Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
243
Jaime Reis
244
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
bariam por ficar certamente mais ricos – ao longo destas décadas, o acrés-
cimo no seu rendimento real cifrou-se entre os 40% e os 65% – mas,
como se figura, a sua posição relativa tinha decaído acentuadamente. Em
1913, o produto nacional per capita era cerca de 30% da média de um con-
junto de 19 países que à época se poderiam considerar avançados.2
Com os anos 20 deste século iniciava-se uma inversão nesta ten-
dência e despontava uma nova era. Não só mantinha-se o crescimento
70
65
60
55
Percentagem
50
45
40
35
30
25
1850
1990
1854
1858
1862
1866
1870
1874
1878
1882
1886
1890
1894
1898
1902
1906
1910
1914
1918
1922
1926
1930
1934
1938
1942
1946
1950
1954
1958
1962
1966
1970
1974
1978
1982
1986
sustentado da economia, como, graças a taxas agora relativamente mais
elevadas, cessava o seu declínio relativo e, a partir da década de 1930, o
país entrava no ramo ascendente da curva em U, na figura, que traduz a
progressiva recuperação em relação às economias que nos servem de ter-
mo de comparação.3 Entre 1930 e 1939, o produto nacional per capita em
Portugal subia para 35% da média acima referida; na década de 1950,
elevava-se para 37%; e nos princípios dos anos 70, na seqüência dos
“Anos de Ouro” do pós-guerra e antes do primeiro choque petrolífero,
atingia os 54%.4 Contrariamente à perspectiva tradicional sobre este pe-
ríodo e que ainda encontra aderentes, o Estado Novo, longe de ter sido
um tempo de estagnação, foi uma das épocas mais dinâmicas, em termos
econômicos, da história portuguesa.5
Perante comportamentos de longo prazo tão contrastantes, não
surpreende que também a historiografia os tenha procurado separar na
sua busca de explicação para os ritmos da economia portuguesa no con-
fronto com as demais. No caso do atraso cada vez mais acentuado do sé-
culo XIX, a ênfase tem sido posta nas barreiras, internas e externas, que
impediram que os fatores internacionais estimuladores do crescimento ti-
vessem tido um impacto semelhante ao registrado noutras economias si-
milarmente atrasadas e que começavam também então a crescer embora
245
Jaime Reis
246
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
247
Jaime Reis
248
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
249
Jaime Reis
e o produto do seu cultivo não deveria portanto exceder os 4 mil contos por
ano, um quantitativo que ainda que duplicado, hipoteticamente, pouco
afetaria o estado econômico da nação no longo prazo. 14
Também o Estado, um componente central nas interpretações mais
recuadas que assentavam na tese da dependência externa, ressurge nesta
nova vaga revisionista, embora com outras vestes. Segundo uma das
perspectivas abertas na presente década, onde o seu papel se revelou pou-
co propiciador do crescimento, não foi na sua incapacidade para proteger
a indústria suficientemente da concorrência estrangeira, que, como vi-
mos, terá sido afinal um falso problema. Antes o que faltou foi a promo-
ção, através de tratados comerciais adequados, das exportações dos pro-
dutos primários ou semimanufaturados em que havia alguma vantagem
competitiva, mas que em certas instâncias se viram em dificuldades co-
merciais em conseqüência de discriminações sofridas em mercados que
eram importantes para a sua expansão.15
Ainda neste campo, um segundo aspecto inovador deriva do esta-
tuto do Estado como principal e maior agente econômico do país. Com
uma despesa pública de cerca de 14% do produto nacional e um papel
primacial no mercado de capitais, de onde drenava importantes recursos
financeiros, que de outro modo poderiam ter sido orientados para aplica-
ções produtivas, o seu impacto era necessariamente substancial e o po-
tencial para retardar o crescimento significativo. No que toca à primeira
destas dimensões, é agora possível argumentar, com base em estudo de
Eugênia Mata, que uma grande parte dos recursos assim absorvidos fo-
ram realmente “esterilizados” e logo perdidos para o crescimento da eco-
nomia, na medida em que, em média, apenas 10% da despesa pública foi
canalizada durante as décadas em apreço para objetivos “econômicos” e
muito do restante utilizado para sustentar uma burocracia de fraco valor
neste contexto.16 Sobre a segunda destas dimensões, apenas possuímos
resultados preliminares que indicam, no entanto, um efeito negativo so-
bre a economia portuguesa da segunda metade dos oitocentos. A punção
sobre o mercado financeiro resultante das necessidades creditícias do Es-
tado teve efetivamente um efeito dissuasor sobre o investimento privado,
mas apenas de forma “moderada”.17
Na sua vertente bancária, tem merecido também alguma atenção
o possível papel propulsor do mercado de crédito sobretudo em relação à
indústria, um conceito de aplicação freqüente aos países de desenvolvi-
mento tardio, de acordo com os ensinamentos de Gerschenkron. Duran-
te todo este período, a banca teve uma evolução excepcionalmente rápi-
da e parece ter canalizado uma parte não despicienda dos seus meios para
alguns setores industriais, o que à primeira vista deveria ser favorável ao
crescimento global. O sistema bancário português caracterizou-se, no en-
250
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
tanto, por uma pulverização que lhe retirou boa parte da possibilidade de
ter economias de escala, sofreu de instabilidade ocasionada por uma ex-
cessiva dispersão geográfica e, talvez por a poupança nacional ser tão li-
mitada, não logrou jamais atingir uma dimensão suficiente para conse-
guir desempenhar um papel de relevo na modernização da economia.
Apesar de estreito, o seu relacionamento com a indústria pautou-se sem-
pre por um conservadorismo que pode ter tido as suas raízes nos proble-
mas apontados, mas que de qualquer forma poderá ter travado uma
transformação mais rápida do setor industrial, em particular de setores
tecnologicamente mais avançados e por isso mais carenciados de finan-
ciamento a longo prazo.18
Para além destes aspectos parcelares surgiram, durante a década de
1990, três novas abordagens que, em contraste, preferiram encarar de
forma global o problema do atraso econômico português do século XIX.
Numa delas, O’Rourke & Williamson mostraram que, no caso de Portu-
gal, dois fatores tinham sido igual e especialmente importantes em deter-
minar o ritmo de crescimento atingido entre 1870 e 1913: a escolarização
e a emigração. Esta dedução, baseada numa análise econométrica das di-
ferenças entre sete países da periferia européia no que respeita à conver-
gência dos respectivos rendimentos per capita em relação aos EUA e à In-
glaterra, concluía também que a abertura ao comércio externo, o influxo
de capitais estrangeiros e o progresso tecnológico apenas tinham tido um
impacto residual.19 Segundo estes autores, o mecanismo causal era sim-
ples. A rarefação da mão-de-obra associada à emigração, assim como a
elevação da razão trabalho/capital e trabalho/terra, teriam engendrado a
elevação geral da produtividade e do nível salarial que caracterizaram o
período e de que resultou sucessivamente a progressão do rendimento per
capita dos portugueses. O impacto disto seria aproximadamente 50% do
aumento total registrado nesta última variável durante estes decênios, ca-
bendo outro tanto à formação de capital humano, um efeito discutido an-
teriormente e assim agora confirmado e quantificado.
Vários aspectos deste estudo merecem realce pelo seu caráter inova-
dor. É a primeira vez que, no caso de Portugal, para além de se quantificar
o fenômeno do crescimento em si se faz o mesmo para os seus fatores ex-
plicativos, o que tem o mérito de, mais do que simplesmente identificá-los,
permitir ordená-los conforme a importância relativa. Em segundo lugar,
em vez de se partir de uma análise das condições especificamente portu-
guesas, chega-se a estas partindo, pelo contrário, de um modelo de âmbito
global em que Portugal é apenas uma peça do “puzzle”. Por último, dá-se
destaque a um aspecto da realidade socioeconômica oitocentista portugue-
sa cuja importância tem sido sempre amplamente reconhecida, mas cujo
papel no processo que ora nos ocupa não tem sido até aqui formulado com
251
Jaime Reis
252
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
253
Jaime Reis
254
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
255
Jaime Reis
256
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
257
Jaime Reis
por ser da ordem dos 1,7 por mil habitantes, até 1950, e que no seu auge,
por volta de 1970, correspondia a uma taxa de 21 por mil. Por um lado,
a estagnação populacional resultante possibilitou um processo de cresci-
mento marcadamente capital intensivo e absorvedor de nova tecnologia,
uma forte diminuição da mão-de-obra agrícola sem o aparecimento de
um desemprego industrial perturbador e aumento da produção que não
se dissiparam por uma base demográfica em rápida expansão, como su-
cedeu noutros casos contemporâneos de desenvolvimento econômico.39
Por outro, gerou-se um considerável e crescente caudal de remessas para
o país natal, captado e canalizado majoritariamente pelo setor bancário
português e cujo efeito foi assinalável em duas áreas cruciais para a trans-
formação da economia. A primeira era a do comércio externo, em que a
expansão das importações de equipamentos e matérias-primas normal-
mente associada a processos de industrialização rápida não conduziu a
um estrangulamento graças às abundantes divisas assim obtidas e refor-
çadas pelas receitas do turismo então em fulgurante ascensão. A segunda
foi o contributo prestado por estas remessas para o consumo e particular-
mente para a economia das famílias, que viram o seu rendimento aumen-
tar em virtude disso, em média, de 3,5% durante os anos 1960-1965 e de
7,7% em 1966-1973, um valor que contrasta fortemente com os 2% ob-
tidos da mesma origem no princípio do século, outra época de grande
emigração, mas de fraco crescimento econômico.
O quinto e último dos tópicos essenciais para a história da recupe-
ração da economia portuguesa após 1945 é de todos o mais complicado e
difícil de avaliar. Trata-se da vasta e complexa teia regulatória que o Es-
tado Novo começou a tecer desde o seu início, nos anos 30 e manteve es-
sencialmente até o fim, em parte como uma série de respostas pragmáti-
cas a problemas conjunturais que iam surgindo, e, em parte, como resul-
tado de uma forte desconfiança ideológica em relação aos mecanismos de
mercado. Em conseqüência e sob a capa de um muito apregoado “estado
corporativo”, estabeleceram-se circuitos comerciais obrigatórios para
grande número de produtos, fixaram-se preços e salários num largo âm-
bito produtivo e comercial e regulou-se a importação por via administra-
tiva. No domínio industrial em particular implementou-se uma política
altamente intervencionista, “o condicionamento industrial”, que conferia
às autoridades poderes discricionários para licenciar a criação de novos
estabelecimentos, a reabertura e a expansão dos já existentes e até a subs-
tituição dos respectivos maquinismos. Os objetivos, oficialmente, eram
diversos – corrigir os excessos de capacidade produtiva, fomentar econo-
mias de escala, impulsionar a modernização tecnológica, diminuir a de-
pendência externa – embora na prática o acento tenha estado em travar
a concorrência, limitando a entrada de novos produtores ou de processos
258
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
259
Jaime Reis
NOTAS
1. REIS, J. How Poor Was the European Periphery before 1850? In: XVII ENCONTRO DA AS-
SOCIAÇÃO PORTUGUESA DE HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL, 1997, Ponta Delgada.
2. Não existe consenso quanto à expressão quantitativa exata desta evolução. Ver: NUNES,
A. B., MATA, E., VALÉRIO, N., 1989; LAINS, P., REIS, J., 1991; LAINS, P., 1995. JUSTINO,
D. A evolução do Produto Nacional Bruto em Portugal, 1850-1919 – Algumas Estimativas
Provisórias. Análise Social, p.451-611,1987.
3. TORTELLA, G., 1994, identificou como “Mediterrânica” esta curva em U representativa
do rácio entre o produto nacional per capita e uma média da mesma variável em vários paí-
ses avançados, uma vez que ela esteve presente em simultâneo não só em Portugal como
na Itália e na Espanha.
4. Estes dados, ainda não publicados, são tirados do trabalho de L. AMARAL Is the Theory of
Convergence Useful for the Study of Growth in Portugal in the Postwar Period? Florença, 1997. (Mi-
meogr.).
5. Ver, por exemplo, BIRMINGHAM, D. A Concise History of Portugal. Cambridge: Cambrid-
ge University Press, 1993.
6. PEREIRA, M. H., 1983. Para uma reafirmação recente destas idéias, ver, MIRANDA, S.
de. Portugal: o círculo vicioso da dependência (1890-1939). Lisboa: Teorema, 1991.
7. GODINHO, V. M., 1975.
8. Ver JUSTINO, D., 1988-1989. Ver também LAINS, P. Exportações Portuguesas, 1850-
1913: a tese da dependência revisitada. Análise Social, p.381-419, 1986.
9. Ver REIS, J. Latifúndio e progresso técnico: a difusão da debulha mecânica no Alentejo,
1860-1930. Análise Social, p.371-443, 1982.
10. Sobre este argumento, ver FONSECA, H. A., REIS, J. José Maria Eugénio de Almeida,
um capitalista da regeneração. Análise Social, p.865-904, 1987. A citação é de SERRÃO, J.,
MARTINS, G. Da indústria: do Antigo Regime ao capitalismo. Lisboa: Horizonte, 1978. p.32.
11. REIS, J., 1993.
12. Ibidem.
13. FONSECA, H. A., 1996.
14. Dados obtidos por SILVA, A. M. da. Desamortização e venda dos bens nacionais em Portugal
na primeira metade do século XIX. Coimbra: Faculdade de Letras, 1989. Ver o argumento em
REIS, J., 1992.
15. LAINS, P.,1995.
16. MATA, E., 1990.
17. ESTEVES, R. P. O Crowding-Out em Portugal, 1879-1910. In: XVII ENCONTRO DA AS-
SOCIAÇÃO PORTUGUESA DE HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL, 1997, Ponta Delgada.
18. REIS, J., 1991.
19. O’ROURKE, K., WILLIAMSON, J. G. , 1997.
20. São vários e excelentes os estudos sobre o tema da emigração portuguesa. Ver PEREI-
RA, M. H. A política portuguesa de emigração, 1850-1930. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981. BA-
GANHA, M. Portuguese Emigration to the United States, 1820-1930. Nova York: Garland, 1990.
LEITE, J. C. Portugal and Emigration, 1855-1914. Tese (Doutoramento) – Universidade de
Columbia, 1993. ALVES, J., 1994.
21. Um princípio de discussão sobre este tema encontra-se em HATTON, T. J., WILLIAM-
SON J. G. Late Comers to Mass Emigration. The Latin Experience. In:___. Migration in the
International Labour Market, 1850-1939. London: Routledge, 1994.
22. SCHWARTZMAN, K., 1989.
260
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
261
Jaime Reis
BIBLIOGRAFIA
ALVES, J. Os brasileiros. Emigração e retorno no Porto oitocentista. Porto:
s.n., 1994.
BAGANHA, M. I. B. As correntes emigratórias portuguesas no século XX
e o seu impacto na economia nacional. Análise Social, p.959-80, 1994.
BATISTA, D. et al. Portugal’s National Product, 1910-1958. Lisboa: Banco de
Portugal, 1998.
BRITO, J. M. B. de. A industrialização portuguesa no pós-guerra (1948-1965):
O condicionamento industrial. Lisboa: Dom Quixote, 1989.
CONFRARIA, J. Condicionamento industrial. Uma análise econômica. Lisboa:
Direcção Geral da Indústria, 1992.
FONSECA, H. A. O Alentejo no século XIX. Economia e Atitudes Económi-
cas. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1996. p.437.
GODINHO, V. M. A estrutura da antiga sociedade portuguesa. 2.ed. Lisboa:
Arcádia, 1975.
JUSTINO, D. A formação do espaço econômico nacional. Portugal, 1810-1913.
Lisboa: Vega, 1988-1989. 2 v.
LAINS, P. A economia portuguesa no século XIX. Crescimento econômico e comér-
cio externo, 1851-1913. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda,
1995.
LAINS, P. A., REIS, J. Portuguese Economic Growth, 1833-1985: Some
Doubts. Journal of European Economic History, p.441-53, 1991.
LEITE, J. C. Portugal and Emigration, 1855-1914. Columbia, 1993. Tese
(Doutorado) Universidade de Columbia.
LOPES, J. S. A economia portuguesa desde 1960. In: BARRETO, A. (Org.)
A situação social em Portugal, 1960-1995. Lisboa: Instituto de Ciências
Sociais, 1996.
MATA, E. As finanças públicas portuguesas da regeneração à Primeira Guerra
Mundial. Lisboa: Banco de Portugal, 1990.
NEVES, J. C. das. The Portuguese Economy: A Picture in Figures. XIX and
XX Centuries with Long Term Series. Lisbon: Universidade Católica
Portuguesa, 1994.
NUNES, A. B., MATA, E., VALÉRIO, N. Portuguese Economic Growth,
1833-1985. Journal of European Economic History, p.291-330, 1989.
262
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
263