE EFEITOS

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


CONCRETOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 266 DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE
ACUMULAÇÃO DO CARGO DE JUIZ COM QUALQUER OUTRO,
EXCETO O DE MAGISTÉRIO. 1. A proibição jurídica é sempre
uma ordem, que há de ser cumprida sem que qualquer outro
provimento administrativo tenha de ser praticado. O efeito
proibitivo da conduta - acumulação do cargo de integrante do
Poder Judiciário com outro, mesmo sendo este o da Justiça
Desportiva - dá-se a partir da vigência da ordem e impede que
o ato de acumulação seja tolerado. 2. A Resolução n. 10/2005,
do Conselho Nacional de Justiça, consubstancia norma
proibitiva, que incide, direta e imediatamente, no patrimônio
dos bens juridicamente tutelados dos magistrados que
desempenham funções na Justiça Desportiva e é caracterizada
pela auto-executoriedade, prescindindo da prática de
qualquer outro ato administrativo para que as suas
determinações operem efeitos imediatos na condição jurídico-
funcional dos Impetrantes. Inaplicabilidade da Súmula n. 266
do Supremo Tribunal Federal. 3. As vedações formais
impostas constitucionalmente aos magistrados
objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder
Judiciário, de modo que seus integrantes sejam dotados
de condições de total independência e, de outra parte,
garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às
funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão
com outras atividades deixe em menor valia e cuidado o
desempenho da atividade jurisdicional, que é função
essencial do Estado e direito fundamental do
jurisdicionado. 4. O art. 95, parágrafo único, inc. I, da
Constituição da República vinculou-se a uma proibição
geral de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro,
de qualquer natureza ou feição, salvo uma de magistério.
5. Segurança denegada.

(MS 25938, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno,


julgado em 24/04/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC
12-09-2008 EMENT VOL-02332-02 PP-00370 RTJ VOL-
00207-01 PP-00276)
Pois bem. Continuemos.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou
participação em processo;
Veja que isso já vem desde a época da revolução francesa; o juiz não pode receber
nenhuma participação em custas ou processo. Isso seria uma forma de se
apropriar da coisa pública, já que o magistrado acabaria revertendo em seu
proveito os resultados financeiros das atividades jurisdicionais.
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
O juiz tem uma independência de natureza político partidário, ele não se envolve
com partido, mas ele tem uma vinculação política estatal, ele se envolve com os
direitos fundamentais e com a democracia. O envolvimento partidário certamente
seria ameaçador para sua imparcialidade. Claro que isso não significa que, como
pessoa, ele não possa ter suas ideologias políticas. Tanto tem que é, assim como
todas as demais pessoas, obrigado a votar.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou
contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
Exceções previstas em lei, praticamente não há. O que poderia haver é alguma
possibilidade de uso desses valores com fim público ou com fim de interesse
público.
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou,
antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por
aposentadoria ou exoneração.
É a famosa QUARENTENA DE SAÍDA. Essa quarentena de saída é muito
importante, porque há desembargadores, infelizmente, que assim que se
aposentam retornam ao tribunal para advogar, e como tem acesso livre aos
demais colegas causam constrangimento aos demais membros do tribunal ao
levar as suas considerações diretamente a eles. Isso causa um grande
constrangimento aos demais advogados, que não tem o mesmo tratamento que
são dispensados a essas pessoas. Essa quarentena de saída é uma excelente
medida que foi adotada pelo legislador.
6.4.2. Provimento do Cargo de Juiz
O provimento é, regra geral, por concurso público de provas e títulos.
Somente nos Tribunais há provimento originário diferenciado, que é sem
concurso, mas também pela via da nomeação.
O provimento originário é aquele de quem ainda não faz parte do quadro.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


E provimento derivado é aquele de quem já está no quadro, e vai se movimentar
dentro do quadro. E nessa movimentação no quadro, ele pode se movimentar de
forma horizontal ou de forma vertical.
Então veja só, provimento originário se dá através do ingresso na carreira da
magistratura.
O provimento derivado, ou seja, quando você já está na carreira da magistratura,
ele se dá de forma horizontal de duas formas, através de uma remoção ou através
de uma permuta.
É horizontal porque eu fico na mesma linha, você fica na mesma entrância. Você
tem as entrância, inicial, intermediária e final. Você simplesmente vai transitar,
vai para a comarca ou varas da mesma entrância. Então você pode ajustar com
alguém, você vem para minha comarca e eu vou para a sua, isso é plenamente
possível. E remoção? Abriu uma vaga está na mesma entrância então eu peço para
ir.
O vertical é quando você sai de uma entrância para outra, então aí estamos diante
de duas hipóteses também, promoção e acesso.
6.4.2.1. Provimento Originário
O ingresso na magistratura de carreira pressupões concurso público de provas e
títulos, com a participação em todas as fases da OAB.
Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á
mediante nomeação, após concurso público de provas e
títulos, organizado e realizado com a participação do Conselho
Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 1º - A lei pode exigir dos candidatos, para a inscrição no
concurso, título de habilitação em curso oficial de preparação
para a Magistratura.
§ 2º - Os candidatos serão submetidos a investigação relativa
aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e
mental, conforme dispuser a lei.
§ 3º - Serão indicados para nomeação, pela ordem de
classificação, candidatos em número correspondente às vagas,
mais dois, para cada vaga, sempre que possível.
É possível, segundo a LOMAM, artigo 78, § 1º, que se estabeleça curso
preparatório. Então é possível que os tribunais criem o curso, que será tido
como uma etapa do processo seletivo. Em SC já funciona dessa forma.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Agora, além dos requisitos normais, que é concurso público de provas e títulos, a
CR, por intermédio da EC 45, fixou 3 anos de atividade jurídica. O CNJ
regulamentou a matéria na resolução numero 11. E a atividade jurídica é
considerada a atividade de bacharel de direito, em outras palavras, não se tem
admitido atividades antes da conclusão do curso de direito. Então admite-se toda
aquela atividade que é passível de ser exercida por bacharel em direito, então o
STF tem admitido, por exemplo, que escrivão de polícia se exercer atividade
jurídica possa contar o prazo, oficial de justiça também.
Há uma discussão a respeito do momento no qual se conta esse prazo, dies a quo.
Segundo a resolução 11, artigo 5º, do CNJ, deve-se completar esse prazo com a
inscrição definitiva no concurso. Atualmente, o entendimento do STF está no
sentido de que a contagem é feita desde a conclusão do curso de Direito (e
não da colação de grau) até a data da inscrição definitiva. Vide:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário.
Concurso público para ingresso na magistratura do trabalho.
Comprovação de tempo de atividade jurídica. Ato da inscrição
no concurso. Precedentes. 1. Esta Corte firmou o
entendimento de que o momento para a comprovação do
exercício de três anos de atividade jurídica se dá no ato da
inscrição definitiva no concurso público. 2. Agravo
regimental não provido.
(RE 630515 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, julgado em 04/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-191 DIVULG 27-09-2012 PUBLIC 28-09-2012)
É possível uma investigação moral, social e pessoal do candidato? Sim, é o que
dispõe o artigo 78, § 1º da LOMAM. Geralmente isso é feito através de consulta a
pessoas com as quais o candidato tenha trabalhado, que possam servir de
subsídios ao tribunal, para verificar se tem experiência, se é uma pessoa de
confiança.
Isso é determinante? Não, mas é um apoio a mais para que se saiba se o
magistrado tenha condições de exercer as suas atividades.

38. 6.5. Sistema de Controle Interno do Poder Judiciário


O Poder, sendo de titularidade exclusiva do povo, deve ter seu exercício
controlado, já que nas mãos de agentes públicos aos quais confiadas funções
públicas indisponíveis. Isso é uma máxima que já vem desde (e antes mesmo de)
a Revolução Francesa, que é conceito muito acatado.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Em primeiro lugar é evidente que só pode controlar o poder o próprio Estado. Se
o Estado está manifestado e determinado política e juridicamente na Constituição,
é da própria Constituição que devem ser extraídos os mecanismos de
autolimitação às suas instituições.
Então o Estado faz o contole e esse controle se dá através dessa estrutura
primordial do Estado prevista na Constituição da República. Então nós vamos
buscar o sistema de controle do poder, leia-se Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário na CR. Esse é um ponto fundamental da matéria.
CADA ESPÉCIE DE ATO RECEBE UM SISTEMA DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICO.
Para impugnar um ato legislativo tem um mecanismo, para o ato administrativo
tem um mecanismo e para o ato judicial tem outro mecanismo.
Para controlar os atos legislativos, como se trata de atos genéricos e abstratos,
geral, então os atos legislativos são impugnados via controle de
constitucionalidade, seja ele concentrado ou difuso.
Já os atos administrativos têm um sistema próprio de controle. O primeiro
controle é o próprio recurso administrativo criado pela legislação federal e pelas
legislações estaduais. Controla-se o ato administrativo em primeiro plano através
do recursos administrativos previstos na legislação federal e na legislação
estadual.
Mas eu também controlo os atos administrativos através de ações judiciais ou
através de sucedâneos recursais. Então se pode controlar o ato administrativo,
exemplificativamente, através de ações anulatórias, que segue o procedimento
comum. Além das ações anulatórias, pelo procedimento comum, eu ainda
encontro a impugnação desses atos via ação civil publica e na ação popular.
Mas talvez o mecanismo de maior controle do ato administrativo no âmbito
judicial seja o Mandado de Segurança. Então o MS talvez seja o sucedâneo mais
utilizado para o controle dos atos administrativos.
Temos também diversos atos judiciais que são produzidos constantemente pelos
magistrados, que também são alvo de controle. No processo civil estuda-se que o
juiz pratica três espécies de atos, ou seja, em atividade eminentemente
jurisdicional, jurisdição: despachos, decisões interlocutórias e sentença.
É fundamental que nós saibamos que todas as vezes que o magistrado produz um
despacho, uma decisão interlocutória ou uma sentença, existe um mecanismo
próprio de controle, embora o despacho não esteja sujeito a nenhuma espécie de
recurso, as decisões interlocutórias são atacadas por agravo e a sentença por
apelação, via de regra.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Em linhas gerais, em processo civil, se você perguntar qual a diferença entre
despacho e decisão interlocutória, a jurisprudência torrencial dirá o seguinte:
será decisão interlocutória aquele ato do magistrado que, não constituindo
sentença, possa causar prejuízo às partes. Então mesmo aquilo que parece
despacho, por exemplo, aquele famoso despacho ao Ministério Publico, se causar,
pelo menos em tese, prejuízo as partes, será considerado como decisão
interlocutória, e, portanto, atacado mediante agravo. Então a jurisprudência
considera que é decisão interlocutória, passível de impugnação por recurso
de agravo, qualquer ato judicial que, não sendo sentença, possa causar
prejuízo as partes, mesmo que em tese, então ai faz a distinção entre
despacho e decisão interlocutória.
Então a jurisprudência considera que é decisão interlocutória, passível de
impugnação por recurso de agravo, qualquer ato judicial que, não sendo sentença,
possa causar prejuízo às partes, mesmo que em tese.
Agora notem que nesses três casos, a forma de impugnação do ato é o recurso.
Assim, pode-se afirmar o seguinte com certa tranquilidade: os atos legislativos
são atacados pelo controle de constitucionalidade, concentrado ou difuso;
os atos administrativos, há aquele controle decorrente do poder
hierárquico, o próprio poder revisor dos atos da administração, ainda pode
ser controlado por recurso administrativo e as ações especificas, e os atos
judiciais são controlados através dos recursos.
É por isso que a doutrina de direito processual civil mais atualizada aponta que a
forma do controle democrático do Poder Judiciário em matéria jurisdicional é o
recurso. Até uma repercussão interessante é no que tange as preclusões. Assim
que foi protocolizada a petição inicial, por iniciativa da parte, art. 2º e 262 do CPC,
o procedimento se desenvolve por impulso oficial (principio do impulso oficial -
art. 262, 2ª parte).

Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando


a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.

Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se


desenvolve por impulso oficial.

Logo, ainda que o processo somente se inicie por ato da parte, ele se desenvolve
obrigatoriamente por ato de ofício do magistrado. Isso significa que o magistrado
deve utilizar um mecanismo que faz com que esses atos atinjam obrigatoriamente
a sentença. Isso é o que nós chamamos de PRECLUSÃO. A preclusão, portanto, é
o mecanismo que o juiz utiliza para fazer com que o processo obrigatoriamente
atinja o ponto final, a sentença.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


6.5.1. Distinção entre Controle Interno e Controle Externo
O Poder Judiciário pratica atos de cunho jurisdicional, administrativo e muitas
vezes até legislativo.
Mas quando ele atua de forma administrativa, ele atua de forma imprópria, por
isso se trata de ato administrativo impróprio. Quando o Poder Judiciário pratica
esses atos administrativos, as impugnações serão feitas através dos meios
administrativos à disposição, ou seja, recurso administrativo, controle interno da
administração, ou por meio de ação popular, ação civil publica, MS.
E quando o juiz atua na modalidade jurisdicional, ou seja, atividade judicial strito
sensu, o controle se dá pelo recurso.
Ainda como eu afirmei para vocês, os tribunais possuem um certo poder de
produções legislativas. Um exemplo mais contundente da produção legislativa
dos tribunais é em torno daquelas situações com as quais eles auto regulamentam
seu funcionamento.
Exemplo: A Constituição Federal, estabelece no art. 125 que os Estados tem
autonomia para constituir os seus tribunais, regular a justiça estadual. Daí porque
a Constituição Estadual cria os tribunais estaduais e as leis de organização
judiciárias dispõem sobre a estrutura estrutura básica dos tribunais e do
Judiciário estadual, e aí remetem ao Regimento Interno a disciplina do
funcionamento desses órgãos.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os
princípios estabelecidos nesta Constituição.
Assim, a CR (art. 125) dispõe que são os Estados quem vão criar as suas justiças,
dão autonomia e o art. 96 + o 99 deixam clara essa autonomia, financeira e
administrativa.
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos
internos, com observância das normas de processo e das
garantias processuais das partes, dispondo sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos
jurisdicionais e administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos
juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da
atividade correicional respectiva;

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de
juiz de carreira da respectiva jurisdição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e
títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os
cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de
confiança assim definidos em lei;
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus
membros e aos juízes e servidores que lhes forem
imediatamente vinculados;
Por sua vez as Constituições Estaduais criam os Tribunais de Justiça e as Leis de
Organização Judiciária criam a estrutura básica, ou seja, dizem quais são os
órgãos. Por exemplo, diz que o Tribunal de Justiça é composto por esses órgãos:
Presidência, Corregedoria, Vice-Presidência, Órgão Especial, Conselho da
Magistratura, é onde esses órgãos residem. Então as linhas básicas do
funcionamento e para que serve cada um desses órgãos. Mas a disciplina, ou seja,
o funcionamento disciplinado, a forma de condução dos procedimentos, a atuação
e as atribuições de cada órgão, será feito no Regimento Interno do Tribunal. Esse
Regimento Interno do Tribunal é um ato administrativo do Tribunal, mas com
força normativa. Tanto que o Supremo Tribunal Federal considera a força
normativa desses Regimentos Internos como uma expressão genérica abstrata
passível inclusive de impugnação geral.
NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL, A REGULAÇÃO GERAL É DADA PELA LEI
Nº 5.010/66, ABSOLUTAMENTE ULTRAPASSADA EM UMA SÉRIE DE PONTOS.
CADA TRF POSSUI, POR SUA VEZ, SEU REGIMENTO INTERNO, QUE POSSUI
NATUREZA JURÍDICA DE ATO ADMINISTRATIVO NORMATIVO.
Feitas as devidas separações, esclarece-se: nenhum ato jurisdicional estará
sujeito a controle administrativo salvo nas hipóteses especificas do art. 41 da
LOMAN.
Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de
linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado
pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que
proferir.
Ou seja, não se pode avocar caráter jurisdicional através de ação
fiscalizadora administrativa da Corregedoria e do próprio CNJ. Então as
decisões judiciais estão, como diz o Supremo Tribunal Federal, imunizadas.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Elas não estão sujeitas ao controle sensório dos órgãos de controle interno
do Poder Judiciário.
Então é claro que quando falamos de sistema de controle interno do Poder
Judiciário, nos refrimos especificamente ao controle interno dos atos
administrativos impróprios praticados pelos magistrados.
Então, a primeira afirmação que nos podemos fazer para as provas objetivas é que
o sistema de controle interno do Poder Judiciário se refere aos atos
administrativos praticados pelos membro do Poder Judiciário. Em outras
palavras, esse controle não se faz em relação aos atos de cunho normativo e tão
pouco em relação aos atos que tenham cunho jurisdicional.
Pedro Lessa, citando lição do direito francês, dizia que o Poder Judiciário é o poder
fora do Estado. Como assim fora do Estado? Ele é um poder tão especial, tão
específico que ele deveria ser considerado como um poder fora do Estado, porque
ele tem como objetivo o controle de constitucionalidade, da regularidade, da
moralidade de todos os atos praticados pelo Estado. Então ele teria esse perfil e
daí a conduta do magistrado estar ligada a esse perfil de serenidade, de seriedade
que se diz do magistrado.
Partindo desse principio então, esse sistema de controle interno, ele vai ter
alguma repercussão. Primeiro, é um controle interno. Se é um controle interno,
pergunta-se: é possível o controle externo do Poder Judiciário? O STF já tratou
disso. Alguns estados resolveram criar Conselhos Estaduais de Justiça que tinham
mais ou menos o mesmo perfil do Conselho Nacional de Justiça.
Então, a Procuradoria Geral da República ingressou com uma ação direta de
inconstitucionalidade dizendo que seria interferência indevida no Poder
Judiciário e a existência de órgãos externos ao Poder Judiciário dentro desses
órgãos de controle feria gravemente a separação de poderes. O STF diante das
situações julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade e declarou
inconstitucionais esses Conselhos Estaduais de Justiça afirmando que os
Conselhos Estaduais de Justiça são inconstitucionais e que não é possível controle
externo do Poder Judiciário:
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Conselho
Estadual de Justiça integrado por membros da magistratura
estadual, autoridades pertencentes aos outros Poderes,
advogados e representantes de cartórios de notas de registro
e de serventuários da Justiça. - A criação, pela Constituição do
Estado, de Conselho Estadual de Justiça com essa composição
e destinado à fiscalização e ao acompanhamento do
desempenho dos órgãos do Poder Judiciário é

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


inconstitucional, por ofensa ao princípio da separação dos
Poderes (art. 2º da Constituição Federal), de que são
corolários o auto- governo dos Tribunais e a sua autonomia
administrativa, financeira e orçamentária (arts. 96, 99 e
parágrafos, e 168 da Carta Magna). Ação direta que se julga
precedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos
176 e 177 da parte permanente da Constituição do Estado do
Pará, bem como a do artigo 9º e seu parágrafo único do Ato das
Disposições Transitórias dessa mesma Constituição.
(ADI 137, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno,
julgado em 14/08/1997, DJ 03-10-1997 PP-49226 EMENT
VOL-01885-01 PP-00001)
Nem mesmo se o Conselho fosse criado sob a forma de órgão de controle interno
haveria constitucionalidade na prática. Isso porque os Estados membros
carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno
ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade
administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça (vide julgado
mais abaixo, sobre a constitucionalidade do CNJ)
E o Conselho Nacional de Justiça dentro desse aspecto, como é que ele fica? Então
é por isso que ele foi criado através da EC 45, inciso I-A, no art. 92 da CR, que diz
o seguinte, que o CNJ é órgão do Poder Judiciário:
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Então quando se afirma que o Conselho Nacional de Justiça é órgão do Poder
Judiciário, então o legislador constituinte derivado simplesmente adequou a
existência desse órgão ao posicionamento sumular do STF. E o STF foi consultado
em nova Ação Direta de Inconstitucionalidade, agora pela associação dos
magistrados, e julgou improcedente a ADI entendendo que o CNJ é sim
constitucional porque órgão interno do Poder Judiciário:
EMENTAS: 1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir.
Caracterização. Ação direta de inconstitucionalidade.
Propositura antes da publicação oficial da Emenda
Constitucional nº 45/2004. Publicação superveniente, antes
do julgamento da causa. Suficiência. Carência da ação não
configurada. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI,
do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à data da
sentença, considera-se presente o interesse processual, ou de
agir, em ação direta de inconstitucionalidade de Emenda
Constitucional que só foi publicada, oficialmente, no curso do
processo, mas antes da sentença. 2.
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda
Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho
Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza
meramente administrativa. Órgão interno de controle
administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura.
Constitucionalidade reconhecida. Separação e
independência dos Poderes. História, significado e
alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula
constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência.
Subsistência do núcleo político do princípio, mediante
preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e
das condições materiais do seu exercício imparcial e
independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao
caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação
julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as
normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45,
de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho
Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder
Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional.
Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro
e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça.
Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de
competência constitucional. Os Estados membros carecem
de competência constitucional para instituir, como órgão

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao
controle da atividade administrativa, financeira ou
disciplinar da respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO.
Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza
exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da
atividade administrativa, financeira e disciplinar da
magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes
situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal
Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder
Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão
sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102,
caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de
Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo
Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo
do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5.
PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça.
Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda
mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado
pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que
resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão
pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara.
Desnecessidade. Subsistência do sentido normativo do texto
residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III).
Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I,
parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência.
Argüição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada
pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado
Federal em texto de projeto que, na redação remanescente,
aprovada de ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido
normativo. 6. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de
Justiça. Membro. Advogados e cidadãos. Exercício do mandato.
Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não
constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004.
Pendência de projeto tendente a torná-la expressa, mediante
acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao
princípio da isonomia. Não ocorrência. Impedimentos já
previstos à conjugação dos arts. 95, § único, e 127, § 5º, II, da
CF. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido aditado.
Improcedência. Nenhum dos advogados ou cidadãos membros
do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do
mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma de
magistério, dedicar-se a atividade político-partidária e exercer
a advocacia no território nacional.
(ADI 3367, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno,
julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-2006 PP-00004 EMENT
VOL-02225-01 PP-00182 REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-
00029)
6.5.2. Órgãos de Controle Interno do Poder Judiciário
Viu-se que o controle interno do Poder Judiciário se faz sob a ótica administrativa,
exclusivamente. Então, alguns órgãos administrativos são constituídos para o
exercício dessa fiscalização interna pelo próprio Poder Judiciário. Esses órgãos
são: a Corregedoria, a Ouvidoria, e o Conselho Nacional de Justiça.
6.5.2.1. Corregedoria
A Corregedoria nada mais é que um órgão do Poder Judiciário encarregado da
fiscalização:
i) Da atividade jurisdicional e administrativa prestada pelos juízes;
ii) Da atividade dos órgãos auxiliares da justiça, escrivãs, ..juizado especial,
oficial de justiça, perito, técnicos, enfim os auxiliares;
iii) Dos agentes delegados do foro extrajudicial, registradores de imóveis,
oficiais de protesto, distribuidores.
Então, o âmbito de fiscalização da Corregedoria, baseia-se nesses três elementos.
E a fiscalização se dá em relação ao comportamento administrativo desses órgãos
que já dissemos.
Então em relação aos magistrados o que a Corregedoria vai examinar é se o
magistrado está atuando de acordo com os deveres: i) constitucionalmente
estabelecidos; ii) os deveres estabelecidos na LOMAN; iii) os deveres
estabelecidos no CPC, art. 125; iv) os deveres estabelecidos no CPP e v) os deveres
estabelecidos no Código de Ética.
Então, se alguém perguntar para você na prova oral: onde se encontram os
deveres do magistrado? OS DEVERES SE ENCONTRAM NA CR, NA LOMAN, NO
CPC, NO CPP E NO CÓDIGO DE ÉTICA. É ali que eu busco os meus deveres e vou
cumpri-los rigorosamente.
A fiscalização sobre os órgãos auxiliares se dá com base nos deveres
estabelecidos, se for em nível federal, na Lei nº 8.112/91, se for em nível estadual

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


nós vamos encontrar os estatutos estaduais dos servidores e nas leis de
organização e divisão judiciária.
Em relação aos agentes delegados do foro extrajudicial, os deveres estarão
especificamente cominados na Lei nº 8.935/94, a lei dos registradores e notários
(a Justiça Federal não tem atribuição de fiscalizar os foros extrajudiciais, já
que são órgãos estaduais).
Então vejam que a Corregedoria é um órgão do Poder Judiciário. As leis de
organização judiciária estabelecem qual o âmbito de fiscalização que a
Corregedoria exerce e são os Regimentos Internos dos tribunais que estabelecem
exaustivamente as atribuições das Corregedoria (no caso da Justiça Federal, ao
menos no TRF1, o regimento interno da Corregedoria foi estabelecido por
Provimento - PROVIMENTO/COGER 38, DE 12 DE JUNHO DE 2009) .
ASSIM, QUEM ESTABELECE AS ATRIBUIÇÕES DA CORREGEDORIA É O
PRÓPRIO TRIBUNAL.
Qual é a atuação fiscalizatória da Corregedoria? O que a Corregedoria faz? Bom, a
Corregedoria inicialmente faz uma fiscalização, como se fosse uma varredura dos
atos praticados, dos atos administrativos, da regularidade dos atos
administrativos praticados pelos magistrados, auxiliares e agentes delegados.
Não há uma nomenclatura uniforme sobre os atos das corregedorias. No âmbito
do TRF1, estão previstos os seguintes procedimentos (há outros, selecionei
apenas os fiscalizatórios/punitivos):
a) Sindicância: será aberta quando o corregedor-geral tomar conhecimento,
por meio que não decorra da representação, de erros, abusos ou faltas
cometidas, por servidor, que atentem contra o interesse das partes, o
decoro das suas funções, a probidade e a dignidade dos cargos que exercem.
b) Procedimento administrativo disciplinar: se contra servidor, obedecerá às
disposições legais sobre a matéria. O procedimento administrativo
disciplinar instaurado contra juiz federal ou juiz federal substituto
obedecerá ao disposto na Lei Complementar 35/79 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional), no Regimento Interno do Tribunal e às disposições
pertinentes do Conselho Nacional de Justiça, aplicando-se, ainda,
subsidiariamente, no que couber, a legislação própria do serviço público
federal.
c) Procedimento avulso: deverá ser utilizado para a atividade investigativa
preliminar do órgão correcional.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


d) Justificação de conduta: o juiz cuja conduta funcional tenha sido ou venha
sendo motivo de censura ou comentários poderá requerer justificação de
sua conduta perante o Tribunal.
e) Representação: contra erros, abusos ou faltas cometidas, por servidor ou
juiz, que atentem contra o interesse das partes, o decoro das suas funções,
a probidade e a dignidade dos cargos que exercem, será dirigida ao
corregedor-geral.
f) Correição parcial: contra ato ou despacho de juiz de que não caiba recurso,
bem como de omissão que importe erro de ofício ou abuso de poder.
g) Correição ordinária: para verificação da regularidade de funcionamento na
distribuição da justiça e nas atividades administrativas. A correição objetiva
a busca da eficiência e do aprimoramento dos juízos e serviços
administrativos, judiciários e cartorários que lhes são afetos, bem assim a
troca de experiências. No âmbito do TRF1, ocorre de dois em dois anos.
h) Correição extraordinária: em decorrência de indicadores, informações,
reclamações ou denúncias que apontem para a existência de situações
especiais de interesse público que as justifiquem, ou em decorrência de
fundadas suspeitas ou reclamações que indiquem prática de erros,
omissões ou abusos que prejudiquem a prestação jurisdicional, a disciplina
judiciária, o prestígio da Justiça Federal ou o regular funcionamento dos
serviços de administração da justiça.
i) Inspeções ordinárias: objetiva a busca da eficiência e do aprimoramento
dos juízos e serviços administrativos, judiciários e cartorários que lhes são
afetos, bem assim a troca de experiências. A inspeção deve procurar o
esclarecimento de situações de fato, a prevenção de irregularidades, o
aprimoramento da prestação jurisdicional, a celeridade nos serviços
cartorários e, se for o caso, o encaminhamento para apuração de suspeitas
ou faltas disciplinares.
Assim, OBSERVA-SE QUE A CORREIÇÃO ORDINÁRIA TEM O FITO DE
VERIFICAR A REGULARIDADE, ENQUANTO A INSPEÇÃO ORDINÁRIA BUSCA
O APRIMORAMENTO E A EFICIÊNCIA DOS JUÍZOS. ENQUANTO A PRIMEIRA
BUSCA ENCERRAR EVENTUAIS IRREGULARIDADES CONSTATADAS, A
SEGUNDA BUSCA FOMENTAR BOAS PRÁTICAS NO SERVIÇO JURISDICIONAL.
Durante essas fiscalizações o que pode ocorrer são duas ordem de situações. A
primeira: pode se constatar uma mera irregularidade passível de correção
imediata. Então, por exemplo, é uma forma de proceder do magistrado na
condução do processo, são atrasos pontuais na prestação jurisdicional, é uma

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


forma que não foi observada pelo agente delegado. Então isso é passível da
chamada recomendação.
A RECOMENDAÇÃO nada mais é do que uma orientação para o servidor ou
magistrado no sentido de que ele tem que atuar de determinada forma. O não
atendimento dessa recomendação poderá gerar uma apuração disciplinar.
Agora também nas correições nos podemos observar a existência de faltas
funcionais. Se a falta funcional for observada, for detectada, então cumpre à
Corregedoria apurar esta falta mediante sindicância e de mediante processo
administrativo disciplinar.
Bom, a última atividade da Corregedoria, que é também uma atividade
administrativa, é a auto-organização dos serviços judiciais. Assim que o
candidato ingressa na magistratura, além dele ganhar um exemplar do
Código de Ética, ele também ganha o Código de Norma, que nada mais é que
uma disposição normativa geral da Corregedoria Geral da Justiça (NO TRF1, É
CHAMADO DE CORREGEDORIA REGIONAL DE JUSTIÇA. CREIO SER IGUAL
NOS DEMAIS TRF´S), que dispõe sobre o serviço judiciário, que é a organização
dos cartórios, a forma de condução dos serviços, dispõe também a respeito
daquelas matérias que o CPP e o CPC não dispuseram.
Logo, essas disposições normativas gerais objetivam a disciplina daquelas
questões que não foram especificamente investigadas ou disciplinadas na
legislação federal. Então por exemplo, a utilização da audiência digital, da
gravação digital de som e imagem. Essa possibilidade ela é só permitida pela
legislação federal, mas não é disciplinada. Então vocês vão encontrar uma
instrução normativa da Corregedoria exatamente como é que funciona isso, se
carta precatória pode, se carta precatória não pode, enfim, todas essas questões.
Quantos Corregedores podem ter um tribunal? A resposta esta na LOMAN, art.
103, § 2º:

Art. 103 - O Presidente e o Corregedor da Justiça não


integrarão as Câmaras ou Turmas. A Lei estadual poderá
estender a mesma proibição também aos Vice-Presidentes.

§ 1º - Nos Tribunais com mais de trinta Desembargadores a lei


de organização judiciária poderá prever a existência de mais
de um Vice-Presidente, com as funções que a lei e o Regimento
Interno determinarem, observado quanto a eles, inclusive, o
disposto no caput deste artigo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


§ 2º - Nos Estados com mais de cem Comarcas e duzentas
Varas, poderá haver até dois Corregedores, com as funções que
a lei e o Regimento Interno determinarem.

Então vejam que há possibilidade de existência de até dois Corregedores com


aquelas funções que a lei e o regimento interno determinarem.
O Corregedor Geral de Justiça ele é considerado um órgão de cúpula do Poder
judiciário.
Quais são os órgãos de cúpula do Tribunal? Quem responde essa pergunta é o
STF. Diz o STF que são órgãos de cúpula: o Presidente do Tribunal, o Vice
Presidente do Tribunal e o Corregedor Geral da Justiça. Então esses são os
órgãos de cúpula. Quem dá essa resposta é o STF à luz da LOMAN.
E por servir como órgão de cúpula, ou seja, é órgão vigente do TRF. Quando se fala
que trata-se de órgão de cúpula é porque ele vige no TRF, como também o
Presidente do Tribunal e o Vice Presidente.
O CORREGEDOR REGIONAL DE JUSTIÇA NÃO IMPÕE PENALIDADE A
MAGISTRADO, MAS PROPÕE A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PERANTE A CORTE ESPECIAL
ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (há outras
nomenclaturas em outras Regiões).
Síntese do que visto até aqui.
1. O sistema de controle interno do Poder Judiciário é feito apenas sob a ótica
administrativa. A atividade jurisdicional só tem controle através de recurso civil
ou criminal.
2. São órgãos que participam dessa fiscalização do controle interno: a
Corregedoria, a Ouvidoria e o Conselho Nacional de Justiça.
Em relação à Corregedoria:
* A Corregedoria é um órgão do Poder Judiciário criada pela legislação estadual.
* A Lei de Organização Judiciária e as atribuições do Corregedor são todas
estabelecidas pelo Regimento Interno.
* O Regimento Interno é um ato de cunho normativo.
* O Corregedor Geral de Justiça exerce fiscalização sobre três agentes
especificamente: o magistrado, auxiliares da justiça e agentes delegados.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


* Os deveres do magistrado estão na Constituição Federal, na LOMAN, no CPC, no
CPP e no Código de Ética.
* Os deveres dos servidores estão no Estatuto dos Servidores Federais e nas Leis
de Organização Judiciárias. E os deveres de notários e registradores, na Lei de
notários e registradores.
* O Corregedor exerce dois tipos de fiscalização básicas: quanto a regularidade
das atividades e quanto a existência de falta funcional.
Se a atividade é meramente irregular e passível de correção ele determina uma
recomendação, que deve ser atendida sob pena de instauração de processo
administrativo disciplinar contra o recalcitrante.
Se detectada uma falta funcional o Corregedor instaura sindicância e depois pode
então instaurar processo administrativo disciplinar.
Em relação ao magistrado compete ao Corregedor única e exclusivamente apurar
a existência da falta funcional e propor ou não ao Órgão Especial a instalação de
processo administrativo disciplinar.
* Os Tribunais poderão estabelecer ate dois Corregedores, cujas atribuições
deverão estar previstos no Regimento Interno do Tribunal de Justiça.
3. O STF tem algumas afirmações importantes nessa matéria:
a) O Poder Judiciário é de âmbito nacional e, portanto, há de se ter nivelamento
dos tribunais de todo país.
b) O Conselho Nacional de Justiça é um órgão constitucional porque é um
órgão interno do Poder Judiciário.
c) Quaisquer Conselhos Estaduais de Justiça são inconstitucionais porque
violam o principio da separação de poderes. Não se trata de órgão interno
do Poder Judiciário e sim externo e não é possível controle externo da
magistratura.
d) Mesmo se os Estados quisessem criar Conselhos Estaduais de Justiça dentro
da estrutura do Poder Judiciário não poderiam fazê-lo, visto que não
possuem competência para isso.
e) Compõem os órgãos de cúpula dos tribunais: o Presidente e o Vice
Presidente e o Corregedor Geral de Justiça.
6.5.2.2. Ouvidoria
Art. 103-B, CR/88 [...]

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios,
criará ouvidorias de justiça, competentes para receber
reclamações e denúncias de qualquer interessado contra
membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus
serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho
Nacional de Justiça.
As ouvidorias são uma criação da União, ela tem objetivo muito específico de fazer
o contato direto entre a Justiça e a população. Por quê? Não é que não existam
mecanismos para receber reclamações ou denuncias, é claro que existem. As
corregedorias sempre fizeram isso e não só as corregedorias, os juízes também
faziam.
Os juízes, antes mesmo da corregedoria, já tem o dever funcional de receber as
reclamações ou denuncias, processá-las e encaminhá-las de acordo com as
atribuições administrativas de cada órgão. As Corregedorias sempre tiveram uma
contribuição. É que se entendeu, num momento político histórico do Brasil, que
seria interessante criar esse órgão que é o órgão de ouvidoria, então o único
objetivo desse órgão é receber as denuncias.
ELA NÃO FAZ NENHUMA ESPÉCIE DE FILTRO, NÃO CONVOCA
MANIFESTAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA, DAQUELE QUE ESTA SENDO
DENUNCIADO, NADA DISSO É FEITO. SIMPLESMENTE É O RECEBIMENTO E O
ENCAMINHAMENTO DIRETO AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
A Ouvidoria recebe a denuncia ou reclamação e representa diretamente ao CNJ,
ou seja, não há uma manifestação prévia relativamente àquele que está sendo
denunciado. Esse é o primeiro ponto.
Por questão de política, resolveram criar um órgão especifico para coleta dessas
reclamações ate para se garantir uma ausência de eventual corporativismo.
Então com a impessoalidade no órgão de recebimento, ele não agaveta as
questões dos tribunais federais e vai direto para o órgão de fiscalização,
garantindo uma grande impessoalidade.
Segunda questão sobre essas Ouvidorias. Na leitura do artigo diz o seguinte. A
União, inclusive no Distrito Federal e Territórios, criará ouvidorias. E os Estados?
Veja que na redação do artigo não estão inseridos os Estados, PORTANTO OS
ESTADOS NÃO TEM O DEVER DE CRIAR OUVIDORIAS, embora a proposta da
EC discutisse essa possibilidade. Discutiu-se inclusive a possibilidade de se
estarem criando Ouvidoria em nível estadual. Mas isso não foi inserido no texto
da Constituição Federal. A União, inclusive no Distrito Federal e Territórios, tem
o dever constitucional de constituir ouvidorias..

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


6.5.2.3. Conselho Nacional de Justiça

6.5.2.3.1. Introdução e Composição


O terceiro órgão de controle interno do Poder Judiciário é o Conselho Nacional de
Justiça.
O CNJ é um órgão relativamente recente que vem produzindo inúmeros atos, atos
estes que tem uma implicação nos comportamento dos tribunais e, portanto, tem
causado inúmeras questões jurídicas em função dessa atuação do CNJ.
E em função da atuação do CNJ no controle da legalidade, muitas vezes os próprios
atos do CNJ são impugnados.
Desde logo, ressalte-se algo pacífico no STF: o CNJ nunca poderá realizar revisão
de decisão jurisdicional. É controle interno, administrativo, e não controle de
mérito de decisões judiciais:
MS 28611 MC/MA

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ).


CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO QUE SUSPENDE
A EFICÁCIA DE DECISÃO CONCESSIVA DE MANDADO DE
SEGURANÇA EMANADA DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
INADMISSIBILIDADE. ATUAÇÃO “ULTRA VIRES” DO
CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, PORQUE EXCEDENTE
DOS ESTRITOS LIMITES DAS ATRIBUIÇÕES MERAMENTE
ADMINISTRATIVAS OUTORGADAS PELA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, NÃO OBSTANTE ÓRGÃO DE
CONTROLE INTERNO DO PODER JUDICIÁRIO, PARA
INTERVIR EM PROCESSOS DE NATUREZA JURISDICIONAL.
IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA (QUE SE QUALIFICA COMO ÓRGÃO
DE CARÁTER EMINENTEMENTE ADMINISTRATIVO)
FISCALIZAR, REEXAMINAR E SUSPENDER OS EFEITOS
DECORRENTES DE ATO DE CONTEÚDO JURISDICIONAL,
COMO AQUELE QUE CONCEDE MANDADO DE SEGURANÇA.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Então vejam. O CNJ é um órgão de fiscalização? É. Mas também está sujeito ao
controle. Então não poderia, em hipótese nenhuma, criar um órgão, com
superpoderes para controle e fiscalização do Poder Judiciário sem que houvesse
uma válvula de controle do próprio órgão. Numa democracia, é principio basilar
que nenhum órgão escape de qualquer forma de controle. Todo órgão tem que ter
uma forma de controle, uma forma de intervenção e contenção do poder.
Podemos ver isso em relação ao Presidente da Republica que esta sujeito a
impeachment. Então, nem mesmo o Presidente da Republica ele esta imunizado
de controle do poder. Também não estaria o Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ será presidido por membro do STF, tendo como Ministro-corregedor o
membro do STJ. Ele é composto por 15 membros, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal,
para mandato de dois anos, permitida uma única recondução sucessiva, com
idade entre 35 e 66 anos. São membros do CNJ:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15


(quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1
(uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 61, de 2009)

I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada


pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo


respectivo tribunal;

III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado


pelo respectivo tribunal;

IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo


Supremo Tribunal Federal;

V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;

VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo


Superior Tribunal de Justiça;

VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de


Justiça;

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo
Tribunal Superior do Trabalho;

IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do


Trabalho;

X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo


Procurador-Geral da República;

XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo


Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados
pelo órgão competente de cada instituição estadual;

XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da


Ordem dos Advogados do Brasil;

XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação


ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo
Senado Federal.

§ 1º O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo


Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimentos, pelo
Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

§ 2º Os demais membros do Conselho serão nomeados pelo


Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

O Conselho será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará
em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos naquele
tribunal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA NÃO NOMEARÁ OS MINISTROS DO
STF, OS QUAIS SÃO NOMEADOS DIRETAMENTE PELA CONSTITUIÇÃO. SÓ
NOMEARÁ OS DEMAIS MEMBROS. Logo, é falsa a assertiva de prova que
disser que todos os membros do CNJ serão nomeados por ele após
aprovação do Senado Federal (vide § 2º acima).
Ao CNJ compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não se tratando
de órgão de controle externo e podendo suas decisões, sempre, ser impugnadas
perante o STF.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O STF rejeitou, em julgamento de ADIN, a alegação de que o CNJ representava
afronta ao pacto federativo, já que não representa controle da União sobre os
Estados, por não se tratar ele de órgão da União, e sim de órgão do Poder
Judiciário Nacional (já visto em julgado acima colacionado).
O STF reconheceu também o PODER NORMATIVO PRIMÁRIO do CNJ para
regulamentar as matérias que lhe são afetas.

6.5.2.3.2. Atribuições do CNJ


São atribuições do CNJ:
Art. 103-B [...]
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe,
além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
Fazer o controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais significa
fazer uma fiscalização sobre as atividades administrativas dos tribunais, ou seja,
na sua organização, produção de atos administrativos. Então,
exemplificativamente, naqueles tribunais em que ainda não se adotou
determinada postura tida como indispensável à eficiência da justiça, por exemplo,
a implantação do processo virtual, é possível que o CNJ insira mecanismos
ordenando ao tribunal de justiça que produza os atos de adequação desse perfil.
Financeiramente, isso já ocorre através até de medidas normativas, o CNJ tem
feito já o controle, editando algumas resoluções que dispõem, por exemplo, sobre
questões financeiras, a resolução que trata das diárias dos magistrados, e da
resolução que trata dos cargos oficiais.
Nos dois casos o CNJ regulamentou patamares de gastos com diárias e as formas
pelas quais as diárias dos magistrados são concedidas e os valores a serem pagos.
E também dispôs sobre a forma desse direito e o uso desse direito. Então, essas
determinações, embora genéricas e aplicadas a todos os tribunais através de
Resoluções, acabam impondo uma alteração nas disposições financeiras dos
tribunais. E o CNJ tem legitimidade constitucional, inclusive, para invadir outras
esferas de gastos dos tribunais, readequando-os ao principio da eficiência e da
moralidade administrativa.
É possível que não só de forma genérica através de resoluções seja feita, mas
concretamente através de atos de fiscalização in loco. Como assim? Talvez vocês

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


já tenham ouvido falar que o corregedor nacional de justiça tenha feito inspeções
nos tribunais, e não raras vezes essa inspeções resultam em determinações e até
apuração de faltas funcionais dos magistrados, quando não dos desembargadores.
É exatamente nesse momento de inspeções que a equipe do corregedor nacional
de justiça se desloca de Brasília e vai até o estado, e lá tem amplíssimos poderes
para inspecionar todo o tribunal. Isso significa que eles têm, pelo regimento
interno, inclusive, poderes para ter acesso a todos os órgãos, todos os
departamentos e repartições do tribunal, e assim fazendo, examinarão livros,
examinarão despesas realizadas, gastos, contas, enfim uma farão auditoria
financeira e administrativa e poderá resultar eventualmente na punição de
alguma prática irregular.
Sobre o tema:
“A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz
respeito ao controle ‘do cumprimento dos deveres funcionais
dos juízes’ (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à
imparcialidade jurisdicional.
Representa expressiva conquista do Estado democrático de
direito, a consciência de que mecanismos de
responsabilização dos juízes por inobservância das
obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa
prestação jurisdicional. (...).
Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos
orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque
praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo
eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (...).
Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos
internos a que se confinava o controle dos deveres funcionais
dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de
curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: ‘o privilégio da
substancial irresponsabilidade do magistrado não pode
constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em
troca da independência dos seus juízes’. (...).
TEM-SE, PORTANTO, DE RECONHECER, COMO
IMPERATIVO DO REGIME REPUBLICANO E DA PRÓPRIA
INTEIREZA E SERVENTIA DA FUNÇÃO, A NECESSIDADE DE
CONVÍVIO PERMANENTE ENTRE A INDEPENDÊNCIA
JURISDICIONAL E INSTRUMENTOS DE
RESPONSABILIZAÇÃO DOS JUÍZES QUE NÃO SEJAM
APENAS FORMAIS, MAS QUE CUMPRAM, COM

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


EFETIVIDADE, O ELEVADO PAPEL QUE SE LHES PREDICA.
(...).” (grifei) (STF, MS 28.801/DF)
i. Zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo
cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir
atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências;
Como o CNJ zela pela atuação do Poder Judiciário? Em primeiro lugar, o STF,
nos termos da LOMAM, sempre zelou pela autonomia do Poder Judiciário. Então
o órgão que sempre zelou pela autonomia do Poder Judiciário nos termos da
LOMAN sempre foi o STF, inclusive quando não há repasse de verbas
orçamentárias é o STF que gerencia essa situação.
Agora a CR inova e estabelece também o CNJ para zelar por essa autonomia. E
zelar por essa autonomia significa tomar providencias necessárias para que o
Poder Judiciário exercite a sua atividade com plena independência funcional, ou
seja, que o Poder Judiciário, os órgãos do Poder Judiciário, os juízes, exerçam a sua
atividade com plena independência, esse é o sentido da expressão zelar pela
autonomia. E essa independência vai desde uma interferência indevida no
julgamento dos magistrados, o que pode ferir essa independência, por exemplo
pode haver uma tentativa de interferência política nas decisões judiciais, o que é
muito grave, ou pode ter uma tentativa de interferência na decisões judiciais até
por ato de membros do próprio Poder Judiciário, o que também é gravíssimo, e
isso merece uma imediata correção. E finalmente pode haver uma interferência
na supressão de verbas orçamentárias, daí porque é legitimo ao CNJ gestionar
com os demais poderes da federação para que se busque um ajuste orçamentário,
um diálogo entre o CNJ e as demais instituições para que se atinja um ajuste
orçamentário indispensável para que o Poder Judiciário possa aprimorar suas
atividades.
Outra atribuição é o cumprimento do estatuto da magistratura. O estatuto da
magistratura é iniciativa do Supremo, por lei complementar e o CNJ vela por seu
cumprimento. Mas é só o CNJ que vela pelo cumprimento do estatuto da
magistratura? Não, velam pelo comprimento do estatuto da magistratura o
magistrado, as corregedorias, os tribunais e o CNJ. Agora, as repercussões de
ordem financeira e administrativa terão a fiscalização hierárquica superior do
CNJ.
Outra atribuição do CNJ e que fundamenta vários de seus atos é a expedição de
atos regulamentares. Exemplos de atos regulamentares: resoluções,
recomendações e instruções. O ato regulamentatorio do CNJ segue a mesma
linha dos atos regulamentares do direito administrativo. Não há possibilidade,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


portanto, de que o CNJ edite atos regulamentares autônomos, não é possível que
o CNJ edite atos regulamentares sem embasamento legal, criando normas no
ordenamento jurídico, porque a mesma regra dos atos administrativos para os
atos regulamentares da administração se aplicam ao CNJ. Então como conclusão
direta que podemos fazer, O CNJ NÃO EDITA REGULAMENTOS AUTÔNOMOS.
Então essa regulamentação do CNJ deve ser para esclarecer, para disciplinar a
própria legislação existente, as regulamentações não poderão violar a legislação.
a) Resolução: ato do CNJ que objetiva encaminhar orientações de caráter
normativo geral e abstratos, para os tribunais e todos os órgãos
jurisdicionais. A resolução, portanto, tem caráter geral, genérico, abstrato e
dirigida a todos os órgãos do Poder Judiciário, como a resolução para
concurso público de ingresso na magistratura e tantas outras.
b) Recomendações: orientações destinadas a todos os órgãos jurisdicionais ou
para alguns especificamente. O conselho faz recomendação dirigida a todos
os tribunais, como é a recomendação número 24 do CNJ que dispõe sobre o
aceleramento dos processo criminais que tratam matéria de júri. Todos os
tribunais vão obedecer àquela recomendação específica naquela área.
Como pode também haver uma recomendação de caráter individual,
destinado a um tribunal específico, por exemplo a que se destina a
determinada área, ou magistrado, para que passe a observar determinada
atitude, determinada conduta.
c) Instrução: objetiva normatizar uma conduta, um comportamento dos
órgãos jurisdicionais ou auxiliares descrevendo os procedimentos a serem
adotados. então, não é simplesmente uma exortação genérica, é uma
regulamentação dos procedimentos que vão ser adotados pelos órgãos do
Poder Judiciário, inclusive pelos órgãos auxiliares. Então, a descrição do
procedimento, como se conduz o comportamento daqueles órgãos do Poder
Judiciário.
Sobre a recomendação de providências:
É válida a determinação do CNJ que estabeleceu ser
necessário o registro no BACEN JUD por parte dos
magistrados, para que efetuem a penhora online. No caso,
o impetrante, juiz federal, sustentava, em síntese, que o ato
apontado como coator implicaria afronta à independência
funcional; significaria desvio da principal função dos juízes, a
julgadora, de modo a reduzi-los a simples meirinhos. O CNJ
poderia instituir condutas e impor a toda magistratura
nacional o cumprimento de obrigações de essência

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


puramente administrativa, como a que determinaria aos
magistrados a inscrição em cadastros ou sítios eletrônicos
com finalidades estatística e fiscalizatória ou, para
materializar ato processual. Destacou-se que a inscrição no
BACEN JUD, sem qualquer cunho jurisdicional, preservaria a
liberdade de convicção para praticar atos processuais
essenciais ao processamento dos feitos de sua competência,
bem como julgá-los segundo o princípio da persuasão racional,
adotado pelo direito processual pátrio. Esse cadastro
permitiria ao magistrado optar pela utilização dessa
ferramenta quando praticasse certo ato processual e,
logicamente, se esse fosse o seu entendimento jurídico. MS
27621/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Ricardo
Lewandowski, 7.12.2011
Continuando.
ii. Zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou
mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos
praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário,
podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da
lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da
União;
O CNJ zela pelo artigo 37, caput da CR, ou seja, pelos princípios
administrativos; isso é importantíssimo, porque, além da publicidade,
legalidade, impessoalidade e eficiência, ainda o CNJ deve primar pelo principio da
moralidade, e esse principio da moralidade é amplíssimo, de tal forma que esse
controle causou a maior discussão entre os tribunais. Exemplo: há um caso no STF
no qual o CNJ anulou um concurso público para ingresso na carreira da
magistratura em determinado estado da federação, sob o fundamento de que dois
candidatos aprovados, seriam do corpo de assessores de desembargadores que
participaram da banca examinadora, então, por esse fato exclusivo, eles anularam
o concurso. Vejam, se os aprovados, eram assessores dos desembargadores, e os
desembargadores estavam na banca examinadora, então houve um pressuposto
de que houve quebra da moralidade administrativa. O STF em mandado de
segurança desconstituiu a decisão do CNJ por entender que a má-fé e a ausência
de impessoalidade não pode ser presumida, deve ser demonstrada, então, não há
nenhuma conotação de caráter moral por parte de alguém que seja assessor de
desembargador e seja aprovado, mesmo que esse desembargador seja
componente da banca. Há necessidade de demonstrar concretamente se houve
influencia ou não, e ainda foram citados vários precedente no STF nesse sentido.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Então, o CNJ também examina essas questões e tem se manifestado sobre
anulação de editais de concurso, anulação de editais para contratação pelos
tribunais, tem também se manifestado sobre provimento de cargos na área de
foro judicial e extrajudicial, sobre a oficialização da serventia, sobre a privatização
dos agentes delegados, todas as atividade abrangidas pelos princípios
administrativos.
Uma discussão que se travou no STF, embora a CR deixe claro foi o seguinte: o CNJ
pode, de oficio, fazer o controle de legalidade dos atos administrativos dos
tribunais? Ou há necessidade de uma provocação? Embora a CR deixe claro nesse
sentido, há possibilidade de que seja feito de oficio, o STF reafirmou essa
possibilidade. Isso foi inclusive decidido da ADI 4.638, abaixo comentada.
iii. Receber e conhecer das reclamações contra membros ou
órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços
auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação do poder
público ou oficializados, sem prejuízo da competência
disciplinar e correicional dos tribunais, PODENDO AVOCAR
PROCESSOS DISCIPLINARES EM CURSO E DETERMINAR A
REMOÇÃO, A DISPONIBILIDADE OU A APOSENTADORIA
COM SUBSÍDIOS OU PROVENTOS PROPORCIONAIS AO
TEMPO DE SERVIÇO E APLICAR OUTRAS SANÇÕES
ADMINISTRATIVAS, ASSEGURADA AMPLA DEFESA;
O que é essa avocação de processo e como ela ocorre está no regimento interno
do CNJ. A avocação se dá tanto de oficio, por iniciativa das partes, ou até por
provocação do PGR. Isso vai significar um interesse público em que o CNJ examine
aquela matéria que está sendo tratada. A necessidade de busca, de atração desses
autos, faz com que o CNJ decida, ao invés de deixar que o tribunal se manifeste
sobre aquele assunto. Como é que provoca isso? Como se processa a avocatória?
Uma vez provocada a avocação, ou seja de oficio, seja por provocação do PGR ou
da parte, esse pedido de avocação será dirigido ao plenário do CNJ, e o
plenário julga se haverá ou não caso de avocação. Não sendo caso de avocação
é arquivado e sendo caso de avocação, há uma comunicação direta e formal ao
tribunal e a requisição dos autos que passarão a ter trâmite perante o CNJ. É o
próprio CNJ que avoca de plenário e depois é o próprio CNJ pelo plenário que vai
julgar o processo que foi avocado.
Sobre essa competência, O STF JÁ A COMPLEMENTOU, DIZENDO TER O CNJ
TAMBÉM PODERES PARA OBSTAR PROCESSAMENTO DE SINDICÂNCIA EM
SEDE INFERIOR, COM BASE NA TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS:

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


CNJ: dispensa de sindicância e interceptação telefônica – 2
A Min. Ellen Gracie, relatora, denegou o writ. Preliminarmente,
reconheceu a competência do STF para o exame da matéria e
a possibilidade de o Presidente do CNJ delegar a sua atribuição
de presidir as sessões plenárias e de se licenciar (RICNJ,
artigos 3º, 4º, III, IV, XXVI, 5º, 6º, IV e 23, I). Acrescentou,
inclusive, recente alteração regimental para permitir ao Vice-
Presidente do Supremo substituir o Presidente do CNJ.
Ressaltou, todavia, que na época do julgamento da reclamação
disciplinar a regra ainda não estaria em vigor. No mérito,
aduziu competir ao CNJ o controle do cumprimento dos
deveres funcionais dos magistrados brasileiros, cabendo-lhe
receber e conhecer de reclamações contra membros do Poder
Judiciário (CR, art. 103-B, § 4 º, III e V). Consignou que, tendo
em conta o princípio da hermenêutica constitucional dos
“poderes implícitos”, se a tal órgão administrativo fora
concedida a faculdade de avocar processos disciplinares
em curso, de igual modo, PODERIA OBSTAR O
PROCESSAMENTO DE SINDICÂNCIA EM TRAMITAÇÃO NO
TRIBUNAL DE ORIGEM, MERO PROCEDIMENTO
PREPARATÓRIO. Ademais, realçou que, no caso, o CNJ
concluíra pela existência de elementos suficientes para a
instauração de processo administrativo disciplinar, com
dispensa da sindicância.
MS 28003/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 16.3.2011. (MS-28003)
CNJ: dispensa de sindicância e interceptação telefônica - 6
No mérito, aduziu-se competir ao CNJ o controle do
cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados
brasileiros, cabendo-lhe receber e conhecer de reclamações
contra membros do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4 º, III e
V). Consignou-se que, TENDO EM CONTA O PRINCÍPIO DA
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DOS “PODERES
IMPLÍCITOS”, SE A ESSE ÓRGÃO ADMINISTRATIVO FORA
CONCEDIDA A FACULDADE DE AVOCAR PROCESSOS
DISCIPLINARES EM CURSO, DE IGUAL MODO, PODERIA
OBSTAR O PROCESSAMENTO DE SINDICÂNCIA EM
TRAMITAÇÃO NO TRIBUNAL DE ORIGEM, MERO
PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO. Ademais, realçou-se que,
no caso, o CNJ concluíra pela existência de elementos
suficientes para a instauração de processo administrativo
disciplinar, com dispensa da sindicância. Rechaçou-se, ainda, a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


alegação de invalidade da primeira interceptação telefônica.
Registrou-se que, na situação em apreço, a autoridade
judiciária competente teria autorizado o aludido
monitoramento dos telefones de outros envolvidos em
supostas irregularidades em execuções de convênios firmados
entre determinada prefeitura e órgãos do governo federal.
Ocorre que a impetrante teria mantido contatos,
principalmente, com o secretário municipal de governo, cujo
número também seria objeto da interceptação. Assim, quando
das degravações das conversas, teriam sido verificadas
condutas da impetrante consideradas, em princípio,
eticamente duvidosas — recebimento de vantagens
provenientes da prefeitura —, o que ensejara a instauração do
processo administrativo disciplinar. Acresceu-se que a
descoberta fortuita ou casual do possível envolvimento da
impetrante não teria o condão de qualificar essa prova como
ilícita. Dessa forma, reputou-se não ser razoável que o CNJ
deixasse de apurar esses fatos apenas porque o objeto da
citada investigação criminal seria diferente das supostas
irregularidades imputadas à impetrante. Discorreu-se,
ademais, não poder o Judiciário, do qual o CNJ seria órgão,
omitir-se no tocante à averiguação de eventuais fatos graves
que dissessem respeito à conduta de seus magistrados, ainda
que colhidos via interceptação de comunicações telefônicas
judicialmente autorizada em inquérito instaurado com o fito
de investigar outras pessoas e fatos diversos. MS 28003/DF,
rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux,
8.2.2012. (MS-28003)
Continuando.
iv. Representar ao Ministério Público, no caso de crime contra
a administração pública ou de abuso de autoridade;
v. Rever, de ofício ou mediante provocação, os processos
disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há
menos de um ano;
Enquanto a avocação é um expediente que se dá em procedimento administrativo
em curso, ele ainda não acabou, a revisão do processo disciplinar se dá em
procedimento disciplinar já encerrado. O procedimento disciplinar já foi
encerrado; o mesmo procedimento adotado na avocação vai ser adotado também
agora na revisão, ou seja, leva ao plenário, o plenário julga, e se julgar procedente

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


o pedido, o processo vai para o CNJ, e depois é inserido em pauta novamente,
depois do relatório, é inserido em pauta novamente e o CNJ poderá não rever a
decisão. Então, primeiro o CNJ decide se é o caso de revisão, e depois ele promove
a revisão ou não.
Uma pergunta que pode ser feita em relação a essa questão é a seguinte: essa
revisão equivale a um recurso administrativo perante o CNJ? A resposta, prevista
no regimento interno do CNJ, é negativa. Nele, há a separação entre a revisão
administrativa disciplinar e recurso administrativo. O recurso administrativo é
contra ato de autoridade do CNJ interposto perante o plenário. E das decisões do
plenário cabe recurso administrativo? Não, o regimento interno do CNJ impede,
ou inviabiliza recurso contra decisão do plenário. Então, não há recurso contra a
decisão do plenário do CNJ, somente de membro isolado do órgão.
O STF tem competência prevista no artigo 102, I, letra r da CR, pela qual as ações
contra o CNJ e o CNMP serão julgadas nele. Evidentemente, entretanto, que tal
competência não de natureza recursal administrativa recursal, cingindo-se
apenas ao controle judicial dos atos administrativos do CNJ.
vi. Elaborar semestralmente relatório estatístico sobre
processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação,
nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
vii. Elaborar relatório anual, propondo as providências que
julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País
e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem
do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao
Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão
legislativa.

6.5.2.3.3. Atuação do PGR e do Presidente do Conselho Federal da OAB


Atuam perante o CNJ o procurador geral da república e o presidente do conselho
federal da ordem dos advogados do Brasil.
A ausência do procurador geral da república ou do presidente da conselho federal
da OAB nas sessões do CNJ é causa de nulidade da sessão ou ato praticado?
Segundo o STF não:
EMENTA: I. Mandado de segurança contra ato do Conselho
Nacional de Justiça: arquivamento de petição que pretendia a
anulação de decisão judicial, por alegado vício processual
atribuído aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça:
indeferimento. 1. Ainda que disponha o art. 103-B, § 6º, da
Constituição Federal que "junto ao Conselho oficiarão o

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Procurador-Geral da República e o Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil", a
ausência destes às sessões do Conselho não importa em
nulidade das mesmas. 2. A dispensa da lavratura do acórdão
(RICNJ, art. 103, § 3º), quando mantido o pronunciamento do
relator da decisão recorrida pelo Plenário, não traduz ausência
de fundamentação: II. Conselho Nacional de Justiça:
competência restrita ao controle de atuação administrativa e
financeira dos órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos.
(MS 25879 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-
00034 EMENT VOL-02246-01 PP-00200 RTJ VOL-00200-01
PP-00110 LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 202-207 RT v. 96, n.
855, 2007, p. 184-186)

6.5.2.3.4. CNJ e o Princípio da Subsidiariedade


MS 28.801/DF
EMENTA: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. JURISDIÇÃO
CENSÓRIA. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
DISCIPLINAR DE MAGISTRADOS. LEGITIMIDADE DA
IMPOSIÇÃO, A ELES, DE SANÇÕES DE ÍNDOLE
ADMINISTRATIVA. A RESPONSABILIDADE DOS JUÍZES:
UMA EXPRESSÃO DO POSTULADO REPUBLICANO. CARÁTER
NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. AUTOGOVERNO DA
MAGISTRATURA: GARANTIA CONSTITUCIONAL DE
CARÁTER OBJETIVO. EXERCÍCIO PRIORITÁRIO, PELOS
TRIBUNAIS EM GERAL, DO PODER DISCIPLINAR QUANTO
AOS SEUS MEMBROS E AOS JUÍZES A ELES VINCULADOS. A
QUESTÃO DAS DELICADAS RELAÇÕES ENTRE A AUTONOMIA
CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS E A JURISDIÇÃO
CENSÓRIA OUTORGADA AO CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICA
ENTRE A PRETENSÃO DE AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS E O
PODER DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA
ESTRUTURA CENTRAL DO APARELHO JUDICIÁRIO.
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMO
REQUISITO LEGITIMADOR DO EXERCÍCIO, PELO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, DE UMA COMPETÊNCIA
COMPLEMENTAR EM MATÉRIA CORRECIONAL, DISCIPLINAR
E ADMINISTRATIVA. PAPEL RELEVANTE, NESSE CONTEXTO,

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


PORQUE HARMONIZADOR DE PRERROGATIVAS
ANTAGÔNICAS, DESEMPENHADO PELA CLÁUSULA DE
SUBSIDIARIEDADE. COMPETÊNCIA DISCIPLINAR E PODER
DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA: EXERCÍCIO, PELO CNJ, QUE PRESSUPÕE, PARA
LEGITIMAR-SE, A OCORRÊNCIA DE SITUAÇÕES ANÔMALAS E
EXCEPCIONAIS REGISTRADAS NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS
EM GERAL (HIPÓTESES DE INÉRCIA, DE SIMULAÇÃO
INVESTIGATÓRIA, DE PROCRASTINAÇÃO INDEVIDA E/OU DE
INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO). PRESENÇA CUMULATIVA, NA
ESPÉCIE, DOS REQUISITOS CONFIGURADORES DA
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO “PERICULUM IN MORA”.
SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA PUNIÇÃO
IMPOSTA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
CONSISTENTE EM APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DO
MAGISTRADO, POR INTERESSE PÚBLICO (CR, ART. 93, VIII,
c/c O ART. 103-B, § 4º, III). MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.
a sujeição dos magistrados às consequências jurídicas de seu
próprio comportamento revela-se inerente e consubstancial
ao regime republicano, que constitui, no plano de nosso
ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões
políticas fundamentais adotadas pelo legislador constituinte
brasileiro.
A forma republicana de Governo, analisada em seus
aspectos conceituais, faz instaurar, portanto, como já o
proclamou esta Suprema Corte (RTJ 170/40-41, Rel. p/ o
acórdão Min. CELSO DE MELLO), um regime de
responsabilidade a que se devem submeter, de modo pleno,
dentre outras autoridades estatais, os magistrados em geral.
O princípio republicano, que outrora constituiu um dos
núcleos imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir
de 1891, não obstante sua plurissignificação conceitual,
consagra, a partir da ideia central que lhe é subjacente, o
dogma de que todos os agentes públicos - os magistrados,
inclusive - são responsáveis perante a lei
Não se questiona, por tal razão, até mesmo em respeito ao
dogma republicano, a possibilidade constitucional de o
Conselho Nacional de Justiça fazer instaurar, em sede
originária, procedimentos disciplinares contra magistrados
locais nem se lhe nega a prerrogativa, igualmente

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


constitucional, de avocar procedimentos de natureza
administrativo-disciplinar.
Impõe-se, contudo, ao Conselho Nacional de Justiça, para
legitimamente desempenhar suas atribuições, que observe,
notadamente quanto ao Poder Judiciário local, a autonomia
político-jurídica que a este é reconhecida e que representa
verdadeira pedra angular (“cornerstone”) caracterizadora do
modelo federal consagrado na Constituição da República.
Não obstante a dimensão nacional em que se projeta o
modelo judiciário vigente em nosso País, não se pode deixar
de reconhecer que os corpos judiciários locais, por
qualificarem-se como coletividades autônomas
institucionalizadas, possuem um núcleo de autogoverno que
lhes é próprio e que, por isso mesmo, constitui expressão de
legítima autonomia que deve ser ordinariamente preservada,
porque, ainda que admissível, é sempre extraordinária a
possibilidade de interferência, neles, de organismos
posicionados na estrutura central do Poder Judiciário
nacional.
É por tal motivo que se pode afirmar que o postulado da
subsidiariedade representa, nesse contexto, um fator de
harmonização e de equilíbrio entre situações que, por
exprimirem estados de polaridade conflitante (pretensão de
autonomia em contraste com tendência centralizadora),
poderão dar causa a grave tensão dialética, tão desgastante
quão igualmente lesiva para os sujeitos e órgãos em relação
de frontal antagonismo.
Em uma palavra: a subsidiariedade, enquanto síntese de
um processo dialético representado por diferenças e tensões
existentes entre elementos contrastantes, constituiria, sob
tal perspectiva, cláusula imanente ao próprio modelo
constitucional positivado em nosso sistema normativo, apta
a propiciar solução de harmonioso convívio entre o
autogoverno da Magistratura e o poder de controle e
fiscalização outorgado ao Conselho Nacional de Justiça.
DISSO RESULTA QUE O EXERCÍCIO, PELO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, DA COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
QUE LHE FOI ATRIBUÍDA DEPENDERIA, PARA LEGITIMAR-
SE, DA ESTRITA OBSERVÂNCIA DO POSTULADO DA
SUBSIDIARIEDADE, DE TAL MODO QUE A ATUAÇÃO DESSE
ÓRGÃO DEVESSE SEMPRE SUPOR, DENTRE OUTRAS

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


SITUAÇÕES ANÔMALAS, (A) A INÉRCIA DOS TRIBUNAIS NA
ADOÇÃO DE MEDIDAS DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVO-
DISCIPLINAR, (B) A SIMULAÇÃO INVESTIGATÓRIA, (C) A
INDEVIDA PROCRASTINAÇÃO NA PRÁTICA DOS ATOS DE
FISCALIZAÇÃO E CONTROLE OU (D) A INCAPACIDADE DE
PROMOVER, COM INDEPENDÊNCIA, PROCEDIMENTOS
ADMINISTRATIVOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A
RESPONSABILIDADE FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS.
Isso significaria que o desempenho da atividade fiscalizadora
(e eventualmente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça
deveria ocorrer somente nos casos em que os Tribunais –
havendo tido a possibilidade de exercerem, eles próprios, a
competência disciplinar e correcional de que se acham
ordinariamente investidos – deixassem de fazê-lo (inércia) ou
pretextassem fazê-lo (simulação) ou demonstrassem
incapacidade de fazê-lo (falta de independência) ou, ainda,
dentre outros comportamentos evasivos, protelassem, sem
justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida).

6.5.2.3.5. A ADI 4638 e a Tentativa de Esvaziar os Poderes Investigatórios do CNJ


Premissas extraídas dos informativos 653 e 654. No julgamento, houve a análise
do referendo ou não da medida cautelar que havia sido deferida pelo Ministro
Marco Aurélio para acabar sustar poderes do CNJ.
1. O CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário, mas não é órgão jurisdicional e
não intervém na atividade judicante.
2. Este conselho possuiria, à primeira vista, caráter eminentemente
administrativo e não disporia de competência para, mediante atuação
colegiada ou monocrática, reexaminar atos de conteúdo jurisdicional,
formalizados por magistrados ou tribunais do país.
3. Embora os magistrados respondam disciplinarmente por ato caracterizador de
abuso de autoridade, a eles não se aplicariam as penas administrativas versadas
na Lei nº 4.898/65, porquanto submetidos à disciplina especial derrogatória, qual
seja, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman. Ela estabelece, em
preceitos exaustivos, os deveres e as penalidades impostos aos juízes.
4. O respeito ao Poder Judiciário não poderia ser obtido por meio de blindagem
destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão sancionador, o que
seria incompatível com a liberdade de informação e com a ideia de democracia.
Ademais, o sigilo imposto com o objetivo de proteger a honra dos magistrados
contribuiria para um ambiente de suspeição e não para a credibilidade da

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


magistratura, pois nada mais conducente à aquisição de confiança do povo do que
a transparência e a força do melhor argumento. Nesse sentido, a Loman, ao
determinar a imposição de penas em caráter sigiloso, ficara suplantada pela
Constituição. Asseverou-se que a modificação trazida no art. 93, IX e X, da CF pela
EC 45/2004 assegurara a observância do princípio da publicidade no exercício da
atividade judiciária, inclusive nos processos disciplinares instaurados contra
juízes, permitindo-se, entretanto, a realização de sessões reservadas em casos de
garantia ao direito à intimidade, mediante fundamentação específica.
5. O CNJ poderia exigir informações acerca do andamento de processos
disciplinares em curso nos tribunais, mas não caberia ao órgão definir quem
seria a autoridade responsável pelo envio dos dados, sob pena de
contrariedade aos artigos 96, I, e 99 da CF.
5. O Plenário, por maioria, negou referendo à liminar contra o art. 12 da Resolução
135/11, e MANTEVE A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA E CONCORRENTE DO CNJ
PARA INSTAURAR PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES
APLICÁVEIS A MAGISTRADOS. Não se pode conferir poder meramente
subsidiário a órgão hierarquicamente superior, que teria a prerrogativa de tomar
para si decisões que, em princípio, deveriam ser tomadas por órgãos
hierarquicamente inferiores. Ademais, o aludido órgão superior teria o poder de
agir de ofício, em campo de atuação em princípio demarcado para a atividade de
órgão inferior, de modo que jamais se poderia entender que a competência
daquele seria subsidiária, salvo sob mandamento normativo expresso.
6. O CNJ não teria sido criado para substituir as corregedorias, mas deveria trazer
à luz da nação os casos mais relevantes, bem como decidir quais processos
deveriam permanecer nos tribunais locais. Ressurtiu que se estaria a defender a
possibilidade de ampliação da atividade do CNJ, sem, entretanto, retirar a
autonomia dos tribunais.
7. A cautelar de afastamento do magistrado do cargo previsto no art. 15, § 1º44, da
Resolução, que havia sido suspenso pela cautelar, teve suspensão referendada
pelo colegiado sob o argumento de que “eventual restrição às garantias da
inamovibilidade e da vitaliciedade exigiria a edição de lei em sentido formal e
material, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo”.

6.5.2.3.6. Ações Judiciais em Face do CNJ


O art. 102, II, r, da CR/88 estabelece que compete originariamente ao STF julgar:

44
O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da
instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração
disciplinar.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o
Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
Qual o âmbito desse competência do STF? O STF somente admite analisar
judicialmente atos do CNJ, ações contra esse órgão, mas não examina a
conduta individual de cada conselheiro. Isso tem uma repercussão importante.
Quando o conselheiro pratica um ato em nome do conselho nacional de justiça, o
ato é do CNJ, então é passível de exame, mas o ato propriamente dito do
conselheiro estaria sujeito a alguma espécie de impugnação, não como órgão CNJ,
mas como Conselheiro? Perante o STF não:
EMENTA: Competência originária do Supremo Tribunal para
as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o
Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 102, I, r, com
a redação da EC 45/04): inteligência: não inclusão da ação
popular, ainda quando nela se vise à declaração de nulidade do
ato de qualquer um dos conselhos nela referidos. 1. Tratando-
se de ação popular, o Supremo Tribunal Federal - com as
únicas ressalvas da incidência da alínea n do art. 102, I, da
Constituição ou de a lide substantivar conflito entre a União e
Estado-membro -, jamais admitiu a própria competência
originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para
processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente
reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo
ato questionado a dignitário individual - a exemplo do
Presidente da República - ou a membro ou membros de órgão
colegiado de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na
esfera cível - como sucede no mandado de segurança - ou na
esfera penal - como ocorre na ação penal originária ou no
habeas corpus - estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição.
2. Essa não é a hipótese dos integrantes do Conselho Nacional
de Justiça ou do Conselho Nacional do Ministério Público: O
QUE A CONSTITUIÇÃO, COM A EC 45/04, INSERIU NA
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FORAM AS AÇÕES CONTRA OS RESPECTIVOS COLEGIADO,
E NÃO, AQUELAS EM QUE SE QUESTIONE A

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


RESPONSABILIDADE PESSOAL DE UM OU MAIS DOS
CONSELHEIROS, como seria de dar-se na ação popular.
(Pet 3674 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2006, DJ 19-12-2006 PP-
00037 EMENT VOL-02261-04 PP-00856 RT v. 96, n. 860,
2007, p. 170-174)
Basicamente o STF admite três espécie de impugnação contra ato do CNJ perante
ele:
a) Ação anulatória de atos administrativos: é possível ingressar com ação
anulatória de ato administrativo perante o STF para anular o ato
administrativo do CNJ. Essa ação anulatória é regida pelo procedimento
comum ordinário, e é possível até a concessão de tutela antecipatória, nos
termos do artigo 273 do CPC, mas até agora não foi utilizado porque é muito
lenta, e muitas vezes os atos administrativos praticados pelo CNJ produzem
efeitos imediatos.
b) Mandado de Segurança: é o instrumento mais utilizado contra ato do CNJ,
como por exemplo, aquela decisão liminar concedida pelo conselheiro, ele
é sorteado como relator, se manifesta liminarmente, e aí então se impetra
mandado de segurança contra essa decisão.
c) Ação direita de inconstitucionalidade: admitida por várias vezes perante a
Corte. Exemplo:
EMENTA: MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto
remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os
membros da magistratura federal e estadual.
Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário.
Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da
igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art.
37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do
art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, § único, da
Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça.
Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto
vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam
inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho
Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios
diferenciados para os membros da magistratura estadual e os
da federal.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


(ADI 3854 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal
Pleno, julgado em 28/02/2007, DJe-047 DIVULG 28-06-2007
PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00022 EMENT VOL-
02282-04 PP-00723 RTJ VOL-00203-01 PP-00184)
Atos do CNJ que produzem efeito gerais, abstratos, com conteúdo normativo
e vinculativo têm sido contestados via ADIN. Atos que produzem efeitos
concretos, mais individualizados, têm sido impugnados via MS.
É possível ao relator do CNJ produzir uma decisão em caráter liminar? Existe
tal previsão no regimento interno do CNJ, que permite ao relator, nos casos de
urgência, conceder provimento liminar. O STF, no entanto, já cassou decisão dessa
espécie, já que não tem atividade jurisdicional e, portanto, não poderia de forma
alguma conceder liminar, porque a liminar é uma figura de jurisdição.
Não cabe ação civil pública nem ação popular para atacar ato do CNJ:
EMENTA: Competência originária do Supremo Tribunal
para as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e
contra o Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art.
102, I, r, com a redação da EC 45/04): inteligência: não
inclusão da ação popular, ainda quando nela se vise à
declaração de nulidade do ato de qualquer um dos
conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o
Supremo Tribunal Federal - com as únicas ressalvas da
incidência da alínea n do art. 102, I, da Constituição ou de a lide
substantivar conflito entre a União e Estado-membro -, jamais
admitiu a própria competência originária: ao contrário, a
incompetência do Tribunal para processar e julgar a ação
popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando
se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a
dignitário individual - a exemplo do Presidente da República -
ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos
poderes do Estado cujos atos, na esfera cível - como sucede no
mandado de segurança - ou na esfera penal - como ocorre na
ação penal originária ou no habeas corpus - estejam sujeitos
diretamente à sua jurisdição. [...].
(Pet 3674 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2006, DJ 19-12-2006 PP-
00037 EMENT VOL-02261-04 PP-00856 RT v. 96, n. 860,
2007, p. 170-174)

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


EMENTA: PETIÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA DECISÃO
DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INCOMPETÊNCIA, EM
SEDE ORIGINÁRIA, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. I- Nos
termos do art. 102 e incisos da Magna Carta, esta Suprema
Corte não detém competência originária para processar e
julgar ações civis públicas. II - Precedentes. III - Agravo
desprovido.
(Pet 3986 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2008, DJe-167 DIVULG 04-
09-2008 PUBLIC 05-09-2008 EMENT VOL-02331-01 PP-
00032)
O juiz de primeiro grau pode examinar, subtrair os efeitos, reconhecer a
inconstitucionalidade incidenter tantum dos atos praticados pelo CNJ?
Dispõe o artigo 106 do regimento interno do CNJ:
Art. 106. As decisões judiciais que contrariarem as decisões do
CNJ não produzirão efeitos em relação a estas, salvo se
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Esse artigo dispõe que o artigo 102, I, r da CR, estabeleceu como único orgão
passível de exame dos atos do CNJ o STF. Entretanto, quer me parecer que há que
se analisar a compatibilidade desse artigo à luz do nosso sistema de controle de
constitucionalidade, no qual não só o STF faz controle de constitucionalidade via
concentrada, mas é dado aos magistrados em geral fazer o controle de
constitucionalidade via difusa. Penso que tal disposição do regimento interno é
altamente inconstitucional, por subtrair a ampla legitimidade jurisdicional de
exercício de tal controle.
Para finalizar esse tópico, certo é que o CNJ é órgão da União. Assim, praticamente
só se permite, em se tratando de ações de caráter subjetivo, MS em face de seus
atos. Caso o sujeito queria impugnar, por exemplo, um ato interno, de gestão, do
CNJ praticado em uma licitação sem ser pela via do MS, deverá ajuizar ação
ordinária em face da União, já que é este o ente que possui personalidade
judiciária.

6.5.2.3.7. Colaboração do CNJ para o Aprimoramento do Judiciário


Além das funções corretivas e punitivas, que buscam preservar o Poder Judiciário
como um todo (banir a “banda podre”, como dizia a Min. Eliana Calmon), duas
atribuições constitucionais caminham no sentido de aprimorar a jurisdição.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A apresentação de relatórios anuais e a apresentação de relatórios estatísticos. A
Constituição foi bem clara ao estabelecer, primeiro, que o Poder Judiciário deve
passar por um novo patamar de organização administrativa.
Nas organizações administrativas há os chamados índices de desempenho,
indicadores de desempenho. O indicador utilizado na administração em geral, seja
na administração privada ou na administração publica, decorre de uma análise
estatística de comportamento dos agentes que estão sendo analisados. Isso é
importantíssimo que se saiba. O Poder Judiciário hoje é um poder que
trabalha com estatística, o que não era feito antes das alterações da EC 45.
Esse mapeamento estatístico só ficou obrigatório na CR com a alteração da EC 45.
Significa que o CNJ tem que produzir dados estatísticos do desempenho do
Poder Judiciário. Isso o CNJ está fazendo, inicialmente de uma forma mais
rudimentar e hoje está se especializando mais ainda. E muito recentemente foi
lançado pelo CNJ um concurso de estatística dos tribunais, então hoje o próprio
CNJ através desse concurso está compilando, está colhendo através desse
concurso a pratica de estatística nos tribunais.
Além desse critério estatístico, o Poder Judiciário também pode auxiliar no
aprimoramento do Poder Judiciário com seus relatórios anuais. O que são
relatórios anuais? O CNJ após análise do desempenho dos tribunais, após análise
dos dados advindos de diversos grupos de estudos que o compõem, elaborou
estudos específicos sobre determinadas áreas da atividade jurisdicional.
Após esses levantamentos ele faz um relatório anual e apresenta esses relatórios
para o presidente do STF, inclusive propondo alterações legislativas ao congresso
nacional, para que haja um melhor aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Esse é
talvez o instrumento mais importante para a restauração democrática do
Poder Judiciário na atualidade. Essa remessa ao STF com a propositura de
soluções, se feita de uma forma profissional, de uma forma administrativa,
uma visão de conjunto, é possível que distorções sejam eliminadas através
de soluções legislativas. Então, talvez esse seja o maior atributo que o CNJ possa
proporcionar ao Poder Judiciário. E é isso que o Poder Judiciário tem esperado do
CNJ. ou seja, quais são os problemas e quais são as soluções.

39. 6.6. Responsabilidade Administrativa, Civil e Penal dos Magistrados


6.6.1. Responsabilidade Criminal do Magistrado
O magistrado, no uso das suas atribuições legais e no exercício das suas funções
judicantes, pode acabar praticando ilícitos, e esses ilícitos podem ser civis,
administrativos e criminais, simultaneamente, ou só uma repercussão

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


administrativa ou uma repercussão criminal que reverbera na responsabilidade
administrativa.
Linhas gerais vigora o principio pelo qual há uma independência das instancias
administrativas, civil e penal, ou seja, a esfera criminal é conduzida através do
processo criminal, independentemente da esfera administrativa e também
independemente da esfera civil. Mas pode ocorrer algumas situações em que a
decisão na esfera criminal repercuta na decisão da esfera civil e na esfera
administrativa, por exemplo, quando o juiz é absolvido por inexistência do fato ou
por provada a não autoria.
Então, mesmo que haja uma condenação no nível administrativo essa condenação
perde os efeitos em função da decisão na esfera criminal. Essa é a lógica para os
atos administrativos em geral. Logo, em que pese vigorar o princípio da
independência das instâncias, poderá haver uma comunicação com a prevalência
do sistema processual penal.
Como funciona a responsabilidade criminal do magistrado? Com a notícia da
prática de um crime por um juiz federal, a investigação deverá ser presidida pelo
Tribunal Regional Federal. Não pode a Polícia Federal, muito menos a militar,
desenvolver todo o procedimento preliminar à sorrelfa do TRF, sob pena de
absoluta nulidade do inquérito e das provas nele produzidas, que serão
inservíveis. Art. 33, p. único da LOMAN:
Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
[...]
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver
indício da prática de crime por parte do magistrado, a
autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos
autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o
julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
Porque disso? Porque a competência para o julgamento do magistrado é do
tribunal ao qual ele está vinculado; se for desembargador, STJ. Logo, com a
prática do crime, a autoridade responsável pela condução das investigações
é o próprio tribunal, daí porque esses elementos de convicção devem ser
encaminhados ao tribunal para que prossiga ali a investigação.
O Tribunal evidentemente não irá promover atos de polícia. Ele presidirá a
instrução prévia, promovendo o controle das diligências e podendo eventual e
subsidiariamente requisitá-las, sempre com a participação de um Procurador-
Regional da República, que é o titular da ação penal pública.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Pelo mesmo motivo citado no parágrafo anterior, evidentemente que o MPF não
precisará de aguardar nenhum procedimento investigatório caso já possua
elementos de convição suficientes para a propositura da ação penal, eis que
dispensável e instrumental o inquérito originário.
Ademais, é possível ao Tribunal avocar o inquérito policial para preservar a sua
competência. Logo, se o magistrado estiver sendo investigado perante o MPF ou
mesmo perante a autoridade policial e esses autos não foram remetidos ao TRF, é
possível o requerimento ao TRF para que avoque.
E a prisão do magistrado, quando pode ocorrer? A prisão em flagrante somente é
permitida para crimes inafiançáveis.:
Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
[...]
II - não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do
órgão especal competente para o julgamento, salvo em
flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará
imediata comunicação e apresentação do magistrado ao
Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);
Então o juiz só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável, se não for por
ordem do tribunal. Nenhum juiz pode ser preso em flagrante a não ser que o crime
seja inafiançável. Agora a autoridade que prender em flagrante fará a
apresentação do magistrado ao presidente do tribunal a que ele esteja vinculado,
ou seja, se prendeu em flagrante, a comunicação e apresentação do magistrado é
imediata.
Quais são os crimes que não permitem a fiança?
NÃO CABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR DE FIANÇA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Racismo
Tortura
Tráfico de entorpecentes
Terrorismo
Crimes hediondos
Ação de grupo armado contra o Estado Democrático de Direito

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Assim, fora desses casos, inexiste a hipótese de flagrante por parte da autoridade
policial. Qualquer prisão cautelar de magistrado somente poderá ser decretada
pelo próprio Tribunal.
O magistrado preso em flagrante ficará à disposição do presidente do tribunal,
jamais à disposição da autoridade policial.
Logo: PRISÃO DE MAGISTRADO: POR FLAGRANTE DE CRIME INAFIANÇÁVEL
OU POR ORDEM ESCRITA DO TRIBUNAL.
Daí em diante o processo criminal contra o magistrado vai ter seu curso normal
que teria qualquer processo criminal perante o tribunal, vai ter a deliberação
sobre o recebimento da denuncia, o sorteio do relator, instrução processual e
julgamento colegiado.
6.6.2. Responsabilidade Civil do Magistrado
Dentro de responsabilidade civil do magistrado, alguns pontos importantes temos
que tocar. A primeira regra sobre a responsabilidade civil do magistrado está no
artigo 133 do CPC:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência
que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses
previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do
escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este
não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.
No caso de dolo ou fraude não há necessidade desse requerimento, mas no caso
desse retardamento de ato de ofício há.
Nesse caso, havendo recusa ou retardamento, o juiz responde pessoalmente pelo
dano causado à parte? Ele tem responsabilidade civil direta? Não, o juiz não
reponde pessoalmente, quem responde é o Estado, é uma responsabilidade
objetiva, nos termos do art. 37, § 6º da CR, cabendo ao Estado eventual ação
regressiva com a prova do elemento subjetivo.
Há uma espécie de RESPONSABILIDADE CIVIL ENVOLVENDO ATIVIDADE
JURISDICIONAL PREVISTA DIRETAMENTE NA CONSTITUIÇÃO, o chamado
erro judiciário, artigo 5º, LXV. A CR dispõe que é possível a indenização por erro
judiciário e naquelas hipóteses em que o réu ficar preso além do limite
estabelecido na sentença.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário,
assim como o que ficar preso além do tempo fixado na
sentença;
Em ambos os casos a responsabilidade será objetiva, é o Estado quem responde,
não o juiz.
Mais simples é o caso do excesso de prazo na prisão além do fixado na sentença.
A jurisprudência reconhece essa decisão de indenização, porque se a sentença
estabeleceu que ele fique 2 anos preso, e ele ficar 2 anos e 6 meses, portanto tem
que ser indenizado. Então nessa hipótese a responsabilidade objetiva do estado é
indiscutível, todos tribunais superiores adotam plenamente a possibilidade de
indenização nessa hipótese.
Vide:
EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do
Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de
condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão
preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à
indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além
do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já
era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso
de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração,
quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu.
2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos
subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco
administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a
partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a
irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição,
estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia
individual e, manifestamente, não a submete à exigência de
dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da
Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a
lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que
venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de
evidente falta objetiva do serviço público da Justiça.
(RE 505393, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Primeira Turma, julgado em 26/06/2007, DJe-117 DIVULG
04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00025
EMENT VOL-02292-04 PP-00717 LEXSTF v. 29, n. 346, 2007,
p. 296-310 RT v. 97, n. 868, 2008, p. 161-168 RDDP n. 57, 2007,
p. 112-119)
O problema maior está no erro judiciário, porque afinal de contas o que é o erro
judiciário? Há alguns precedentes do STF falando que o Estado não responde por
erro judiciário quando se tratar de atividade jurisdicional estrito sensu. O que é
atividade estrito sensu? É a atividade do magistrado normal de jurisdição, por
exemplo, quando ele condena na sentença, quando o acórdão mantém a sentença,
quando o juiz absolve e o acórdão condena, quando o juiz conduz o procedimento
da forma que dever ser conduzido, tudo isso aqui não é passível de indenização,
ou seja, a atividade jurisdicional em si não é passível de indenização. Se fosse
possível nos teríamos a seguinte situação: se o juiz condenasse, fosse decretada a
preventiva e o tribunal absolvesse, haveria indenização. Isso não pode porque a
prisão provisória decorreu de uma atividade tipicamente jurisdicional. Isso não é
erro judicial. Exemplo:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PEDIDO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO
TEMPORÁRIA. RESPONSABILIDADE DO ESTADO.
INOCORRÊNCIA. 1. O autor pretende a responsabilização civil
da União pelo pagamento de reparação de danos morais e
materiais, por ter sido preso de forma, supostamente, ilegal e
arbitrária. 2. O erro judiciário a que alude o inciso LXXV
pressupõe que o ato judicial seja eivado de ilegalidade,
abuso ou arbitrariedade por parte do agente estatal. 3. O
Supremo Tribunal Federal entendeu que •o decreto
judicial de prisão preventiva, quando suficientemente
fundamentado e obediente aos pressupostos que o
autorizam, não se confunde com o erro judiciário a que
alude o inciso LXXV do art. 5 da Constituição da República,
mesmo que o réu ao final do processo venha a ser
absolvido ou tenha a sua sentença condenatória
reformada na instância superior– – (RE 429518 SC, AG.REG.
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Órgão julgador: Segunda
Turma, Relator: Ministro Carlos Velloso, Fonte: DJ de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


28/10/2004). 4. Não se vislumbra no procedimento de
constrição da liberdade do autor qualquer vício que
padeça de indenização. Os atos foram procedidos dentro
das formalidades cabíveis e havia, na ocasião da prisão do
autor, certeza do crime e indícios de autoria conforme
descrito nas Informações da Divisão de Auditoria da
Corregedoria Geral da Receita Federal (fls.133/169) e na
Representação formulada pelo Delegado da Polícia
Federal (fls. 112/131) que deflagrou a prisão. 5. Não se
pode cogitar, portanto, de reconhecimento de
responsabilidade civil do Estado, decorrente de ato
judicial revestido de legalidade, tão somente pela
posterior decretação de inocência do sujeito. 6. Desta
forma, se havia indícios suficientes da autoria e materialidade
delitiva no momento da decretação da prisão do investigado, a
sua posterior revogação por ausência de provas, não torna o
ato judicial ilegal ou abusivo de forma a gerar reparação civil
por danos morais e materiais. 7. A despeito da grande
repercussão do caso PROPINODUTO II na mídia, colocando em
risco a integridade da vida privada e a honra dos envolvidos, o
autor, detentor do ônus da prova, não logrou demonstrar a
existência de excesso ou abuso de autoridade, bem como de
qualquer vício na decretação da prisão temporária, razão pela
qual não restam configurados os pressupostos da
responsabilidade civil objetiva do Estado. 8. Recurso
conhecido e desprovido.
(TRF2, AC 200651010228720, Desembargador Federal JOSE
ANTONIO LISBOA NEIVA, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-
DJF2R - Data::30/03/2011 - Página::410/411.)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RECEBIMENTO DE
DENÚNCIA. AÇÃO PENAL EM CURSO. EVENTUAIS MEDIDAS
EM DESFAVOR DO RÉU DEVEM SER ENFRENTADAS VIA DE
RECURSO PRÓPRIO. PREMATURA BUSCA DE INDENIZAÇÃO
NA ESFERA CÍVEL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. APELO
IMPROVIDO. I. Certo é que o ordenamento jurídico pátrio
prevê a indenização por erro judiciário, comando expresso no
art. 5º, LXXV da Carta Política. II. No processo penal
eventuais medidas em desfavor do réu devem ser
enfrentadas via de recurso próprio. III. O Estado detem a
primazia da persecução penal, apresentando-se na

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


espécie, devidamente fundamentado o decreto de prisão
preventiva. IV. Exsurge como prematura a busca de
indenização na esfera cível. V. Apelação improvida.
(TRF3, AC 00014296820044036005, DESEMBARGADORA
FEDERAL SALETTE NASCIMENTO, QUARTA TURMA, e-DJF3
Judicial 1 DATA:05/07/2011 PÁGINA: 711
..FONTE_REPUBLICACAO:.)
O que é então erro judiciário? Para explicar erro judiciário vou dar um exemplo
que ocorreu e foi veiculado na mídia, foi um caso de um individuo que ficou muito
tempo preso por homicídio e depois descobriu que na verdade ele não era a
pessoa que deveria ser condenada. Então nesse caso há responsabilidade? Sim,
houve erro judiciário, alguém que não era aquela pessoa, foi condenada por erro
na identificação, mas isso não é responsabilidade do magistrado, porque não foi
intencional, não houve dolo, não houve culpa, mas houve efetivamente um erro.
Então essa espécie de erro sim, poderá gerar eventualmente uma indenização do
estado, responsabilidade decorrente de responsabilidade objetiva, mas só que
por vezes não é decorrência da atividade jurisdicional estrito sensu, mas é
decorrente do sistema.
Há uma outra espécie de responsabilidade civil que a doutrina aponta. A primeira
manifestação da doutrina é a possibilidade de indenização cível por
denegação de jurisdição. É considerada denegada a jurisdição quando a
prestação jurisdicional é tão demorada, mas tão demorada, que os direitos
da parte praticamente perecem45. Então por exemplo, é o caso de alguém que
esteja com uma doença gravíssima, não prevista nos itens da saúde pública e
porventura venha carecer de remédios não incluídos na tabela do ministério da
saúde e o juiz não aprecia a liminar e a pessoa vem e falece. Esse é um caso de
indenização contra o estado, objetivo, desde que a demanda seja inadmissível.
Quem responde? não, volto a dizer responde o estado, salvo se o juiz agir por dolo
ou culpa, aí somente por ação regressiva.
Então a delegação de jurisdição seria uma outra possibilidade responsabilidade
civil do estado.
6.6.3. Responsabilidade Administrativa do Magistrado
Resolução nº 30 do CNJ.
Nós vamos ver quais as implicações da lógica dessa resolução e vamos fazer uma
leitura em casa.

45
Isso, inclusive, é hipótese de responsabilização no âmbito internacional, tanto a denegação de justiça quanto o atraso
irrazoável e injustificado.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Quais são as espécies de pena aplicáveis aos magistrados? Vamos para o artigo 1º
da resolução:
Art. 1° São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da
Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da
Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios:
I - advertência;
II - censura;
III - remoção compulsória;
IV - disponibilidade;
V - aposentadoria compulsória;
VI - demissão.
§ 1º Aos magistrados de segundo grau não se aplicarão as
penas de advertência e de censura, não se incluindo nesta
exceção os Juízes de Direito Substitutos em segundo grau.
§ 2º As penas previstas no art. 6º, § 1º, da Lei nº. 4.898, de 9-
12-1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não
incompatíveis com a Lei Complementar nº. 35, de 1979.
§ 3º Os deveres do magistrado são aqueles previstos na
Constituição Federal, na Lei Complementar n° 35, de 1979, no
Código de Processo Civil (art. 125) e no Código de Processo
Penal (art. 251).
§ 4º Na instrução do processo serão inquiridas no máximo oito
testemunhas de acusação e até oito de defesa.
§ 5º O magistrado que estiver respondendo a processo
administrativo disciplinar só será exonerado a pedido ou
aposentado voluntariamente após a conclusão do processo ou
do cumprimento da pena.
Esses incisos estão na ordem de gravidade.
Advertência – é aquela admoestação para que o juiz não faça mais aquilo. A
advertência faz diferença quando o magistrado vai receber uma promoção por
merecimento e o seu colega não tem advertência.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Na censura – já é mais grave, é na reiteração daquela conduta em que houve
advertência, mas o magistrado não parou. Mas ainda não é grave o suficiente para
a aplicação de uma remoção compulsória.
Advertência e censura não são aplicáveis aos magistrados de segundo grau de
jurisdição, apesar de a elas estarem sujeitos os juízes convocados para
substituição.
Remoção compulsória – o juiz tem inamovibilidade. Por interesse publico, pode
o tribunal mandar o juiz para outro local, removê-lo de uma vara para outra. E
qual é o critério disso? Interesse público. Se houver interesse público o tribunal
remove o magistrado de uma vara para outra, por exemplo, por
incompatibilidade, digamos que o juiz seja um juiz mais truculento, que goste
mais da área criminal, que tenha um comportamento assim mais ativo e esteja em
uma vara de criança de juventude e aí naquela vara da infância e juventude e
naquela vara de infância e juventude ele seja um tanto truculento, então por
interesse publico recomenda-se sua remoção para uma vara criminal e deixa um
juiz com outro perfil naquela vara. ou quando o juiz causou tantos problemas
sociais ali naquela comunidade que ele não tem mais condições de ficar lá, então
ele é removido para que haja possibilidade de manutenção da ordem e da imagem
do Poder Judiciário. O CNJ pode aplicar remoção compulsória do magistrado.
Disponibilidade – essa é uma pena que afasta o juiz de suas funções; por
interesse público o juiz simplesmente é tirado da atividade jurisdicional pelo
tempo que o tribunal achar necessário para que se restaure a dignidade do Poder
Judiciário. Então com a disponibilidade, simplesmente o tribunal retira o juiz da
atividade, o juiz continua recebendo seus proventos de forma proporcional e aí se
restaura a ordem da atividade jurisdicional.
Qual magistrado não está sujeito a pena de disponibilidade? Os juízes não
vitalícios não estão sujeitos a pena de disponibilidade, ou seja, aqueles que
não concluíram o prazo de vitaliciamento, porque se a gravidade chegue a
tal ponto o caso não é de disponibilidade, mas sim é o caso de demitir o juiz.
Após a remoção compulsória e a disponibilidade a situação mais grave é da
aposentadoria compulsória.
A aposentadoria compulsória representa o afastamento definitivo do
magistrado das suas funções e é a pena mais grave para o magistrado vitalícios.
Vejam, na disponibilidade o juiz pode voltar, mas a aposentadoria compulsória
tira o juiz de sua atividade jurisdicional definitivamente e ele recebe os proventos
proporcionalmente. Muita gente fala, que injustiça, o juiz que participou de
formação de quadrilha e é corrupto e ainda prevaricou, por exemplo, e ele ainda

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


vai se aposentar compulsoriamente e ainda vai ganhar. O fato é que ele embora
tenha sido aposentado compulsoriamente, ele efetivamente contribuiu com os
cofres públicos, pagando a sua aposentadoria, então tem esse direito, enquanto
não sobrevier a condenação criminal com os efeitos secundários da sentença
penal ou acórdão, que poderão subtrair também os vencimentos decorrentes de
aposentadoria ou a ação civil pública por improbidade administrativa na qual se
decrete a perda não só do cargo mais do beneficio previdenciário. Mas isso poderá
ocorrer num segundo momento. Se prevalecer a condenação administrativa, a
solução é a aposentadoria compulsória. Então, em linhas gerais respondendo a
pergunta do concurso, os magistrados vitalícios estão sujeitos a pena máxima de
aposentadoria compulsória.
E a pena de demissão? Aplica-se tão somente ao juiz não vitalício. Se o tribunal
entender que ele não tem condições de atuar como juiz, após assegurada ampla
defesa e contraditório, ele é demitido.
Como funciona a responsabilidade administrativa do magistrado?
Art. 19. O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro
grau, ou o Presidente do Tribunal, nos demais casos, que tiver
ciência de irregularidade é obrigado a promover a apuração
imediata dos fatos.
§ 1º As denúncias sobre irregularidades serão objeto de
apuração, desde que contenham a identificação e o endereço
do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a
autenticidade.
§ 2º Apurados os fatos, o magistrado será notificado para, no
prazo de cinco dias, prestar informações.
§ 3º Mediante decisão fundamentada, a autoridade
competente ordenará o arquivamento do procedimento
preliminar caso não haja indícios de materialidade ou de
autoria de infração administrativa.
§ 4º Quando o fato narrado não configurar evidente infração
disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada de plano
pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou
pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos.
Segundo a resolução 30, se alguém denunciar ou se o corregedor tiver
conhecimento da pratica de falta funcional do magistrado, ele é obrigado a apurar,
art. 19.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Se for magistrado, quem apura é o corregedor, se for desembargador quem apura
é o presidente. Então, se o desembargador praticou alguma falta funcional quem
apura é o presidente do tribunal de justiça.
Então diz o artigo 19, que cientificado do fato, o corregedor deverá apurar o fato,
corregedor geral da justiça ou o presidente, se for desembargador. Essa apuração
é sumaria, examina os elementos de convicção, ouve algumas pessoas, e depois de
apurado o corregedor abre o prazo de 05 dias para que o magistrado apresente a
sua defesa.
Apresentado a defesa pelo magistrado, isso aqui é o que nos chamamos de
sindicância, o corregedor tem duas possibilidades, ele pode arquivar o
procedimento, porque entendeu, por exemplo, que a matéria era jurisdicional, art.
41 da LOMAN, ou ele poderá propor a instauração de processo administrativo
disciplinar perante o órgão especial.
Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de
linguagem o magistrado não pode ser punido ou
prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor
das decisões que proferir.
IMPORTANTÍSSIMO: a CR/88 expressamente determina que os atos punitivos dos
magistrados, de caráter administrativo, somente poderão ser tomados pela
maioria absoluta do Tribunal ou do CNJ, estabelecendo, então, diretamente o
quórum decisório, não podendo nenhum diploma infralegal estabelecer quórum
mais ou menos rígido.
Art. 93 [...]
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do
magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por
voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla
defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
[...]
X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e
em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto
da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Se ele resolver propor, então ele comunica o fato ao presidente, que por sua vez
abrirá o prazo de 15 dias pra que o magistrado apresente defesa. Apresentada

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


essa defesa, o presidente convoca uma sessão e o órgão especial delibera sobre a
instalação ou não do processo administrativo disciplinar. Ele poderá arquivar
esse procedimento, ou ele poderá instaurar o processo administrativa disciplinar.
Veja que antes era uma sindicância, aqui já é um processo administrativo
disciplinar.
Porque é importante saber sobre a instauração? Porque no momento em que o
processo administrativo disciplinar é instaurado interrompe-se o prazo
prescricional.
O prazo prescricional fica interrompido com a instalação do processo
administrativo disciplinar. Então diz, inclusive, a lei 8112 que é a lei utilizada em
analogia para a condução do procedimento administrativo disciplinar do
magistrado.
Ora, se interrompe a prescrição, não suspende, mas interrompe, por quanto
tempo ficará interrompido? Segundo o STJ a interrupção se esgotará 140 dias
após o prazo máximo para conclusão do processo administrativo disciplinar. Se o
processo administrativo disciplinar que tem que ser encerrado em 180 dias, não
terminar, quando terminar os 180 dias, começa a contar o prazo de 140 dias.
Encerrado os 140 dias, volta contar o prazo prescricional.
Qual a hipótese em que haja possibilidade da interrupção da prescrição mesmo
após esse prazo? Há, quando ficar evidenciado que a delonga do processo decorre
de atos de defesa do magistrado. Então ele com seus atos de defesa vai causando
delonga no procedimento, então o próprio CNJ na sua resolução e o STJ disse que
nesse caso, se houver delonga pela defesa do acusado, então esse prazo pode ser
dilatado mais ainda.
2Quais são os prazos prescricionais? Os prazos prescricionais para magistrados
estão no artigo 142 da lei 8.112 de 90.
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de
cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato
se tornou conhecido.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às
infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo
disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida
por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a
correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Instaurado o processo administrativo disciplinar, na instauração duas coisas
devem acontecer:
• Primeiro, o tribunal vai deliberar sobre o afastamento preventivo do
magistrado. Ele delibera se o magistrado vai ser afastado preventivamente
ou não, é esse o momento em que o tribunal defere ou não o afastamento
preventivo;
• Depois, o órgão que instalar o processo administrativo disciplinar
deverá descrever o fato imputável ao magistrado, porque é em relação este
fato que o magistrado vai se defender agora no processo administrativo
disciplinar. Depois disso aqui a acusação está concretizada e a partir daí o
magistrado começa a se defender dos fatos no processo administrativo
disciplinar, que vai se sortear relator, que vai haver instrução, que vai haver
manifestação e depois vai haver votação por maioria absoluta de votos.
Para arrematar, eu posso dizer para vocês o seguinte, existe o posicionamento do
STF no seguinte sentido, digamos que depois que for terminada a sindicância, o
corregedor não só propõe a instauração de processo disciplinar, como propõe já
o afastamento do magistrado, e o órgão especial afasta o magistrado, só que aí, o
que se percebe é que na sindicância não se permitiu ao juiz a produção de prova,
ampla defesa, mas ele foi afastado, há nulidade nesse caso? Segundo o STF,
sindicância em geral não há necessidade de ampla defesa, ampla produção de
prova, há necessidade de contraditório. Então, não existindo a necessidade de
ampla produção de prova, a sindicância então se esgota (1:08;10)...instauração do
processo administrativa disciplinar, salvo quando os elementos contidos na
sindicância servirem de fundamento para o afastamento do magistrado. Nesse
caso, como houve uma subtração de direitos do magistrado, então seria
necessário que se permitisse uma ampla produção de provas aqui porque houve
aqui o afastamento, desde que o fundamento seja a sindicância. Então, para que a
sindicância possa sustentar um afastamento é necessário contraditório e ampla
defesa. Agora se a sindicância não tiver ampla defesa, oitiva de testemunha, e for
decretado o afastamento, ai sim há nulidade, esse é o entendimento do STF.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


E o magistrado que está sendo investigado e resolve se aposentar ou pedir
exoneração, pode? Não, uma vez iniciado o processo administrativo disciplinar a
aposentadoria ou exoneração só vão ser deferidas ao magistrado se
eventualmente houver encerramento do processo ou cumprimento da pena.
então, se o processo é instaurado o magistrado não pode mais pedir exoneração
nem aposentadoria, terá que aguardar o termino do processo administrativo
disciplinar, processo administrativo disciplinar, não sindicância, e ou o
cumprimento da pena.
Em relação aos juízes não vitaliciados o que acontece se for instalado processo
administrativo disciplinar? Nos termos da resolução há suspensão do prazo de
vitaliciamento, artigo 6º da resolução.
Art. 13. O recebimento da acusação pelo Tribunal Pleno ou pelo
Órgão Especial suspenderá o curso do prazo de vitaliciamento.
Entretanto , STJ entendendo que o prazo não está sujeito a suspensão, porque é
prazo constitucional, e se o processo não terminar antes dos dois anos, então
automaticamente o magistrado será vitaliciado automaticamente. Então, ou o
tribunal delibera antes do prazo de dois anos, ou o juiz será vitaliciado
automaticamente.
7. Teoria Geral do Direito e da Política

40. 7.1. Direito Objetivo e Direito Subjetivo


7.1.1. Texto Introdutório
Da palavra direito podemos tirar vários significados semânticos para exprimir
diversas situações. Podemos usá-la para apontar uma determinada conduta que
não se encontra de acordo com os bons costumes, por exemplo, quando dizemos:
"isto não é direito!"ou quando nos referimos a um conjunto de normas que regem
a vida em sociedade – o direito constitucional brasileiro, por exemplo – e também
quando queremos expressar um poder que nos é inerente: "eu tenho direito à
propriedade, à vida, à saúde etc."
É neste contexto que encontramos a definição do direito subjetivo; ou seja, o
direito subjetivo nada mais é do que um poder e uma faculdade advindos de uma
regra interposta pelo Estado na proteção dos interesses coletivos. Por isso
podemos afirmar, a exemplo de Washington de Barros Monteiro que o direito
objetivo é o conjunto das normas jurídicas; direito subjetivo é o meio de
satisfazer interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit).
O segundo deriva do primeiro.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Direito objetivo corresponde à norma agendi, enquanto o direito subjetivo à
facultas agendi, em outros termos, este último apresenta-se como uma faculdade
que seu titular tem de usá-lo ou não na proteção do bem jurídico garantido pela
norma agendi, podendo até mesmo dispô-lo, pois este tipo de direito tem como
prerrogativa a potencialidade de uso ou não pelo seu titular (ISSO NÃO ESTÁ
CORRETO. NÃO SE CONFUNDEM DIREITO SUBJETIVO E FACULDADE DE AGIR.
ESTA É UM ATRIBUTO DAQUELE, UMA OPÇÃO POSTA AO TITULAR DO
DIREITO SUBJETIVO DE EXERCÊ-LO OU NÃO). Assim como o direito subjetivo
está na sua possibilidade e potencialidade de uso, está também no seu exercício
efetivo; neste diapasão, segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes, surge uma
discussão doutrinária que trata da possibilidade do exercício do direito subjetivo
através da ameaça feita pelo seu titular, pois segundo o doutrinador: "Entende a
doutrina, fundamentada no Código Civil, que a ameaça de exercício efetivo de
direito subjetivo não constitui ato ilícito, sendo considerada exercício regular de
direito. Leia-se o teor do art. 160, I, do CC (No Código Civil de 2002 corresponde
ao art. 188, I): Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa
ou no exercício regular de um direito reconhecido".
"Pode-se, por isso, ampliar o conceito para dizer que o direito subjetivo é não só
a potencialidade e o exercício como também o uso da ameaça deste".
Tais conceitos, todavia, não podem ser estudados separadamente, fazem parte de
um todo, de um único fenômeno, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o
aspecto individual, outro o aspecto social, como bem define Caio Mário.
Entretanto, devemos ter cautela ao afirmar que o direito subjetivo apresenta-se
como a facultas agendi em si. Quem melhor nos alerta para esta questão é Maria
Helena Diniz ao afirmar que as faculdades humanas não são direitos, e sim
qualidades próprias do ser humano que independem de norma jurídica para a sua
existência.
A tarefa da norma agendi apenas seria regulamentar o uso dessas
faculdades, segundo a eminente professora; logo, o uso dessas faculdades é
lícito ou ilícito, conforme for permitido ou proibido. Neste caso, o direito
subjetivo apresentar-se-ia como a permissão para o uso das faculdades humanas,
ou seja, a facultas agendi é anterior ao direito subjetivo. Segundo a mesma autora,
estas permissões – dadas por meio de normas jurídicas – podem ser explícitas ou
implícitas. As primeiras são identificáveis quando as normas de direito as
mencionam expressamente, por exemplo, o consentimento dado aos maiores de
idade para praticarem atos da vida civil; as segundas são quando as normas de
direito não se referem a elas de modo expresso, todavia regula o seu uso, tomemos
como exemplo dessas últimas as permissões de fazer, de não fazer, de ter e de não
ter.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O direito subjetivo apresenta-se como um produto das relações
intersubjetivas e das situações jurídicas subjetivas. As tantas teorias que
tentaram explicar sua natureza contribuíram de uma certa forma para se
chegar à conclusão acerca do atual conceito do direito assim como sobre a
sua natureza jurídica. O direito subjetivo também não pode ser considerado
como um instituto distinto do direito objetivo, atribuindo a este último a
única existência decorrente do mundo jurídico como defende Hans Kelsen;
também não pode ser considerado apenas como uma situação jurídica, vez
que ele possui íntima ligação com o direito objetivo, pois o direito subjetivo
está condicionado a uma exigibilidade de prestação.
Pretensão e exigibilidade de prestação fazem parte deste instituto do direito, o
direito subjetivo, que sem elas - as situações jurídicas subjetivas - não se
concretizam, o que implica dizer que o direito subjetivo não se consubstanciará
no âmbito de determinada relação jurídica intersubjetiva. Sujeito, objeto e
relação jurídica fazem parte deste que chamamos direito subjetivo
constituindo em elementos essenciais à sua existência, vez que, como ficou
claro em nossa pesquisa, não existe direito se não houver sujeito, nem
direito se houver um bem a ser almejado (o objeto) como também um meio
para a consecução desta finalidade (a relação jurídica).
Em última análise, são capazes aqueles que têm o poder de exerce-los, todavia,
todo ser que detém a chamada personalidade jurídica está apto a possuir tais
direito e reivindicá-los, mesmo que seja através de outrem detentor de
capacidade. Pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais, também têm
personalidade porque da mesma forma que estas, são detentoras de direitos e
deveres, pois perseguem um objetivo da mesma maneira que as ditas pessoas
naturais sendo também reconhecidas pelo ordenamento jurídico como pessoas.
7.1.2. O Que é Direito Subjetivo (Dicotomia entre Direito Subjetivo e Direito
Objetivo)
Encerrando a nossa conceituação de direito subjetivo, devemos fazer menção a
uma classificação feita deste direito de forma oportuna por Caio Mário da Silva
Pereira.
Dentre as diversas classificações acerca deste direito, feita pelo autor, a que mais
nos chama a atenção é a relacionada à generalidade e à restrição dos efeitos dos
direitos subjetivos. Os direitos subjetivos, considerados intrinsecamente,
conforme leciona o autor, são absolutos e relativos. ABSOLUTOS são aqueles
direitos subjetivos os quais traduzem uma relação oponível à generalidade
dos indivíduos, sem a especificação de sua exigibilidade contra um sujeito
determinado, apresentando como um dever geral negativo; RELATIVOS são
os direitos subjetivos quando o dever jurídico, ao contrário dos absolutos, é

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


imposto a um determinado sujeito passivo, não importando ser este sujeito
uma única pessoa ou um grupo de indivíduos, contanto que sejam estes
determinados ou passíveis de determinação.
Podemos citar aqui alguns exemplos de ambas classificações como o direito de
propriedade, por exemplo, que se constitui em um direito subjetivo absoluto; ou
como o direito de crédito, apresentando-se como um direito subjetivo relativo.
(Aparte: lembrar que inexiste hoje em dia qualquer direito absoluto, mormente
em decorrência da função social do Direito).
7.1.2.1. O Dever Subjetivo
O conceito de dever subjetivo não pode ser estudado em apartado ao conceito de
obrigação. Giuseppe Lumia define obrigação como o dever jurídico de ter aquele
comportamento que alguém está legitimado a pretender de nós; obrigação e
pretensão para ele caminham juntas e são oriundas de uma mesma fonte: o
ordenamento jurídico, o qual ao atribuir a um sujeito uma pretensão (isso está
errado. O ordenamento não impõe uma pretensão, ele confere direitos. A
pretensão surge apenas com o descumprimento de um dever subjetivo),
impõe ao outro o dever (jurídico, e não somente moral) de ter um comportamento
conforme à pretensão do primeiro. O mesmo autor fala a respeito das obrigações
naturais, que são aquelas não tuteladas por via do direito de ação, mas por via de
exceção, ou seja, obrigações sobre as quais não pairam nenhum dever legal de
prestação.
Um e outro – dever e obrigação – correspondem ao sentido oposto de direito
subjetivo, se assim podemos dizer, mas com significados diferentes os quais
analisaremos mais adiante; inicialmente, cabe-nos diferenciar, sinteticamente, o
dever do direito subjetivo.
Primordialmente, para todo direito subjetivo existe outro que o limita, e é desta
afirmação que se percebe o linguajar popular: "Seu direito termina quando
começa o meu". Neste caso, trata-se de um dever comum, qual seja, respeitar os
direitos alheios; em contrapartida, o que nos interessa é identificar um dever
subjetivo, e este tem como fonte as normas jurídicas objetivas. Já dizia
Rizzatto Nunes "A noção de dever, e, o que nos interessa, dever subjetivo, é
imanente ao conjunto de normas jurídicas objetivas". Tal dever corresponde a um
limite intrínseco a cada direito subjetivo. Se excedermos tais limites, este direito
subjetivo pode vir a ser taxado de abusivo. Em outros termos, O DEVER
SUBJETIVO TEM SUA GÊNESE NA NORMA A QUAL EXPÕE OS LIMITES AO
EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO.
A palavra dever, segundo os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, serve
para expressar a obrigação como um vínculo, ou em termos de uma força moral.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Por esse motivo é que não podemos nos desvencilhar do conceito de obrigação no
estudo do dever.
Ainda de acordo com Ferraz Júnior, a ideia de dever atua como um motivo para o
comportamento lícito que se cumpre, primariamente, não por temor de sanções,
mas por respeito desinteressado ao direito.
Portanto, esta afirmativa vem a reforçar o nosso entendimento transcrito em
linhas anteriores a respeito do dever comum e do dever subjetivo. O primeiro
constitui um respeito desinteressado ao direito de outrem enquanto o dever
subjetivo é um dever imposto pela norma e tem o intuito de não tornar o uso do
direito subjetivo de forma abusiva, limitando-o desta maneira. Um exemplo claro
desta diferença podemos encontrar no direito de propriedade. É dever comum
nosso respeitar o direito subjetivo à propriedade de terceiros; por outro lado é
dever subjetivo do titular deste mesmo direito usa-lo dentro dos limites impostos
pela norma para evitar possíveis abusos no seu exercício; por exemplo, é um
dever subjetivo usar da propriedade para buscar os fins sociais a que ela se
destina (Art. 5º, XXIII – CF/88; Art. 1.228, §§ 1º e 2º/CC). (AQUI ELE FAZ UMA
CONEXÃO ENTRE O DIREITO SUBJETIVO E O DEVER SUBJETIVO: O DEVE
SUBJETIVO DO TITULAR DO DIREITO É ESSENCIALMENTE NEGATIVO, OU
SEJA, O DE EXERCER SEUS DIREITOS DENTRO DOS LIMITES PERMITIDOS
PELO ORDENAMENTO).
7.1.3. Alguns Conceitos Essenciais da Teoria Geral do Direito
Dever jurídico é a necessidade imposta a todos os indivíduos de observar os
comandos do ordenamento jurídico, com a possibilidade de se demandar sua
execução coercitivamente por intermédio do Estado. Ele é fundado nas relações
que subsistem entre o sujeito ativo, que exige o adimplemento da obrigação, e
aquele que a deve cumprir.
Dever livre é a obrigação de caráter moral, sendo voluntariamente assumida e
não gerando, em caso de descumprimento, qualquer consequência jurídica em
face de quem se obrigou, tão-somente consequências indiferentes ao Direito, de
cunho social ou religioso, entre outros.
Já obrigação é o dever jurídico qualificado pela análise do próprio objeto
prestacional, consistente numa conduta de dar, fazer ou não fazer.
Responsabilidade é a consequência do descumprimento de um dever jurídico,
quando a pessoa passa a ter a obrigação de reparar por ter infringido uma norma.
A sujeição é a situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver-se
produzir forçosamente uma consequência em seu patrimônio. Ou seja, está em
estado de sujeição a pessoa que possui em seu desfavor um direito potestativo de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


outrem. Ela também pode recair sobre objetos, como ocorre com os Direitos
Reais, no qual o sujeito ativo da obrigação estabelece verdadeira situação de
submissão da coisa à sua vontade.
Interesse legítimo é o que resulta do próprio interesse de agir. Numa análise
processual, preenchida a condição de ação “interesse de agir”, o interesse se
mostraria legítimo. É o interesse que se liga ao próprio direito e que se mostra
protegido legalmente, do qual possa resultar ou no qual assente qualquer
vantagem de ordem econômica, ou mesmo de ordem moral.
Obrigação potestativa46, por sua vez, é a obrigação em que o sujeito ativo da
relação pode satisfazer seu direito unilateralmente, decorrente do simples
exercício de sua vontade, sem sofrer por parte do devedor qualquer oposição
legítima apta a afastar-lhe o direito, tal qual a obrigação potestativa que tem o
devedor de aceitar a escolha do credor nas obrigações alternativas, se tal cláusula
tiver sido pactuada no contrato.
Ônus jurídico é a necessidade que uma parte tem de adotar uma determinada
conduta, não por imposição legal ou obrigacional, mas como condição de defesa
de um interesse próprio. É uma situação passiva em que inexiste
correspondência ativa, como, v.g., a necessidade de recorrer da sentença para
que a parte tenha sua situação melhorada. A parte sofrerá um prejuízo se não
arcar com o ônus, o qual, entretanto, não significa uma sanção prevista no
ordenamento jurídico.
Direito subjetivo é o poder de agir do indivíduo, concedido e tutelado pelo
ordenamento, a fim de que possa satisfazer um interesse próprio, pretendendo de
outra pessoa um determinado comportamento. Em outras palavras, é a
possibilidade que a norma dá a um indivíduo de exercer determinada conduta
descrita na lei, vista do ponto de vista do titular do direito. É algo incorporado ao
patrimônio jurídico do sujeito.
Se o comportamento esperado é dirigido a uma pessoa certa e
determinada, pode-se dizer que aquele é um direito subjetivo
relativo. Mas se o comportamento esperado é exigido da
coletividade, aí se trata de direito subjetivo absoluto. Outro
detalhe de grande importância é saber se esse comportamento
tem ou não estimativa econômica. Se é assim, estamos falando

46
Se o direito potestativo não admite violação, se ele só depende do titular, o direito potestativo é exemplo de interesse
público. E por que é de interesse público? Porque quando o titular manifesta a sua vontade, os efeitos decorrem para
todos. Quando o titular exerce seu direito potestativo, os efeitos decorrem automaticamente para todos, daí a frase de
que todo direito potestativo traz consigo interesse público dos efeitos que decorrem da vontade do titular.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


de direito subjetivo patrimonial. Se não tem estimativa
econômica é direito subjetivo extrapatrimonial.
Todo direito subjetivo assim classificado (relativo, absoluto,
patrimonial, extrapatrimonial) confere ao titular uma
pretensão de exigir de alguém um comportamento.
Direito objetivo ou norma agendi é o direito posto nas normas jurídicas e
vigente durante certo lapso de tempo, o direito analisado sob um ponto de vista
estritamente normativo, sem que se perquira sobre os destinatários da norma. O
direito objetivo é a fonte dos direitos subjetivos.
Tutela jurisdicional representa a espécie de provimento judicial aplicado em
cada caso concreto com o escopo de solucionar o conflito de interesses que
ensejou a propositura da demanda. A delimitação da tutela, que permite a
caracterização da espécie de ação utilizada pelo autor, pressupõe a procedência
do pedido. A improcedência, como acertadamente anotou Pontes, indica que a
sentença prolatada será de natureza declaratório-negativa, ainda que o pedido
seja declaratório positivo, constitutivo, condenatório, executivo ou mandamental.
Faculdade de agir ou facultas agendi é a permissividade de atuação do titular
representada pela liberalidade do detentor do direito subjetivo em exigi-lo, ou
não, em juízo ou fora dele, de maneira alguma se confundindo, pois, com o direito
subjetivo. Ou seja, é o poder de decisão que tem o titular de um direito subjetivo
sobre se irá ou não exercê-lo.
“Direito subjetivo desprovido de pretensão não passa de uma mera faculdade
jurídica.”
Eu tenho o direito subjetivo de exigir um determinado comportamento de Juliana.
Juliana, espontaneamente não se comportou da forma esperada. Surgiu para mim
uma pretensão, a pretensão de judicialmente exigir um comportamento ou a
reparação do dano causado. Se eu não tivesse a pretensão significaria que eu teria
o direito subjetivo, eu poderia esperar de Juliana um comportamento, mas se ela
não se comportasse, não aconteceria nada. E se é assim, significa: ela se
comportaria assim, se quisesse e aquilo que se faz quando se quer, não passa de
uma mera faculdade jurídica. Portanto, a frase acima: direito subjetivo desprovido
de pretensão não passa de uma mera faculdade jurídica. E é assim por um motivo
simples: o direito subjetivo é caracterizado, fundamentalmente, pela pretensão. O
direito subjetivo é, na sua essência, a pretensão. A pretensão é a marca registrada
do direito subjetivo. Daí a frase: sem pretensão, ele não passa de uma mera
faculdade jurídica.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


7.1.4. As Teorias Acerca do Direito Subjetivo
Três são as teorias, formuladas pelos juristas Jellinek, Windscheid e Ihering, que
tentaram explicar a natureza jurídica do direito subjetivo, todavia nenhuma delas
conseguiu esgotar satisfatoriamente as discussões sobre o que vem a ser o direito
subjetivo e de que fonte o mesmo surgiu. Em conformidade com Ferraz Júnior, a
questão em torno da qual se empenham é saber se o direito subjetivo constitui
também um dado por si (a exemplo do direito objetivo) ou se, contrariamente, é
elaborado ou se faz nascer do direito objetivo.
Vejamos agora a essência de cada teoria bem como as suas respectivas críticas
quanto à formulação de um conceito preciso acerca do direito subjetivo.
7.1.4.1. A Teoria da Vontade de Windscheid
Para os adeptos desta corrente o direito subjetivo seria o poder da vontade
humana garantido pelo ordenamento jurídico. Esta vontade corresponde ao
que Ferraz Júnior chama de "um dado existencial", sendo parte integrante da
natureza humana o poder de escolha ao mesmo tempo em que se apresenta como
sendo o ponto diferenciador do homem em relação aos demais animais. No
entanto, esta vontade não pode ser elemento único de diferenciação entre homens
e animais irracionais, pois mesmo sem possuir vontade própria por vezes, o ser
humano não deixa de ter esse adjetivo – o humano – pela ausência da vontade.
Diante desta afirmação nos questionamos: os loucos, os surdos-mudos e os
menores incapazes para a prática da vida civil, não são sujeitos de direitos?
A eles não são reconhecidos, por exemplo, os direitos subjetivos da propriedade,
de ação etc? Obviamente que são, embora sejam protegidos por outrem.
É exatamente neste ponto que reside a principal crítica a esta teoria. Em
conformidade com a teoria da garantia citada na obra de Ferraz Júnior, o direito
subjetivo não teria por base a vontade, mas a possibilidade de fazer a
garantia da ordem jurídica tornar efetiva a proteção do direito. Para o
renomado professor, esta teoria garantista torna o direito subjetivo algo
semelhante com a proteção da liberdade conferida pelo direito objetivo.
Outras objeções a esta teoria foram feitas, além da supra mencionada. Dentre elas
está aquela que defende a existência do direito subjetivo independentemente da
vontade do seu titular, por exemplo, o direito de propriedade decorrente de
herança, onde o herdeiro ignora a abertura da sucessão pela morte do
descendente; ou até mesmo a propriedade mediante testamento.
Existe também uma confusão que é feita entre o próprio direito e o exercício
do mesmo, esclarecida por Maria Helena Diniz. Segundo a autora, só para este (o
exercício do direito) é que a vontade do sujeito será indispensável.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Admitindo a pertinência destas críticas, o próprio Windscheid, mentor desta
teoria, procurou dar uma outra roupagem ao termo vontade esclarecendo que
este não deve ser empregado no sentido psicológico, mas sim em sentido lógico,
como vontade normativa, ou seja, como poder jurídico do querer.
ASSIM: TEORIA DA VONTADE PECA POIS CONFUNDE O DIREITO SUBJETIVO
COM O SEU PRÓPRIO EXERCÍCIO; ADEMAIS, POR ELA, AQUELES QUE POR UM
OU OUTRO MOTIVO NÃO TEM/NÃO PODEM EXPRIMIR SUA VONTADE, NÃO
TERIAM DIREITO SUBJETIVO.
7.1.3.2. A Teoria do Interesse de Ihering
Esta teoria afirma que a natureza jurídica do direito subjetivo está no
interesse juridicamente protegido.
Contrária à teoria de Windscheid, a ideia de Ihering é calcada em dois elementos
constitutivos do princípio do direito subjetivo.
O primeiro elemento em caráter substancial que, de acordo com Caio Mário, se
situa na sua finalidade prática, ou seja, na sua utilidade, sua vantagem ou no
interesse. O elemento subsequente tem caráter formal, o qual apresenta-se como
o meio para a efetivação do primeiro, correspondendo à proteção judicial por
meio da ação.
Crítica ferrenha à teoria da vontade, a teoria do interesse ressalta a
possibilidade de haver interesse em determinados direitos mesmo sem
existir o elemento volitivo, como o já citado exemplo dos surdosmudos,
loucos e menores (Item 3.1). Todavia, esta crítica à teoria em comento tem lá
suas falhas, pois como dizia Washington de Barros Monteiro "Direitos existem que
dificilmente se ligarão a um interesse, assim como também interesses há que
logram obter tutela e proteção do direito".
Na concepção de Caio Mário, esta teoria peca no sentido de que para o autor:
"Existe, então, no direito subjetivo um poder de ação que está à disposição do seu
titular, e que não depende do exercício, da mesma forma que o indivíduo capaz e
conhecedor do seu direito poderá conservar-se inerte, sem realizar o poder de
vontade, e, ainda assim, é portador dele".
Da mesma maneira, como bem lembra Maria Helena Diniz, há interesses
protegidos pela lei que não constituem direito subjetivo e direitos
subjetivos nos quais não existe interesse do seu titular como os direitos do
tutor ou do pai em relação ao pupilo e aos filhos são instituídos em benefício
dos menores e não do titular.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


De todo modo, Caio Mário ressalta que esta crítica é procedente quanto ao seu
fator teleológico, pois, sendo o direito subjetivo uma faculdade do querer dirigida
a determinado fim, o poder de ação isolado torna-se incompleto, corporificando-
se, conforme suas lições, no instante em que o elemento volitivo encontra uma
finalidade prática de atuação, onde esta finalidade é o interesse de agir. É a partir
desta concepção que surge a teoria da qual trataremos a seguir.
SÍNTESE:
Para a Teoria dos Interesses, o direito subjetivo seria o interesse (aquilo que
importa, que é útil, que traz algum proveito para alguém) tutelado pela norma
jurídica. Possui, pois, dois elementos:
a) Material: representado por um interesse;
b) Formal: consubstanciado na proteção desse interesse pelo direito objetivo.
Críticas: confunde o objeto do direito com seus elementos constitutivos: o
interesse não é elemento, é objetivo do direito. Por outro lado, assevera J. Flóscolo
da Nóbrega, o interesse é todo subjetivo, varia com as valorações da pessoa em
cada fase da existência; aquilo que hoje apresenta interesse, amanhã pode não
mais tê-lo.
Entretanto, o direito subjetivo permanece o mesmo, ainda quando tenha
perdido todo interesse para o seu titular, o que demonstra que direito e
interesse são coisas diferentes (ob. cit., p. 145). Por outro lado, também
analisando a teoria de Ihering, o Prof. Paulo Nader adverte que os incapazes, não
possuindo compreensão das coisas, não podem chegar a ter interesse, nem por
isso ficam impedidos de gozar de certos direitos subjetivos.
Considerando o elemento interesse sob o aspecto psicológico, é inegável que essa
teoria já estaria implícita na da vontade, pois não é possível haver vontade sem
haver interesse.
7.1.3.3. A Teoria Mista de Jellinek
Como a própria nomenclatura sugere, trata-se de uma miscelânea das duas
teorias discorridas anteriormente.
Para seus teóricos o direito subjetivo apresenta-se como sendo poder da
vontade ao mesmo tempo em que é protegido pelo ordenamento jurídico,
ou seja, a vontade, qualificada por um poder de querer, não se realiza se não
for com o intuito de buscar uma finalidade, ao êxito na realização de um
interesse.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Miguel Reale tenta explicar a intenção de Jellinek ao elaborar esta teoria ao
mesmo tempo em que tece críticas em relação à mesma: "Jellinek achou que havia
um antagonismo aparente entre a teoria da vontade e a do interesse, porque, na
realidade, uma abrange a outra. Nem o interesse só, tampouco apenas a vontade,
nos dão o critério para o entendimento do que seja direito subjetivo”.
A prevalência de um elemento sobre outro – vontade ou finalidade – não tem
muita importância segundo a lição de Caio Mário; para ele, "uma e outra se acham
presentes, e pois, a definição há de conter o momento interno, psíquico; e o
externo, finalístico".
No nosso entendimento, esta teoria, por não ter inovado em nada a natureza
jurídica do direito subjetivo fazendo apenas uma mescla das teorias já estudadas,
não deve prevalecer, uma vez que ela é passível das mesmas críticas e objeções
das outras demais que lhe deram origem. O professor Miguel Reale vem a reforçar
o nosso entendimento quando dispôs em sua obra sua crítica a esta teoria da
seguinte maneira:
"Essa teoria, entretanto, não vence as objeções formuladas contra cada uma de
suas partes. O ecletismo é sempre uma soma de problemas, sem solução para as
dificuldades que continuam nas raízes das respostas, pretensamente superadas.
As mesmas objeções feitas, isoladamente, à teoria da vontade e à do interesse,
continuam, como é claro, a prevalecer contra a teoria eclética de Jellinek".
7.1.3.4. Teoria do Autorizamento ou da Autorização da Norma Jurídica
A teoria do autorizamento ou autorização da norma jurídica, do Prof. Goffredo
Telles Jr.
Para este eminente professor, somente há direito subjetivo quando a norma de
direito objetivo se subjetiva, se individualiza em alguém, mediante uma
autorização. Por isso, deve ser dito que a norma jurídica é uma imperativa
autorizante.
Certas normas, bem como outras de caráter meramente programático, como as
dos arts. 203 e 205 da CF, não são propriamente normas jurídicas, embora tenham
aparência semelhante. Não são jurídicas porque não são autorizantes (O Direito
Quântico, 5ª ed., São Paulo, 1980, pp. 360 e segs.).
Quando a norma jurídica autoriza ou não proíbe uma conduta, temos o direito
subjetivo. Já se percebe que a faculdade de agir não se confunde com o direito
subjetivo. Por que não se confunde? Não se confunde porque a faculdade existe
com ou sem o direito subjetivo.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


O direito subjetivo não é a facultas agendi a que se referia o direito romano,
porque as faculdades humanas são inerentes à personalidade, são atribuídas pela
própria Natureza ao ser humano e, portanto, existem com ou sem interferência da
norma jurídica. As faculdades são potencializadas, potências ativas que
predispõem um ser a agir. A potencialidade não é um ato, mas a aptidão para
produzir um ato. As faculdades humanas são potências inerentes ao ser humano.
Sua existência independe das normas jurídicas. Enfim, o que cabe à norma jurídica
é ordenar, colocar em ordem aquilo que ao homem é dado pela natureza. Ao
realizar esta tarefa, a norma jurídica autoriza ou proíbe certas condutas. Então, o
direito subjetivo não é uma faculdade humana, mas sim a permissão para o
exercício de uma faculdade. Ter faculdade não significa ter direito subjetivo.
7.1.4.5. As Teorias Negativistas do Direito Subjetivo de Hans Kelsen e Léon
Duguit
Tanto Leon Duguit como Hans Kelsen negam a existência do direito subjetivo,
porém seus argumentos se diferem um do outro. Sabemos que as origens da
dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo não são do direito romano,
embora houvesse no Jus romano algo que não se confundia com a Lex.
Teoria da Regra de Direito e das Situações Jurídicas (Leon Duguit)
Esta dicotomia é construção dos tempos modernos. Neste sentido, Leon Duguit
volta-se contra esta bipartição defendendo a tese de que somente existe o direito
objetivo, negando, portanto, a existência do direito subjetivo. Para este teórico
crítico, o indivíduo não detém um poder de comando sobre outro indivíduo
ou sobre membros do grupo social, ou seja, somente o direito objetivo, para
ele, poderá dirigir o comportamento dos membros de uma sociedade. Dessa
forma, Duguit substitui o conceito de direito subjetivo pelo de "Situação Jurídica
Subjetiva".
Para o autor, esta situação jurídica é um fato sancionado pela norma jurídica,
hipótese em que se tem a situação jurídica objetiva, ou a situação dentro da qual
se encontra uma pessoa beneficiada por certa prerrogativa ou obrigada por
determinado dever como bem define Maria Helena Diniz em sua obra de
introdução ao direito.
Léon Duguit afirma que o direito subjetivo se assenta na vontade, mas esta,
conceito metafísico, refoge ao Direito. O homem, diz ele, vivendo em sociedade,
tem direitos que não constituem, porém, prerrogativas inerentes à sua qualidade
de homem, mas poderes que lhe competem, porquanto, sendo o homem social,
tem um dever a cumprir e em consequência deve ter o poder de cumprir tal dever
(Rubem Rodrigues Nogueira, São Paulo, 1979, p. 189).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


A doutrina de Duguit se mostra menos radical do que a de Kelsen, porque, além
de não identificar Estado e Direito, afirma a limitação das funções do Estado,
admitindo a preexistência de uma regra social anterior à jurídica, e submetendo
ao crivo da opinião pública o exercício de tais funções.
Por estas explanações podemos notar que as situações jurídicas são disciplinadas
pelo direito objetivo – o dado e pronto – não criando para ninguém um poder
individual contra todos os integrantes do meio social.
Posteriormente teremos a oportunidade de demonstrar com mais clareza
algumas situações subjetivas, sendo de toda importância estudá-las para
podermos entender melhor a pretensão de Duguit, uma vez que a partir do
surgimento de sua teoria, a disciplina Teoria Geral do Direito teve de repensar o
conceito sobre direito subjetivo conforme esclarece Miguel Reale, cujos
ensinamentos a esse respeito passaremos a transcrever agora: "A Teoria Geral
do Direito hodierna, partindo dessas e outras críticas às antigas teses que já
examinamos, reelaborou os estudos sobre o direito subjetivo, fixando
alguns pontos essenciais. Um deles se refere exatamente ao conceito de
situação subjetiva que, a princípio, passou a ser sinônimo de direito
subjetivo para, mais acertadamente, ser vista, depois, como o gênero no
qual o direito subjetivo representa a espécie".
Teoria Normativista (Hans Kelsen)
Na ótica Kelseniana, o direito subjetivo é apenas uma expressão do dever jurídico,
como leciona Miguel Reale, pois para Kelsen a não prestação corresponde a uma
sanção segundo a sua teoria pura; ou mesmo uma confusão entre direito e Estado
de acordo com a definição de Caio Mário.
Este Estado impõe aos indivíduos uma gama de normas as quais devem ser
obedecidas por todos, não se admitindo prerrogativas individuais em relação ao
Estado. "Se este determina uma dada conduta individual, agirá contra o ofensor
da norma no propósito de constrange-lo à observância, sem que o fato de alguém
reclamar a atitude estatal de imposição se traduza na existência de uma faculdade
reconhecida", conforme leciona o mesmo Caio Mário.
Em outros termos, para Kelsen o direito subjetivo será, como conceito oposto ao
dever jurídico, pois o direito subjetivo de um pressupõe o dever subjetivo de
outro, parte integrante do direito objetivo ou norma, como bem resume A. L.
Machado Neto.
Entretanto, tais concepções negativistas do direito subjetivo pecam, segundo Caio
Mário, pois "não conseguem os eminentes juristas abstrair-se da existência de um
aspecto individual do jurídico, que será o substitutivo do direito subjetivo ou

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


compreenderá a denominada ‘situação jurídica’, já que a existência da norma em si,
ou do direito objetivo só, conduz à existência de deveres exclusivamente".
Na nossa opinião, o professor Caio Mário tem razão ao criticar o objetivismo puro
desta teoria, uma vez que torna-se impossível imaginar um sistema normativo
onde o homem, subordinado a uma regra, não seja considerado como um
elemento individual dotado de poder, o qual pela obediência dos demais sujeitos,
torna-se pleno.
Aquilo que, erroneamente, chamam de direito subjetivo, diz Kelsen, não passa do
reflexo de um dever jurídico. A situação de direito provocada, aparentemente, por
uma declaração individual de vontade ainda não constitui um direito subjetivo,
porque, de uma situação tal, decorre um dever de obediência imposto a alguém.
Tenho um suposto direito de propriedade unicamente porque todos têm o dever
de respeitar a integridade de meus bens. Como assinala o Prof. Vicente Ráo, ao
analisar a doutrina de Kelsen, se não existem direitos subjetivos no sentido de
poder da vontade asssegurado pela lei, ou no sentido de interesses juridicamente
protegidos, e se o que se chama direito subjetivo não é senão uma norma concreta
e individual, conseqüentemente também não existem sujeitos de direitos
subjetivos, investidos de poderes da vontade, ou de interesses. A personalidade,
ela própria, é objetiva e consiste em um sistema de normas (O Direito e a Vida dos
Direitos, 2º v., São Paulo, 1958, p. 43).
ASSIM, AS TEORIAS NEGATIVISTAS SUBMETEM O HOMEM TOTALMENTE AO
ESTADO, COLOCANDO ELE NUMA CONDIÇÃO DE OBJETO DE DIREITO, E NÃO
DE SUJEITO DE DIREITO.
7.1.5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo
A relação jurídica corresponde às relações intersubjetivas que acontecem sempre
entre dois ou mais sujeitos.
Ela existe pois o homem, por ser um animal social, necessita estar sempre se
relacionando com o próximo para a garantia de sua própria sobrevivência.
Neste contexto, o direito exerce um papel fundamental, pois é ele quem vai regular
estas relações jurídicas, atuando, dessa forma, como um apaziguador social e
como uma forma de controle deste mesmo meio. No entanto, para melhor nos
situarmos no tema, somos forçados a distinguir relação factual de relação jurídica.
As primeiras correspondem a determinadas relações sobre as quais não
incide uma norma jurídica (FATO NATURAL OU NÃO JURÍDICO); são,
portanto, exemplos desta categoria as relações que possuem uma finalidade
moral, artística, religiosa etc.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Enfim, qualquer relação que não seja regulada por uma norma ou que seja dirigida
para um determinado fim pretendido por ela.
A par destas explicações fica claro agora conceituarmos a chamada RELAÇÃO
JURÍDICA, a qual, nos ensinamentos de Miguel Reale, possui dois requisitos
necessários para o seu surgimento. Segundo o eminente professor: "Em primeiro
lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas.
Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal
maneira que derivem consequências obrigatórias no plano da experiência".
As relações jurídicas hoje em dia não são mais encaradas como um produto de
relações sociais apenas reconhecidas pelo Estado. Atualmente prevalece uma
concepção operacional do direito onde o Estado tem a incumbência de instaurar
modelos jurídicos que condicionem e orientem a constituição das relações
jurídicas.
Qualquer relação que tenha este adjetivo – jurídica – possuirá quatro
elementos tidos como essenciais para a sua formação, são eles: os sujeitos,
o objeto, a forma e o que Miguel Reale chama de VÍNCULO DE
ATRIBUTIVIDADE.
Giuseppe Lumia resume de forma sucinta e precisa e essência destes elementos
da seguinte forma:
"No âmbito das relações jurídicas são considerados os sujeitos
entre os quais a relação se instaura, a posição que ocupam na
relação e o objeto a propósito do qual a relação se estabelece.
Os sujeitos que concorrem para constituir a relação jurídica
são chamados partes, para distingui-los dos terceiros, isto é,
dos sujeitos estranhos à relação, mesmo que dela possam
obter, indiretamente, vantagem ou prejuízo. A posição de
qualquer das partes no seio da relação jurídica define a
chamada (não sem alguma incerteza terminológica na
doutrina) situação jurídica daquelas. O termo de referencia
externa da relação jurídica consiste, enfim, o seu objeto".
Os sujeitos da relação jurídica ainda se dividem em ativos e passivos; os primeiros
correspondem àqueles que possuem direitos oriundos da relação; os segundos
são aqueles sobre os quais recai um dever decorrente da obrigação assumida pela
relação (essa classificação tem pouquíssima importância hoje em dia, já que toda
relação jurídica possui, para todas as partes, direitos e deveres, ainda que sejam
somente os deveres anexos).

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Miguel Reale fala ainda em um outro elemento da relação jurídica, trata-se
do chamado vínculo de atributividade que nada mais é do que a concreção
da norma jurídica no âmbito do relacionamento. É o vínculo mediante o qual
uma parte na relação adquire legitimidade para exigir do outro algo – o
objeto da relação.
Toda essa descrição acerca da relação jurídica e seus elementos serviram para
que pudéssemos fazer uma análise mais profunda a respeito do direito subjetivo.
Pela doutrina de Caio Mário, o direito subjetivo se decompõe nesses três
elementos essenciais estudados até agora, o sujeito, o objeto e a relação jurídica.
Por cada um desses elementos entende-se, segundo os ensinamentos do professor
Caio Mário que sujeito é aquele a quem a ordem jurídica confere a faculdade de
agir, é o destinatário da norma jurídica, que corresponde ao homem; objeto é o
bem jurídico pretendido pelo sujeito da relação; e relação jurídica (elemento
ideal) é o meio pelo qual o direito subjetivo realiza-se, é o vínculo que impõe a
submissão do objeto ao sujeito.
Portanto, inseparáveis são os conceitos de direito subjetivo, relação jurídica,
sujeitos e objeto. Por estas conclusões ousamos até dizer que sem estes elementos
não há que se falar em direito subjetivo, uma vez que estes elementos, conforme
já mencionamos anteriormente, são componentes do direito subjetivo. O próprio
professor Caio Mário compartilha com nossa opinião quando defende a existência
do direito subjetivo como uma interação destes elementos sempre.
7.1.5.1. A Subjetividade e a Capacidade de ter Direitos
Dissemos anteriormente que o sujeito corresponde a um dos elementos
essenciais do direito subjetivo e o conceituamos como sendo o destinatário da
norma jurídica, o ser que através de uma garantia da ordem jurídica possui a
faculdade de agir; em outros termos, são os entes que através da relação jurídica
buscam a obtenção de determinados. Todavia, um questionamento acerca deste
conceito vem à tona quando realizamos o estudo dos sujeitos, este
questionamento é: quem pode ser sujeito de direitos?
Para responder essa pergunta, vamos certamente esbarrar nos conceitos de
pessoa, subjetividade – que é a mesma coisa que personalidade – e capacidade.
A palavra pessoa designa o sujeito em si, o homem, tendo sua origem no
cristianismo, que, como nos mostra Tércio Sampaio, "aponta para a dignidade do
homem insusceptível de ser mero objeto. A personificação do homem foi uma
resposta cristã à distinção, na Antigüidade, entre cidadãos e escravos. Com a
expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter do ser humano a todos
os homens, considerados iguais perante Deus". (41) A palavra "pessoa" tem
origem também no teatro antigo, onde um único indivíduo com uma só máscara

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


– a persona – desenvolvia vários papéis na peça, semelhante ao que acontece
conosco na nossa vida em sociedade. Nos dizeres de Tércio Sampaio "o que
chamamos de pessoa nada mais é do que feixe de papéis institucionalizados.
Quando esses papéis se comunicam, isto é, o pai é simultaneamente o trabalhador
em seu emprego, o pagador de impostos, o sócio de um clube, numa palavra, o
agente capaz para exercer vários papéis e as atividades correspondentes
(políticas, sociais, econômicas etc.), temos uma pessoa física".
Existe também uma outra espécie de pessoa, a pessoa jurídica, que constitui, pelos
ensinamentos de Tércio Sampaio, um feixe desses papéis isolados dos demais
papéis sociais e integrados pelo estatuto num sistema orgânico, com regras
jurídicas próprias.
Giuseppe Lumia por sua vez define assim a pessoa jurídica: "As pessoas jurídicas
são constituídas por um conjunto de pessoas físicas ou por um conjunto de bens,
aos quais confere unidade o fato de serem organizados em vista do atingimento
de um objetivo, e que o ordenamento jurídico considera da mesma maneira que
as pessoas físicas, como sujeitos de direito, titulares de poderes juridicamente
garantidos e de obrigações juridicamente sancionadas".
Ambos os tipos de pessoa podem ser considerados sujeitos de direitos e não
apenas a pessoa física, o homem, vez que esta visão unitária é produto da
influência da definição de pessoa pela doutrina cristã comentada em linhas
anteriores. Tanto a pessoa física como a pessoa jurídica porque possuem,
igualmente, direitos e deveres.
Mas o nosso conceito de sujeito de direito ainda não está completo, resta-nos falar
a respeito da subjetividade e da capacidade.
Subjetividade e capacidade são conceitos interligados um ao outro, poderíamos
dizer que a segunda constitui um elemento da primeira, contudo, este elemento
não é essencial da personalidade pois, como veremos mais adiante, pode existir
sujeitos dotados de personalidade mas carentes de capacidade. A subjetividade é
manifestada na capacidade jurídica, ou seja, como define Lumia, na capacidade de
serem titulares de poderes e deveres jurídicos. (45)Sem querer, acabamos de dar
uma ideia do que seja capacidade, todavia, como podemos perceber, a capacidade
possui um duplo sentido; ora significa capacidade no sentido de ação que
corresponde à aptidão para agir, e ora significa a capacidade no sentido jurídico
que é aquela a qual corresponde à aptidão do sujeito ser detentor de direitos e
obrigações. No mais, há a possibilidade de um sujeito ser titular de direitos e, ao
mesmo tempo, não ter a capacidade plena de exercício dos mesmos, conforme
alertamos anteriormente. São os casos dos surdos-mudos, loucos e menores, a

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


eles não se nega a existência de direitos, porém, seu exercício fica dependente da
capacidade de outro sujeito para se realizar a sua concretização.
Tendo a definição de capacidade em mãos, poderemos agora conceituar com mais
facilidade a subjetividade.
Subjetividade, ou personalidade, nada mais é do que a resultante de poderes
exprimidos pela capacidade.
"Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses
poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes".
A par destas explicações, temos agora condições de responder àquela indagação
feita nas primeiras linhas deste item. São sujeitos de direitos aqueles que, embora
por vezes não possuam aptidão para exercer seus direitos pessoalmente,
possuem personalidade jurídica; ou seja, são detentores de direitos e deveres.
Todos esses conceitos são dependentes um do outro. Exemplificando com maior
simplicidade, um determinado ser é sujeito de direitos porque tem personalidade
jurídica; onde tem personalidade jurídica tem-se a capacidade (lembre-se sempre
que muitas vezes esta capacidade falta ao sujeito, mas isso não significa que não
possa ser sujeito de direitos); tem capacidade porque é pessoa; e, por fim, é pessoa
porque tem direitos e obrigações.
7.1.5.2. A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas Subjetivas
A situação jurídica subjetiva de um sujeito dentro de uma relação jurídica
corresponde ao papel assumido por cada um deles. Na lição de Miguel Reale,
ocorre a situação jurídica subjetiva "toda vez que o modo de ser, de pretender ou
de agir de uma pessoa corresponder ao tipo de atividade ou pretensão
abstratamente configurado numa ou mais regras de direito". (47)Através das
situações jurídicas é que se estabelece uma relação; por exemplo, se um
determinado sujeito "A" realiza um contrato de compra e venda com o sujeito "B",
operou-se uma relação jurídica, onde a situação jurídica de "A" que adquiriu um
bem de "B" é a de credor se este pagou o preço acertado entre eles; e a situação
jurídica de "B" é a de devedor até omomento de entrega do bem em questão. Pelas
explicações de Lumia, iremos observar melhor o conceito de situação subjetiva:
"Dado que o poder de um corresponde o dever do outro, a relação jurídicas surge
como a correlação de duas situações jurídicas de sentidos opostos e de igual
conteúdo. Todavia, é muito freqüente ocorrer que da mesma relação surjam
poderes e deveres recíprocos nos sujeitos entre os quais ela se estabelece".
(48)Ou seja, há situações jurídicas passivas (devedor) e ativas (credor); à
pretensão de um corresponde à obrigação do outro, ou ao poder de um
corresponde à sujeição do outro.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Se quisermos compreender melhor as situações jurídicas subjetivas devemos ter
em mente os conceitos de normas de conduta e normas de competência, as quais
vão definir dois modelos de relação jurídicas surgidas a partir de cada conceito
deste.
Primeiramente, diz-se que normas de conduta são atribuições a um sujeito para a
realização do interesse de outro; para o sujeito cujo interesse deve ser
resguardado dizemos que ele tem a pretensão em relação ao outro sujeito que tem
uma obrigação. Por exemplo, o sujeito "A" tem a obrigação de abster-se de turbar
a posse de "B", neste caso existe uma norma direcionada diretamente ao sujeito
"A", o qual agindo dessa forma, realizará o interesse de "B". Quando, porém,
ausente a pretensão de um sujeito, surgirá para o outro uma faculdade.
Entretanto, quando uma norma é editada não para regular comportamentos, mas
outras situações jurídicas, estamos diante de uma situação jurídica originada por
normas de competência. Neste, caso não se fala mais em pretensão e obrigação,
as duas situações jurídicas passam a ser de poder e sujeição; por exemplo, quando
um sujeito dita as normas de uma relação jurídica sobre outro sujeito. O exemplo
citado por Miguel Reale quanto ao pátrio poder é bastante ilustrativo e esclarece
muito este conceito: "O pátrio poder não é um direito subjetivo sobre os filhos
menores. Estes sujeitam-se ao poder paterno ou materno nos limites e de
conformidade com um quadro de direitos e deveres estabelecido no Código Civil;
não no interesse dos pais, mas sim em benefício da prole e da sociedade. Só se
pode falar em sujeição dos filhos aos pais enquanto estes se subordinam ao
quadro normativo, em razão do qual o pátrio poder é atribuído.
Por outro lado, ao poder dos pais não corresponde uma prestação por parte dos
filhos, nem aqueles possuem, em relação a estes, uma pretensão exigível". (49)
Todavia, quando este poder não gera uma sujeição ao outro sujeito surge a
situação da imunidade.
Essas situações jurídicas elementares fazem surgir várias figuras jurídicas
complexas, entre elas o direito subjetivo como diz Giuseppe Lumia. Segundo o
autor: "O direito subjetivo apresenta-se como um conjunto unitário (e unificador)
de situações jurídicas elementares: isso indica um conjunto de faculdades,
pretensões, poderes e imunidades que se encontram em um estado de habitual e
constante ligação, e que são inerentes a um determinado sujeito em relação a um
determinado objeto".
Para as demais situações jurídicas subjetivas como a obrigação, a sujeição, a
ausência de poder e a ausência de pretensão, pensamos serem correspondentes
ao chamado dever subjetivo. Portanto, a relação do direito subjetivo com a
situação jurídica subjetiva está evidente, pois a existência do primeiro está

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


condicionada à segunda quando a mesma, segundo Miguel Reale "implica a
possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação, unida à
exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem".
7.1.6. Direitos Públicos Subjetivos
Capítulo extraído do livro “Lições Preliminares de Direito”, de Miguel Reale.
7.1.6.1. Direitos Públicos Subjetivos - Perspectivas Históricas
Até época bem recente, nem sequer passava pela cabeça dos tratadistas esta ideia,
hoje fundamental, da existência de direitos públicos subjetivos. É esse um dos
assuntos magnos da Teoria do Estado. O eminente Vittorio Emmanuele Orlando
apontava-o como sendo "il formidabile argomento", por envolver toda uma série
de questões de ordem jurídica entre as relações do Estado com o Direito, e mais
ainda, entre o indivíduo e as forças políticas, pondo em xeque o problema
essencial da liberdade.
Já dissemos que só recentemente surgiu e se determinou o conceito de direito
público subjetivo. Trata-se de uma conquista da época moderna, que atinge a
sua força teórica e doutrinária tão-somente na segunda metade do século
XIX. O reconhecimento de direitos públicos subjetivos começa a ser feito
quando se constituem as primeiras formas de governo representativo.
Conhecem os senhores, pelos estudos de História, aquele episódio fundamental
na vida política que foi a "Magna Cartha Libertatum", que é um pacto feudal,
mediante o qual os chefes de maior prestígio fizeram valer perante o Rei da
Inglaterra determinadas prerrogativas, que passaram a constituir limites à ação
do Poder público. Entre essas prerrogativas figurava uma concernente à
legislação tributária, de maneira tal que nenhum imposto pudesse ser lançado
sem a prévia audiência dos contribuintes. Eis aí um caso típico de direito público
subjetivo, ainda não declarado como tal, mas que reúne todos os seus requisitos.
Posteriormente, tivemos na História um período de absolutismo quando o
monarca proclamava o seu poder soberano. Não há prova de que Luís XIV tenha
dito que o Estado era ele, mas jamais teria contestado semelhante afirmação. Ela
se encontra mesmo na obra de Bossuet, que foi o intérprete do direito divino dos
reis, ao proclamar: "Tout l'État est en lui", o que correspondia à afirmação paralela
atribuída ao próprio Luís XIV: "L'État c'est moi". Ora, se o Estado é o príncipe, não
há que falar em direitos públicos subjetivos. O indivíduo teria para si apenas o que
o Estado lhe destinasse.
A TEORIA DO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO É, POIS, UMA TEORIA
FUNDAMENTAL, PORQUANTO IMPLICA A AFIRMAÇÃO DE QUE O INDIVÍDUO
POSSUI UMA ESFERA DE AÇÃO INVIOLÁVEL, EM CUJO ÂMBITO O PODER
PÚBLICO NÃO PODE PENETRAR. Não foi, pois, por mera coincidência que, no

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


processo liberal do século XVIII e no individualismo que prevaleceu na Revolução
Francesa, essas ideias tenham começado a adquirir contornos mais nítidos. É que,
no fundo, todos os direitos públicos subjetivos pressupõem o direito fundamental
de liberdade, entendida em sua dupla valência, como poder autônomo de ser e agir
na esfera privada (liberdade civil) e na esfera pública (liberdade política).
As primeiras Declarações de Direitos, que aparecem, no século XVIII, nos Estados
Unidos e na França, são diplomas solenes em que se proclamam os direitos
públicos subjetivos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
na França, representa um marco fundamental na experiência jurídica e política,
assim como, em nossos dias, tivemos, logo após a 2ª Grande Guerra, a Declaração
Universal dos Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948.
Entre uma e outra transcorreu o período de um século e meio, mas foi o bastante
para que se operasse uma profunda alteração. A primeira Declaração era de
cunho essencialmente político, cuidava mais dos direitos públicos do
homem enquanto cidadão, ao passo que a segunda não só os amplia, como
acrescenta aos direitos políticos os direitos sociais dos indivíduos, e, mais
ainda, os direitos dos povos, como por exemplo, o de autodeterminação.
7.1.6.2. Os Direitos Subjetivos Públicos na Constituição Brasileira
Onde, no Brasil, encontramos primordialmente declarados os direitos públicos
subjetivos?
Matéria tão relevante não podia ser disciplinada através de leis ordinárias, mas
figura no texto constitucional, como uma de suas partes básicas. O mesmo ocorre,
aliás, na quase-totalidade das constituições contemporâneas, muito embora varie
de umas para outras a extensão dos direitos declarados e suas formas e processos
de garantia.
Quem, no Brasil, quiser saber quais são os nossos direitos públicos subjetivos
fundamentais não tem outra coisa a fazer senão identificá-los no Título II da
Constituição, sobretudo nos Capítulos 1, II e IV. Nenhuma Carta Constitucional
consagra, mais do que a nossa, tão extenso e minucioso elenco de direitos e
deveres individuais e coletivos, assim como de direitos sociais e políticos,
enunciando as respectivas salvaguardas. Pode-se mesmo dizer que há certo
exagero em conferir dignidade constitucional a vários direitos mais próprios da
legislação ordinária.
Não é preciso, aqui, enumerar as múltiplas formas de direito público subjetivo,
porquanto qualquer brasileiro deve ter o cuidado de conhecer o art. 5.° e
seguintes da Constituição, que se referem à sua própria personalidade política e à
sua atividade individual e social enquanto membro da comunidade nacional.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Tais Declarações de Direitos durante muito tempo tiveram apenas um sentido
jurídico-político, limitando-se a estabelecer garantias de ação aos indivíduos
contra o Estado ou no Estado. No decorrer do século XX, porém, em continuação
a um processo histórico iniciado nas épocas anteriores, as Declarações de Direito
passaram a ter sim caráter mais social e econômico.
Hoje em dia não se reconhece apenas o direito de livre pensamento ou direito de
reunião, como já acontecia na Constituição de 1891 ou na Constituição do
Império, porque se reconhece o direito ao trabalho, ou o direito à subsistência,
que são esteios da chamada socialização do Direito. Especial destaque é dado aos
chamados direitos fundamentais da pessoa humana, tais como os relativos à tutela
da intimidade e dos meios indispensáveis à realização dos valores da liberdade e
de uma existência condigna.
O legislador constituinte de 1988 não se contentou, porém, com a extensa lista de
direitos consagrados na Secção supralembrada, porquanto, na linha seguida pelas
Constituições anteriores, dedicou títulos especiais para disciplina da ordem
econômica e financeira e da ordem social, assegurando novos direitos públicos
subjetivos no plano da atividade empresarial, da saúde, da previdência e
assistência sociais, da educação, da cultura etc.
O direito ao trabalho e o dever do trabalho, por exemplo, são expressões da
compreensão do Estado de Direito como Estado da Justiça social e da cultura, ao
contrário do que ocorria com a Constituição de 1891, de feitio liberal clássico,
adstrita à disciplina dos direitos políticos.
OS DIREITOS SUBJETIVOS PÚBLICOS PODERIAM, POR CONSEGUINTE, SER
DISCRIMINADOS EM DUAS GRANDES CATEGORIAS: DIREITOS SUBJETIVOS
PÚBLICOS DE NATUREZA POLÍTICA E DIREITOS SUBJETIVOS PÚBLICOS DE
CARÁTER SOCIAL.
Todavia, ao lado dessas duas categorias fundamentais, uma terceira deve ser
acrescida, a dos direitos públicos subjetivos de natureza estritamente jurídica.
É também no texto constitucional que se encontra a sedes materiae, muito embora
possa ou deva ser completada por leis complementares e especiais. Discriminar
tais direitos seria antecipar os estudos de Direito Constitucional, mas, nesta nossa
visão de conjunto do mundo jurídico, cabe dizer algo sobre assunto de tamanha
relevância.
Note-se que não pretendemos apresentar exemplos de direitos fundamentais
juridicamente puros, pois todos eles apresentam uma dose razoável de
qualificação política ou social. A discriminação das três apontadas categorias
atende às notas prevalecentes ou dominantes de cada figura estudada.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Esclarecido esse ponto, podemos apresentar os seguintes exemplos de direitos
fundamentais de ordem jurídica:
a) o relativo à preservação ou inviolabilidade das situações jurídicas já
adquiridas;
b) o da liberdade de ir e vir, amparada por "habeas corpus";
c) o da defesa de direitos líquidos e certos contra abusos de autoridade, através
do mandado de segurança;
d) o direito de ação, isto é, de exigir, quando cabível, a prestação jurisdicional do
Estado;
e) o de promover ação popular para declarar a nulidade de atos lesivos à Fazenda
Pública;
f) o direito à informação administrativa sobre questões de interesse próprio, com
tutela do habeas data.
7.1.6.3. Fundamento dos Direitos Públicos Subjetivos
Ventilar o problema dos direitos públicos subjetivos é discutir a questão do valor
do homem no Estado ou perante o Estado. O assunto empolgou grandes mestres
do pensamento moderno. Em primeiro lugar, cabe uma referência à doutrina
segundo a qual o indivíduo é anterior ao Estado, sendo já portador de direitos
públicos subjetivos como algo de inerente à sua própria existência. São os
jusnaturalistas, sobretudo do século XVIII, que sustentam que os indivíduos
possuem direitos naturais públicos subjetivos em virtude do "contrato social" por
eles concluído para sua própria garantia.
Se o Estado é precedido de um "estado de natureza", no qual cada homem era
livre, não pode o Poder Público constituir-se com esquecimento, e muito menos
com repúdio desses direitos, que são inerentes à natureza mesma do homem.
Dentro dessa maneira de pensar, elaborou-se a Declaração dos Direitos de 1789,
onde se proclama, à luz do Direito Natural racionalista, que os homens nascem e
devem permanecer livres e iguais.
Embora tenha desempenhado grande papel na história do Estado Moderno,
essa doutrina está de há muito superada, tanto como a ideia, que está em
sua base, da existência de direitos naturais anteriores à organização
política. Muitos autores sustentam que não há direitos individuais enquanto
o indivíduo não se alia a outros ou não se compõe com outros em forma
estatal, mesmo que incipiente. O indivíduo não tem direitos senão quando o

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Estado surge, - declaram os partidários da doutrina que se contrapõe ao
jusnaturalismo.
Feita a afirmação de que o indivíduo só tem direitos no Estado, porque o Direito
implica sempre a existência de um poder político, surge uma questão básica: se o
indivíduo e os grupos têm direitos tão-somente no Estado, e se o Estado é a
expressão da maior força, como explicar a existência de direitos subjetivos?
Uma das teorias destinadas a explicar esta matéria, e que teve larga
aceitação, não lhe faltando adeptos hoje em dia, é a chamada teoria da
AUTOLIMITAÇÃO DA SOBERANIA.
Já tivemos ocasião de dizer que, segundo a nossa maneira de conceber o
problema, a soberania é juridicamente o poder originário de decidir em última
instância sobre a positividade do direito.
Mesmo concebendo a soberania da maneira estrita, como o fazemos, não há
dúvida de que ela é sempre um poder que fala por último, ou seja, um poder
inapelável, motivo pelo qual é também definida como sendo "a competência da
competência", segundo a afirmação concisa de Laband.
Ora, se a soberania é o poder de decidir em última instância, caberá sempre ao
Estado delimitar aquilo que pertence privativamente ao indivíduo? Como
explicar, dentro da teoria estatal, essas ilhas em que o indivíduo situa a sua
personalidade política e a sua capacidade econômica ou jurídica? A Constituição
declara direitos e garantias, mas vários deles podem ser suspensos por motivo de
segurança nacional ou de guerra. Outros também sofrerão eclipses em caso de
intervenção federal nos Estados. Como explicarmos então, o valor próprio,
autônomo, dos direitos fundamentais?
Os jusnaturalistas, - isto é, os adeptos do Direito Natural, como uma entidade de
razão, ou um protótipo ideal, como prevaleceu no século XVIII, - os jusnaturalistas,
idealizando a matéria, ligam tais direitos à própria pessoa humana, e então
declaram que há direitos naturais subjetivos, que o Estado deve respeitar porque
o Estado surge para respeitá-los. Essa explicação, entretanto, não satisfaz,
porque, em verdade, basta um exame perfunctório da história política para
se verificar que estamos diante de uma conquista da cultura, cada vez mais
renovada em seus valores.
O primeiro autor que tratou deste assunto com grande profundidade foi Rudolf
von Jhering em sua obra clássica O Fim no Direito. Nesse livro que o grande
romanista deixou incompleto, e no qual desejava sintetizar toda a sua concepção
do Direito, ele sustenta que a soberania, para poder atuar, precisa ir

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


discriminando esferas de ação entre os indivíduos e os grupos. É o Estado que se
limita a si mesmo.
Essa teoria de Jhering foi desenvolvida por aquele que devemos reputar o
consolidador da Teoria do Estado, Georg Jellinek. Nos seus dois grandes livros,
Sistema dos Direitos Públicos Subjetivos e Doutrina Geral do Estado, JELLINEK
DEFENDE A TEORIA DA AUTOLIMITAÇÃO DA SOBERANIA DIZENDO, EM
SUMA, QUE OS DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS EXISTEM NA MEDIDA EM
QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE TRAÇAR LIMITES A SI PRÓPRIO,
ENQUANTO ESTADO DE DIREITO.
A teoria da autolimitação provocou várias criticas. Em primeiro lugar, uma tão
antiga como a cogitação sobre essa matéria, e que consiste na pergunta: "quis
custodiet custodes"? (quem guardará os guardiães?)
O Estado autolimita-se para declarar e reconhecer direitos. Mas, então, os
indivíduos ficam à mercê do Estado!? Haverá direitos subjetivos maiores ou
menores, conforme o arbítrio daqueles que, no momento, encarnam e
representam a pessoa jurídica do Estado.
A Constituição da República Federativa do Brasil enuncia os direitos subjetivos
públicos, na ordem política e na ordem social e jurídica, com certa largueza, mas
não poderia ter feito declaração diversa? Não poderia ter estabelecido princípios
completamente diferentes daqueles que hoje constituem o nosso Direito Público
fundamental? Quem teria poderes para impedir o arbítrio do Poder Constituinte?
Jhering, com a sua costumeira penetração, não desconhecia esse problema.
Respondeu ele, entretanto, que aí a questão já não é mais jurídica, mas sim
política. A seu ver, a garantia única e exclusiva da existência de direitos públicos
subjetivos está na consciência popular, na educação cívica do povo, na força da
opinião pública. Por mais arbitrária que seja uma Assembleia Constituinte e por
mais dotado de força que seja um órgão de Estado, eles pautarão a sua concepção
em torno dos direitos públicos subjetivos conforme a resistência do meio cultural
e do meio social em que atuem. O problema da autolimitação do poder do
Estado é um problema da história política. Para o jurista, o que existe,
segundo o prisma específico do Direito, é o Estado se autolimitando.
Em nosso livro Teoria do Direito e do Estado, apreciamos diversas doutrinas e
chegamos à conclusão de que a teoria da autolimitação aprecia apenas o aspecto
jurídico do problema. Talvez haja equívoco em falar-se em autolimitação. A
EXPRESSÃO AUTOLIMITAÇÃO É INFELIZ PORQUE DÁ A IDEIA DE QUE É O
ESTADO QUE TRAÇA A SI PRÓPRIO OS SEUS LIMITES, QUANDO, NA
REALIDADE, TEMOS DIANTE DE NÓS UM PROCESSO DE NATUREZA
HISTÓRICO-CULTURAL, QUE IMPLICA UMA DISCRIMINAÇÃO PROGRESSIVA

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


DE ATIVIDADES, PARA OS INDIVÍDUOS OU PARA A SOCIEDADE CIVIL, DE UM
LADO, PARA O PODER PÚBLICO, DO OUTRO.
A nosso ver, houve engano ao se apreciar separadamente o problema do indivíduo
perante o Estado, quando o Estado não é senão expressão do processo histórico
de integração da vida política e jurídica.
Para nós, os direitos públicos subjetivos são momentos desse processo de
organização da vida social, de tal sorte que não apenas existem direitos e deveres
para os indivíduos, como também, concomitante e paralelamente, direitos e
deveres para o Estado: é algo que resulta da natureza mesma da evolução
histórica. É tão essencial ao Estado, no mundo contemporâneo, o reconhecimento
de esferas primordiais de ação aos indivíduos e grupos, que, embora os direitos
públicos subjetivos possam sofrer redução, grande número deles sempre
subsiste, até mesmo nos Estados totalitários. A estrutura mesma da sociedade
atual impõe esse reconhecimento, que tende progressivamente a alargar-se, como
uma exigência da razão histórica, isto é, como fruto da própria experiência
histórica.
NÃO PODEMOS, PORÉM, - E NESSE PONTO TINHA RAZÃO JHERING -
PRETENDER UMA PURA TEORIA JURÍDICA PARA EXPLICAR UM FENÔMENO
COMPLEXO QUE É DE NATUREZA POLÍTICA, SOCIOLÓGICA, ECONÔMICA ETC.
O que devemos reconhecer é que a sociedade, quanto mais progride, quanto mais
se desenvolve, mais precisa de centros diretores, e, ao mesmo tempo e
paralelamente, de autodescentralização, de autodiscriminação na maneira de ser
e de agir, a que correspondem situações subjetivas para os indivíduos e os grupos.
O problema dos direitos públicos subjetivos é um problema histórico-cultural,
porquanto representa um momento de ordenação jurídica, atendendo a uma
exigência social que se processa independentemente do arbítrio e da vontade
daqueles que, transitoriamente, enfeixem em suas mãos o poder político.
Estão vendo, portanto, que o problema não poderá, jamais, ser explicado com
teorias puramente jurídicas. Todas as teorias que pretenderam examinar o
assunto, como se a matéria fosse de Direito Constitucional, estão fadadas a
insucesso. Este é um assunto de Teoria do Estado, a qual não pôde deixar de
examinar o problema sob três prismas ou três aspectos distintos: o
sociológico, o jurídico e o político.
É só sob esse tríplice aspecto que poderemos apreciar a matéria que diz respeito
ao que há de mais essencial ao homem, que é a sua posição jurídico-politíca no
seio da comunidade e do Estado, como expressão de sua liberdade.
Certo é, todavia, que o reconhecimento de direitos públicos subjetivos, armados
de garantias eficazes, constitui uma das características basilares do Estado de

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado


Direito, tendo eles como fundamento último o valor intangível da pessoa humana,
o que demonstra que, como em todo problema relativo ao fundamento de um
instituto jurídico, não podemos deixar de elevar-nos até o plano da Filosofia.
Situada a questão dos direitos públicos subjetivos no plano histórico-
cultural, como acabamos de fazer, podemos dizer que eles se impõem ao
reconhecimento e ao respeito do Estado sobretudo quando correspondem
ao que temos denominado invariantes axiológicas, isto é, a valores
universalmente proclamados e exigidos pela opinião pública como absolutamente
essenciais ao destino do homem na face da Terra. Passa-se mesmo a falar em um
Direito planetário consagrador de valores transnacionais e transestatais que
conferem novo fundamento aos direitos públicos subjetivos no plano do Direito
Interno e do Direito Internacional.
A partir da invariante axiológica primordial representada pela pessoa humana
configura-se todo um sistema de valores fundantes, como o ecológico e o de uma
forma de vida compatível com a dignidade humana em termos de habitação,
alimentação, educação e segurança etc., em função dos quais se impõem
imperativamente deveres ao Estado, com a correspondente constelação de
direitos subjetivos públicos. Somente assim se realiza o Estado de Direito.

Material inteiramente gratuito e de livre distribuição. Sua venda é proibida. @embreve.magistrado

Você também pode gostar