Você está na página 1de 27

Drogas: Por Que Não Legalizar?

Autor:
MOREIRA, Rômulo de Andrade

Neste pequeno e despretensioso trabalho não tratarei da questão relativa à descriminalização das drogas,
matéria, inclusive, já judicializada por meio do Recurso Extraordinário nº. 635659, pendente de julgamento
no Supremo Tribunal Federal.

Procuro agora um caminho mais além, um avanço, ao menos para que o debate fuja um pouco do lugar-
comum, ainda mais que, ao que parece, a posição da Suprema Corte, ainda que contra majoritariamente,
será pela descriminalização do porte da maconha para consumo próprio (o que, convenhamos, é muito
pouco!).

Creio ser preciso levar o debate adiante, no sentido mesmo da legalização das drogas, de toda e qualquer
droga, e não somente do porte e do consumo, mas da produção e do comércio.

Algumas razões levaram-me, após longa reflexão e alguns erros de avaliação, a concluir por essa opção e
pela insuficiência da mera descriminalização. Sinteticamente, procurarei expor o que penso a respeito.

Em primeiro lugar, parto da premissa de que a partir do instante em que a produção e o comércio de drogas
passem a ser regulamentados, controlados e fiscalizados pelo Estado, a tendência será a eliminação
gradativa do mercado ilegal do tráfico (seja a produção, seja o comércio). Transferindo-se este rendoso
mercado de bilhões de dólares para o Estado e retirando-o das mãos do crime organizado, ficará este órfão,
forçando-o a deixar este tipo de ilícito, extremamente violento. O Estado passaria, então, a regular o
mercado, controlando as vendas, a produção, a propaganda, os locais de consumo, etc.

Com a eliminação, ainda que a longo prazo, do tráfico ilícito, haveria induvidosamente uma diminuição
vertiginosa da prática de outros delitos conexos, pois muitos usuários ou dependentes (é preciso fazer esta
distinção) furtam, roubam e até matam para conseguirem a droga ilícita, vendida a preços mais caros no
mercado clandestino.

Ademais, sendo enorme a procura por drogas ilícitas e o mercado sem nenhuma regulação estatal, a
tendência é que o valor da droga (nem sempre de boa qualidade) seja alto, o que leva o consumidor a
praticar crimes para conseguir dinheiro, a fim de sustentar o seu vício (no caso dos dependentes químicos).
É possível que a regulamentação do comércio, além de garantir produtos sem impurezas e, portanto, menos
nocivos à saúde, estabelecesse preços mais baixos para as drogas em geral. É o que ocorre, por exemplo,
com o cigarro (tabaco) e o álcool, cujos usuários não precisam recorrer ao furto ou ao roubo para
consumirem a droga lícita.

Ao assumir esta responsabilidade, o Estado passaria, consequentemente, a se comprometer em prestar


todos os esclarecimentos à população acerca dos efeitos do uso de drogas, como hoje é feito com o cigarro
e o álcool. Ao contrário, com a atual política proibicionista, dificulta-se enormemente que adolescentes e
jovens tenham acesso a informações corretas e científicas sobre o assunto (e não se confundam com mitos
e tabus). Ignorantes, o risco para estas pessoas é muito maior. O sofrimento dos amigos e da família,
devastador.

Nesta questão, a informação séria (sem moralismo e sem infantilismo) e a boa educação são fundamentais.
O respeitado neurocientista da Universidade Columbia, Carl Hart, crítico veemente da política antidrogas de
seu País (EUA), adverte que nossas políticas para drogas baseiam-se, em grande parte, em ficção e
desconhecimento. A farmacologia - ou, em outras palavras, os reais efeitos das drogas - já não desempenha
papel tão relevante quando se estabelecem essas políticas.(1)
Também não se pode negar, pelo menos na minha visão, que o proibicionismo leva à marginalização e à
estigmatização do usuário ou dependente, dificultando (e até impedindo) que o sistema público de saúde
chegue até ele, facilitando a proliferação de doenças, especialmente entre os usuários de drogas injetáveis.
Aqui, muito mais eficaz, é uma política realmente séria de redução de danos. A propósito, los llamados
Programas de Reducción de Riesgos son, y han sido, el marco de los diversos planteamientos y programas
de atuación que en estas últimas décadas han pretendido dar una respuesta a las diferentes problemáticas
asociables a las formas de uso de ciertas drogas, a las patologías concomitantes y a las conductas de riesgo.
La reducción de daños se há convertido en la alternativa a los enfoques basados en la abstinencia y
centrados en un modelo punitivo, sea por el paternalismo médico sea por la aplicación de la ley.(2)
É preciso também refletir exatamente a quem interessa efetivamente a proibição das drogas. Como disse
acima, o mercado de drogas ilegais envolve bilhões e bilhões de dólares por ano. Será que esta política de
combate às drogas não serve para que alguns Países continuem a estabelecer uma relação de domínio
absoluto sobre outros Estados, especialmente aqueles periféricos, produtores da droga? Parece-me que
com a legalização, o dinheiro que hoje vai para estes Países (que, por exemplo, vendem armas e tecnologia
bélica e de inteligência a propósito de combater o narcotráfico) ficaria naquele próprio País, a partir da
cobrança de impostos, por exemplo.

A atual política criminal de drogas, liderada estrategicamente pelos Estados Unidos, comprova o seu próprio
fracasso, com a superpopulação carcerária e um processo crescente de criminalização da pobreza. Este
País, sem dúvidas, foi o generador y promotor del movimiento antidroga y del discurso respectivo, y porque
se há colocado siempre a la vanguardia de ´la lucha contra los demonios del tráfico internacional de
drogas.(3)
Um outro aspecto relevante sobre o tema é o jurídico. Definitivamente, quem consome drogas não afeta a
saúde de outrem, mas a sua própria (quando afeta...). Ora, em um Estado Democrático de Direito não é
possível punir uma conduta que não atinja terceiros, razão pela qual, por exemplo, não se pune a autolesão
ou a tentativa de suicídio, estando tais condutas inseridas dentro da esfera de privacidade do sujeito, sendo
ilegítima a intervenção do Direito (seja para criminalizar, seja para tornar ilegal a produção, o consumo e o
comércio das drogas).

Nós que atuamos no Sistema Jurídico precisamos enxergar para além do Direito. O homem, ao longo da
vida, depara-se com graves questões existenciais e adversidades próprias da existência humana, levando-
o a tentar suprir a sua incapacidade de enfrentar tais questões com o uso de drogas, que um dos meios
para se chegar à felicidade plena, sem dúvidas. Ora, como pode o Estado punir esta busca, ainda que possa
ser uma procura vã? É preciso que se respeite a opção individual e as escolhas de cada um, desde que tais
opções e escolhas não venham a atingir outrem.

Como escreveu Freud, existem muitos caminhos que podem levar à felicidade, tal como é acessível ao ser
humano, mas nenhum que a ela conduza seguramente. Um deles é a droga: Mas os métodos mais
interessantes para prevenir o sofrimento são aqueles que tentam influir no próprio organismo. Pois todo
sofrimento é apenas sensação, existe somente na medida em que o sentimos, e nós o sentimos em virtude
de certos arranjos de nosso organismo. O método mais cru, mas também mais eficaz de exercer tal influência
é o químico, a intoxicação. Não creio que alguém penetre inteiramente no seu mecanismo, mas é fato que
há substâncias de fora do corpo que, uma vez presentes no sangue e nos tecidos, produzem em nós
sensações imediatas de prazer, e também mudam de tal forma as condições de nossa sensibilidade, que
nos sentimos incapazes de acolher impulsos desprazerosos. Os dois efeitos não só acontecem ao mesmo
tempo, como parecem intimamente ligados.(4)
Aqui uma pergunta: por que não se proíbe o uso de bebida alcoólica ou do tabaco, drogas supostamente
danosas para a saúde? Aliás, quando os Estados Unidos proibiram o consumo do álcool (período conhecido
como o da Lei Seca), o aumento da criminalidade urbana foi assustador, especialmente com o surgimento
das grandes organizações criminosas.

É preciso ficarmos atentos para os chamados empresarios de la moral, uma espécie de mediador entre los
sentimientos públicos y la creación de la ley, e, principalmente, para os empresarios de la represión,
ejemplificados en los cuerpos de seguridad que se ocupan de implementar la política criminal.(5)
O proibicionismo só atrai ainda mais as pessoas (principalmente as mais jovens) para o consumo que, por
sua vez, sendo ilegal, leva os usuários a uma situação de marginalização e de estigmatização, inserindo-os
no sistema penitenciário que, como é notório, longe de ressocializar, criminaliza e violenta ainda mais. É um
verdadeiro círculo vicioso. A questão das drogas não pode ser resolvida pelo sistema de Justiça Criminal:
Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário. Outros atores devem ser chamados: assistentes sociais,
pedagogos, médicos, psicólogos, família, igrejas, escolas, etc. A legalização teria este outro efeito positivo:
a descarcerização.

Acho muito pertinente esta consideração de Maria Lúcia Karam: Talvez o caminho seja mais árduo. A
fantasia é sempre mais fácil e mais cômoda. Com certeza é mais simples para os pais de um menino drogado
culpar o fantasma do traficante, que supostamente induziu seu filho ao vício, do que perceber e tratar dos
conflitos familiares latentes que, mais provavelmente, motivaram o vício. Como, certamente, é mais simples
para a sociedade permitir a desapropriação do conflito e transferi-lo para o Estado, esperando a
enganosamente salvadora intervenção do sistema penal.(6)
Para concluir, pergunto: a proibição tem surtido algum efeito positivo, sob algum aspecto? E tem gerado
efeitos negativos? Vamos, então, refletir sobre tais consequências e avaliar se não é chegada a hora de
procurarmos uma política alternativa, uma terceira via, ao menos mais democrática, mais racional, mais
humana e mais eficaz.

A Droga, A Ignorância, A Hipocrisia e o Direito Penal


Medieval(1)
Autor:
MOREIRA, Rômulo de Andrade

"Talvez o caminho seja mais árduo. A fantasia é sempre mais fácil e mais cômoda. Com certeza é mais
simples para os pais de um menino drogado culpar o fantasma do traficante, que supostamente induziu seu
filho ao vício, do que perceber e tratar dos conflitos familiares latentes que, mais provavelmente, motivaram
o vício. Como, certamente, é mais simples para a sociedade permitir a desapropriação do conflito e transferi-
lo para o Estado, esperando a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal."(2)
Em reportagem assinada pelo jornalista Filipe Coutinho, correspondente do Jornal A Folha de São Paulo em
Brasília, na edição do dia 29 de janeiro de 2014, noticiou-se que um réu foi absolvido (por tráfico!) após um
Juiz de Brasília considerar a maconha uma droga "recreativa" e que não poderia estar na lista de substâncias
proibidas, utilizada como referência na Lei de Drogas. Segundo a matéria jornalística, a decisão, do Juiz de
Direito, Dr.Frederico Ernesto Cardoso Maciel, da 4ª. Vara de Entorpecentes de Brasília (logo, logo vai ser
removido, digo eu), foi tomada em outubro e o Ministério Público recorreu (óbvio! - afinal de contas, incumbi-
lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis -
art. art. 127, CF/88). Na sentença, o juiz compara o uso da maconha com o cigarro e álcool (o que é foi um
erro gravíssimo, pois o cigarro e o álcool, comprovadamente, são mais lesivos à saúde do homem), para
concluir que há uma "cultura atrasada" no Brasil. Escreveu o Magistrado: "soa incoerente o fato de outras
substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões
de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra
também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma
cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma
grande parte da população de utilizar outras substâncias." (Aqui, certíssima a sua sentença).

Ele cita vários exemplos que comprovariam o uso da maconha como droga recreativa e medicinal, além do
baixo potencial noviço. A sentença exemplifica os casos do Uruguai, Califórnia e até a posição do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso (faltou citar Bill Clinton, Jimmy Carter e outros ex-chefes de Estado
como Colômbia, México e Suíça - Conferir o documentário Quebrando Tabu).

O Juiz sentenciante entendeu que não houve justificativa para a inclusão do THC, substância da maconha,
na lista proibida, pois como essa lista restringe o direito das pessoas usarem substâncias, essa inclusão
deveria ser justificada. Segundo ele, "a portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe
direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a
restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o
que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo."

Desde a promulgação da nova Lei de Drogas, entendemos que a posse de droga (e não somente a
maconha) para uso próprio deixou de ser crime e foi, portanto, descriminalizada, em razão do que dispõe o
art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal. Ocorreu uma abolitio criminis.

Com efeito, os conceitos de crime e contravenção são dados pela Lei de Introdução ao Código Penal que
define crime como sendo "a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer
isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a
que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente." (art. 1º. do Decreto-Lei nº 3.914/41).

Como se sabe, há dois critérios utilizados pela doutrina e pelo Direito Positivo para distinguir o crime da
contravenção: critérios substanciais (que, por sua vez, subdividem-se em conceituais, teleológicos e éticos)
e formais, como o nosso e o Código Francês.

O Código Penal da Suíça, no art. 9º. disciplina igualmente: "sont réputées crimes les infractions passibles
de la réclusion. Sont réputées délits les infractions passibles de l´emprisonnement comme peine
la plus grave."
Em França a classificação é tripartida: crimes, delitos e contravenções (art. 1º.). Evidentemente que mesmo
os critérios formais "pressupõem naturalmente atrás deles critérios substanciais de avaliação a que o
legislador tenha atendido para efeitos de ameaçar uma certa infracção com esta ou aquela pena", como
anota o mestre português Eduardo Correia (Direito Criminal, Coimbra: Almedina, 1971, p. 214).

Estas definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código Penal, evidentemente regem e são
válidas para todo o sistema jurídico-penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso Direito Positivo
quando se quer saber o que seja crime ou contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de
Introdução ao Código Penal.

O mestre Hungria já se perguntava e ele próprio respondia: "Como se pode, então, identificar o crime ou a
contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado
no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado
pelo legislador brasileiro é o da "distinctio delictorum ex poena" (segundo o sistema dos direitos francês e
italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão
simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente
ao crime." (Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., p. 39).

Por sua vez, Tourinho Filho afirma: "Não cremos, data venia, que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código
Penal seja uma lex specialis. Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o critério adotado
pelo sistema jurídico brasileiro e que tem sido preferido pelas mais avançadas legislações." (Processo Penal,
Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213).
Manoel Carlos da Costa Leite também trilha na mesma linha, afirmando: "No Direito brasileiro, as penas
cominadas separam as duas espécies de infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão
simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção." (Manual das Contravenções Penais, São
Paulo: Saraiva, 1962, p. 03).

Eis outro ensinamento doutrinário: "Como é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das
infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e contravenções penais. No Direito pátrio o método
diferenciador das duas categorias de infrações é o normativo e não o ontológico, valendo dizer, não se
questiona a essência da infração ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição."
(Eduardo Reale Ferrari e Christiano Jorge Santos, "As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé", Boletim do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim, n. 109, dezembro/2001).

Comentando sobre a teoria do fato jurídico, o Professor Marcos Bernardes de Mello, assevera que a
"distinção entre crime e contravenção penal, espécies do ilícito criminal, é valorativa, em razão da
importância e gravidade do fato delituoso. Os fatos ilícitos de maior relevância são classificados como
crimes, reservando-se as contravenções para os casos menos graves. Em decorrência disso, as penas mais
enérgicas (reclusão e detenção) são imputadas aos crimes, enquanto as mais leves (prisão simples e multa)
são atribuídas às contravenções." (Teoria do Fato Jurídico -Plano da Existência), São Paulo: Saraiva, 10ª.
ed., 2000, p. 222).

Desgraçadamente o Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu contrariamente, entendendo ter havido
apenas uma despenalização e não descriminalização: "PRIMEIRA TURMA -QUEST. ORD. EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 430.105-9 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE. VOTO: (...)
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Parte da doutrina tem sustentado que o art.
28 da L. 11.343/06 aboliu o caráter criminoso da conduta anteriormente incriminada no art. 16 da L. 6.368/76,
consistente em "adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que
determine a dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar". Dispõe o art. 28 da L. 11.343/06, verbis: (...) A controvérsia foi bem exposta em artigo do
Professores Luiz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches (GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério
Cunha. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal sui generis ou infração
administrativa? Disponível em: http://www.lfg.com.br. 12 dez. 2006), do qual extrato, verbis: "Continua acesa
a polêmica sobre a natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/2006 (nova lei de drogas), que prevê tão-
somente penas alternativas para o agente que tem a posse de drogas para consumo pessoal. A questão
debatida é a seguinte: nesse dispositivo teria o legislador contemplado um crime, uma infração penal sui
generis ou uma infração administrativa? A celeuma ainda não chegou a seu final. Os argumentos no sentido
de que o art. 28 contempla um crime são, basicamente, os seguintes: a) ele está inserido no Capítulo III, do
Título III, intitulado "Dos crimes e das penas"; b) o art. 28, parágrafo 4º, fala em reincidência (nos moldes do
art. 63 do CP e 7º da LCP e é reincidente aquele que, depois de condenado por crime, pratica nova infração
penal); c) o art. 30 da Lei 11.343/06 regulamenta a prescrição da posse de droga para consumo pessoal.
Apenas os crimes (e contravenções penais) prescreveriam; d) o art. 28 deve ser processado e julgado nos
termos do procedimento sumaríssimo da lei dos juizados, próprio para crimes de menor potencial ofensivo;
e) cuida-se de crime com astreintes (multa coativa, nos moldes do art. 461 do CPC) para o caso de
descumprimento das medidas impostas; f) a CF de 88 prevê, no seu art. 5º, inc. XLVI, penas outras que não
a de reclusão e detenção, as quais podem ser substitutivas ou principais (esse é o caso do art. 28). Para
essa primeira corrente não teria havido descriminalização, sim, somente uma despenalização moderada.
Para nós, ao contrário, houve descriminalização formal (acabou o caráter criminoso do fato) e, ao mesmo
tempo, despenalização (evitou-se a pena de prisão para o usuário de droga). O fato (posse de droga para
consumo pessoal) deixou de ser crime (formalmente) porque já não é punido com reclusão ou detenção (art.
1º da LICP). Tampouco é uma infração administrativa (porque as sanções cominadas devem ser aplicadas
pelo juiz dos juizados criminais). Se não se trata de um crime nem de uma contravenção penal (mesmo
porque não há cominação de qualquer pena de prisão), se não se pode admitir tampouco uma infração
administrativa, só resta concluir que estamos diante de infração penal sui generis. Essa é a nossa posição,
que se encontra ancorada nos seguintes argumentos: a) a etiqueta dada ao Capítulo III, do Título III, da Lei
11.343/2006 ("Dos crimes e das penas") não confere, por si só, a natureza de crime (para o art. 28) porque
o legislador, sem nenhum apreço ao rigor técnico, já em outras oportunidades chamou (e continua
chamando) de crime aquilo que, na verdade, é mera infração político-administrativa (Lei 1.079/1950, v.g.,
que cuida dos "crimes de responsabilidade", que não são crimes). A interpretação literal, isolada do sistema,
acaba sendo sempre reducionista e insuficiente; na Lei 10.409/2002 o legislador falava em "mandato"
expedido pelo juiz (quando se sabe que é mandado); como se vê, não podemos confiar (sempre) na
intelectualidade ou mesmo cientificidade do legislador brasileiro, que seguramente não se destaca pelo rigor
técnico; b) a reincidência de que fala o § 4º do art. 28 é claramente a popular ou não técnica e só tem o
efeito de aumentar de cinco para dez meses o tempo de cumprimento das medidas contempladas no art.
28; se o mais (contravenção + crime) não gera a reincidência técnica no Brasil, seria paradoxal admiti-la em
relação ao menos (infração penal sui generis + crime ou + contravenção); c) hoje é sabido que a prescrição
não é mais apanágio dos crimes (e das contravenções), sendo também aplicável inclusive aos atos
infracionais (como tem decidido, copiosamente, o STJ); aliás, também as infrações administrativas e até
mesmo os ilícitos civis estão sujeitos à prescrição. Conclusão: o instituto da prescrição é válido para todas
as infrações (penais e não penais). Ela não é típica só dos delitos; d) a lei dos juizados (Lei 9.099/1995)
cuida das infrações de menor potencial ofensivo que compreendem as contravenções penais e todos os
delitos punidos até dois anos; o legislador podia e pode adotar em relação a outras infrações (como a do
art. 28) o mesmo procedimento dos juizados; aliás, o Estatuto do Idoso já tinha feito isso; e) o art. 48,
parágrafo 2º, determina que o usuário seja prioritariamente levado ao juiz (e não ao Delegado), dando clara
demonstração de que não se trata de "criminoso", a exemplo do que já ocorre com os autores de atos
infracionais; f) a lei não prevê medida privativa da liberdade para fazer com que o usuário cumpra as medidas
impostas (não há conversão das penas alternativas em reclusão ou detenção ou mesmo em prisão simples);
g) pode-se até ver a admoestação e a multa (do § 6º do art. 28) como astreintes (multa coativa, nos moldes
do art. 461 do CPC) para o caso de descumprimento das medidas impostas; isso, entretanto, não desnatura
a natureza jurídica da infração prevista no art. 28, que é sui generis; h) o fato de a CF de 88 prever, em seu
art. 5º, inc. XLVI, penas outras que não a de reclusão e detenção, as quais podem ser substitutivas ou
principais (esse é o caso do art. 28) não conflita, ao contrário, reforça nossa tese de que o art. 28 é uma
infração penal sui generisexatamente porque conta com penas alternativas distintas das de reclusão,
detenção ou prisão simples. A todos os argumentos lembrados cabe ainda agregar um último: conceber o
art. 28 como "crime" significa qualificar o possuidor de droga para consumo pessoal como "criminoso". Tudo
que a nova lei não quer (em relação ao usuário) é precisamente isso. Pensar o contrário retrataria um grave
retrocesso punitivista (ideologicamente incompatível com o novo texto legal). Em conclusão: a infração
contemplada no art. 28 da Lei 11.343/2006 é penal e sui generis. Ao lado do crime e das contravenções
agora temos que também admitir a existência de uma infração penal sui generis." II A tese de que o fato
passou a constituir infração penal sui generis implica sérias conseqüências, que estão longe de se
restringirem à esfera puramente acadêmica. De imediato, conclui-se que, se a conduta não é crime nem
contravenção, também não constitui ato infracional, quando menor de idade o agente, precisamente porque,
segundo o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8.069/90), considera-se "ato infracional"
apenas "a conduta descrita como crime ou contravenção penal". De outro lado, como os menores de 18
anos estão sujeitos "às normas da legislação especial" (CF/88, art. 2281; e C.Penal, art. 27(2) - vale dizer,
do Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8.069/90, art. 104(3) -, sequer caberia cogitar da aplicação,
quanto a eles, da L. 11.343/06. Pressuposto o acerto da tese, portanto, poderia uma criança - diversamente
de um maior de 18 anos -, por exemplo, cultivar pequena quantidade de droga para consumo pessoal, sem
que isso configurasse infração alguma. Isso para mencionar apenas uma das inúmeras conseqüências
práticas, às quais se aliariam a tormentosa tarefa de definir qual seria o regime jurídico da referida infração
penal sui generis. III Estou convencido, contudo, de que a conduta antes descrita no art. 16 da L. 6.368/76
continua sendo crime sob a lei nova. Afasto, inicialmente, o fundamento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei
de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a L. 11.343/06 criasse
crime sem a imposição de pena de reclusão ou detenção. A norma contida no art. 1º do LICP - que, por
cuidar de matéria penal, foi recebida pela Constituição de 1988 como de legislação ordinária(4) - se limita a
estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção.
Nada impede, contudo, que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou
estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da "privação ou
restrição da liberdade", a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de serem
adotadas pela "lei" (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). IV De outro lado, seria presumir o excepcional se a
interpretação da L. 11.343/06 partisse de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que
o teria levado - inadvertidamente - a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo denominado
"Dos Crimes e das Penas" (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). Leio, no ponto, o trecho do
relatório apresentado pelo Deputado Paulo Pimenta, Relator do Projeto na Câmara dos Deputados (PL
7.134/02 - oriundo do Senado), verbis (www.camara.gov.br): "(...) Reservamos o Título III para tratar
exclusivamente das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas. Nele incluímos toda a matéria referente a usuários e dependentes, optando,
inclusive, por trazer para este título o crime do usuário, separando-o dos demais delitos previstos na lei, os
quais se referem à produção não autorizada e ao tráfico de drogas - Título IV. (...) Com relação ao crime de
uso de drogas, a grande virtude da proposta é a eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e
dependente. Conforme vem sendo cientificamente apontado, a prisão dos usuários e dependentes não traz
benefícios à sociedade, pois, por um lado, os impede de receber a atenção necessária, inclusive com
tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a conviver com agentes de crimes muito mais graves.
Ressalvamos que não estamos, de forma alguma, descriminalizando a conduta do usuário - o Brasil é,
inclusive, signatário de convenções internacionais que proíbem a eliminação desse delito. O que fazemos é
apenas modificar os tipos de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade, como
pena principal (...)." Não se trata de tomar a referida passagem como reveladora das reais intenções do
legislador, até porque, mesmo que fosse possível desvendá-las - advertia com precisão o saudoso Ministro
Carlos Maximiliano -, não seriam elas aptas a vincular o sentido e alcance da norma posta. Cuida-se, apenas,
de não tomar como premissa a existência de mero equívoco na colocação das condutas num capítulo
chamado "Dos Crimes e das Penas" e, a partir daí, analisar se, na Lei, tal como posta, outros elementos
reforçam a tese de que o fato continua sendo crime. De minha parte, estou convencido de que, na verdade,
o que ocorreu foi uma despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de
liberdade. O uso, por exemplo, da expressão "reincidência", não parece ter um sentido "popular",
especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06
afastaria a incidência da regra geral do C.Penal (C.Penal, art. 12: "As regras gerais deste Código aplicam-
se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso"). Soma-se a tudo a
previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo(5),
possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata de pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95
(art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do 107 e seguintes do C.Penal
(L. 11.343/06, art. 30(6). Assim, malgrado os termos da Lei não sejam inequívocos - o que justifica a polêmica
instaurada desde a sua edição -, não vejo como reconhecer que os fatos antes disciplinados no art. 16 da
L. 6.368/76 deixaram de ser crimes. O que houve, repita-se, foi uma despenalização, cujo traço marcante
foi o rompimento - antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma
impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, § 3º(7); e L. 9.605/98, arts. 3º; 21/24(8) - da tradição
da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal.
Esse o quadro, resolvo a questão de ordem no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis
(C.Penal, art. 107, III). V De outro lado, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, que fixou em 2 anos o prazo de
prescrição da pretensão punitiva, reconheço, desde logo, a extinção da punibilidade dos fatos. Os fatos
ocorreram há mais de 2 anos (f. 78v e ss.), que se exauriram sem qualquer causa interruptiva da prescrição.
Perdeu objeto, pois, o recurso extraordinário que, por isso, julgo prejudicado: é o meu voto. Notas de rodapé
[1] CF/88: "Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial". [2] C.Penal: "Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis,
ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial". [3] L. 8.069/90: "Art. 104. São penalmente
inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei". [4] Quanto se trata
de incompatibilidade formal da legislação infraconstitucional com a Constituição superveniente - anota Luis
Roberto Barroso (cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª Edição. São
Paulo: Saraiva, 2004, pág. 83/85)-, o "consenso doutrinário é amplo" no sentido da "subsistência válida da
norma que haja sido produzida em adequação com o processo vigente no momento de sua elaboração".
Nesse sentido decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal em pelo menos dois precedentes - relativos
ao recebimento como legislação ordinária das normas de conteúdo processual contidas em seu Regimento
Interno (cf. AO 32 -AgR, 30.08.90, Marco Aurélio,DJ 28.09.90; RE 212.455 -EDV-ED-AgR, 14.11.02, Marco
Aurélio, DJ 11.04.03) -, não existe no Brasil "o instituto da inconstitucionalidade formal superveniente". [5] L.
11.343: "Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo
disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da
Lei de Execução Penal. § 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se
houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma
dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais
Criminais. § 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante,
devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o
compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições
dos exames e perícias necessários. § 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º
deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a
detenção do agente. § 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será
submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender
conveniente, e em seguida liberado. § 5º Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099, de 1995, que
dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de
pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta." [6] L. 11.343/06: "Art. 30. Prescrevem
em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o
disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal". [7] CF/88: "Art. 223. As condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". [8] L. 9.605/98:
"Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto
nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,
ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Art. 21. As penas aplicáveis isolada,
cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II -
restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade." "Art. 22. As penas restritivas de direitos da
pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de
estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter
subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não
estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. §
2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida
autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º
A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá
exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá
em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas
degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais
públicas. Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir,
facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio
será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional." Voto
- sem revisão - do Ministro Carlos Britto À revisão de apartes dos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence
(Presidente e Relator), Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. VOTO: O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO
- Senhor Presidente, também penso que esse art. 28 da Lei nº 11.343 é claro no sentido da criminalização
da conduta, até coerente com a inserção topográfica da matéria. Afinal, o nome do título é: Dos Crimes e
Das Penas. E esse art. 28 não só descreve o crime, como comina a pena. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA
PERTENCE (PRESIDENTE E RELATOR) - Manda estabelecer o processo dos crimes de menor potencial
ofensivo. O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - E quanto à distinção entre descriminalização e
despenalização está perfeita, porque Vossa Excelência reduz a despenalização, dá um sentido restrito,
apenas para afastar aquelas penas restritivas de liberdade. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE
(PRESIDENTE E RELATOR) - É o que se tem usado como forma de redução da pena privativa de liberdade
a ultima ratio. Isso é que a doutrina tem chamado, impropriamente embora, de despenalização. O SR.
MINISTRO CARLOS BRITTO - No mais, esse voto de Vossa Excelência é verdadeiramente antológico,
brilhante, de uma densidade de raciocínio. O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Realmente a
conduta é lesiva. Há um certo componente de lesividade que atinge a sociedade e permite a tipificação como
crime. Não é uma conduta que diz respeito só à própria pessoa. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE
(PRESIDENTE E RELATOR) - E ainda há esse argumento de Direito Internacional acentuado pelo
Deputado. O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É o princípio da austeridade e da lesividade. O
SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - A que o Brasil se obrigou. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE
(PRESIDENTE E RELATOR) - Obrigou-se, seria uma ruptura da convenção. O SR. MINISTRO CARLOS
BRITTO - A descriminalização traria um efeito colateral maligno, do ponto de vista social: estimularia o
consumo e, por conseqüência, o tráfico de drogas. Acompanho, com todo louvor, o voto de Vossa
Excelência. Voto do Ministro Marco Aurélio (sem revisão) À revisão de apartes do Senhor Ministro Sepúlveda
Pertence (Presidente e Relator). O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, não bastasse o
que se contém no artigo 16 da própria Lei nº 6.368, temos que o novo diploma legal, a Lei nº 11.343, cogita
de pena. Mais do que isso, como ressaltado por Vossa Excelência e frisado também pelo Ministro Carlos
Ayres Britto, a disciplina da matéria está em um capítulo revelador: Dos Crimes e das Penas. E Vossa
Excelência esgotou a matéria, apontando que o que tivemos na espécie foi uma substituição da apenação
primitiva da Lei nº 6.358 pelo que se contém no artigo 28 do novo diploma legal. Quanto à matéria, deu-se,
até mesmo, a revogação explícita da Lei nº 6.368, portanto, a derrogação da Lei nº 6.368. Mas, para mim,
suficiente é a premissa segundo a qual não se encontra em diploma algum palavras inócuas, palavras sem
o sentido técnico, além do sentido vernacular. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE
E RELATOR) - Além de submetido ao processo dos crimes de menor potencial ofensivo. O SR. MINISTRO
MARCO AURÉLIO - Não bastasse a prestação de serviços à comunidade, que também é uma pena utilizada
na legislação comum. O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE E RALATOR) - E uma
das penas possíveis previstas na Constituição. O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Subscrevo o voto
bem fundamentado proferido por Vossa Excelência e concluo, tal como fez Vossa Excelência, no sentido da
incidência da prescrição."
Na esteira deste julgamento, também o Superior Tribunal de Justiça: A controvérsia acerca da competência
para o processamento e julgamento de feito no qual o réu foi denunciado por porte de entorpecente para
uso próprio foi dirimida pela entrada em vigor da Lei nº 11.343/06 que fixa, em seu art. 48, a competência
do Juizado Especial Criminal, nos termos dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099/95.II. Recurso provido,
nos termos do voto do Relator."(REsp 882502/MG, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 05/02/2007).

Nada obstante tais decisões, o certo é que em virtude do bem jurídico tutelado é que se mostra "inadmissível
a punição da posse de drogas para uso pessoal, seja pela inafetação (sic) do bem jurídico protegido (a
saúde pública), seja por sua contrariedade comum ordenamento jurídico garantidor da não intervenção do
Direito em condutas que não afetem a terceiros", como explica Maria Lúcia Karam, em sua excelente obra
"De Crimes, Penas e Fantasias", Rio de Janeiro: LUAM, 1991. Karam complementa afirmando com absoluta
propriedade que a "aquisição ou posse de drogas para uso pessoal, da mesma forma que a autolesão ou a
tentativa de suicídio, situa-se na esfera de privacidade de cada um, não podendo o Direito nela intervir." (pp.
60 e 128). É o que se chama em Direito Penal de "Paternalismo Direto", ou seja, "a utilização de sanções
penais para a criminalização da conduta de uma pessoa que se auto lesiona ou que tenta se auto
lesionar.(...) Roxin observa que comportamentos auto lesivos devem ser vistos como parte da
autodeterminação do ser humano e, consequentemente, não são objetos adequados para sanções penais
(...)" (Andrew von Hirsch, "Paternalismo direto: autolesões devem ser punidas penalmente?", São Paulo:
Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº. 67 - 2007).

Argumenta-se que o uso de drogas poderia causar "consequências negativas" e "atos de vitimização de
outras pessoas", ou seja, "o uso de drogas deveria ser proibido porque leva a outras consequências
criminógenas a que se seguem comportamentos classicamente lesivos, como formas graves de furto, lesão
corporal, vandalismo, etc."

Como contesta Andrew von Hirsch, se esta fosse uma justificativa séria para a criminalização do uso de
drogas, seríamos forçados a admitir "a responsabilidade dos consumidores de drogas por decisões
intermediárias. (...)". A conduta, então, seria criminalizada "porque provoca outros atores (que não são
controlados pelo agente original) a adotar comportamentos que causam lesões ou perigos. Ao se imputar,
em tais situações, a responsabilidade penal ao agente original, ignora-se o princípio da responsabilidade
pessoal própria, já que ele não cometeu pessoalmente qualquer injusto e as consequências lesivas são
causadas por meio de atos errados de outros." (ob. cit.).

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um condenado em primeira instância por
envolvimento com cocaína por entender que portar e consumir droga não é crime. O autor da polêmica
decisão, seguida por três desembargadores da 6ª Câmara, foi o Juiz José Henrique Rodrigues Torres, que
considerou inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/ 06. O julgamento da apelação foi em 31 de março de
2008 e o Ministério Público pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal. "A criminalização primária do porte
de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal", diz trecho da
decisão, revelada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Para o Magistrado, essa criminalização é
inconstitucional porque o usuário de drogas ilícitas não coloca terceiros em risco. "Assim, transformar aquele
que tem a droga apenas e tão-somente para uso próprio em agente causador de perigo à incolumidade
pública, como se fosse potencial traficante, implica frontal violação do princípio da ofensividade." Ainda na
visão do Juiz, as drogas lícitas (como bebidas alcoólicas) também causam dependência física e psíquica,
mas, mesmo assim, têm tratamento diferente. Além disso, ninguém pode ter sua intimidade violada, já que
o uso de drogas é uma questão pessoal. A discussão ocorreu no julgamento da apelação feita por Ronaldo
Lopes, condenado por tráfico de drogas. Lopes foi preso em 17 fevereiro de 2007 com três papelotes de
cocaína, com 7,7 gramas.

Parte da decisão do TJ foi baseada no entendimento da Juíza aposentada e advogada Maria Lúcia Karan,
que defende a legalização da fabricação, comércio e consumo de drogas. (Folha de São Paulo - 24/05/2008).
Aliás, na Argentina, dois juízes federais de Buenos Aires absolveram um homem que havia sido processado
por ter uma plantação de maconha na varanda de seu apartamento na capital argentina. Na decisão
divulgada nesta terça-feira, os juízes Eduardo Farah e Eduardo Freiler consideraram inconstitucional que o
réu (cuja identidade não foi revelada) fosse punido por ter seis vasos com a planta Cannabis sativa para uso
pessoal, concordando com o argumento da defesa de que a plantação não atentava contra a "saúde
pública". Farah e Freiler entenderam, segundo a imprensa argentina, que este cultivo não é crime porque o
homem não planejava comercializar o produto e atuava no "âmbito de sua privacidade". Os magistrados se
basearam na Constituição argentina para sustentar a defesa de "atos privados" que "não afetam a terceiros".
Em uma decisão anterior, outro juiz federal, Sérgio Torres, havia processado o homem e sugerido que ele
se submetesse a um tratamento de reabilitação. Esse processo foi baseado em um artigo do Código Penal
argentino que proíbe o cultivo de plantas ou armazenamento de sementes para produzir entorpecentes para
consumo pessoal --e que prevê penas de um mês a dois anos de prisão. O caso ainda pode agora levado
a instâncias superiores, como a Câmara de Cassação Penal ou a Suprema Corte de Justiça, ou ser
concluído, se não houver novas apelações. A decisão da Justiça Federal de Buenos Aires ocorre três meses
depois que o ministro da Justiça, Aníbal Fernández, defendeu a descriminação do consumo de drogas e a
atenção médica aos usuários de substâncias químicas, durante uma reunião extraordinária sobre o consumo
de drogas e o narcotráfico organizada pelas Nações Unidas (ONU), em Viena, na Áustria. Fonte: Folha On
Line.

Posteriormente, no julgamento da Causa nº 9.080, realizado no dia 25 de agosto de 2009 (caso Arriola e
outros) a Suprema Corte de Justiça da Nação Argentina deu provimento ao recurso extraordinário interposto
contra decisão condenatória pelo delito de posse de entorpecente para uso pessoal, tipificado no art. 14, §
2º, da Lei nº. 23.737/1989. Na decisão unânime, os Magistrados entenderam que a norma penal era
incompatível com o art. 19 da Constituição Argentina: "Las acciones privadas de los hombres que de ningún
modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservadas a Dios, y
exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no
manda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe." A decisão, no entanto, descriminalizou a posse de droga
para uso pessoal apenas para os maiores de 16 anos. Não foi uma decisão que legalizou a conduta, apenas
a posse ou o porte de pequena quantidade, para uso pessoal, está fora do âmbito de incidência do Direito
Penal. É bom lembrar que isto já ocorreu em outros países, inclusive do nosso continente, como no México
que, em agosto de 2009, descriminalizou a posse de drogas para uso pessoal até o limite de quinhentos
miligramas de cocaína ou de cinco gramas de maconha. Também no Peru, Costa Rica e Uruguai. Na
Colômbia desde 1974 a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade da lei que punia criminalmente o
porte de droga para uso próprio.

Sei que não se conclui um texto acadêmico com citações, mas eu nem sei as regras da ABNT (nem me
interessam, nem interessavam a Calmon de Passos. Portanto, aí vão:

"Na verdade a avalanche de pitos, reprimendas e agressões só me estimulam a combatividade" (Caetano


Veloso - Jornal A Tarde, 13/10/2013, p. B9).

"Os idealistas são tratados como cupins nas instituições: todos tentam matá-los, com veneno, mas eles não
morrem, ao contrário, se organizam, olham um para a cara do outro e dizem: vamos roer! Um dia o todo
poderoso senta na sua cadeira e cai porque a pata da cadeira está roída". (Calmon de Passos - Congresso
de Advogados, em 1992, em Porto Alegre).

Notas
(1) Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério
Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do
Centro de ApoioOperacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de
Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação
(Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu,
pelaUniversidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela
Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro
da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais,
do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual
Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na
carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos
Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Autor das obras "Curso Temático de Direito
Processual Penal" e "Comentários à Lei Maria da Penha" (em coautoria com Issac Guimarães), ambas
editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); "A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as
demais Medidas Cautelares" (2011), "Juizados Especiais Criminais - O Procedimento Sumaríssimo" (2013)
e "A Nova Lei de Organização Criminosa" (no prelo), publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre),
além de coordenador do livro "Leituras Complementares de Direito Processual Penal" (Editora JusPodivm,
2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
(2) Maria Lúcia Karam, De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: LUAM, 1991, p. 67.

Problemas na formação da relação jurídico-processual


decorrentes da lei de repressão ao tráfico de drogas e
a suspensão do processo após a notificação por edital
Autor:
BORCSIK, Sandor Krisztan

RESUMO: O presente ensaio examina a formação da relação jurídico-processual de acordo com a


sistemática prevista na Lei nº 11.343/06 para a integração do réu ao processo, buscando identificar
eventuais consequências indesejadas e solucionar incongruências sistêmicas do texto legal, de forma apta
e eficaz, sem se descurar do princípio do devido processo legal, tendo em vista os resultados, a eficácia e,
por consequência, a satisfação dos objetivos pretendidos pela lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas.
1. INTRODUÇÃO
Frequentemente tem-se presenciado alterações legislativas levadas a efeito sem a necessária consideração
dos sistemas e microssistemas então preestabelecidos, o que têm provocado distorções e incongruências
processuais não previstas, gerando inevitáveis desdobramentos procedimentais provocados, sobretudo,
pela operação deficitária do Direito, que nos distanciam do devido processo legal.

Partindo-se do pressuposto de que essa constatação é premente, bem como de que a identificação e
correção dessas hipóteses são inadiáveis, o presente estudo busca apresentar solução adequada para o
problema da formação da relação jurídico-processual que, na forma da lei de repressão ao tráfico ilícito de
drogas, tem provocado a suspensão dos cursos do processo e da prescrição quando o denunciado não é
encontrado para a citação pessoal, embora houvesse sido regularmente notificado e tivesse apresentado
defesa prévia, exercendo plenamente a ampla defesa e o contraditório, com o conhecimento inequívoco da
pretensão à futura ação penal em face dele já proposta.

Assim, o estudo parte da exposição sumária acerca dos atos de comunicação processual. A seguir, procede-
se à análise da notificação e citação conforme estabelecido na Lei nº 11.343/06, identificando suas
incongruências sistêmicas em face do ordenamento jurídico e da teoria geral do processo, com a
demonstração da sequência heterodoxa do procedimento provocada pela imposição legal da necessária
abertura de prazo para a apresentação de defesa prévia, anteriormente à análise acerca do recebimento ou
rejeição da denúncia.

Prossegue-se, então, com a análise das consequências da sistemática legal adotada, cuja aplicação
equivocada de seus dispositivos processuais acaba por fazer tábula rasa das garantias que pretendeu
estabelecer ao denunciado de defender-se plenamente antes mesmo do recebimento da denúncia, o que
acaba por não se coadunar com seus objetivos.

Por fim, cuida-se da relação jurídico-processual com vistas à superação dos problemas decorrentes da
opção legislativa, acabando por considerar sua eficácia como subordinada ao implemento de condição
suspensiva, consistente no recebimento da denúncia, à luz dos princípios da não surpresa - que tem ligação
direta com a garantia constitucional do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica - e da boa-fé
objetiva, consubstanciado na regra nemo potest venire contra factum proprium.
2. ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL
Os atos de comunicação processual são importantes instrumentos dialético-informativos, praticados em
momentos processuais específicos com vistas a alcançar determinada finalidade preestabelecida, segundo
sua natureza.

A comunicação é desenvolvida de forma sequencial, ou seja, sucessivamente ao longo do curso do


processo, fase após fase do procedimento, em regra por impulso oficial, de forma a permitir o exercício do
contraditório e da ampla defesa, bem como o conhecimento da prática de atos processuais e de eventuais
deveres e/ou ônus deles decorrentes, até a prolação de decisão definitiva.

Podem assumir as formas de citação, intimação e notificação, cada qual gerando efeitos diferentes e, por
consequência, impulsionando a marcha processual de forma específica, segundo o procedimento em que
inseridos, no tempo e forma predeterminados.

2.1. Citação
Citação é o ato pelo qual se faz o chamamento do demandado (Acusado) para integrar o processo, a fim de
se defender das imputações que lhe são feitas mediante apresentação - no processo penal - de resposta
escrita (CPP, arts. 396 e 396-A), bem assim para acompanhamento de seus atos e termos, até prolação de
decisão definitiva, sob pena de revelia, lembrando que esta comporta efeitos diversos para o processo civil
(CPC, arts. 344, 346 e 355, II) e para o processo penal (CPP, art. 367).
A citação é ato essencial à constituição da relação jurídico-processual, completando a formação do
processo, nos termos do artigo 363 do CPP e, por isso, consiste em pressuposto processual de existência
no que concerne ao demandado (Acusado), mesmo porque a relação jurídico-processual entre o
demandante (Ministério Público ou Querelante) e o Estado-Juiz é formada simplesmente com a propositura
da ação penal.
Bem por isso é considerada um direito processual e também uma garantia a ser conferida e assegurada
pelo Estado aos seus habitantes, "em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um
tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer
acusação criminal", conforme disposto no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos(1).

Do conceito de citação se extrai, com facilidade, seu duplo propósito, quais sejam: Convocar o réu a Juízo
(in ius vocatio) e cientificar-lhe do teor da demanda formulada, abrindo-lhe a oportunidade de defender-se
(edictio actionis).
Apesar de sua indispensabilidade - sem a qual o processo sequer existe em relação ao demandado (CPP,
arts. 564, inciso III, alínea 'e', e 570) - e da importância que lhe cabe por proporcionar o exercício do
contraditório e da ampla defesa, a falta ou nulidade da citação é suprida pelo comparecimento espontâneo
do réu.

Ainda, a mera deficiência do ato citatório acarreta nulidade relativa, o que impõe ao acusado a demonstração
do prejuízo que lhe tenha sido acarretado. De fato, não há se confundir a nulidade absoluta do processo por
inexistência de citação (CPP, art. 564, inciso III, alínea 'e') com hipóteses de vícios do ato que, muito embora
tenham o condão de acarretar nulidade, de alguma forma não impediram ao réu tomar conhecimento do
ajuizamento do processo em seu desfavor, tampouco que comparecesse espontaneamente, mesmo que
apenas para arguí-la.

Com efeito, o Código de Processo Penal é estruturado sob o princípio de que inexiste nulidade sem prejuízo
- pas de nullité sans grief -, o que privilegia a adoção do princípio da instrumentalidade das formas, que
representam, antes, meios preestabelecidos para que se possam atingir as finalidades do processo-crime,
dentre as quais o encontro, senão da verdade real, da versão mais próxima dela possível.
De fato, é o que se constata da simples leitura de seus dispositivos, os quais privilegiam o alcance da
finalidade sobre a forma (CPP, arts. 563, 566 e 567), impõe a necessidade da demonstração de interesse
na arguição da nulidade (CPP, art. 565), elencam hipóteses e formas para que sejam supridas (CPP, arts.
568 a 570), bem como as oportunidades para arguição e sua superação pela preclusão temporal (CPP, arts.
571 a 572).

2.2. Intimação
Intimação é a forma pela qual se dá ciência a alguém - partes ou terceiros - da prática dos atos e termos do
processo. No que concerne às partes, a intimação lhes possibilita que participem ativamente do processo a
fim de influenciar, a seu favor, na prolação da decisão final.

É através da intimação que o processo se desenvolve como instrumento dialético, progredindo de forma
sequencial e em contraditório, segundo o procedimento legal próprio, até que possa ser proferida decisão
final. Sem a intimação, não possível que o processo assim se desenvolva.

Com efeito, da interpretação do disposto no artigo 370 do CPP(2) pode-se extrair que a intimação se destina
à cientificação de atos processuais consumados, aos quais não precisa estar agregado, necessariamente,
nenhum comando para que o destinatário faça ou deixe de fazer alguma coisa a fim de que sobre ele recaia
eventuais ônus impostos pela dialética processual.

Trata-se de ato praticado de ofício, ao longo de todo o procedimento, em função do chamado impulso
oficial (art. 3º do CPP combinado com o art. 271 do CPC), cuja finalidade é possibilitar, por meio do
conhecimento conferido às partes, o exercício do contraditório e da ampla defesa, com a exposição de suas
razões, formulação de requerimentos e participação ativa, até definitiva entrega da prestação jurisdicional.
Importa observar que nas intimações do acusado, ofendido, testemunhas e demais pessoas que devam
tomar conhecimento de qualquer ato, devem ser observadas, no que couberem, as rotinas atinentes à
citação (CPP, art. 370). É dessa determinação que decorre a autorização legal para a intimação por hora
certa e também por edital.

2.3. Notificação
Os conceitos de notificação e intimação não são tratados de maneira uniforme, quer pela doutrina, quer pela
legislação, no entanto, em que pese a ausência de uniformidade no tratamento e utilização destes atos de
comunicação processual, pode-se conceituar a notificação como a forma pela qual se dá ciência a alguém
- partes ou terceiros - de seu dever e correspondente ônus de praticar determinado ato processual ou de
adotar determinada conduta.
A notificação, portanto, consiste em uma intimação à qual é agregada determinada obrigação de fazer ou
não fazer, com seus respectivos ônus.

Muito embora os atos de comunicação processual sejam distintos e tenham finalidades e consequências
diversas, são eles empregados, inapropriadamente, uns no lugar dos outros; intimação fazendo vezes de
notificação e vice-versa; notificação, ocasionalmente, utilizada com nítido caráter e efeitos de citação e esta,
em alguns casos, com evidente caráter de intimação.

3. NOTIFICAÇÃO E CITAÇÃO - INCONGRUÊNCIAS SISTÊMICAS DA LEI nº 11.343/06


A Lei nº 11.343/06, que definiu os crimes e estabeleceu normas para repressão à produção não autorizada
e ao tráfico ilícito de drogas, determina em seu artigo 55 que, "oferecida a denúncia, o juiz ordenará a
notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias".

Embora a adjetivação utilizada para qualificar a espécie de defesa- prévia - a ser apresentada em momento
imediatamente subsequente à notificação, remeta ao entendimento de que ela antecede a defesa principal,
sendo apenas preambular, precedente ou preparatória daquela que se seguirá após a citação, esse
entendimento não guarda nenhuma correspondência com o procedimento previsto nos artigos 48 a 59 da
referida lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas.
Em verdade, trata-se de autêntica resposta à acusação, intitulada defesa prévia que, naquela sistemática
legal, consiste na possibilidade de apresentação de exceções processuais (CPP, art. 95) e de defesa
preliminar, na qual podem ser arguidas questões preliminares e, no mérito, invocadas todas as razões de
defesa, apresentados documentos e justificações, especificadas provas cuja produção se pretenda e
arroladas testemunhas, até o número de cinco (Lei nº 11.343/06, art. 55, § 1º).
Observe-se que já nesta fase inicial do processo o exercício do contraditório e da ampla defesa é
extremamente amplo, valendo notar que a apresentação da defesa prévia [diga-se, resposta à acusação] é
obrigatória, dispondo a lei que "se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para
oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação" (Lei nº 11.343/06, art. 55,
§ 3º).
Ainda, "se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação
do preso, realização de diligências, exames e perícias" (Lei nº 11.343/06, art. 55, § 5º), ou seja, está o
magistrado autorizado a valer-se de iniciativa probatória de ofício, determinando a realização de diligências
imprescindíveis ao esclarecimento dos fatos e à formação de seu convencimento, além daquelas já
produzidas pelas partes.

Nesse contexto, a notificação determinada pela lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas tem a função de
levar ao conhecimento do denunciado a existência de uma ação penal em face dele ajuizada, bem como
dos ônus de apresentar defesa e acompanhar seus atos e termos até decisão final, sujeitando-se à sorte do
processo, é dizer, embora formalmente notificado, o denunciado é, em verdade, citado, com todas as
consequências dela (citação) resultantes.

Percebe-se, nitidamente, que a relação jurídico-processual é aperfeiçoada com a notificação do denunciado


e não em momento posterior, com sua citação para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento,
cuja real natureza e efeitos, como se verá, são as do ato de intimação.
Com efeito, aquele mesmo diploma legal dispõe, em seu artigo 56, que "recebida a denúncia, o juiz
designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento" e, dentre outras determinações, "ordenará
a citação pessoal do acusado"(3).

Aqui, salvo melhor juízo, a citação tem nítido caráter de intimação, haja vista que o acusado é chamado para
a audiência de interrogatório, instrução e julgamento, que é seguida, em regra, pelos debates orais e
imediata prolação de sentença, se o magistrado não optar por prolata-la no prazo de 10 (dez) dias (Lei nº
11.343/06, arts. 57 e 58).

Note-se que, enquanto o exercício da defesa técnica ocorre em grande escala na fase que antecede o
recebimento da denúncia, a que se segue a ele, depois da citação, se restringe à autodefesa exercida pelo
acusado quando de seu interrogatório judicial.

A autodefesa consiste no direito que assiste ao acusado de estar presente à audiência, quando da oitiva
das testemunhas, bem assim da prerrogativa de, querendo, defender-se pessoalmente dos fatos que lhe
são imputados.
Enquanto a defesa técnica se impõe, ainda que haja oposição do acusado, a autodefesa é facultativa, na
medida em que, garantindo-lhe todos os meios para exercê-la ativa e pessoalmente, pode ele optar, livre e
espontaneamente, por não a fazer(4). Aquela, indispensável, prepondera na fase anterior ao recebimento
da denúncia; esta, que pode ser desprezada segundo a vontade do acusado, prepondera na fase que se
segue ao recebimento da denúncia.

Importa observar que o procedimento para os crimes relacionados às drogas ilícitas não contempla o mesmo
desenvolvimento daquele previsto nos artigos 513 a 518 do CPP, para os crimes de responsabilidade dos
servidores públicos.

Neste, oferecida a denúncia e verificada, sumária e provisoriamente, a presença de elementos suficientes


para sua admissibilidade, o denunciado será notificado para apresentação de resposta escrita - preliminar -
, no prazo de 15 (quinze) dias (CPP, art. 514), previamente à análise acerca de seu recebimento, o qual,
dependendo dos termos da defesa apresentada, poderá não ocorrer.
Em sendo recebida a denúncia, dispõe o artigo 517 do CPP que o acusado será citado, oportunidade que
se abrirá para apresentação de toda a matéria de defesa que entender pertinente afim de que seja alcançado
o convencimento do magistrado para a sua absolvição, quer sumariamente, quer ao final, quando do
julgamento do mérito, prosseguindo-se conforme o rito comum ordinário (CPP, arts. 394/405 c/c o art. 518).

Aqui, a notificação feita na fase anterior ao recebimento da denúncia e a defesa apresentada


preliminarmente, voltada à sua rejeição, em nada altera o aperfeiçoamento da relação jurídico-processual,
que ocorre com a citação, depois do início da ação penal, desencadeado com o recebimento da denúncia.

Destarte - abstraindo-se da análise acerca de sua conveniência, ou não -, o procedimento previsto para os
crimes de responsabilidade dos servidores públicos respeita e mantém incólume a sistemática concebida
pela teoria geral do processo, haja vista que, embora notificado para apresentação de defesa preliminar na
fase que antecede ao aperfeiçoamento da relação jurídico-processual, em havendo recebimento da
denúncia, o acusado será citado e poderá apresentar nova defesa técnica e pessoal, desta feita em fase
posterior, quando já instaurada e recebida a ação penal.

Como visto, essa dinâmica não ocorre no procedimento previsto na lei de repressão ao tráfico ilícito de
drogas.

No entanto, a natureza jurídica de cada tipo de ato de comunicação processual e as consequências que
deles decorrem não impediram que a Lei nº 11.343/06 estabelecesse a notificação para apresentação de
defesa e a citação para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento, invertendo toda a sistemática
concebida pela teoria geral do processo.

Causa certa estranheza que se tenha chegado ao ponto em que os conceitos de citação, notificação e
intimação tenham sido esquecidos, o que demanda análise da normatização que precedeu a atual lei de
repressão ao tráfico ilícito de drogas.

Na sistemática da Lei nº 6.368/76, após o recebimento da denúncia seguia-se a citação do acusado para a
audiência de interrogatório, com posterior abertura de vista à defesa para apresentação de alegações
preliminares, na qual lhe era facultado arrolar testemunhas e requer diligências (art. 22, §§ 3º, 5º e 6º).
Superada essa fase, seguia-se a prolação de despacho saneador, consistente na determinação das
diligências indispensáveis ao julgamento do feito, designação de audiência de instrução e julgamento e,
dentre outras providências, a notificação do réu e das testemunhas (art. 23).

Note-se a sequência regular do procedimento: recebimento da denúncia seguido de citação, interrogatório,


apresentação de resposta e notificação para audiência de instrução e julgamento.

O procedimento foi alterado pela Lei nº 10.409/02, que em seu artigo 38 previa, com o oferecimento da
denúncia, a citação do acusado para responder à acusação e a designação de audiência para interrogatório,
anteriormente ao início da ação penal. A resposta, denominada defesa prévia - de caráter obrigatório -,
compreendia as exceções processuais, arguição de questões preliminares e invocação de todas as razões
de defesa, com a apresentação de documentos, justificações, especificação de provas e rol de testemunhas
(art. 38, §§ 1º e 3º). Estabelecido o contraditório, era proferida decisão acerca do recebimento ou da rejeição
da denúncia (art. 38, §§ 4º e 5º). Recebida a denúncia, havia designação de audiência de instrução e
julgamento, para a qual deviam ser intimados o acusado, o Ministério Público, as testemunhas e, se o caso,
o assistente.
Note-se, agora, a sequência heterodoxa do procedimento: oferecimento da denúncia seguido de citação e
intimação, apresentação de resposta, interrogatório, instrução processual, recebimento da denúncia e
intimação para audiência de novo interrogatório, instrução, debates e prolação de sentença. Naquela
sistemática havia citação antes mesmo do início da ação penal, ou seja, a relação jurídico-processual se
aperfeiçoava antes mesmo da existência do próprio processo penal.

Não obstante, embora a Lei nº 11.343/06 tenha trazido nova sistemática às políticas públicas sobre
entorpecentes, revogando as Leis n. 6.368/76 e 10.409/02, optou por manter o direito de o denunciado
apresentar defesa prévia anteriormente ao início da ação penal sem, contudo, reparar a grave incongruência
criada por esta última normatização.

Aparentemente, não encontrando forma mais adequada para integrar o réu ao processo, proporcionando-
lhe conhecimento da acusação e oportunidade de apresentar ampla defesa antes do recebimento da
denúncia, buscou fazê-lo, salvo melhor juízo, lançando mão do emprego equívoco dos
termos notificação, para a fase processual que a antecede, e citação, para a fase processual subsequente,
ignorando que em sua sistemática a notificação ostenta características e efeitos de citação e esta, nítidas
características e efeitos de intimação.
Assim, a atual lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas empregou inadequadamente o
termo notificação, esperando com isso contornar essa incongruência sistêmica, reservando o emprego do
termo citação para depois do recebimento da denúncia, ainda que apenas com a finalidade de cientificar o
acusado da designação da audiência de interrogatório, instrução e julgamento para, querendo, dela
participar e exercer o direito à autodefesa.
Destarte, apenas aparentemente o procedimento reassumiu sequência regular. Confira-se: oferecimento da
denúncia seguido de notificação, apresentação de defesa prévia [diga-se, resposta à acusação], instrução
processual, recebimento da denúncia, citação para audiência de interrogatório, instrução e julgamento,
debates e prolação de sentença. Nessa sistemática, apenas inverte-se a utilização dos
vocábulos citação e notificação, mantendo-se, na essência, a angularização da relação jurídico-processual
antes mesmo da existência do processo penal, na suposição de que, talvez, o problema fosse superado
com mera retórica.
Com certeza uma concepção imperfeita que, no entanto, bem expressa o raciocínio falho utilizado para
justificar a opção pela manutenção da sistemática introduzida pela Lei nº 10.409/02.

Como se vê, infere-se mesmo intuitivamente que o procedimento iniciado com a Lei nº 10.409/02 e
preservado, em sua essência, pela Lei nº 11.343/06, não encontra nenhuma justificativa ou amparo, nem
mesmo haurido da teoria geral do processo, para que haja o aperfeiçoamento de relação jurídico-processual
anteriormente à existência do próprio processo penal, ao menos não na forma em que estabelecido.

Com efeito, a compreensão do procedimento previsto pela Lei nº 11.343/06, à vista do ordenamento jurídico
processual, especialmente sob o viés teleológico e sistemático - empregado justamente para que se possam
identificar os fins e o alcance sociais pretendidos e nem sempre reproduzidos claramente no texto legal -,
constitui-se em um verdadeiro exercício do que se pode chamar de dissonância cognitiva.

Entende-se por dissonância cognitiva a tensão resultante da tentativa de sustentar, simultaneamente,


proposições incompatíveis. De fato, a natureza jurídica da notificação não se ajusta aos propósitos e
resultado previstos no artigo 55 e §§ 1º ao 5º, da Lei nº 11.343/06, assim como a natureza jurídica da citação
também não se ajusta aos propósitos e resultado previstos no artigo 56 daquele mesmo diploma legal.

O que é inequívoco, por imposição legal, é a necessidade de abertura de prazo para a apresentação de
defesa prévia [diga-se, resposta à acusação], anteriormente à análise acerca do recebimento ou rejeição da
denúncia, que se seguirá apenas depois de superada toda essa fase probatória.

4. CONSEQUÊNCIAS DA SISTEMÁTICA LEGAL ADOTADA


O modelo escolhido pela atual lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas, salvo melhor entendimento, dá
ensejo a consequências não previstas e de difícil solução, notadamente diante do critério da especialidade
e da aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Penal, do Código de Processo Civil, bem
assim da sistemática concebida pela teoria geral do processo que, em última análise, reflete no princípio do
devido processo legal (CPP, arts. 3º e 394, §§ 4º e 5º)(5).

Com efeito, a atecnia da lei para o procedimento da formação da relação jurídico-processual e da instrução
criminal importa em desconsideração da sistemática concebida pela teoria geral do processo na medida em
que preponderantemente transporta a defesa técnica, de caráter obrigatório, para fase anterior à análise da
própria pertinência jurídica da denúncia, ou seja, antes de verificada a viabilidade da instauração do
processo, quer no que se refere à aptidão da peça acusatória, quer no que se refere à existência de substrato
fático mínimo, fazendo com que o denunciado exerça a ampla defesa e o contraditório em processo penal
antevisto somente pelo Ministério Público naquela oportunidade.

De fato, a determinação para a notificação não é precedida sequer da verificação sumária e provisória da
presença de elementos suficientes para a futura admissibilidade da denúncia oferecida, à exceção da
comprovação da materialidade para o tráfico, feita por meio dos laudos de constatação provisória e de
exame químico-toxicológico.

Assim sendo, apenas depois de superada essa fase é que se segue a análise da peça acusatória, à vista
do conjunto probatório então produzido - ou que deveria ter sido produzido segundo previsão legal - e, em
sendo ela recebida, a continuidade da instrução criminal com a autodefesa exercida pelo acusado quando
de seu interrogatório judicial, de caráter facultativo, e com a oitiva das testemunhas.

A não observância desta previsão legal para prematura instrução criminal faz com que o acusado não se
detenha adequadamente na produção da defesa técnica na fase que antecede a análise acerca do
recebimento ou rejeição da denúncia, em regra se restringindo à apresentação de negativa genérica e do
rol de testemunhas, relegando-se para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento a concentração
da defesa de mérito, cujos argumentos, também em regra, são repisados nas alegações finais.

Assim, devido a esse evento anômalo, é desconsiderado todo aquele conjunto probatório que deveria ter
sido produzido antecipadamente, segundo previsão da lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas, e,
também, perdida a oportunidade de proporcionar ao magistrado acesso a importantes elementos que,
eventualmente, pudessem lançar dúvida razoável à versão dos fatos documentada até então, unilateral e
exclusivamente, na fase policial.

Nesse contexto, dar-se-ia ao magistrado ensejo para determinar a apresentação do preso em Juízo (Lei nº
11.343/06, art. 55, § 5º), ocasião em que a necessidade da manutenção de eventual custódia cautelar seria
então reavaliada, desta feita à vista dos elementos de prova trazidos aos autos, incluindo-se os argumentos
apresentados pessoalmente pelo denunciado.

Destarte, sobretudo nessa fase inicial do processo, proporcionar-se-iam melhores condições para
determinar, de forma mais segura, o enquadramento da conduta do denunciado no tipo penal do tráfico,
considerando-se suas condições pessoais, a quantidade de droga apreendida, dinheiro, bens e valores
envolvidos, eventuais declarações de testemunhas, bem assim a presença, ou não, de elementos indicativos
de mercancia ilícita, tudo a contribuir para o encontro da versão mais próxima possível da verdade.

Ainda que não se trate de situações análogas, importa observar que as condições apresentadas nestas
circunstâncias seriam extremamente mais favoráveis ao denunciado em comparação àquelas que estariam
presentes por ocasião da realização da audiência de custódia, prevista para fase extremamente incipiente
da persecução penal - em até 24 horas contados da comunicação da prisão em flagrante ou em decorrência
de cumprimento de mandado de prisão cautelar ou definitiva(6).

Note-se que a aplicação equivocada da lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas provoca esse efeito
colateral indesejado, fazendo tábula rasa da sistemática então adotada e, por consequência, das garantias
que a norma pretendeu estabelecer ao denunciado de defender-se plenamente antes mesmo do
recebimento da denúncia.

Nessa hipótese o comportamento não foi previsto e tampouco regulado pela lei, mas inadvertidamente
induzido por ela. A questão não é nova, comportando sucinta digressão a fim de se proporcionar melhor
compreensão do evento.

Com efeito, num juízo meramente comparativo temos que, antes do advento da Lei nº 6.515/77, que passou
a regular os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, a matéria era tratada nos artigos
315 a 329 do Código Civil de 1916, que dispunha que o casamento válido apenas se dissolvia pela morte
de um dos cônjuges.

Nesse contexto em que o divórcio não era admitido e na impossibilidade de contrair segundas núpcias,
aqueles que pretendiam constituir nova entidade familiar o fizeram por meio da união estável, que apenas
veio a ser reconhecida como tal na Constituição Federal de 1988 (art. 226, § 3º) que, por sua vez, aguardou
até ser regulada pela Lei nº 9.278/96, cerca de sete anos e sete meses mais tarde, lembrando que a Lei nº
8.971/94 apenas cuidou dos direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão.

Assim, a princípio as uniões estáveis eram constituídas como efeito colateral imprevisto da regulação que o
Código Civil de 1916 então conferia à matéria, situação que, como se sabe, se estendeu até 27 de dezembro
de 1977, data da entrada em vigor da Lei do Divórcio, e também além dela, e apesar dela, uma vez que
essa modalidade de entidade familiar só veio a ser reconhecida formalmente com a Constituição Federal de
05 de outubro de 1988 e regulamentada a partir de 13 de maio de 1996, com a Lei nº 9.278.

Note-se que a partir da entrada em vigor da Lei nº 6.515/77 a constituição de uniões estáveis passou então
a consistir não mais na única possibilidade de formação de nova entidade familiar não precedida da morte
de um dos cônjuges, mas outra possibilidade de formação de nova entidade familiar, de acordo com o livre
arbítrio dos interessados. Nesse ponto, a ordem natural da intervenção estatal na vida em sociedade foi
retomada, haja vista que a conduta social passou a preexistir à sua identificação e intencional e explícita
regulamentação pelo ordenamento jurídico.
O mesmo efeito colateral ocorre quando a legislação - apesar de eficaz (enquanto haja conformidade do
comportamento ao seu conteúdo), efetiva (enquanto haja concretização da finalidade prevista
abstratamente) e com vigência social, ou seja, com normatividade capaz de dirigir a conduta dos
jurisdicionados e assegurar suas expectativas normativas -, não é observada em sua plenitude e, por
consequência, aplicada incorretamente.

Destarte, é bastante comum a circunstância de a decretação açodada de prisão cautelar, em regra devido
à comoção social e sem a constatação da presença de todos os seus requisitos legais, provocar a fuga do
investigado/acusado que, até então, não possuía nenhuma intensão em homiziar-se. Também nessa
hipótese de aplicação equivocada da norma observa-se a indução à conduta que, em verdade, o
ordenamento jurídico buscava evitar. Assim, - para permanecer no exemplo - podemos dizer que: "A prisão
não fora decretada porque o investigado/acusado fugiu; ao contrário, o investigado/acusado fugiu porque
sua prisão fora decretada".

Acresça-se a isso, ainda, a questão da citação pessoal do acusado (Lei nº 11.343/06, art. 56).

De fato, qual a consequência legal ao acusado que, regularmente notificado, houvesse apresentado
resposta à acusação (defesa prévia = exceções processuais + defesa preliminar, consistente na mais
completa produção de provas e discussão sobre o mérito da pretensão punitiva), e mesmo tendo-lhe sido
oportunizados meios para o exercício da ampla defesa e do contraditório, tivesse seus argumentos rejeitados
e, com o recebimento da denúncia, não fosse encontrado para citação pessoal?

Em não havendo previsão específica na legislação especial acerca das hipóteses e do procedimento a ser
adotado em caso de revelia, e considerando que a própria norma estabelece a aplicação subsidiária das
disposições do Código de Processo Penal aos crimes que tipifica (Lei nº 11.343/06, art. 48)(7), seguir-se-ia
determinação para a citação por edital e, em caso de inércia - não comparecimento à audiência de
interrogatório, instrução e julgamento e nem constituição de advogado - sobreviria decisão determinando a
suspensão dos cursos do processo e do prazo prescricional, com fundamento no artigo 366 do estatuto de
rito(8).

Tendo em vista os fins da lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas, teria sido essa consequência de
manifesta não realização do vínculo instrumental finalístico, de fato, previsto e tolerado por ela, em
detrimento de sua própria efetividade?

A resposta afirmativa parece não se coadunar com os objetivos explicitados em sua própria ementa(9) e
corroborados pela positivação que se segue a ela, em seus 75 (setenta e cinco) artigos.

Assim sendo, considerando-se que configura nulidade absoluta a ausência de notificação para apresentação
de defesa prévia, anteriormente ao recebimento da denúncia, haja vista que nessa hipótese entende-se
haver violação dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal(10), a questão que se coloca é
como operacionalizar esse procedimento sem que a ordem legal envolva um absurdo.

5. CONTORNANDO OS PROBLEMAS DA OPÇÃO LEGISLATIVA


À primeira vista, poder-se-ia sucumbir-se à tentação de empregar atecnia semelhante àquela de que a lei
de repressão ao tráfico ilícito de drogas lançou mão, simplesmente determinando a notificação e citação
simultâneas para apresentação de defesa preliminar e, em caso de recebimento da denúncia, a intimação
para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento, buscando frustrar eventual intento do réu em não
se fazer encontrar para citação pessoal.

No entanto, esse singelo expediente - satisfatório apenas em sua aparência, e a palavra-chave aqui
é aparência - não atende aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, porquanto
consiste em inovação que não leva em consideração o procedimento instituído pela Lei nº 11.343/06,
segundo o qual ao oferecimento da denúncia segue-se a notificação para apresentação de defesa prévia
[diga-se, resposta à acusação], instaurando-se o contraditório e a prematura instrução criminal, sobrevindo,
ao final e em regra, decisão acerca de seu recebimento ou rejeição. Em sendo recebida a denúncia, segue-
se a designação de audiência de instrução e julgamento, para a qual o acusado deve, então, ser citado.
Ademais, o problema da realização da citação anteriormente ao início da ação penal - que é desencadeado
com o recebimento da denúncia - permanece sem solução, como se isso fosse viável.

Em outra vertente, poder-se-ia considerar-se plausível a determinação para notificação do denunciado para
que, no prazo de 10 (dez) dias, apresentasse defesa prévia, nos moldes preconizados pelo artigo 55 da Lei
nº 11.343/06, já com designação de audiência de interrogatório, instrução e julgamento, antes mesmo do
recebimento da denúncia, para a qual seria ele simultaneamente citado.

Com efeito, sem prejuízo de eventual rejeição da denúncia ou do acolhimento das questões aduzidas na
defesa prévia, as quais poderiam ter o condão de acarretar, inclusive, a absolvição sumária, e considerando
que o denunciado seria beneficiado com o aceleramento da marcha processual, sobretudo nas hipóteses
em que estivesse preso preventivamente, a designação de audiência logo na primeira oportunidade depois
do oferecimento da denúncia se mostra como medida assaz recomendável.

Com a apresentação da defesa prévia e depois de superada a fase probatória que se segue a ela, o processo
seria então concluso para apreciação conjunta das questões aduzidas, bem assim dos termos da denúncia
ofertada.

Havendo rejeição, ou recebimento da denúncia seguida de absolvição sumária, a designação da audiência


restaria prejudicada, com imediata revogação de eventual custódia cautelar e determinação para liberação
da pauta.

Aliás, a análise das hipóteses de absolvição sumária, na forma do artigo 397 do CPP(11), encontra previsão
no § 4º do artigo 394 também do CPP, segundo o qual as disposições constantes de seus artigos 395 a 398
aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados por ele, lembrando
que esses dispositivos foram incluídos no estatuto processual pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008,
ou seja, em momento posterior à entrada em vigor da lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas que,
conforme seu artigo 74 ocorreu 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação, que foi veiculada em 24 de
agosto de 2006. Não bastasse, o artigo 48 da lei especial ainda prevê a aplicação subsidiária das
disposições do Código de Processo Penal aos crimes que tipifica.

Destarte, o artigo 56 da Lei nº 11.343/06 passa a ser complementado pelo artigo 397 do CPP, a fim de que
não se admita a instauração de processo penal cuja inviabilidade já se divisa de plano(12).

Não sendo caso de rejeição ou de absolvição sumária, recebida a denúncia, o processo permaneceria
aguardando as providências necessárias à realização da audiência previamente designada.

Sem dúvida uma perspectiva interessante. No entanto essa hipótese, embora preferível à anterior e apesar
de também permitir ao denunciado apresentar defesa prévia antes do recebimento da denúncia e da
audiência - contornando a nulidade decorrente da ausência de notificação para apresentação de defesa
prévia, anteriormente ao recebimento da denúncia(13) -, da mesma forma e por motivos idênticos, não
atende aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal.

Destarte, persiste sem enfrentamento o problema da realização da citação antes mesmo da existência do
próprio processo penal.

Acrescentar a palavra citação, agregando-a ao ato de notificação sem qualquer efeito adicional, apenas e
tão somente para aparentar o formal aperfeiçoamento da relação jurídico-processual, não traz qualquer
efeito legal e tampouco afasta a circunstância de o processo até então não existir em relação ao demandado,
haja vista que a citação ainda é procedida anteriormente ao recebimento da denúncia.
A única consequência que se obtém com esse expediente é a manutenção do emprego inadequado dos
nomes de determinados institutos jurídicos, bem definidos e conhecidos, como se a mera utilização dos
vocábulos que os definem fosse capaz de alterar ou interferir na natureza jurídica daqueles outros de que
efetivamente se lançaram mão em seus lugares, intentando afastar os efeitos que lhes são próprios na
conjectura de conferir-lhes os resultados daqueles institutos cujos nomes foram indevidamente tomados de
empréstimo - v.g., notificação por citação, citação por intimação, intimação por notificação e vice-versa, sem
prejuízo de outras possíveis substituições inapropriadas.
Neste lanço, apesar de não lhe ser dedicada a devida atenção, vale notar que a função do rótulo é,
necessariamente, identificar o conteúdo, corresponder formal e materialmente àquilo que denomina, haja
vista a importância da terminologia enquanto instrumento de individualização e delimitação daquilo a que se
refere, cujas características, essência e identidade tornam-se perenes justamente através daquele
determinado vocábulo que o designa.
Nas palavras de Bernardus Morlanensis(14): "Stat Roma pristina nomine, nomina nuda tenemus"; é dizer:
"A Roma antiga está no nome, e nada nos resta além dos nomes".

A questão principal, portanto, é se a manutenção desta prática é uma possibilidade razoável. A resposta
simples, mais uma vez, é não.

Retornamos ao ponto: Como operacionalizar o procedimento previsto na Lei nº 11.343/06 sem que a ordem
legal envolva um absurdo?

Note-se que nessas hipóteses o ato citatório levado a efeito depois do recebimento da denúncia não
completa a instância, simplesmente porque a notificação precedente já o fez, hábil que foi a convocar o
denunciado/réu a Juízo (in ius vocatio) e a cientificar-lhe do teor da demanda formulada, abrindo-lhe a
oportunidade de defender-se (edictio actionis), o que é levado a efeito ainda que sem a sua colaboração.
Percebe-se, nitidamente, que a relação jurídico-processual é aperfeiçoada com a notificação do denunciado
e não em momento posterior, com sua citação para a audiência de interrogatório, instrução e julgamento,
cuja real natureza e efeitos são as do ato de intimação.
E, uma vez realizado validamente o ato tendente a integrar o réu ao processo, não há de ser repetido, é
dizer, ou o ato é válido e produz seus efeitos, ou apresenta vício não passível de ser sanado e, portanto,
nulo, hipótese em que deverá ser renovado, como, de resto, preceitua o artigo 573 do CPP(15). Inexiste,
portanto, previsão legal, ou mesmo qualquer autorização que decorra do sistema jurídico, para que a citação
válida seja, por qualquer motivo, renovada.

Assim, considerando-se que a notificação determinada pela lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas faz
as vezes da citação, com todos os efeitos e consequências dela resultantes, bem assim que nos demais
atos de comunicação processual devem ser observados, no que couberem, as rotinas atinentes à ela (CPP,
art. 370), tem-se como corolário que do instrumento de notificação do denunciado nos crimes sujeitos ao
procedimento da Lei nº 11.343/06, devem constar os mesmos dados e advertências legais exigidos para a
citação.

A essas informações ainda devem ser acrescentadas a comunicação formal, bem como o esclarecimento
ao denunciado de que, em caso de recebimento da denúncia, a lide estará estabilizada naqueles mesmos
termos já conhecidos por ele, prosseguindo-se com a citação para audiência de interrogatório, instrução e
julgamento, hipótese em que, não sendo encontrado para a comunicação pessoal acerca do recebimento
da denúncia e da audiência, tornar-se-á revel, continuando o processo a se desenvolver independentemente
de sua participação ou de futura intimação para os demais atos (CPP, art. 367).

Como visto, a citação para a audiência desempenha a função e acarreta as consequências próprias da
intimação. Daí porque, em caso de o acusado não ser encontrado para a comunicação pessoal do
recebimento da denúncia e da designação da audiência, haverá revelia e não determinação para citação
por edital com suspensão dos cursos do processo e do prazo prescricional, hipótese em que caberá a
aplicação analógica dos procedimentos previstos para a intimação da sentença (CPP, art. 392), conferindo-
se, assim, maior segurança jurídica ao acusado, com a aplicação do Código de Processo Penal, sem
inovações, sem surpresas.
Trata-se de construção amparada nos princípios da não surpresa e da boa-fé objetiva.

A questão da garantia da não surpresa tem ligação direta com os princípios constitucionais do contraditório,
da ampla defesa e da segurança jurídica.

Destarte, com a notificação o denunciado passa a ter amplo conhecimento da existência de pretensão à
futura ação penal em face dele já proposta, ainda pendente de recebimento pelo Poder Judiciário, bem como
dos termos da acusação, dos direitos e deveres processuais, dos ônus de apresentar defesa e de
acompanhar os atos do processo até decisão final, com todas as consequências dela resultantes.

Ainda, tem amplo conhecimento de que, em sendo recebida a denúncia ofertada em seu desfavor, o
processo penal passará a ter eficácia também em relação a ele, já estando completada a relação jurídico-
processual, cujas causas de pedir e pedidos - traduzidos na pretensão condenatória - permanecerão
naqueles mesmos termos já conhecidos por ele, vedada qualquer alteração em que não incida o disposto
no artigo 384 do CPP(16), evitando-se a surpresa que imprime o prejuízo ao due process of law.
A única modificação substancial que ocorrerá é a alteração de seu stau quo, que passará de denunciado a
réu, circunstância de que já estará previamente cientificado.
Com efeito, o denunciado sabe exatamente os fatos que lhe são imputados na denúncia, sabe do pedido
condenatório formulado em sintonia com eles, dos direitos, deveres e ônus decorrentes do processo, bem
assim da alteração de seu stau quo que sobrevirá em caso de recebimento da denúncia, momento em que
o processo penal passará a produzir efeitos também em relação a ele.
Assim sendo, o recebimento da denúncia em nada afeta ou interfere no direito de defesa, seja porque a
imputação dos fatos e o fundamento da acusação não podem causar surpresa ao demandado, haja vista
que já lhe foram antecipados e, por isso, não sugerem novidade ou desconhecimento, mas sim envolvimento
próximo com as providências tomadas na fase policial e conhecimento pleno das investigações, tudo a lhe
proporcionar o exercício do contraditório e da ampla defesa técnica, bem assim subsídios para a elaboração
da autodefesa, a ser posteriormente apresentada em Juízo.

Aliás, o juiz pode dar aos eventos delituosos descritos na inicial acusatória a classificação legal que entender
mais adequada, procedendo à emenda na acusação (emendatio libelli) (17), sem que isso gere surpresa
para a defesa(18).
Já o princípio da boa-fé objetiva se faz presente, dentre outras formas, na aplicação da doutrina da proibição
do comportamento contraditório, que se apresenta no campo jurídico como uma conduta ilícita, o que torna
inadmissível, especialmente sob a bandeira da plenitude da defesa, que se crie obstáculo artificial que revele
o ilegítimo e censurável propósito de inviabilizar a aplicação da lei através do manuseio emulativo do próprio
processo, em flagrante litigância de má-fé, tolerada e, por vezes, até abonada pelo próprio Estado, enquanto
operador deficitário do Direito.
Note-se que, com a notificação, é evidente o conhecimento do denunciado acerca da existência de
pretensão à futura ação penal em face dele já proposta, dos termos da acusação, dos direitos e deveres
processuais, dos ônus de apresentar defesa e de acompanhar os atos do processo até decisão final, com
todas as consequências dela resultantes, bem assim de que, em sendo recebida a denúncia, a lide já estará
objetivamente estabilizada naqueles mesmos termos.

Assim, não é lícito que, oportunizados meios para o exercício da ampla defesa e do contraditório, com a
recusa de seus argumentos e recebimento da denúncia, o acusado intencionalmente não se fizesse
encontrar para citação pessoal, provocando, com isso, a suspensão dos cursos do processo e do prazo
prescricional.

De fato, assim procedendo, o réu intenta favorecer-se assumindo conduta processual que contradiz outra
imediatamente precedente e incompatível com ela, consistente em seu prévio e formal conhecimento dos
ônus, atos e termos do processo, bem como do efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

É óbvio que tal conduta processual temerária não pode ser ignorada ou tolerada, haja vista que um dos
alicerces do sistema processual pátrio é o princípio da boa-fé objetiva, que obriga todas as partes e
interessados a agir com lealdade.

Tais obrigações - de lealdade e de vedação ao comportamento contraditório - têm plena incidência no campo
do direito processual penal, conforme se depreende do artigo 565 do CPP(19), cuja inobservância também
viola postulado ético-jurídico de cooperação, igualmente posto a todos os sujeitos processuais(20).

Vale notar que, não obstante a proibição do comportamento contraditório - nemo potest venire contra factum
proprium, na expressão latina - guarde proximidade de conteúdo com o princípio de que a ninguém é
permitido beneficiar-se da própria torpeza - nemo auditur turpitudinem allegans -, o primeiro princípio é de
natureza objetiva, dispensando, por óbvio, investigação acerca do aspecto subjetivo da conduta, traduzida
no dolo, como no segundo, que é de natureza subjetiva, bastando para a configuração daquele a contradição
entre os comportamentos antecedente e subsequente.
Por outro lado, e quando o denunciado não for encontrado para a notificação pessoal?
Nessa hipótese, a solução mais adequada consiste na aplicação dos artigos 394, §§ 4º e 5º e 396, parágrafo
único, todos do CPP(21), mesmo porque a própria lei especial prevê a incidência subsidiária das disposições
do Código de Processo Penal aos crimes que tipifica (Lei nº 11.343/06, art. 48).

Nesse contexto, deve-se proceder à notificação por edital, seguida, em caso de inércia, da nomeação de
Defensor Dativo para apresentação de defesa prévia.

Importa observar que a lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas não traz nenhuma reserva quanto à
possibilidade de se proceder à notificação por edital, o que nos remete à aplicação subsidiária e por analogia
do disposto no artigo 361 do CPP, em caso de restar frustrada a notificação pessoal. Com efeito, o artigo
55, caput, da Lei nº 11.343/06 se limita a dispor que "oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do
acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias".
Destarte, uma vez notificado, pessoalmente ou por edital, quedando-se silente o denunciado, dispõe a lei
que "se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias,
concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação" (Lei nº 11.343/06, art. 55, § 3º)(22).

Apresentada a defesa prévia, em sendo o caso de recebimento da denúncia e não estando presente
nenhuma das hipóteses de absolvição sumária, segue-se então à declaração de suspensão dos cursos do
processo e do prazo prescricional podendo, ou não, haver determinação para a produção antecipada das
provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretação da prisão preventiva do réu, tudo na forma do
artigo 366, também do CPP.

Sem embargo de judiciosos entendimentos em contrário, a suspensão dos cursos do processo e do prazo
prescricional após a notificação por edital e apresentação de defesa prévia, independentemente de
designação de audiência e citação por edital, salvo melhor juízo, atende, a um só tempo, o rito especial da
Lei nº 11.343/06, o disposto no artigo 366 do CPP e os postulados constitucionais da eficiência e
economicidade. Explica-se.

Considerando que a notificação determinada pela lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas faz as vezes
da citação, aperfeiçoando a relação jurídico-processual antecipadamente, que o demandado já tem
conhecimento de que, em caso de recebimento da denúncia, o processo penal passará a ter eficácia também
em relação a ele, já estando estabilizada objetivamente a lide, bem como que a citação para audiência de
interrogatório, instrução e julgamento faz as vezes da intimação, inclusive importando em revelia na
sistemática ora apresentada, se afigura desnecessária a designação de audiência e posterior citação por
edital (sic, intimação) para, somente a partir desse marco, proceder-se à suspensão dos cursos do processo
e do prazo prescricional.

Essas providências, em verdade, se destinam, a alto custo e sem nenhum resultado prático, apenas e tão
somente ao atendimento à literalidade do texto do artigo 366 do CPP, que em síntese dispõe que "se o
acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o
curso do prazo prescricional".

5.1 A eficácia da relação jurídico-processual e sua subordinação à condição suspensiva


De todo o exposto, tem-se que, enquanto o processo existe e produz todos os seus efeitos no que diz
respeito ao demandante - cuja relação jurídico-processual entre ele e o Estado-Juiz é formada simplesmente
com a propositura da ação penal -, no que concerne ao demandado, embora aperfeiçoada a relação jurídico-
processual com a notificação, sua eficácia ficará subordinada ao implemento de uma condição
suspensiva, qual seja, o recebimento da denúncia, a partir do qual os efeitos do processo penal se farão
presentes também em relação a este.
A condição suspensiva que subordina a eficácia da relação jurídico-processual - consistente no recebimento
da denúncia -, tomado por acontecimento futuro e incerto quando da propositura da ação penal, decorre da
própria lei e, nesse contexto, constitui pressuposto processual de existência em relação ao demandado e
pressuposto processual de validade em relação ao demandante.

Destarte, o direito de demandar - que é incondicionado - dá causa à instauração da relação jurídico-


processual vinculando, a princípio, demandante (Ministério Público) e Estado-Juiz, gerando para este o
dever de se pronunciar quanto ao atendimento dos requisitos de formação e desenvolvimento válido e
regular do processo (pressupostos processuais de existência e de validade) e quanto à presença dos
requisitos para a aferição da existência de interesse tutelável e pretensão idônea, ou seja, dos requisitos
para a aferição quanto à possibilidade de conhecimento do mérito (condições da ação).
Não atendidos os pressupostos e as condições da ação, o exercício da função jurisdicional terá sido prestada
apenas para declarar a impossibilidade da formação ou do desenvolvimento válido e regular do processo
em relação ao demandado ou, ainda, a ocorrência da figura da carência de ação.

Não se implementando a condição suspensiva, o processo será extinto liminarmente, sem apreciação do
mérito, fazendo coisa julgada apenas entre demandante e Estado-Juiz. Essa circunstância se observará
com a constatação de uma ou mais hipóteses de rejeição da denúncia, constantes do artigo 395 do CPP(23).

Por outro lado, preenchidos os pressupostos e as condições, é reconhecido o direito de ação, que impõe ao
Estado-Juiz os deveres de proceder à integração do demandado (Acusado) ao processo, bem como de se
pronunciar sobre o mérito dos pedidos deduzidos, emitindo um provimento final sobre o litígio apresentado
à sua apreciação.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que concerne aos efeitos da lei de repressão ao tráfico ilícito de drogas, importa observar que a legislação
se mostra eficaz, uma vez que há, em regra, conformidade do comportamento dos jurisdicionados ao seu
conteúdo; também se mostra efetiva, na medida em que existe concretização da finalidade abstratamente
prevista; ainda, tem vigência social, haja vista que sua normatividade é capaz de dirigir a conduta dos
jurisdicionados, sobressaindo sua dimensão instrumental sobre a função simbólica.

Entretanto, apesar da prevalência do sentido normativo-jurídico sobre o político-ideológico, a capacidade de


a lei dirigir normativo-juridicamente o comportamento de seus destinatários é prejudicada pelas
incongruências sistêmicas criadas pela redação insatisfatória do texto e pela hermenêutica e aplicação
equivocadas dos dispositivos que regulam a instrução criminal.

De fato, a relação hipotético-abstrata "se/então" dos preceitos primário e secundário da norma não se
concretiza regularmente e, por conseguinte, não se realiza o vínculo instrumental "meio/fim" que resulta do
texto legal, justamente porque a forma inovadora escolhida para integrar o réu ao processo não é
apresentada de modo claro, tampouco regulamentada adequadamente, o que faz com que o curso do
processo, em determinadas hipóteses, seja sobrestado por meio de conduta dolosa do denunciado,
violadora do princípio da boa-fé objetiva consubstanciado na regra nemo potest venire contra factum
proprium.
Em que pese essa notória discrepância no vínculo instrumental "meio/fim", tal prática tem sido uma
constante, quer porque tem passado despercebida, quer porque tem sido tolerada ou, por vezes, até
abonada pelo próprio Estado-Juiz, enquanto operador deficitário do Direito.

Aliás, causa certo incômodo o fato de que conceitos fundamentais de hermenêutica e aplicação do Direito
sejam, de forma recorrente, relegados preponderantemente à seara acadêmica, onde seu estudo é menos
refreado por experiências associadas à base empírica concreta que tenha efetivamente ensejado o emprego
de suas técnicas, senão, até mesmo completamente apartado delas.

Mas, apesar de tudo, e por tudo isso, entre avanços e recuos, tem-se, de certo modo, evoluído da aceitação
do status quo para o enfrentamento das contradições e incongruências do sistema jurídico, de modo a
concebê-lo de forma mais realista, com vistas a corrigir suas imperfeições, senão todas elas, ao menos as
mais severas.
_____________________________________________________________________________

PALAVRAS-CHAVE: Tráfico de drogas. Desvios procedimentais. Eficácia da relação jurídico-processual.


Subordinação à condição suspensiva. Boa-fé objetiva.
TITLE: Drug trafficking: problems in the formation of the legal and procedural relationship.
ABSTRACT: The present essay examines the formation of the legal and procedural relationship according
to the system set out in Law n. 11.343/06 for the integration of the defendant to the process in order to identify
unintended consequences and solve systemic inconsistencies in the legal text, in a suitable and effective
manner, without neglecting the principle of due process of law, in view of the results, effectiveness and,
consequently, the satisfaction of the objectives intended by the repressive law of the illicit drug trafficking.
KEYWORDS: Drug trafficking. Procedural deviations. Effectiveness of legal and procedural relationship.
Subordination to the suspensive condition. Objective good faith.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Atos de comunicação processual. 2.1. Citação. 2.2. Intimação. 2.3. Notificação.
3. Notificação e citação - incongruências sistêmicas da Lei nº 11.343/06. 4. Consequências da sistemática
legal adotada. 5. Contornando os problemas da opção legislativa. 5.1. A eficácia da relação jurídico-
processual e sua subordinação à condição suspensiva. 6. Considerações finais. 7. Referências.
_____________________________________________________________________________

7. REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. 1 v.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de direito e jurisdição constitucional - 2002-2010. São Paulo: Saraiva,
2011.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2011.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito processual penal
esquematizado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 9. ed. rev., ampl. e
atual. Bahia: Jus PODIVM, 2014.
Notas:
(1) Declaração Universal dos Direitos Humanos - Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da
Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. "Artigo 10. Todo ser humano tem direito,
em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para
decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele."
(Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 01 mar.
2016).

(2) "Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar
conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no Capítulo anterior."
(BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 23 mar. 2016).
(3) "Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento,
ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e
requisitará os laudos periciais. § 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts.
33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar
do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo. § 2º A
audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao
recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de
drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias." (BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso
em: 20 abr. 2016).
(4) Nesse sentido: "RESP - PROCESSUAL PENAL - RÉU PRESO - DEFESA TÉCNICA - DEFESA
PESSOAL - Dois princípios incidem no Processo Penal: Contraditório e defesa plena. Esta, por seu turno, é
bifronte: Defesa técnica e defesa pessoal. A primeira se impõe, ainda que haja oposição do réu. A segunda
pode ser desprezada, todavia, o réu tem direito de exercê-la; Como parte processual, querendo, tem direito
a atuação. O CPP moderno exige que o réu participe, seja ator, não se resumindo a mero espectador do
processo. Não é mero pieguismo. Resulta da maneira civilizada de aplicar a sanção penal. O Estado que
prende, não pode colocar-se na cômoda situação de afirmar que não sabia da prisão; Por isso, não
promovera a intimação. O CPP precisa ser relido com os princípios modernos do direito, urge repelir o
processo como simples esquema formal. (REsp 36.754/RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta
Turma, julgado em 13/12/1994, DJ 03/04/1995, p. 8151)".

"PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.


AUTODEFESA. AUSÊNCIA DO RÉU NAS OITIVAS DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO.
NULIDADE RELATIVA. JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. RECONHECIMENTO
PESSOAL REALIZADO NA FASE INQUISITORIAL. INCONSISTÊNCIAS NA DESCRIÇÃO FÍSICA DO
AUTOR DOS FATOS. NECESSIDADE DA PRESENÇA DO ACUSADO EM JUÍZO. ARGUIÇÃO EM
MOMENTO OPORTUNO. COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. DIREITO AO SILÊNCIO (CF, ART.
5º, INC. LXIII). INIDONEIDADE PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. EXISTÊNCIA DE COAÇÃO
ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) 2. A autodefesa desdobra-se em "direito de audiência" e
em "direito de presença", é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais
(e não apenas, como se verifica no direito brasileiro, em seu interrogatório judicial), bem assim o direito de
assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o
imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum. 3. Não se trata, contudo,
de direito indisponível e irrenunciável do réu, tal qual a defesa técnica - conforme positivado no art. 261 do
CPP, cuja regra ganhou envergadura constitucional com os arts. 133 e 134 da Carta de 1988 -, de modo
que o não comparecimento do acusado às audiências não pode ensejar, por si, a declaração da nulidade
absoluta do ato, sendo imprescindível a comprovação de prejuízo e a sua arguição no momento oportuno
(precedentes do STF e do STJ). (...) 7. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida, de ofício, para
anular a ação penal desde a audiência de instrução, determinando-se ao juízo de origem a realização de
nova oitiva da vítima e das testemunhas de acusação com a presença do paciente." (HC 127.902/SP, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/04/2014, DJe 05/05/2014. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=autodefesa+defesa+t%E9cnica&b=ACOR&p=
true&t=JURIDICO&l=10&i=14>. Acesso em: 15 maio 2016).
(5) "Art. 3º. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o
suplemento dos princípios gerais de direito." (...) "Art. 394. (...) § 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste
Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste
Código. § 5º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as
disposições do procedimento ordinário." (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de
1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 maio
2016).
(6) Conselho Nacional de Justiça - Resolução nº 213 de 15/12/2015. "Dispõe sobre a apresentação de toda
pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas." Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-
adm?documento=3059>. Acesso em: 27 maio 2016. Segundo a regulamentação, o preso é apresentado e
entrevistado pelo juiz, em audiência na qual também serão ouvidos o Ministério Público e a Defensoria
Pública, ou o Advogado constituído, ocasião em que será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade,
da necessidade e da adequação, que condicionarão sua manutenção, ou não, bem como a possibilidade de
concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. Também serão analisadas
eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras possíveis irregularidades.

(7) "Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto
neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de
Execução Penal." (BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em: 22 maio 2016).
(8) Nesse sentido: "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. (...)
CITAÇÃO PESSOAL. NÃO LOCALIZAÇÃO. CHAMAMENTO VIA EDITAL. NÃO COMPARECIMENTO. RÉ
EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL.
ART. 366 DO CPP. (...) RECLAMO IMPROVIDO. 1. Não tendo a recorrente sido encontrada para ser citada
pessoalmente, nem atendido ao chamamento editalício e nem constituído defensor, deu causa à suspensão
da ação penal e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP, e, ainda, à decretação da sua prisão
preventiva, a fim de assegurar a aplicação da lei penal. (...) 4. Recurso ordinário improvido." (RHC
52.599/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/11/2014, DJe 28/11/2014. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=tr%E1fico+cita%E7%E3º+edital+suspens%E3º&b
=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=3>. Acesso em: 27 jun. 2016).
(9) "Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para
prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece
normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências." (BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006 /Lei/L11343.htm>. Acesso em: 27 maio 2016).
(10) Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO DE DROGAS. RITO ESPECIAL. ART. 55 DA LEI
Nº 11.343/2006. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 1. A
jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a inobservância do rito procedimental
previsto no art. 55 da Lei nº 11.343/06, que prevê a apresentação de defesa preliminar antes do recebimento
da denúncia, gera nulidade relativa, desde que demonstrados, concretamente, eventuais prejuízos
suportados pela defesa, o que não ocorreu no presente caso. 2. Agravo regimental não provido." (AgRg no
AREsp 292.376/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/09/2015, DJe
21/09/2015)". Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=292376&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=1
0&i=1>. Acesso em: 20 abr. 2016).

(11) "Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá
absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do
agente". (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 27 jun. 2016).
(12) A propósito, por ocasião do julgamento da Petição n. 3.898/DF, em 27 de agosto de 2009, pelo Tribunal
Pleno, no qual foi enfrentada questão preliminar sobre a definição do momento para aceitação de proposta
de suspensão do processo formulada pelo Ministério Público, o Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente
e Relator, em seu voto, não propriamente enfrentando o tema, mas dispondo nesse mesmo sentido, expôs
que:

"Quando se fazem imputações incabíveis, dando ensejo à persecução criminal injusta, viola-se, também, o
princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, entre nós, tem base positiva no art. 1º, III, da Constituição.
Na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos
processos e ações estatais. (...) O processo criminal inviável, na verdade, é um processo pecaminoso no
sentido constitucional, porque ele onera, penaliza a parte simplesmente pela sua propositura. Em escritos
doutrinários recentes, tenho sustentado que a cláusula da dignidade da pessoa humana constitui um tipo de
cláusula subsidiária em matéria de processo penal, como o é também a cláusula do devido processo legal.
(...) Permitir-se a instauração da ação penal, em tais condições, significa permitir-se a utilização do processo
como pena, tentação em que comumente incorre o órgão ministerial, mas em relação a qual nós, julgadores,
devemos estar prevenidos." (MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de direito e jurisdição constitucional - 2002-
2010. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 441 e 460).
(13) Não propriamente enfrentando o tema, mas dispondo esse sentido: "PROCESSUAL PENAL. HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO
CABIMENTO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PERDA DE OBJETO. MATÉRIAS JÁ
APRECIADAS EM APELAÇÃO. RITO PROCEDIMENTAL DA LEI 10.409/2002. DEFESA PRELIMINAR.
NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 3. Demonstrado nos autos que as defesas preliminares foram
apresentadas antes do recebimento da denúncia e da audiência de instrução e julgamento, inexiste nulidade
a ser sanada. 4. Habeas corpus não conhecido." (HC 54.822/RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma,
julgado em 14/04/2015, DJe 24/04/2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?
processo=54822&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 20 abr.
2016).
(14). Verso extraído do poema De contemptu mundi, I, 951-952 (O desprezo do mundo), de Bernardus
Morlanensis (Morliacense), monge beneditino da Ordem de Cluny, do séc. XII: "Nunc ubi Regulus aut ubi
Romulus aut ubi Remus? Stat Roma pristina nomine, nomina nuda tenemus", que, em uma tradução livre,
pode assim ser entendido: "E agora onde está Régulo, ou Rómulo ou Remo? A Roma antiga está no nome,
e nada nos resta além dos nomes." (Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Bernard_of_Cluny>.
Acesso em: 03 jun. 2016).
(15) "Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados
ou retificados. § 1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente
dependam ou sejam conseqüência. § 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se
estende." (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 03 jun. 2016).
(16) "Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em
conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na
acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude
desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento,
quando feito oralmente. § 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art.
28 deste Código. § 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o
juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com
inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3º
Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caputdeste artigo. § 4º Havendo aditamento, cada
parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito
aos termos do aditamento. § 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá." (BRASIL. Decreto-lei
nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 maio 2016).
(17) "Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1º Se, em
conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do
processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de infração da competência
de outro juízo, a este serão encaminhados os autos." (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de
1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 maio
2016).
(18) "HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE
PESSOAS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO E DE DENÚNCIA
ALTERNATIVA. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Fato descrito na denúncia em sintonia com o
fato pelo qual o réu foi condenado. 2. A circunstância de não ter a denúncia mencionado o art. 13, § 2º, a,
do Código Penal é irrelevante, já que o acusado se defende dos fatos narrados e não da capitulação dada
pelo Ministério Público. 3. O juiz pode dar aos eventos delituosos descritos na inicial acusatória a
classificação legal que entender mais adequada, procedendo à emenda na acusação (emendatio libelli),
sem que isso gere surpresa para a defesa. 4. A peça inicial acusatória, na forma redigida, possibilitou ao
Paciente saber exatamente os fatos que lhe eram imputados, não havendo que se falar em acusação incerta,
que tivesse dificultado ou inviabilizado o exercício da defesa. 5. Ordem denegada." (HC 102375, Relª. Minª.
Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 29/06/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010
EMENT VOL-02411-04 PP-00721 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 522-527. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1 =000167990&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 27 jun. 2016).
(19) "Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha
concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse." (BRASIL. Decreto-
lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 27 jun. 2016).
(20) Nesse sentido: "HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE
INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO. INVIABILIDADE DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE.
PROFISSIONAL QUE FIRMOU TERMO DE COMPROMISSO ELEGENDO A INTIMAÇÃO PELA
IMPRENSA OFICIAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INSTITUTO DO NEMO POTEST VENIRE
CONTRA FACTUM PROPRIUM. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
Constitui jurisprudência pacífica desta Corte Superior o entendimento de que a ausência de intimação
pessoal do defensor dativo para qualquer ato do processo configura nulidade absoluta por cerceamento de
defesa, à luz dos arts. 370 do Código de Processo Penal - CPP e 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50. Todavia,
impende salientar que um dos alicerces do sistema processual pátrio é o princípio da boa-fé objetiva, que
obriga todas as partes e interessados no processo a agir com lealdade. In casu, constata-se à fl. 108
documento intitulado "Termo de Compromisso de Defensor Dativo", em que o causídico nomeado, perante
o juízo, "manifestou concordância em ser intimado(a) dos atos e termos do processo, até seu trânsito em
julgado (...) [mediante] intimação pela imprensa oficial (D.J.E.)". Desse modo, deduz-se que a intimação do
defensor dativo se deu precisamente na forma eleita em juízo pelo profissional, de maneira que a arguição
posterior de nulidade do julgado configura comportamento contraditório, correspondente ao instituto
conhecido como nemo potest venire contra factum proprium, uma das dimensões da boa- fé objetiva, que
ensina que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta processual.
Tal obrigação de lealdade e de vedação ao comportamento contraditório tem plena aplicação no campo do
direito processual penal, conforme se depreende do próprio Código de Processo Penal (art. 565). Desse
modo, exsurge a inviabilidade da declaração da nulidade suscitada, o que se revela em consonância com o
que vem decidindo esta Corte Superior, que, examinando circunstância idêntica a presente, tem deixado de
decretar a nulidade arguida, por identificar a violação ao princípio da boa-fé objetiva consubstanciado na
regra nemo potest venire contra factum proprium. Ordem denegada." (HC 334.626/SP, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, Quinta Turma, julgado em 05/05/2016, DJe 16/05/2016. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=334626&&b=ACOR &thesaurus=JURIDICO>.
Acesso em: 27 jun. 2016).
"HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA. ARTIGO 138, C/C O ART. 141, II, DO
CÓDIGO PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM QUE
SE INDEFERIU MEDIDA LIMINAR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 691 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE CAPAZ DE AUTORIZAR A SUPERAÇÃO
DESSE ÓBICE PROCESSUAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA.
DENÚNCIA. RECEBIMENTO POR JUIZ QUE, POSTERIORMENTE, DECLAROU-SE SUSPEITO E
REMETEU OS AUTOS AO SUCESSOR. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PARA
SE ANULAR O PROCESSO, AB INITIO, POR FORÇA DA SUSPEIÇÃO DO JUIZ. RECURSO NÃO
PROVIDO, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A SUSPEIÇÃO SE DEU POR MOTIVO SUPERVENIENTE.
PROCESSO ANULADO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU, A REQUERIMENTO DO PRÓPRIO
IMPETRANTE, NA PENDÊNCIA DO JULGAMENTO DAQUELE RECURSO. NOVO RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. PREVALECIMENTO, PARA FINS DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
DESCONSTITUIÇÃO PRETENDIDA, APÓS A CONDENAÇÃO DO IMPETRANTE, A PRETEXTO DE
CONTRARIAR A DECISÃO NO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INADMISSIBILIDADE. CONDUTA
PROCESSUAL DESLEAL. IMPOSSIBILIDADE DE O IMPETRANTE SE OPOR A FATO A QUE ELE
PRÓPRIO TENHA DADO CAUSA. TEORIA DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. HABEAS
CORPUS EXTINTO. 1. A Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal somente admite mitigação na
presença de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, a qual não se verifica na hipótese em
exame. Precedentes. 2. Anulado, ab initio, o processo, por suspeição do juiz, o primeiro marco interruptivo
da prescrição é a nova decisão que recebe a denúncia. 3. Após requerer e obter, em primeiro grau, a
anulação do processo ab initio, em razão de suspeição do juiz, não pode o impetrante insurgir-se contra
essa decisão, a pretexto de que o tribunal local tenha negado provimento a recurso em sentido estrito com
o mesmo objeto. 4. 'No sistema das invalidades processuais, deve-se observar a necessária vedação ao
comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum
proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais' (HC nº104.185/RS, Segunda Turma,
Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11). 5. Assim, 'ninguém pode se opor a fato a que tenha dado causa;
é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium' (ACO nº 652/PI, Pleno, Rel.
Min. Luiz Fux, DJe de 30/10/14). 6. Habeas corpus extinto." (HC 121285, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira
Turma, julgado em 11/11/2014, Processo Eletrônico DJe-250 Divulg. 18-12-2014 Public. 19-12-2014.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizar
Ementa.asp?s1=000257348&base=baseAcordaos>. Acesso em: 27 jun. 2016).
(21) "Art. 394. (...) § 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos
penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. § 5º Aplicam-se subsidiariamente aos
procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário." Art. 396. [...]
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do
comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído." (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de
outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso
em: 22 maio 2016).
(22) Nesse sentido: "Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Crime de tráfico de entorpecentes. Defesa
prévia. Não localização do réu. Notificação da Defensoria Pública. Observância do rito procedimental do art.
55 da Lei nº 11.343/06. Constrangimento ilegal não caracterizado. Recurso não provido. 1. Descabe o
argumento relativo à nulidade do processo em virtude da determinação de intimação da Defensoria Pública
para fins de apresentação de defesa preliminar ao réu, que se encontrava em local incerto e não sabido,
máxime quando veio a ser posteriormente preso, citado e intimado dos atos processuais, tendo constituído
defensor e, em seguida, postulado a nomeação da Defensoria Pública da União para sua assistência. 2.
Como é cediço, o princípio do pas de nullité sans grief requer a demonstração de prejuízo concreto à parte
que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, pois não se declara nulidade por
mera presunção. Precedentes. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento." (RHC 99779, Rel. Min. Dias
Tofoli, Primeira Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-175 Divulg. 12-09-2011, Public. 13-09-2011, Ement.
Vol. - 02585-01, PP-00040. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000179041&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 25 set. 2016).
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DEFESA PRÉVIA.
NÃO LOCALIZAÇÃO DO RÉU. NOTIFICAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA. OBSERVÂNCIA DO RITO
PROCEDIMENTAL DA LEI 11.343/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM
DENEGADA. 1. A Lei 11.343/06, ao definir o rito para a apuração dos delitos nela tipificados, dispôs, em
seu art. 55, a regra da notificação do acusado, antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de
defesa preliminar. 2. Constando dos autos a informação, corroborada pelo advogado então constituído, de
que o paciente encontrava-se em local incerto e não-sabido, agiu com acerto o juiz ao determinar a intimação
da Defensoria Pública para a apresentação de defesa prévia, nos moldes exigidos pelo art. 55 da Lei
11.343/06, não havendo falar em cerceamento de defesa, tampouco em violação do rito procedimental
previsto na nova Lei de Tóxicos. 3. Ordem denegada." (HC 120.246/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
Quinta Turma, julgado em 16/04/2009, DJe 18/05/2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/
?componente=ATC&sequencial=5087914&num_registro=200802477459&data=20090518&tipo=5&formato
=PDF>. Acesso em: 25 set. 2016).
(23) "Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar
pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício
da ação penal." (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 maio 2016).

Você também pode gostar