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LITERATURA

POPULAR REGIONAL

ALESSANDRA FAVERO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e luciana varga

Autor do original  alessandra favero

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  joão coelho

Revisão linguística  flávia flores

Revisão de conteúdo  luiz carlos de sá campos

Imagem de capa  billion photos | shutterstock.com

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

F237l Favero, Alessandra


Literatura popular regional. / Alessandra Favero.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
112 p.: il.

ISBN 978-85-5548-435-3

1.Literatura. 2. Cultura. 3. Erudito. 4.Popular. 5.Identidade.


I. SESES. II. Estácio.
CDD 869.07

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. A cultura do povo 7
Povo 8

Cultura 13

Cultura popular e não popular 17

Cultura e identidade nacional 22

2. A cultura em movimento 31
Um pouco da origem da literatura popular 32

O teatro popular 34

A literatura e seus reflexos na música popular 37

O cinema a serviço da literatura 43

A dança como expressão cultural popular 45

A realidade social do artista e a receptividade do público 49

3. A literatura regional 57
A literatura regional ao longo dos movimentos: contexto histórico-social 58

A literatura regional no romantismo 63


Bernardo Guimarães e Franklin Távora 63

A literatura regional no pré-modernismo em Monteiro Lobato 67

A literatura regional no modernismo 69


Guimarães Rosa 70

A literatura regional no pós-modernismo 74


4. A literatura regional popular:
tecendo considerações 81
O poder dos discursos populares e as diferentes esferas sociais 82

A produção de cultura de massa nas transformações


subjetivas e coletivas 88

A literatura de cordel 92

Literatura de cordel: o surgimento 94


Ariano Suassuna 99

Centros de estudos formais 101


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Nossa disciplina apresenta um olhar atento à pluralidade da cultura e da literatura


popular nacional, pois estamos preocupados com a sua formação literária e cultural;
suas competências de leitura e interação com a cultura popular de uma maneira geral.
Diante dessa preocupação, a compreensão da literatura como atividade artística está
irrefutavelmente vinculada ao estudo empreendido pelas disciplinas que têm como
objeto de estudo o fenômeno literário e, por conseguinte, as obras dele resultantes.
Um discurso pode ser considerado "literatura" a partir de determinadas caracte-
rísticas e valores que o particularizem em relação aos demais tipos de textos, embora
as diversas categorizações acerca da natureza e da finalidade da literatura, sejam elas
visões de pensadores independentes ou à mercê de instituições políticas, não se con-
figurem suficientes para identificar ou definir a literariedade em uma ou em várias
obras de ficção. Desse modo, é importante aliar aos estudos literários informações,
conhecimentos, conceitos e questões linguísticas, históricas, sociológicas etc.
Sabemos que a natureza do discurso literário está fundamentalmente subor-
dinada ao plano diacrônico, isto é, deve transmitir técnica, caracteres, símbolos,
sentido e estilo que o vinculem imediatamente à tradição literária, em uma atitude
do autor diante de sua obra de recriação, aceitação ou ruptura com a linguagem,
que “desgastada” pelo uso, é substituída por novas formas de expressão. Por outro
lado, o artista estabelece novos olhares e soluções para temas universais.
Para tanto, é preciso conhecer os gêneros diversos da expressão artística regio-
nal, como cinema, teatro, música etc., bem como avaliar os discursos, relacionan-
do-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais a fim de
remover as balizas que restringem a interpretação a termos unicamente subjetivos.
Por fim, passaremos a compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição
literária, arquétipos e estilos, e identificar as características dos movimentos artís-
ticos das regiões brasileiras.
Nesse sentido, a análise das manifestações culturais populares não deve se des-
vincular da história da literatura nem das várias formas de expressão literária, com
a finalidade de não descontextualizar as reflexões sobre literatura popular regional
do âmbito da tradição literária, e no que concerne aos estudos pretendidos, da
tradição literária brasileira.

Bons estudos!

5
1
A cultura do povo
A cultura do povo
Neste primeiro capítulo, daremos início à discussão sobre povo e cultura,
para que possamos conhecer a situação da expressão artística popular atualmente
configurada no Brasil.
Para isso, precisamos entender o conceito de "povo", o que é "popular" e
"não-popular", o problema da identidade nacional, que apesar de tantos contrastes
e riqueza de aspectos culturais está, em geral, associada à espontaneidade do povo,
ao artesão e às classes mais modestas.
Desse modo, iremos ampliar o conhecimento geral, desenvolver o senso crítico
e apreender o conteúdo através das possíveis relações de significado, histórico e
socialmente contextualizado, entre os discursos apresentados.

OBJETIVOS
Nosso objetivo é exercitar o olhar acadêmico sobre as manifestações artístico-literárias
que, a priori, não pertencem à tradição..

Povo

De acordo com o Dicionário Aurélio, povo é o termo que designa não só


os habitantes de determinado país, mas também a classe considerada inferior na
escala social. Por isso, quando resolvemos adentrar o mundo da literatura popular
regional, nosso foco recai sobre as massas, sobre os indivíduos pertencentes a um
setor econômico menos abastado. É justamente o povo que iremos observar, não
só em suas manifestações literárias regionais, mas também em suas manifestações
culturais como um todo, visto que é impossível dissociar cultura, sociedade
e literatura.
A obra modernista “Operários”, de Tarsila do Amaral, exemplifica bem a
formação do povo brasileiro.

capítulo 1 •8
“Operários”, de Tarsila do Amaral

CONCEITO
1 Conjunto dos habitantes de uma nação ou de uma localidade.
2 Pequena povoação.
3 Lugarejo.
4 Aglomeração de pessoas.
5 O terceiro estado da Nação Portuguesa.
6 Grande número, quantidade.
7 As nações.
8 povo miúdo: classe inferior da sociedade.

Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/povo, acesso em 1-8-2016.

O povo forma uma camada da sociedade; é uma comunidade que


compartilha do mesmo passado histórico, da mesma experiência de vida, dos
mesmos costumes e das mesmas tradições, ou seja, compartilham da mesma cultura.

capítulo 1 •9
Antigamente, o termo povo era utilizado para se referir à população
rural, que vivia no campo e desenvolvia atividades agrícolas. Daí a importância
do resgate da tradição oral cultivada pelos agricultores, camponeses, artesãos, etc.
Isso explica o interesse dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que percorreram as
sociedades agrícolas da Alemanha e da Europa como um todo, com a finalidade
de registrar a produção cultural oral que refletia a tradição do povo.

Jacob e Wilhelm Grimm

É interessante notar que a tradição oral revela um saber do povo que era
transmitido por meio de histórias - em forma de mitos, contos e lendas - cantigas,
celebrações, etc. Por isso, é importante entender como povo e folclore estão
relacionados.

capítulo 1 • 10
O termo folclore foi criado por Willian John Thoms, arqueólogo inglês, em
1846, da seguinte forma:

FOLKLORE

FOLK LORE

POVO SABER

SABER DO POVO

ilustração do conceito de folclore

Segundo Vilhena, o termo folclore era usado para indicar o saber tradicional
preservado pela transmissão oral entre os camponeses, com o significado de
“antiguidades populares”, “literatura popular” (1997, p.24).

capítulo 1 • 11
Transmissão oral das histórias do povo

A busca pelo saber popular existe desde muito antes da criação do termo
folclore. Dentre vários artistas e estudiosos, os românticos se tornaram os
“responsáveis pela fabricação de um popular ingênuo, anônimo, espelho da alma
nacional, [sendo] os folcloristas seus continuadores, buscando no positivismo
emergente um modelo para interpretá-lo.” (VILHENA, 1997, p. 24)
O positivismo é uma corrente filosófica que acompanha o capitalismo e que
ganhou força e se desenvolveu plenamente no século XIX. Seguindo a tendência
iluminista, os estudiosos entendiam que:

(...) o domínio científico da natureza permitia liberdade da escassez,


da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais.
O desenvolvimento de formas racionais de organização social
e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das
irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do
uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria
natureza humana. Somente por meio desse projeto poderiam as
qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a humanidade ser
reveladas. (HARVEY, 1999, p. 23).

capítulo 1 • 12
CONCEITO
Positivismo
1 Sistema filosófico que, banindo a metafísica e o sobrenatural, se funda na consideração
do que é material e evidente.
2 Tendência a encarar a vida unicamente pelo lado prático.
Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/positivismo, com acesso em 1-8-2016.

Iluminismo
1 Doutrina de certos movimentos religiosos marginais, baseada na crença de uma
iluminação interior ou em revelações inspiradas diretamente por Deus.
2 Movimento de renovação científica na Itália, no século XVIII.
Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/iluminismo, com acesso em 1-8-2016.

Cultura

Quando pensamos em cultura, é normal relacionarmos o termo à produção


artística em geral – literatura, música, dança, arquitetura etc. Porém, a tendência
atual nos leva aos campos da Antropologia, da História e da Sociologia. Como se
vê, o termo cultura está diretamente relacionado ao homem; ao ser humano. Por
isso, podemos afirmar que:

A cultura deve ser compreendida como algo inerente aos seres


humanos. Não há cultura fora dos humanos. O conceito de cultura,
portanto, contrapõe-se a uma existência não cultural, natural, em que
prevalecem os instintos básicos do ser humano como animal. Toda
criação humana material ou não-material, é cultura; onde não há criação
ou intervenção humana, temos somente a natureza e não cultura. Em
decorrência disso, podemos falar em meio ambiente natural e cultural.
(DIAS, 2010, p. 64).

capítulo 1 • 13
Desse modo, passamos a entender a cultura, como destaca Peter Burke (1989,
p. 25), como o modo de vida de uma determinada sociedade: o modo de expres-
são, sua alimentação, suas tradições, etc., que fazem com que viver em socieda-
de tenha sentido. Ou seja, cultura é “um conjunto integral dos instrumentos e
bens de consumo, nos códigos constitucionais dos vários grupos da sociedade, nas
ideias e artes, crenças e costumes humanos” (DIAS, 2010, p. 67).
Assim, cultura se refere à:

Produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou


reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão,
reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz
respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à administração,
renovação e reestruturação do sentido (CANCLINI, 1983, p. 29)..

Por isso, em nossa sociedade, cultura e folclore estão inter-relacionados como


a expressão do nosso povo brasileiro.

Folclore

capítulo 1 • 14
Você deve estar se perguntando se a cultura é, necessariamente, uma estrutura
material. Canclini explica que:

Os processos ideais (de representação e reelaboração simbólica)


remetem a estruturas mentais, a operações de reprodução ou
transformação social, a práticas e instituições que, por mais que se
ocupem da cultura, implicam uma certa materialidade. E não só isso:
não existe produção de sentido que não esteja inserida em estruturas
materiais (1983, p. 29).

A ideia de que a cultura é uma estrutura material tem tudo a ver com a ideia
de que a sociedade interage e se comunica por meio de sistemas simbólicos.
Segundo Bourdieu (2010, p. 10): “enquanto instrumentos de conhecimento e de
comunicação, eles [os sistemas simbólicos] tornam possível o consensus acerca do
sentido do mundo social e contribui para a reprodução da ordem social”.

EXEMPLO
A religião, a língua, a arte, a ciência, as leis do Direito, etc., são sistemas simbólicos.

Para Bordieu:

Os grupos sociais, e sobretudo as classes sociais, existem, por assim


dizer duas vezes, e isso acontece antes da intervenção do próprio olhar
científico: existem na objetividade da primeira ordem, aquela que é
registrada por distribuições de propriedades materiais; e existem na
objetividade da segunda ordem, a das classificações contrastadas
e das representações produzidas por agentes com base em um
conhecimento prático dessas distribuições, tais como são expressadas
nos estilos de vida.

capítulo 1 • 15
Ser a cultura dotada de estruturas materiais e sistemas simbólicos não significa
dizer que seja específica ou limitada, pois, como destaca Chartier (1975, p. 184):

É inútil querer identificar a [por exemplo] cultura popular a partir da


distribuição supostamente específica de certos objetos ou modelos
culturais. O que importa, de fato, tanto quanto sua repartição, sempre
mais complexa do que parece, é sua apropriação pelos grupos ou
indivíduos.

A cultura deve ser a representação de várias classes sociais, por isso:

Não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição


que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos
corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos
culturais (CHARTIER; 1975, p. 184)..

Quando falamos em hierarquia social, pensamos automaticamente em


uma hierarquia baseada em recursos econômicos. Infelizmente, os mais
abastados pertencem às classes A e B, enquanto os menos favorecidos estão
nas classe de C a E.

Hierarquia social

capítulo 1 • 16
Felizmente, esse pensamento não se aplica ao entendimento da cultura. Em
termos culturais, não há hierarquia, não se aceita uma escala. O que existe é uma
diferença na expressão cultural como um todo, já que “cada época da História
mundial teve o seu reflexo na cultura popular.” (BAKHTIN, 2002, p. 419).
Passemos, então, ao entendimento dos termos utilizados para designar os
diferentes tipos de cultura.

Cultura popular e não popular

A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos


culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe.
Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr
a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em
suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo,
não popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o
problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a
uma opção (GULLAR, 1965, p.1).

Embora tenhamos entendido que a cultura não deve seguir uma hierarquia,
é preciso reconhecer que podemos e devemos fazer da cultura uma forma de
expressão de uma classe, o que vai ajudar o país como um todo no reconhecimento
do seu povo. Por isso, costuma-se usar dois termos: cultura popular, que está
diretamente ligada ao povo, e cultura não popular, que se distancia dele.
A cultura popular envolve músicas ou cantigas, danças, crenças, literatura,
costumes, artesanatos, e qualquer outro modo de expressão de um povo,
expressão esta que é conservada pelas diversas gerações e geralmente transmitida
pela oralidade.
Muitas são as formas de cultura popular que são mantidas ao longo do tempo,
como é o caso das cantigas do sul, das histórias do centro-oeste, da literatura de
cordel nordestina, das receitas baianas, das rodas de samba etc. Como se pode
notar, são atividades do dia a dia que são mantidas como tradição e cultura. São
ensinadas em casa pelos pais e avós, e se mantêm vivas e inalteradas.

capítulo 1 • 17
“Roda de samba”, de Caribé

Já a cultura não popular é a chamada erudita, considerada superior, ensinada


nas escolas e instituições e normalmente apreciada por um público das classes
sociais mais abastadas, já que seu ingresso é restrito a quem possui o necessário
para desfrutar dela. Está presente nos museus que expõem obras de arte de grandes
artistas da humanidade, nas óperas consagradas e nos espetáculos de teatro, aos
quais poucos têm acesso.

“O Fantasma da Ópera”

capítulo 1 • 18
Temos também a chamada cultura de massa, que é acessível à maior parte da
população, e que não deve ser confundida com a cultura popular. A cultura de massa
não possui valor cultural, pois é veiculada pelos meios de comunicação de massa
como um produto feito pela indústria cultural para ser consumido e descartado.

Cultura de massa: alienação

No entanto, como destaca Ortiz (2002, p. 24):

Cabe lembrar que nenhuma sociedade, antes do século XX, conheceu


um tipo de instituição semelhante, na qual a organização da cultura
encontra-se em grande parte separada da vida daqueles que a utilizam.
Graças aos meios tecnológicos, os produtos elaborados industrialmente
podem ser difundidos em escala ampliada. A indústria cultural funciona,
portanto, como uma instituição social, competindo diretamente com
outras instituições como família, religião e partidos políticos.

É importante saber que a cultura de massa, funcionando como instituição


social, pode causar alienação a seus consumidores quando o conteúdo é absorvido
sem reflexão. Isso propaga a ideia da diversão e do entretenimento que, mascarado,
serve para tornar o espectador impotente. Apesar da ilusão de ser ele o sujeito ativo
de tudo, na verdade, ele não passa de objeto.

capítulo 1 • 19
Divertir-se significa estar de acordo. A diversão é possível apenas
enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social, enquanto
se renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de
toda obra, mesmo da mais insignificante: a de, em sua limitação, refletir
o todo. Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos
esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. É, de fato, fuga, mas não,
como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão
de resistência que a realidade ainda pode ter deixado. A libertação
prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação. A
impudência da pergunta retórica: “Que é que a gente quer?” consiste
em se dirigir às pessoas fingindo tratá-las como sujeitos pensantes,
quando seu fito, na verdade, é o de desabituá-las ao contato com a
subjetividade. (ADORNO, 2002, p. 44-45).

A charge a seguir ilustra bem o nível de alienação de alguns espectadores:

Cultura de massa: alienação

E você, sabe definir, sinteticamente, cultura, cultura de massa, cultura erudita


e cultura popular?
Não? Então leia o artigo “Cultura de massa, cultura popular e cultura erudita”.

capítulo 1 • 20
ESTUDO DE CASO
Cultura de Massa, Cultura Popular e Cultura Erudita

Cultura, segundo a definição clássica de Edward B. Tylor, considerado o pai do conceito


moderno de cultura, é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte,
a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem
como membro da sociedade”.
A cultura de massa é aquela considerada, por uma maioria, sem valor cultural real. Ela é
veiculada nos meios de comunicação de massa e é apreciada pela massa. É preciso entender
que massa não é uma definição de classe social, e sim uma forma de se referir à maioria da
população. Essa cultura é produto da indústria cultural.
A indústria cultural produz conteúdo para ser consumido, sem se prender a técnicas. É
produto do capitalismo e é feita para ser comercializada. Theodoro W. Adorno, filósofo ale-
mão da Escola de Frankfurt, é defensor da ideia de que a cultura de massa é imposta pelos
meios de comunicação de massa à população, que apenas absorve.
Já a cultura erudita é aquela considerada superior, normalmente apreciada por um pú-
blico com maior acúmulo de capital, e seu acesso é restrito a quem possui o necessário para
usufruir dela. A cultura erudita está muitas vezes ligada a museus e obras de arte, óperas e
espetáculos de teatro, cujos preços são elevados. Existem projetos que levam esse tipo de
cultura às massas, oferecendo a preços acessíveis ou gratuitamente, concertos de música
clássica e projetos culturais.
Como o acesso a esse tipo de cultura é restrito a um grupo pequeno, ela é associada
ao poder econômico e é considerada superior. Essa consideração pode se tornar preconcei-
tuosa e desmerecer as outras formas de cultura. O erudito é tudo aquilo que demanda muito
estudo, mas não se deve pensar que uma expressão cultural popular como o hip-hop, por
exemplo, é inferior a uma sinfonia clássica.
A cultura popular é qualquer estilo musical e de dança, crença, literatura, costumes, ar-
tesanato e outras formas de expressão transmitidas por um povo, ao longo de gerações e,
geralmente, de forma oral. Por exemplo, a literatura de cordel dos nordestinos e a culinária do
povo baiano, são algumas das formas de cultura popular que resistem ao tempo.
Essa cultura não é produzida mediante muitos estudos, mas é aprendida de forma
simples, em casa, com a convivência no meio. Ela está ligada à tradição e não é ensinada
nas escolas. A cultura popular é extremamente contemporânea, pois resiste ao tempo e
raramente se modifica.

capítulo 1 • 21
Essa cultura vem do povo; não é imposta por uma indústria cultural ou por uma elite.
Por exemplo, o carnaval é uma festa da cultura popular brasileira. O frevo é uma dança
brasileira, mas é muito mais expressiva no norte do país. Ela representa a diferença de
cada povo, do micro ao macro.
Fonte: https://goo.gl/CqHrKy.
Acesso em 10-08-2016.

Cultura e identidade nacional

Foi só no final do século XIX que os intelectuais brasileiros iniciaram seus


estudos sobre folclore. Diferentemente dos intelectuais de outros países, os
brasileiros se preocupavam com a questão da construção de uma identidade
nacional.

PERGUNTA
Daí a pergunta: Quem somos nós? O que queremos?
Essa pergunta chega até os dias de hoje. Ainda no século XXI, estamos preocupados
com a construção da nossa identidade nacional.

Ante essa questão, é preciso reconhecer que nosso país é formado por três raças:
a branca, a negra e a indígena. Desse modo, nossa identidade nacional é fruto da
miscigenação. É só a partir desse reconhecimento que teremos condições de refletir
e entender como cultura popular e identidade nacional estão inter-relacionadas.
O escritor Gilberto Freire, em “Casa Grande & Senzala”, narra a formação da
identidade nacional brasileira a partir da miscigenação. Vale a pena conhecer essa
obra, que marca o surgimento da nação brasileira a partir de três raças. Portanto:

capítulo 1 • 22
“Casa-Grande & Senzala” (1933) analisa, nas palavras do próprio
autor, "uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica
de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde negro - na
composição". Trata-se da primeira obra a reconhecer a contribuição
decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, tarefa
empreendida priorizando-se os fatores econômicos e sociais, em
detrimento dos de clima e raça (...)
Disponível na https://goo.gl/isF4CH.
Acesso em 3-8-2016..

AUTOR
Gilberto de Mello Freyre (Recife PE 1900 - idem 1987). Sociólogo, ensaísta, dese-
nhista, poeta e romancista. Filho do professor e juiz Alfredo Freyre e de Francisca de
Mello Freyre, estuda, desde o jardim de infância, no Colégio Americano Gilreath, onde
enfrenta dificuldades no processo de alfabetização. Tem aulas particulares de pintura,
desenvolvendo desde muito cedo a habilidade nessa área. Aos 14 anos, participa da
sociedade literária do colégio, atuando como redator-chefe do jornal “O Lábaro”, editado
pelos alunos, no qual publica seus primeiros artigos. Tendo concluído o curso de bacha-
rel em Ciências e Letras no Gilreath em 1917, segue, no ano seguinte, para os Estados
Unidos. Forma-se bacharel em Artes pela Universidade de Baylor e ingressa na pós-gra-
duação da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Colúmbia, em Nova York,
obtendo o grau de mestre em 1922. Em uma viagem pela Europa, convive com artistas
brasileiros como Tarsila do Amaral (1886 - 1973) e Victor Brecheret (1894 - 1955). Re-
torna ao Brasil em 1923, quando passa a colaborar no “Diário de Pernambuco”. Organiza,
em 1925, o livro que comemora o centenário da fundação do jornal, “Livro do Nordeste”,
no qual é publicado pela primeira vez o poema “Evocação do Recife”, composto, a seu pe-
dido, por Manuel Bandeira (1886 - 1968), de quem se torna amigo. Nessa mesma época,
aproxima-se de José Lins do Rego (1901 - 1957), e o incita a escrever romances em vez
de artigos políticos. Após trabalhar durante três anos com o governador de Pernambuco,
Estácio Coimbra, o acompanha em seu exílio, conhecendo parte do continente africano
e permanecendo em Lisboa. A viagem é decisiva, conforme seu próprio relato, para a
redação de “Casa-Grande & Senzala”, obra publicada em 1933 e que inova na análise
da formação da sociedade brasileira. O projeto tem continuidade em dois outros livros:
“Sobrados e Mucambos”, de 1936, e “Ordem e Progresso”, de 1959. Em 1942, é preso

capítulo 1 • 23
após denunciar, em um artigo, atividades nazistas e racistas no Brasil, e é liberado no dia
seguinte. Eleito deputado federal em 1946, participa da Assembleia Constituinte, per-
manecendo na casa por apenas um mandato. Além de colaborar em diversos periódicos,
como “O Estado de S. Paulo”, “Correio da Manhã” e o argentino “La Nación”, viaja pelo
Brasil e pelo exterior proferindo conferências, e é congratulado por instituições diversas,
como as universidades Sorbonne, na França, Coimbra, em Portugal, Sussex, na Inglaterra,
e Münster, na Alemanha. Escreve ensaios e também poemas, como “Bahia de Todos os
Santos e de Quase Todos os Pecados”, publicado em “Talvez Poesia”, de 1962, consi-
derado por Bandeira como "um dos mais saborosos do ciclo das cidades brasileiras"; e
obras de ficção, como “Dona Sinhá e o Filho Padre”, de 1964. Morre em sua cidade natal,
após submeter-se a uma série de cirurgias, em 1987.
Disponível na http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1785/gilberto-freyre.
Acesso em 3-8-2016.

Por Freire destacar e reconhecer a contribuição decisiva do negro para a


formação da sociedade brasileira, pode-se pensar que o negro sempre foi respeitado
e consagrado na nossa nação. Ledo engano, pois, como salienta Ortiz:

O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais,


encerra, (...) os defeitos e taras transmitidos pela herança biológica.
A apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral, e intelectual, a
inconsistência, seriam dessa forma qualidades naturais do elemento
brasileiro. A mestiçagem simbólica traduz, assim, a realidade
inferiorizada do elemento mestiço concreto. Dentro dessa perspectiva
a miscigenação moral, intelectual e racial do povo brasileiro só pode
existir enquanto possibilidade. O ideal nacional é na verdade uma
utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo de branqueamento
da sociedade brasileira. É na cadeia da evolução social que poderão
ser eliminados os estigmas das ‘raças inferiores’, o que politicamente
coloca a construção de um Estado nacional como meta e não como
realidade presente (ORTIZ,1994, p. 21)..

Hoje, nos parece um contrassenso pensar na ideia de branqueamento do


povo brasileiro, tomando como exemplo nossos irmãos alemães, que cometeram
tantas atrocidades com a humanidade, matando milhões de judeus por serem
considerados inferiores, já que a raça ariana era a considerada “pura”. Mas essa

capítulo 1 • 24
ideia não morreu. Há, ainda nos dias de hoje, muita gente preconceituosa, que
considera a própria raça superior, seja ela branca, negra ou oriental.
Um ponto extremamente importante em “Casa Grande e Senzala”, é que

Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em


positividade, o que permite completar definitivamente os contornos
de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada. Só que
as condições sociais eram agora diferentes, a sociedade brasileira
já não mais se encontrava no num período de transição, os rumos
do desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava
orientar essas mudanças. O mito das três raças torna-se então
plausível e pode se atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem,
que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao
serem reelaboradas, pode difundir-se socialmente e se tornar senso
comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos
grandes eventos como carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-
se nacional (ORTIZ,1994, p. 41).

Desse modo, o negro é reconhecido como fator importante na formação da


sociedade brasileira, e o mestiço passa a ser sinônimo da nossa identidade cultural,
representando o país de modo grandioso, como pudemos acompanhar na festa de
abertura das Olimpíadas Rio 2016.

A chegada dos negros ao Brasil

capítulo 1 • 25
CONEXÃO
“Casa Grande e Senzala”, documentário produzido por Nelson Pereira dos Santos a partir
da obra de Gilberto Freyre. Disponível em https://goo.gl/puhdCH.
Acesso em 12-8-2016.

LEITURA
Que tal indicar a leitura de “Casa Grande & Senzala” em quadrinhos aos seus alunos?

“Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freire

capítulo 1 • 26
ATIVIDADE
1. Reflita sobre o excerto da obra “Cultura brasileira e identidade nacional”, de Renato
Ortiz (São Paulo: Brasiliense, 1994.):

A indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar


uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos
mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a
interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território
nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica
ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura
nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo
(ORTIZ,1994, p. 165).

2. Reflita sobre o excerto da obra de Néstor Garcia Canclini, “As culturas populares no
capitalismo” (São Paulo: Brasiliense, 1983):

O que vê o turista: enfeite para comprar e decorar seu apartamento,


cerimônias "selvagens", evidências de que sua sociedade é
superior, símbolos de viagens exóticas a lugares remotos, portanto,
do seu poder aquisitivo. A cultura é tratada de modo semelhante
à natureza: um espetáculo. As praias ensolaradas e as danças
indígenas são vistas de maneira igual. O passado se mistura com
o presente, as pessoas significam o mesmo que as pedras: uma
cerimônia do dia dos mortos e uma pirâmide maia são cenários a
serem fotografados (CANCLINI, 1983, p. 11).

REFLEXÃO
A relação entre cultura e a construção da identidade nacional é um assunto que tem ocu-
pado muitos estudiosos. Será que a cultura determina a identidade nacional, ou é esta que gera
aquela? É importante pensar na cultura do vir a ser, pois, de acordo com Hall (2003, p. 43):

capítulo 1 • 27
A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos,
seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição
enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de
genealogias. Mas o que esse “desvio através de seus passados” faz é
nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo,
como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que
as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos das nossas
tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer
forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de
formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser,
mas de se tornar.

Como se vê, a ideia de Hall gira em torno do “tornar-se” e não do “ser”. Não importa mais
o que somos nem o que fomos, e sim aquilo que podemos nos tornar a partir da tomada de
decisões quanto às nossas tradições. Não é preciso perpetuar o passado, mas transformar o
futuro a partir do que somos.

LEITURA
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: EDUSP, 2003.
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos,
Vol. 08, n°16. Rio de Janeiro, 1995.

IMAGENS DO CAPÍTULO
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capítulo 1 • 28
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: Annablume/Hucitec, 2002.
BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. In: Novos Estudos Cebrap, 96, jul. 2013
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos, Vol.
08, n°16. Rio de Janeiro, 1995.
DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2010.
GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1965.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
HARVEY, D. Condição pós-moderna. 8a ed. São Paulo: Loyola, 1999.
ORTIZ, Renato. Cultura popular: românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.
ORTIZ, Renato. As ciências sociais e a cultura. In: Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1):
19-32, maio de 2002.
VILHENA, L.R. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro 1947-1964. Rio de Janeiro:
Funarte, 1997.

capítulo 1 • 29
capítulo 1 • 30
2
A cultura em
movimento
A cultura em movimento
Atentos à pluralidade da cultura e da literatura popular nacional, nossa
preocupação, ao elaborar este capítulo, foi voltada para nossa formação literária
e cultural.
Para isso, é importante expandir nossas competências de leitura e interação
com a cultura popular de uma maneira geral, pois é nessa nova leitura, pautada em
um olhar mais amplo e atento, que poderemos obter a compreensão da literatura
como atividade artística, apreendida não só como fenômeno literário, mas também
histórico-social, que dialoga com outras obras artísticas daí resultantes.
Diante desse contexto, entendemos que as manifestações culturais populares se
vinculam à história da literatura e às várias formas de expressão literárias, resultando

OBJETIVOS
em obras teatrais, música, filmes, danças e quaisquer outros movimentos culturais
representativos da cultura popular brasileira como um todo.
Nosso objetivo é difundir o conhecimento sobre a realidade popular brasileira com foco
na literatura; conhecer e analisar a forma e o conteúdo das obras, em uma visão ampla
do universo artístico brasileiro, através dos vários tipos de linguagem, como cinema, teatro,
música, dança, folclore, etc.

Um pouco da origem da literatura popular

Relembrando meus tempos de doutorado, época em que pesquisava no Rio


de Janeiro e em Cabo Frio sobre Antônio Teixeira Gonçalves e Souza, recorro às
minhas anotações de uma palestra, proferida pela Dra. Regina Meirelles, sobre
literatura popular. Peço perdão ao leitor por não fornecer mais detalhes sobre a
palestra. Apenas lembro que ocorreu por volta de 2000.
Quando se fala em literatura popular, vêm à nossa mente as histórias
tradicionais; as narrativas de épocas antigas. Histórias que a tradição popular
conserva ao longo dos tempos, como aquelas conservadas pelos irmãos Grimm,
da tradição de contar histórias. Histórias estas que nos levam de volta:

capítulo 2 • 32
• aos romances de cavalaria, em que o cavaleiro é solitário e vive no
mundo em busca de justiça;
• às novelas de amor, em que o amor não pode se concretizar por briga
entre famílias, classes sociais diferentes, ou vilania, e
• às narrativas de batalhas homéricas, viagens ou descobertas além mar,
como “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, respectivamente.
É comum às narrativas dessas histórias serem interligadas ou permeadas de
poesia, como se pode notar na leitura de “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, que
são narrativas escritas em verso.
As poesias também podem descrever ou narrar fatos que interessam ao povo.
Por que se utiliza a poesia no campo da literatura popular? Simples, porque a
poesia ajuda na memorização devido à estrutura em verso e ao sistema de rima
e repetição.
A cultura popular, assim como a poesia, não se restringe a uma classe social,
mas está presente em todos os momentos da vida de um povo, embora seja
encarada como elemento de oposição à cultura considerada oficial, erudita.
Em sua origem, a literatura popular estava ligada aos poetas e músicos que
perambulavam pelas aldeias e acabavam por se tornar verdadeiros cronistas ao
registrarem os acontecimentos do cotidiano em forma de romances ou epopeias de
aventuras. Dentre esses cronistas andarilhos, encontram-se trovadores, menestréis
e jograis, e é por esse motivo que as produções da literatura popular são poéticas.
Aqui, a cultura popular brasileira está ligada aos vários tipos de poesia popular,

CONCEITO
como os romances ou xácaras, que são poesias dialogadas muito comuns no
nordeste. Um exemplo disso é “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna.
xá·ca·ra (espanhol jácara) substantivo feminino
[Literatura] Espécie de romance ou seguidilha popular, em verso.

"xácara", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://


www.priberam.pt/dlpo/x%C3%A1cara [consultado em 24-08-2016].

capítulo 2 • 33
Temos também a cantoria ou poesia repentista, como é mais conhecida, que
trata de um combate musical entre dois repentistas. Outro ponto a relembrar
é a parlenda, versão popular muito usada nas escolas por ser ritmada e fácil de
memorizar e contar.
Pelo pouco que contamos até agora, já deu para perceber que a literatura
popular não é uma arte isolada, mas caminha junto de outras formas culturais,
como teatro, cinema, música, etc. Que tal percorrermos um pouco mais desses
espaços artísticos e observarmos a cultura em movimento?

O teatro popular

O teatro popular ganha destaque e força a partir da criação do Teatro Popular


do Nordeste, que tem como finalidade proporcionar ao público – especialmente
às camadas menos favorecidas da sociedade - um teatro profissional com
qualidade artística.
Entre os fundadores do Teatro Popular do Nordeste, estão dramaturgos,
atores, autores e músicos, como Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna, Gastão
de Holanda, José de Moraes Pinho, Capiba, José Cavalcanti Borges, Leda Alves e
Aldomar Conrado.
Eles estavam unidos por um mesmo ideal, como podemos verificar no trecho
do “Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste”:

Acreditamos que a arte (...) deve ser comprometida, isto é, deve manter
um fecundo intercâmbio com a realidade, ser porta-voz da coletividade
e do indivíduo, em consonância com o espírito profundo de nosso povo..

O Teatro Popular do Nordeste é marcado por três fases:

1ª fase: peças focadas em temas e mitos da cultura nordestina;


2ª fase: peças focadas nas encenações teatrais naturais do nordestino;
3ª fase: entende-se que o teatro popular não precisa necessariamente ficar
preso como elemento regional.

Na segunda fase, destacam-se as manifestações em torno do bumba meu boi e


do mamulengo. Para saber mais sobre o mamulengo, leia o artigo “Mamulengo: o
teatro de bonecos popular no Brasil”, cujo excerto está citado ao final deste tópico.

capítulo 2 • 34
CONCEITO
A dança folclórica do bumba meu boi é um dos traços culturais mais marcantes da
cultura brasileira, principalmente na região nordeste. A dança surgiu no século XVIII, como
forma de crítica à situação social dos negros e índios. O bumba meu boi combina elementos
de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem e a força
bruta de um boi.
Disponível na http://brasilescola.uol.com.br/folclore/bumbameuboi.htm.
Acesso em 15-9-2016.

Na terceira fase, obras clássicas da literatura ocidental são encenadas pelo


teatro popular, uma vez que tais obras são capazes de penetrar o inconsciente
popular, por revelarem elementos comuns à humanidade como um todo.
É nessa fase que surge o maior desafio para os envolvidos com o teatro popular:
como encenar as grandes obras literárias, já que a arte popular nordestina era
caracterizada pelo improviso?
Vejamos alguns autores e peças relacionadas ao teatro popular:

• “A Pena e a Lei”, e “A Caseira e a Catarina”, de Ariano Suassuna


• “A Pena e a Lei” se mantém atual porque analisa questões sociais
como trabalho, exigências de trabalhadores, presença de empresas
estrangeiras no país, fome e prostituição.
• “A Caseira e a Catarina” é uma peça que trata da situação da
esposa legítima e a da amante.
• “A Bomba da Paz”, de Hermilo Borba Filho: farsa política com
caricatura dos representantes dos setores mais reacionários da sociedade.
• “O Santo Inquérito", de Dias Gomes: a protagonista pode ser analisada
como uma Joana D’Arc nordestina. Incriminada por praticar o judaísmo e
certas imoralidades, foi condenada à fogueira da Inquisição.
• “Auto do Salão do Automóvel”, de Osman Lins: texto experimental,
narrado em terceira pessoa, que reflete sobre a urbanização mal planejada e
suas consequências no futuro.
O teatro popular continua vivo e funciona como motivador de uma nova
consciência, caminhando em direção a novas formas de informação, diálogo e
engajamento nos movimentos culturais populares.

capítulo 2 • 35
LEITURA
“Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil”
Fernando Augusto Gonçalves Santos
Grupo Mamulengo Só-Riso (PE)
Praticado no mundo todo, o teatro de bonecos assumiu fisionomias e espíritos dramáticos
diferenciados, dependendo da localização geográfica de cada uma de suas manifestações.
Isso se deve às próprias injunções de tradição cultural, costumes, e formação social,
econômica e política.
Em alguns estados do nordeste do Brasil, existe uma forma de teatro de bonecos
praticada por artistas do povo, que se denomina mamulengo. O mamulengo é um teatro
de características inteiramente populares, onde os atores são bonecos que falam, dançam,
brigam e, quase sempre, morrem.
Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o
mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia a dia do povo da região.
Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas, com seus
temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos repressores,
com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia por liberdade.
O mamulengo tem um extraordinário poder de síntese e revelação estética dos anseios
mais ardentes do povo nordestino, não obstante a precariedade de seus recursos disponíveis,
sejam técnicos, estéticos ou de escolaridade.
(...) o mamulengo baseia-se na improvisação livre do ator (mamulengueiro).
Conquanto tenha um roteiro básico para a história, que não é escrita, os diálogos são
criados no momento do espetáculo, de acordo com as circunstâncias e com a reação do
público. Não podendo existir sem a música nem a dança, o mamulengo exige do público
uma participação constante e ativa, que permita completar o que os bonecos muitas
vezes apenas sugerem. Requer-se, portanto, uma imensa interação boneco/plateia, que
não se faz difícil por conta do incrível poder de improvisação e da capacidade imaginativa
que caracteriza os mamulengueiros. Por isso, sendo um teatro do improviso, depende
visceralmente da assistência do público, que alimenta, ignora ou castra a vertente de
criação que sai do mestre, passa para o boneco e atinge o público. Ao reagir, a assistência
fornece a inspiração necessária ao processo de criação improvisada que constitui o
espetáculo, formando um ciclo contínuo que envolve a todos: titireteiro, títeres e público.
O espetáculo do mamulengo, seja urbano ou rural, é destinado a um público
específico. O mamulengo não satisfaz às necessidades teatrais ou mesmo emocionais
do público intelectual e burguês que habitualmente frequenta nossos teatros. Quando

capítulo 2 • 36
muito, esse público assiste a uma função por curiosidade, por atitude exótica ou pelo
aspecto folclórico. Fica bastante claro que seu público é o povo; as camadas inferiores
da sociedade; a gentalha; a rafameia; o Zé-povinho. O mamulengueiro sabe falar a
esse povo, retratando os mais diferentes aspectos de suas vidas, transfigurando suas
alegrias e dores.
Frequentemente, o mamulengo é de uma contundência admirável, motivado por
uma inspiração fascinante que lhe permite alterar o equilíbrio do mundo e as relações
de poder, insurgindo-se contra o maniqueísmo da vida e criando outro mundo que ele
próprio governa; uma situação poético-dramática que incorpora o público. Arranca
personagens e temas de um mundo ao qual está sujeito, é submisso e pelo qual é
explorado, e os transpõe, em uma transfiguração muito própria, para um mundo onde
sua voz, anseios e vontades são ouvidos. Isso tudo tem a intenção maior de provocar o
riso que, gerando a folgança, o alívio e o divertimento, atua como elemento catártico e de
grande comunicabilidade.
O mamulengo é um fenômeno vivo, dinâmico, e em constante processo de mutação e de
transformação. (...)
Disponível em hthttps://goo.gl/NWUCmW
Acesso em 15-9-2016.

A literatura e seus reflexos na música popular

Música e literatura têm em comum o atributo e a generosidade de


fazer com que o próprio ouvinte e o próprio leitor construam em
suas mentes o universo induzido pela mestria dos escritores e dos
compositores. É somente no ato da audição e no da leitura que
as obras, nos dois casos, realmente se realizam - e cada indivíduo
compõe esse universo ao seu modo, conforme suas experiências e
vivências pessoais. Eis a magia tão própria dessas duas artes. (...)
(AJZENBERG, 2015, orelha da revista).

capítulo 2 • 37
Quando pensamos na relação entre literatura e música, vem à cabeça a
bossa nova dos anos 1950, que transforma poesia em canção ou vice-versa, ou o
tropicalismo dos anos 1970, preocupado com a situação política do país.
A Tropicália foi um movimento musical do final da década de 1960, do qual
participaram músicos como Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa,
entre outros. Podemos afirmar que há certo sincretismo entre música e literatura,
uma vez que o tropicalismo colaborou para que a literatura assumisse uma visão
de bom emprego de qualquer estética literária, sem interferência de preconceitos,
e tendo como característica principal a mistura de ideias e estéticas que juntavam
assuntos urbanos e modernos a elementos folclóricos e populares.
Como afirma Alfredo Werney:

A literatura acadêmica e a música popular, ao que nos parece, nunca


estiveram tão sintonizadas e afinadas, em outros países, como estão
no Brasil. A estreita ligação entre a poesia da canção e a poesia dos
livros fez do Brasil um espaço de ricas experiências da relação palavra/
música. Esta complexa ligação certamente não veio dos dias de hoje.
(...) No prelúdio da nossa literatura (e também da literatura universal),
já se faz presente a música, o que se gera uma arte híbrida – que não
é tão-somente literatura, nem tão-somente música.
(Disponível em https://goo.gl/XfsM1O.
Acesso em 15-9-2016)

Muitos são os exemplos de artistas que casam música e literatura. Vejamos:


Vinícius de Moraes, em parceria com Tom Jobim, levou a música brasileira
para o mundo com “Garota de Ipanema”. Em uma inventividade modernista,
ele brinca com a composição poética, fazendo com que a linguagem caminhe aos
passos da garota que anda pelas areias de Ipanema.

(...) o autor brasileiro que fez a grande travessia da poesia canônica


para a canção popular foi Vinicius de Moraes. Pode-se dizer que sua
contribuição ao cancioneiro nacional foi mais determinante do que
ao universo poético propriamente dito. Ao convidar Tom Jobim para
compor a trilha do musical Orfeu da Conceição, o “poetinha” acabou
se tornando um dos pais da Bossa Nova. O movimento mudaria para
sempre os rumos da canção popular, influenciando músicos em vários
países. (...) (SANTOS, 2015)

capítulo 2 • 38
Chico Buarque usa a música para retratar o sonho de Iracema, sinônimo da
mulher brasileira, de mudar de vida, deixando seu país rumo à América (EUA).
Ele transforma um fato corriqueiro em motivo para cantar poeticamente nos
moldes do modernismo.

Iracema voou
Chico Buarque/1998

Iracema voou
Para a América
Leva roupa de lã
E anda lépida
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá

Tem saído ao luar


Com um mímico
Ambiciona estudar
Canto lírico
Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
Mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar:
-- É Iracema da América

1998 © - Marola Edições Musicais Ltda.


Disponível em http://www.chicobuarque.com.br/letras/iracema_98.htm.
Acesso em 15-9-2016.

capítulo 2 • 39
A música de Chico Buarque também dialoga com a obra de João Cabral de Melo
Neto, “Morte E Vida Severina”, retratando o sertão, a fome e a morte no nordeste:

Esta cova em que estás, com palmos medida


É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo, nem fundo


É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida


É a terra que querias ver dividida

É uma cova grande pra teu pouco defunto


Mas estarás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco


Porém mais que no mundo, te sentirás largo

É uma cova grande pra tua carne pouca


Mas a terra dada nao se abre a boca

É a conta menor que tiraste em vida

É a parte que te cabe deste latifúndio

(É a terra que querias ver dividida)

Estarás mais ancho que estavas no mundo


Mas a terra dada nao se abre a boca

Disponível em https://goo.gl/Wzqnml.
Acesso em 15-9-2016.

capítulo 2 • 40
Cabe aqui o depoimento de José Domingos de Brito (2015):

Meu interesse em especular as relações da literatura com a música se


deu a partir da declaração (e reiteração) de João Cabral de Melo Neto,
dizendo que não gosta de música. Abriu uma exceção apenas para
o flamenco, que conheceu em Sevilha, enquanto diplomata; e para o
frevo, devido à sua origem pernambucana. Fiquei matutando: como é
possível o autor de um poema como “Morte e vida severina”, musicado
pelo Chico Buarque, não gostar de música?

A conversão de literatura em música ou vice-versa é possível porque:

As relações entre a música e a literatura são tão antigas quanto essas


duas formas de expressão artística. Desde a Antiguidade o texto
literário adapta-se à música, bem como a música adapta-se ao texto
literário, mais precisamente, ao poema. (ASSIS BRASIL, 2015)

Pode-se notar isso, por exemplo, no poema “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius


de Moraes, na voz de Ney Matogrosso:

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose

capítulo 2 • 41
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Disponível em https://goo.gl/uYKUgw.
Acesso em 15-9-2015.

MULTIMÍDIA
Ouça a música “Rosa de Hiroshima”, poema de Vinícius de Moraes, na voz de Ney Mato-
grosso. Disponível em https://goo.gl/IoTSA5.
Acesso em 15-9-2015.

A respeito da interpretação do poema/música acima, podemos pensar em


termos do devaneio poético de Caetano (2015):

Na música não há uma rosa. Há dissonâncias, pausas, assonâncias,


intervalos, dominantes, repousos, marchas, forças, tons, modos, clímax,
inquietações, paz, conflitos, soluções... tudo isso abrindo mão das
palavras, recorrendo a significantes, portanto, quase que cem por cento
sob poder do receptor. Não que uma precise da outra. Antes diria eu:
são casos em que uma quis a outra. É bem diferente. Não se trata da
área da necessidade, senão, sim, da área do querer, do bem-querer.

LEITURA
As letras na pauta
Jorge Fernando dos Santos

Música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade. O ritmo é parte


integrante da escrita, mesmo quando não se trata de texto poético. Enquanto isso, ao longo
da História, a poesia se fez presente na ópera, nos jograis e na canção popular, cobrindo de
redondilhas os acordes musicais.

capítulo 2 • 42
Isso talvez explique o envolvimento de escritores com a música e de músicos com a
literatura. (...)
O fenômeno é universal, mas é no Brasil que ele toma dimensões qualitativa e quantita-
tivamente admiráveis. Basta lembrar os poetas populares do Nordeste, dedicados à tradição
do cordel e do coco de embolada. Patativa do Assaré, por exemplo, fez poemas e canções,
tendo seus versos também musicados e interpretados por outros artistas.
Um dos primeiros a investigar a cultura musical brasileira foi o modernista Mário de
Andrade. Influenciado por esse trabalho, ele compôs o clássico caipira “Viola Quebrada”, em
parceria com Ary Kerney. Manuel Bandeira teve versos musicados por Villa-Lobos e, mais
tarde, por Tom Jobim. Ferreira Gullar fez parcerias com Fagner, Milton Nascimento e Pauli-
nho da Viola, além de incluir no “Poema Sujo” uma letra para “O Trenzinho do Caipira”, de Vil-
la-Lobos. Drummond e Henriqueta Lisboa também tiveram poemas musicados por diversos
compositores. Fernando Sabino era baterista nas horas vagas. (...)
Disponível em https://goo.gl/mfa8WV.
Acesso em 15-9-2015.

O cinema a serviço da literatura

A relação entre literatura e cinema é antiga. Cinema e literatura participam da


mesma empreitada: trazer a ilusão, o devaneio e a magia da história ao receptor.

A linguagem já abriu porta à magia: desde o momento em que toda


a coisa chama imediatamente ao espírito a palavra que a designa,
a palavra chama no mesmo instante a imagem mental da coisa
que evoca, conferindo-lhe mesmo que seja ausente, a presença
(MORIN, 1973, p.98).

Literatura e cinema são artes diferentes, com linguagens distintas, mas complementares,
pois “O cinema torna não só compreensível o teatro, a poesia e a música, como também
o teatro interior do espírito: sonhos, imaginação, representações: o tal minúsculo
cinema que existe na nossa cabeça” (MORIN, 1970, p. 243).
Podemos pensar que o maior diretor e criador de um filme somos nós mesmos,
com nossa capacidade imaginativa. Por isso, na opinião de Jorge Furtado (2004), é
comum que uma pessoa “se decepcione quando vê as imagens criadas pelo cineasta
e diga: gostei mais do livro”.

capítulo 2 • 43
No entanto, devemos entender que o filme é uma adaptação da obra literária
e, por isso, se torna outra obra, que depende do ponto de vista do roteirista ao
querer destacar certas cenas e diálogos em detrimento de outros.
É claro que o filme, mesmo sendo uma nova obra, precisa manter um ponto
de convergência com a obra literária. Dito isso, “a adaptação deve dialogar não só
com o texto original, mas também com seu contexto, atualizando o livro, mesmo
quando o objetivo é a identificação com os valores neles expressos” (XAVIER,
2003, p. 62).
Preocupados em manter a fidelidade ao texto literário, “há cineastas que se
esforçam por uma equivalência integral do texto literário e tentam não se inspirar
no livro, mas adaptá-lo ou traduzi-lo para a tela” (BAZIN, 1999, p. 93). Porém, o
filme não precisa ser cópia fiel do livro. Desse modo, para ser uma boa adaptação,
o filme deve ser capaz de “restituir o essencial do texto e do espírito” (BAZIN,
1991, p. 96).
Veja alguns livros que abordam a realidade regional e que viraram filmes:

•  “Vidas secas”, romance de Graciliano Ramos;

“Vidas secas”, o filme

•  “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa;


•  “O menino de engenho”, de José Lins do Rego;
•  “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes;
•  “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos;

capítulo 2 • 44
•  “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado;
•  “O auto da compadecida”, de Ariano Suassuna.

“O auto da compadecida”, o filme

A dança como expressão cultural popular

Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes


profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite
oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio
é milenar e contemporâneo. Cresce com os sentimentos diários desde
que se integre nos hábitos grupais, domésticos e nacionais (Cascudo,
2002, p. xvi).

É comum citarmos a região nordeste, com suas manifestações folclóricas e


populares, como um dos principais elementos formadores da riqueza cultural de
nosso país. Além da literatura nordestina, que tem dado grande aporte para o
panorama literário brasileiro, temos a dança, que tem tudo a ver com a nossa
formação em várias partes do território brasileiro, pois a dança é:

capítulo 2 • 45
(...) das classes populares, "dança de gente" (...) e retrata, sim, um
tempo que não mais existe, porém, é tradição oral e deixa as suas
marcas nas gerações e na memória. Não tem caráter pedagógico,
mas é uma educação visual, política, estética, moral e filosófica. Não é
empobrecida pelo didatismo.
Eram ensinadas dançando e cantando, os mais antigos detinham a
honra de inserir na roda os mais novos e na hora determinada como
certa. Não eram danças infantis, mas poderiam assistir e aprender
assim, com a imitação e a brincadeira (Figueiredo, 2007, p. 26).

Que tal conhecermos um pouco sobre as danças do Brasil?


O xaxado é dançado ao som de uma música acompanhada por sanfona,
zabumba e triângulo. O xaxado surgiu como uma forma de afronta à polícia. É
dançado com rifles pelo grupo de Lampião, e não com companheiras. Já o baião
é dançado em pares, com homem e mulher colados, ao som do acordeom. Luiz
Gonzaga é o maior representante do baião.

CURIOSIDADE
Quer saber mais sobre Luiz Gonzaga? Que tal ler a obra “Rei do Baião - do Nordeste Para
o Mundo”, de Arievaldo Viana, que conta a vida do músico em forma de literatura de cordel?

Na Bahia, o samba de roda é dançado em roda, com música, canto e palmas.


Os instrumentos musicais mais utilizados são chocalho, pandeiro, viola, atabaque
e berimbau.
Em Pernambuco, temos o frevo e o maracatu. Este mistura elementos culturais
afro-brasileiros, indígenas e europeus (simbolizados por personagens históricos), é
dançado ao som de tambores, caixas, taróis e ganzás, e apresenta enfoque religioso.
Já o frevo representa o carnaval pernambucano, em que os foliões usam um
pequeno guarda-chuva colorido e misturam passos de dança com malabarismo.
De acordo com Bakhtin (1987, p. 189-190), o carnaval representa a cultura
popular como um todo e, por isso:

capítulo 2 • 46
Enquanto fenômeno perfeitamente determinado, o carnaval sobreviveu
até os nossos dias, (...). Conhece-se muito bem a história do carnaval,
descrita muitas vezes no decorrer dos séculos. Recentemente, nos
séculos XVIII e XIX, o carnaval conservava ainda alguns dos seus traços
particulares de festa popular de forma nítida, embora empobrecida.
O carnaval revela-nos o elemento mais antigo da festa popular, e
pode-se afirmar sem risco de erro que é o fragmento mais bem
conservado desse mundo tão imenso quanto rico. Isso autoriza-nos a
utilizar o adjetivo "carnavalesco" numa acepção ampliada, designando
não apenas as formas do carnaval no sentido estrito e preciso do
termo, mas ainda toda a vida rica e variada da festa popular (...).

No Ceará, o maneiro-pau é dançado com passos em rodas, e com pedaços de


pau nas mãos, como se fossem duelar.
Mas não é só do nordeste que vêm a literatura e a cultura popular. O fandango,
por exemplo, chegou à região sul do Brasil por volta de 1750, com os colonizadores
portugueses, e é composto por passos, música – acompanhada por violas, rabeca,
acordeão e pandeiro - e canto. Os folgadores e as folgadeiras vestem roupas típicas
da região e dançam, com sensualidade, valsa e bailado, mas sem se tocar.

Fandango

Na região centro-oeste, temos o samba, que chegou aqui com os negros, e era
dançado apenas nas senzalas. Com o passar do tempo, o Rio de Janeiro ajudou a
difundir esse ritmo pelo Brasil.

capítulo 2 • 47
Nas regiões centro-oeste, sul e sudeste, especificamente em São Paulo, Paraná,
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, a catira, também conhecida como cateretê, é
dançada com batidas de pés e palmas. A catira representa a cultura caipira, e pode
ser relacionada ao Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato imortalizado na
atuação de Mazzaropi, por exemplo.

MULTIMÍDIA
Para conhecer a figura do Jeca Tatu e a catira, dentre as tradições populares, assista ao
filme “Tapete Vermelho”, ao longo do qual o espectador é apresentado a histórias e tradições
populares, como o feitiço da cobra que suga leite de mulher parida, a dança da catira, bem
como as habilidades de Zulmira como rezadeira.
Disponível em https://goo.gl/kTM4pT. Acesso em 15-9-2015.

Por fim, a quadrilha e o bumba meu boi são dançados nas mais variadas
regiões do país. A quadrilha é a dança da festa junina, onde os participantes
vestem roupagens típicas da tradição caipira. O bumba meu boi é considerado um
dos maiores símbolos folclóricos do Brasil e conta a lenda de um boi que pereceu
e ressuscitou, depois de ter sua língua cortada para agradar às vontades de uma
gestante. O bumba meu boi mistura dança, música e teatro.

Bumba meu boi

capítulo 2 • 48
Como podemos observar, a dança faz parte das festas populares. Ela dialoga
com músicas, encenações teatrais, e formas literárias, atribuindo à cultura popular
uma imagem pública que representa o povo brasileiro dentro e fora de nosso país.

Nesse sentido, fazer teatro, música, poesia ou qualquer outra


modalidade de arte é construir, com cacos e fragmentos, um espelho
onde transparece, com as suas roupagens identificadoras particulares
e concretas, o que é mais abstrato e geral num grupo humano, ou
seja, a sua organização, que é condição e modo de sua participação na
produção da sociedade. Esse é, a meu ver, o sentido mais profundo da
cultura, "popular" ou "outra". (ARANTES,1981, p. 78).

A realidade social do artista e a receptividade do público

Acerca da realidade social do artista e da receptividade do público, podemos


fazer várias considerações pontuais.
No campo da dramaturgia, os integrantes do teatro popular foram felizes em
suas empreitadas durante certo tempo, recebendo contribuições para a realização
dos espetáculos, que tinham a casa cheia. Com a chegada do regime militar, a
situação foi piorando. Os incentivos já não apareciam com tanta frequência, o
público começou a rarear até que, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-
5), as atividades teatrais começaram a desaparecer devido à perseguição política e
às disputas entre grupos de esquerda e de direita.
O público se interessava pelo teatro popular porque, nas palavras de Borba
Filho em texto escrito devido à estreia do espetáculo “O inspetor”, na sede do
Teatro Popular do Nordeste:

(...) atores não agirão como médiuns de sessões espíritas, deixando-


se tomar pelo personagem. Não. Eles brincarão (no sentido do jogo
medieval e dos folguedos populares), criticarão permanentemente o
personagem, criarão o processo de afastamento e desinibirão o público..

capítulo 2 • 49
No campo da música:

Cabe ainda pontuar (...) a importância da audição e da leitura na


composição do sentido da obra, seja musical, seja literária. Quanto à
música, o "texto" se torna em grande parte dependente do executor
ou intérprete. Além do mais, o receptor ou ouvinte haverá de contribuir
para dar sentido à obra, na medida em que a absorve no vasto campo
da memória auditiva, com suas emoções, afetividades e domínio crítico.
O mesmo se dirá da obra literária perante a leitura, na medida em que
o leitor, ao cabo de seu processo emocional e intelectivo, passa a ser o
intérprete e juiz do trabalho. A leitura traz consigo a presentificação do
texto, seja este antigo ou novo, pois atravessa os depósitos cognitivos,
emocionais e críticos acumulados na memória do leitor. É perante esse
tribunal ou cenário afetivo que a obra se desnuda, transbordante de
significados. Ao engenho da escrita, acrescente-se o poder da leitura,
nem sempre simétrica às intenções do autor. (ASSIS BRASIL, 2015).

Passando para o cinema, gostaríamos de exemplificar a questão da realidade


social do artista e da receptividade do público, comentando sobre o filme “Cidade
de Deus”, baseado na obra homônima de Paulo Lins.
“Cidade de Deus” conta uma história baseada em fatos reais, e é considerado por
alguns críticos um romance realista-naturalista. No entanto, gostaríamos de destacar
um viés regionalista na obra de Paulo Lins, na medida em que o autor apresenta a
diversidade cultural presente em tal comunidade. Além disso, Lins se utiliza de uma
linguagem rica e diferenciada, fruto de um intenso trabalho de pesquisa linguística,
para mostrar que a comunidade se comunica de uma forma muito diferente do que
o resto da sociedade. Na obra, todas as variantes linguísticas e características dos
falantes são preservadas, revelando suas particularidades.
Paulo Lins também mostra o lado cultural da Cidade de Deus, comunidade
formada, em sua maioria, por negros adeptos dos cultos religiosos afro-
brasileiros, como o candomblé e a umbanda. Além disso, São Jorge, um dos
santos mais fortes do sincretismo com o catolicismo, aparece como sinônimo de
força para muitas das personagens.
O autor também apresenta as festas celebradas ao som do samba, sem esquecer
o carnaval, e o comportamento das personagens nos clubes e bailes da favela. Outro

capítulo 2 • 50
elemento que contribui para expressar a diversidade cultural da Cidade de Deus é a
culinária, que é produto de uma série de tradições regionais d e todo o país.
Paulo Lins foi morador de “Cidade de Deus”. Talvez por isso, o filme tenha
conseguido captar e refletir o painel de vidas diferentes e situações cotidianas que
o livro traz, embora não tenha aberto espaço para a densidade social e psicológica
que aparece marcadamente no texto literário.

O que mais me chamou a atenção em “Cidade de Deus” foi, primeiro,


a extrema vivacidade da linguagem popular, dentro da monotonia
tenebrosa das barbaridades, que é um ritmo da maior verdade. Depois,
a mistura muito moderna e esteticamente desconfortável dos registros:
a montagem meio crua de sensacionalismo jornalístico, caderneta de
campo do antropólogo, terminologia técnica dos marginais, grossura
policial, efusão lírica, filme de ação da Metro etc. E sobretudo o ponto
de vista narrativo, interno ao mundo dos bandidos, embora sem
adesão, que arma um problema inédito. Há ainda o conhecimento
pormenorizado, sistematizado e refletido de um universo de relações,
próximo da investigação científica, algo que poucos romances
brasileiros têm. Enfim, é um mix poderoso, representativo, que
desmanchou a distância e a aura pitoresca de um mundo que é nosso.
É um acontecimento (SANTOS; MOURA, 2004, Online).

O filme foi sucesso de público e ganhou espaço entre os críticos, tendo sido
considerado uma obra-prima entre os filmes de guerra e ação. É interessante notar
que o filme fomentou inúmeras discussões acerca da pobreza no Brasil, fazendo
com que a Cidade de Deus se tornasse cartão-postal e ícone da cultura popular,
por espelhar o mundo das favelas brasileiras.
No que concerne a dança, é preciso lembrar que ela está diretamente relacionada
à festa, marcando celebrações e resgatando elementos típicos da tradição oral, em
forma de cantigas, repentes e poesias, e caminhando para um universo paralelo, pois:

capítulo 2 • 51
(...) nos dias festivos, as portas da casa abrem-se de par em par aos
convidados (no limite, a todos, ao mundo inteiro); nos dias de festa,
tudo se distribui em profusão (alimentos, vestimentas, decoração dos
cômodos), os desejos de felicidade de toda espécie subsistem ainda
(mas perderam quase totalmente o seu valor ambivalente), da mesma
forma que os votos, os jogos e os disfarces, o riso alegre, os gracejos,
as danças, etc. A festa é isenta de todo sentido utilitário (é repouso,
uma trégua, etc.). É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de
toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente
num universo utópico. É preciso não reduzir a festa a um conteúdo
determinado e limitado (por exemplo, à celebração de um acontecimento
histórico), pois na realidade ela transgride automaticamente esses
limites. É preciso também não arrancar a festa à vida do corpo da terra,
da natureza, do cosmos (Bakhtin, 1987, p. 241).

É importante lembrar que tudo o que tratamos neste capítulo se refere à


cultura popular, e isso significa que é uma produção artística produzida pelo povo
e para o povo, refletindo as mais diversas realidades e situações sociais, com vistas
à expressão de um modo de ser ou de pensar, com vistas a reforçar as tradições e
expressões de determinados grupos ou tentar alterar a situação social vigente.
Por isso, a cultura popular deve ser entendida a partir de dois modelos
sugeridos por Chartier:

O primeiro, no intuito de abolir toda forma de etnocentrismo cultural,


concebe a cultura popular como um sistema simbólico coerente e
autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e
irredutível à da cultura letrada. O segundo, preocupado em lembrar
a existência das relações de dominação que organizam o mundo
social, percebe a cultura popular em suas dependências e carências
em relação à cultura dos dominantes. Temos, então, de um lado, uma
cultura popular que constitui um mundo à parte, encerrado em si
mesmo, independente, e, de outro, uma cultura popular inteiramente
definida pela sua distância da legitimidade cultural da qual ela é
privada. (CHARTIER, 1995, p.179).

Desse modo, a realidade social do artista interfere na produção na medida em


que pode funcionar como um reforço dela, ou como tentativa de mudança.
Muitos artistas passam por várias situações desconcertantes até serem efetivamente

capítulo 2 • 52
reconhecidos como parte importante da construção da História do nosso país,
passando por censura ou exílio, por exemplo. Outros artistas permanecem no
anonimato, vendo suas obras se manterem vivas pela manifestação cultural de
dançarinos, artistas e cantores, também anônimos. Quanto à recepção, é bom
saber que muito do que abordamos neste capítulo ainda é praticado com gosto
por nosso povo brasileiro.

ATIVIDADE
01. O termo “cultura popular” caracteriza a cultura de uma classe social específica?

02. Qual é o objetivo do teatro popular?

03. Por que o mamulengo pode ser considerado uma forma de “terapia” social?

04. Explique a relação entre a música e a literatura.

05. Em que ponto literatura e cinema se assemelham?

REFLEXÃO
Como se pode verificar, a literatura é a arte mais popular; a mãe de todas as artes; a
mestra de outras artes com as quais dialoga, como o teatro, o cinema e a música.
Em relação a esta última arte, Luiz Tatit revela que a música:

(...) é organismo que ludibria os observadores por jamais se apresentar


com o mesmo aspecto. Por isso, a canção brasileira converteu-se
em território livre, muito frequentado por artistas híbridos que não se
consideravam nem músicos, nem poetas, nem cantores, mas um pouco
de tudo isso e mais alguma coisa. (TATIT, 2004, p.12).

capítulo 2 • 53
LEITURA
LUYTEN, Joseph. O que é Literatura popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983.

IMAGENS DO CAPÍTULO
Imagem 2.1 - http://br.web.img3.acsta.net/medias/nmedia/18/97/64/43/20541364.jpg
Imagem 2.2 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/b/bf/O_auto_da_compadecida.jpg
Imagem 2.3 - http://www.wikidanca.net/wiki/images/6/62/Fandango5.jpg
Imagem 2.4 - http://wikidanca.net/wiki/images/c/ce/Boi1.jpg

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
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CAETANO, Marcelo Moraes. Música, alma da literatura. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios
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2007. 80 p. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2007.

capítulo 2 • 54
FURTADO, Jorge. A adaptação literária para o cinema e televisão. 10ª Jornada Nacional de
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LUCAS, Fábio. Literatura e Música. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária,
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MAURÍCIO, Ivan et al (orgs). Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste In: Hermilo vivo
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XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

capítulo 2 • 55
capítulo 2 • 56
3
A literatura
regional
A literatura regional
Neste capítulo, iremos além do estudo de obras, pois nosso enfoque recai sobre
os movimentos representativos da literatura regional ao logo da nossa História.
Para realizarmos nosso intento, também se faz necessário explorar o contexto
social e histórico que marca os movimentos estéticos literários aqui abordados.
O material que nos ajudará a compor o capitulo sobre a literatura regional
brasileira inclui o conjunto de obras escritas por Antonio Candido, crítico literário.

OBJETIVOS
Neste capítulo, temos como finalidade unir os seguintes objetivos:

• Realizar a leitura de textos representativos da literatura regional, complementada


pela apreciação de gêneros diversos da expressão artística;
• Sintetizar os discursos de Antonio Candido a respeito do regionalismo brasileiro,
relacionando-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais;
• Compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição literária.

Para atingirmos nossa finalidade, podemos enfocar a literatura regional a partir do tema
abordado, da região de produção, ou do momento de publicação. Para uma abordagem
mais didática, melhor se faz o estudo da literatura popular regional enfocando movimentos
representativos de cada momento da História brasileira.

A literatura regional ao longo dos movimentos: contexto


histórico-social

Literatura regional ou regionalismo é uma tendência literária que busca,


além da universalização do regional, a revalorização da linguagem como
marca de expressão máxima da diversidade de nosso país, como nordestinos
e sertanejos, mediante o foco que se dá às expressões do povo, bem como o
destaque para suas singularidades.
O regionalismo, que pode ser entendido como sinônimo de cultura popular,
surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões diferentes e à

capítulo 3 • 58
necessidade do ser humano de se enquadrar no ambiente que o cerca. A Sociologia
e a Etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer juízo
de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma
nação ou comunidade. (Disponível em https://www.significados.com.br/cultura-
popular/. Acesso em 10-92016.)
Os estudos sobre folclore e cultura popular brasileira como elementos possíveis
para se compreender a formação de uma identidade nacional tiveram início em
meados do século XIX.
A história do regionalismo e da cultura popular no Brasil passa por várias
temáticas, de acordo com as fases de nossa História, bem como das regiões de
nossos artistas.

Estamos tão acostumados a pensar em experiências comuns


através dos filtros alienantes proporcionados pelas diferenças de
nacionalidade e raça, que com frequência encaramos a particularidade
dessas histórias como simples exotismo. Um processo social está
acontecendo, numa sociedade à primeira vista estranha, e é isso que
importa. Mas, à medida que vamos adquirindo uma perspectiva com
base na longa história da literatura do campo e da cidade, vemos o
quanto, em lugares e épocas diferentes, há um unificador numa
história que, em última análise, deve ser encarada como comum a
todos. (WILLIAMS, 1989, p.386)

Os temas mais frequentes são:

•  Índio
•  Negro
•  Sertanejo
•  Caipira
•  Jagunço
•  Povo brasileiro como um todo

Dentre os temas brasileiros destacados, os mais pertinentes à literatura regional


eram os que parecessem mais exóticos ao habitante urbano. Por isso, a literatura
contava com:

capítulo 3 • 59
(...) primitivos habitantes, em estado de isolamento ou na fase dos
contatos com o branco; habitantes rústicos, mais ou menos isolados
da influência europeia direta. Daí as duas direções: indianismo,
regionalismo. O problema referido é o da expressão literária adequada
a cada uma delas (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 102-103).

O índio foi um tema do regionalismo expresso por José de Alencar e Gonçalves


Dias, ambos dedicados a mostrar como era a vida na região das tribos e as
peculiaridades desse nosso elemento formador, tudo perfeitamente alinhado à
literatura brasileira.

Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu regionalista e de


costumes; ou melhor, pendeu desde cedo para a descrição dos
tipos humanos e formas de vida social nas cidades e nos campos.
O romance histórico se enquadrou aqui nesta mesma orientação; o
romance indianista constitui desenvolvimento à parte do ponto de
vista da evolução do gênero, (...) como a certas necessidades (...),
poéticas e históricas, de estabelecer um passado heroico e lendário
para a nossa civilização, a que os românticos desejavam, numa
utopia retrospectiva, dar tanto quanto possível traços autóctones
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101).

Ferreira Gullar salienta que o escritor pode e deve assumir uma postura crítica
em face da realidade brasileira, por isso:

A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos


culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe.
Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr
a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em
suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo,
não-popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o
problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a
uma opção (GULLAR, 1965, p.1).

capítulo 3 • 60
Retomando os movimentos artísticos literários, podemos entender que a
literatura regional sempre foi importante para a formação da literatura brasileira. O
Arcadismo e o Romantismo já eram compostos de regionalismo, e o Modernismo
de 1922 retoma o regionalismo como um momento de renovação cultural
determinante para a arte brasileira.

O regionalismo, como o conhecemos, é uma das respostas a essa


tensão, desde o início, no Romantismo, até os dias de hoje, quando
o vasto horizonte de possibilidades temáticas e expressivas, oriundo
da prolífica diversidade e da extrema desigualdade econômica que
recorta o Brasil em regiões, ainda alimenta a imaginação criadora.
(PELLEGRINI, 2008, p.119)

No início, podemos pensar na literatura regional como tendo o intuito de


favorecer à “integração de grandes massas da nossa população à vida moderna”
(CANDIDO, 2004, p. 41), sendo essa vida fruto das grandes revoluções. Mas,
em um primeiro momento, a vida do homem rural era tida como “motivo de arte
– motivo, por que não dizê-lo, de sabor quase exótico para o leitor das capitais”
(CANDIDO, 2004, p. 41).
No entanto, para o crítico Antonio Candido:

Talvez se possa dizer que os romancistas da geração dos anos 1930,


de certo modo, inauguraram o romance brasileiro, porque tentaram
resolver a grande contradição que caracteriza a nossa cultura, a saber,
a oposição entre as estruturas civilizadas do litoral e as camadas
humanas que povoam o interior – entendendo-se por litoral e interior
menos as regiões geograficamente correspondentes do que os tipos
de existência, os padrões de cultura comumente subentendidos em
tais designações (CANDIDO, 2004, p. 41).

A década de 1950 inaugura outro ciclo econômico e político, fruto da produção


de propriedades agrícolas (cafeeira, sucroalcooleira ou tabagista, por exemplo). Há
a estabilização da burguesia nacional, e os intelectuais progressistas politicamente
engajados intentam uma união, visando acabar com o atraso de nosso país, bem
como criar novas formas de desenvolvimento em todos os campos. Desse modo, a
arte poderia funcionar como um instrumento de mudança.

capítulo 3 • 61
A década de 1960 é marcada pelo surgimento do Centro Popular de Cultura
– CPC. Para seus integrantes, há uma distinção entre as várias maneiras de se
encarar a cultura popular:
• a arte popular alienada, sinônimo de folclore;
• a arte popular produzida por profissionais e especialistas para o público
da cidade grande;
• a arte popular revolucionária, produzida com o intuito de formar a
consciência social dos indivíduos menos abastados.

É nessa última forma de entender a cultura popular que se encaixam os


integrantes do Centro Popular de Cultura, pois eles entendiam que:

O complexo dos modos de vida, dos usos dos costumes, das


estruturas e organizações familiares e sociais, das crenças do
espírito, dos conhecimentos e das concepções dos valores que se
encontram em cada agregado social: em palavras mais simples e
mais breves, toda atividade do homem entendido como ser dotado
de razão (SATRIANI, 1986, p. 41).

Já segundo Renato Ortiz, depois de 1964, surge um mercado de bens


simbólicos que faz com que o entendimento do que é nacional, popular, e/ou
identidade nacional se modifique, já que:

A indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar


uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos
mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a
interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território
nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica
ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura
nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo.
(ORTIZ,1994, p.165)

Passemos, agora, ao estudo dos autores e obras de acordo com cada período da
nossa literatura regional. As abordagens serão realizadas em maior ou menor grau,
de acordo com a importância dos elementos a ressaltar.

capítulo 3 • 62
A literatura regional no romantismo

Nesta primeira fase da literatura regional, encontram-se José de Alencar,


Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora, que:
De acordo com a explicação de Antonio Candido, registrada por Fisher,
autores como José de Alencar e Bernardo Guimarães têm:

(...) tomaram a região como quadro natural e social em que se


passavam atos e sentimentos sobre os quais incidia a atenção do
ficcionista. É notório que livros como “O Sertanejo”, “O Garimpeiro”,
“Inocência”, “Lourenço”, são construídos em torno de um problema
humano, individual ou social, e que, a despeito de todo o pitoresco,
os personagens existem independentemente das peculiaridades
regionais. Mesmo a inabilidade técnica ou a visão elementar de um
batedor de estradas, como Bernardo Guimarães, não abafam esta
humanidade da narrativa (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 192).

O ânimo de integração [que] pode ser verificado na maneira de escrever: ambos


praticavam uma escrita ajustada à norma culta, com o mínimo indispensável
de modismos regionais, o que aproximava o homem rural do homem urbano,
mostrando a unidade sob a diferença (FISCHER, 2005, p. 33).

Bernardo Guimarães e Franklin Távora

Bernardo Guimarães

capítulo 3 • 63
Bernardo Guimarães conseguiu compor um bom romance com:

O senso regionalista dos costumes e da paisagem; a hipertrofia


romântica e esquemática dos sentimentos; a presença tangível da
carne – aparecem harmoniosamente entrosados no melhor de seus
livros, “O Seminarista”, que ainda hoje podemos ler com atenção e
proveito (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 216).

Como se pode notar, Candido perfilha em Bernardo Guimarães a imagem de


um autor consciente das características da vida campestre, uma vez que:

(...) os romances deste juiz, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães,


parecem boa prosa da roça, cadenciada pelo fumo de rolo que vai
caindo no côncavo da mão ou pela marcha das bestas de viagem,
sem outro ritmo além do que lhes imprime a disposição de narrar
sadiamente, com simplicidade, o fruto de uma pitoresca experiência
humana e artística (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 212).

Já Franklin Távora criou uma literatura regionalista singular cuja finalidade


era demonstrar que a região nordeste tinha poder intelectual e político, carecendo
o reconhecimento.

O seu regionalismo parece fundar-se em três elementos, que ainda


hoje constituem, em proporções variáveis, a principal argamassa
do regionalismo literário do nordeste. Primeiro o senso da terra, da
paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região
(...). Em seguida, o que se poderia chamar patriotismo regional,
orgulhoso (...) do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas.
Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do
norte, reputado mais brasileiro, “onde abundam os elementos para a
formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. (...)”
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 268)..

Távora quis retratar aquilo que conhecia, tornando a literatura uma forma de
vivência, e pode-se afirmar que:

capítulo 3 • 64
A virtude maior de Távora foi sentir a importância literária de um
levantamento regional; sentir como a ficção é beneficiada pelo contato
de uma realidade concretamente demarcada no espaço e no tempo,
que serviria de limite e em certos casos, no Romantismo, de corretivo
à fantasia. Ora, para ele este contato se funda na experiência direta da
paisagem, que o romancista deve conhecer e descrever precisamente
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 269).

Por causa de seu intento e realização:

Távora foi o primeiro “romancista do Nordeste”, no sentido em que


ainda hoje entendemos a expressão; e deste modo abriu caminho a
uma linhagem ilustre, culminada pela geração de 1930 (...) (CANDIDO,
1997, v. 2, p. 268).

Sintetizando a literatura regional expressa pelos românticos

(...) três graus na matéria romanesca, determinados pelo espaço em


que se desenvolve a narrativa: cidade, campo, selva; ou, por outra, vida
urbana, vida rural, vida primitiva. (...) E é esse caráter de exploração
e levantamento (...) que dá à ficção romântica importância capital
como tomada de consciência da realidade brasileira no plano da
arte: verdadeira consecução do ideal de nacionalismo literário (...)
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101).

capítulo 3 • 65
Lidar com uma literatura de cunho regional não era fácil, pois:

No caso do regionalismo, a língua e os costumes descritos eram


próximos dos da cidade, apresentando um difícil problema de
estilização; de respeito a uma realidade que não se podia fantasiar
tão livremente quanto a do índio e que (...) dependia do esforço
criador dos escritores daqui. A obtenção de verossimilhança era,
neste caso, mais difícil, pois o original estava ao alcance do leitor.
Daí a ambiguidade que desde o início marcou o nosso regionalismo,
e que, levando o escritor a oscilar entre a fantasia e a fidelidade ao
observado, acabou paradoxalmente por tornar artificial o gênero
baseado na realidade mais geral e de certo modo mais própria do
país (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 103).

O regionalismo foi, por conseguinte, crucial para o Romantismo chegar ao


ideal da autonomia literária e adquirir certa independência cultural. Antonio
Candido ressalta a qualidade do regionalismo romântico em relação ao
regionalismo pré-modernista:

O regionalismo dos românticos, ao contrário, distinguindo a


qualidade respectiva do homem e da paisagem, constitui, na
sua linha-tronco, uma das melhores direções de nossa evolução
literária, vindo, através de Domingos Olímpio, ramificar-se no
moderno romance, sobretudo no galho nordestino, onde vemos
a região condicionar a vida sem sobrepor-se aos seus problemas
específicos. Por isso, o regionalismo – o verdadeiro e fecundo – que
aparece nesta fase com Bernardo Guimarães, teve a importância
que lhe reconhecemos (...). No Brasil, (...) foi e é um instrumento de
descoberta (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 192-193).

No entanto, é imperativo diferenciar o regionalismo expresso pelos artistas


românticos do regionalismo caracterizado como literatura sertaneja, que traduz a
cultura caipira, expresso por autores como Monteiro Lobato.

capítulo 3 • 66
A literatura regional no pré-modernismo em Monteiro Lobato

Monteiro Lobato se inclui entre os escritores do pré-modernismo devido ao


seu regionalismo, que denuncia os contrastes, mazelas e desigualdades da sociedade
oligárquica brasileira da Primeira República.

Monteiro Lobato

AUTOR
Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, no interior de São Paulo, no ano de 1882.
Formou-se em Direito e atuou como promotor público até se tornar fazendeiro, após receber
uma herança deixada pelo avô. Foi durante este período que Lobato passou a publicar seus
primeiros contos em jornais e revistas, posteriormente reunidos em “Urupês”.
Foi também editor, editando livros no Brasil, e foi o grande responsável por uma série de
renovações nos livros didáticos e infantis. Muitos de seus personagens giram em torno do
universo caipira, como Jeca Tatu e os integrantes de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, que até
hoje encanta crianças e adultos.
No ano de 1948, morre este grande contista, ensaísta e tradutor, que tanto contribuiu
para a nossa literatura.

Lobato nos revela uma face do Brasil rural ao retratar a vida na região do
Vale do Paraíba, no interior do estado de São Paulo. Tendo vivido no início
do século XX, suas personagens, bem como o discurso lobatiano, ganham tons
cômicos, compassivos, ou caricaturais e patéticos. Sua literatura popular enfatiza
os costumes, as pessoas e o declínio da economia cafeeira.

capítulo 3 • 67
Segundo Candido, o homem caipira ganha representação com o personagem
Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, uma espécie de caricatura de um caipira desnutrido,
indolente e humilde.

Tendo conseguido elaborar formas de equilíbrio ecológico e social,


o caipira se apegou a elas como expressão de sua própria razão de
ser, enquanto tipo de cultura e sociabilidade. Daí o atraso que (...)
criou tantos estereótipos, fixados sinteticamente de maneira injusta,
brilhante e caricatural, já no século XX, no Jeca Tatu de Monteiro
Lobato (CANDIDO, 2001, p. 107).

Sabemos que a caricatura é um excesso de alguma característica, cômica


ou não, mas o fato relevante é que foi o lado afetuoso, sensível e extremamente
humano do Jeca Tatu que fez da obra de Monteiro Lobato um sucesso. Apesar
disso, precisamos refletir a respeito de outros pontos da citação, já que o atraso das
formas de estabilização social do caipira cooperou para a criação de “estereótipos
fixados sinteticamente de maneira injusta, brilhante e caricatural” (CANDIDO,
2001, p. 107) na literatura de Monteiro Lobato.
Pensando assim, o caipira parece distante de outras culturas, como se não
fosse capaz de dialogar com elas. Talvez esse seja o motivo de ser a cultura caipira
tão original e independente, o que possibilita uma abordagem caricatural que,
embora interessante, nos parece preconceituosa e injusta, como se o caipira fosse
algo meramente exótico, ou simplesmente pitoresco.
O atraso de que tratamos é também de ordem econômica, porque o caipira:

(...) vive em franco desequilíbrio econômico, em face dos recursos que


a técnica moderna possibilita. Antes, o atraso técnico e a economia de
subsistência condicionavam, em São Paulo, uma sociedade global muito
mais homogênea, não havendo discrepâncias essenciais de cultura
entre o campo e a cidade. O desenvolvimento da economia baseada
na exportação dos gêneros tropicais acentuou a diferenciação dos
níveis econômicos, que foram aos poucos gerando fortes distinções
de classe e cultura. Quando esse processo avultou, o caipira ficou
humanamente separado do homem da cidade, vivendo cada um o seu
tipo de vida (CANDIDO, 2001, p. 279).

capítulo 3 • 68
Na verdade, é preciso entender e valorizar o modo como a cultura caipira se
desenvolveu e se conservou.

A cultura do caipira (...) não foi feita para o progresso: a sua mudança é
o seu fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento
ecológico e social, que a alteração destes provoca a derrocada das
formas de cultura por eles condicionada. Daí o fato de encontrarmos
nela uma continuidade impressionante, uma sobrevivência das formas
essenciais, sob transformações de superfície, que não a caipira deixou
de o ser (CANDIDO, 2001, p. 107-108).

Assim, o caipira vive segundo os expedientes do meio adjacente e de uma


sociabilidade de grupos segregados (CANDIDO, 2001, p. 279). Esse modo
de vida é um “mecanismo de sobrevivência, pelo apego às formas mínimas de
ajustamento” (CANDIDO, 2001, p. 107).
Isso já havia acontecido antes na nossa História, com o mesmo modo de agir
ou reagir do índio frente às mudanças. Ou seja,

(...) verificou-se nele [no caipira] certa incapacidade de adaptação


rápida às formas mais produtivas e exaustivas de trabalho, no latifúndio
da cana e do café. Esse caçador subnutrido, senhor do seu destino
graças à independência precária da miséria, refugou o enquadramento
do salário e do patrão, como eles lhe foram apresentados, em moldes
traçados para o trabalho servil (CANDIDO, 2001, p. 107).

A literatura regional no modernismo

Com o Modernismo, na chamada geração dos romancistas de 1930, o


romance emanou uma classe de obras que fizeram uma organização do solo para
a conexão das massas na História da nação.

capítulo 3 • 69
O movimento de reivindicação e a onda surda da tomada de consciência
de uma classe ecoaram de certo modo no domínio estético, e a massa
começou a ser tomada como fator de arte, os escritores procurando
opor à literatura e à mentalidade litorâneas a verdade, a poesia, o sentido
humano da massa rural e proletária, esta um prolongamento urbano do
pária sertanejo. Dentro da sua linha própria de desenvolvimento interno,
o romance correu paralelo, interagindo com a evolução social, recebendo
as repercussões (CANDIDO, 2004, p. 42).

Por isso, é bom destacar que, agora, o regional é mais real:

Na fase regionalista, sertaneja, o caboclo era considerado sobretudo


como um motivo, um objeto pitoresco. (...) Entre ele, caboclo, e os
escritores, ia a distância que vai do empregado ao patrão bondoso e
interessado pela sua vida. A força do romance moderno foi ter entrevisto
na massa, não assunto, mas realidade criadora (CANDIDO, 2004, p. 43).

Os principais romancistas da segunda fase modernista, chamada geração de


1930, e autores de literatura regional, são:

• Graciliano Ramos: retrata a realidade do sertão e a exploração


do homem;
• José Lins do Rego: exibe em seus romances o ciclo da cana de açúcar;
• Jorge Amado: imortalizou os tipos baianos.

Já na terceira fase do modernismo, que é a que mais nos interessa neste capítulo,
um excelente exemplo de superação do regional pitoresco para o regional “real” é
Guimarães Rosa, um dos principais representantes do regionalismo brasileiro, do
qual passaremos a tratar.

Guimarães Rosa

Muitas são suas obras consagradas, mas é com “Sagarana”, livro de contos
de Guimarães Rosa publicado em 1946, que o regionalismo ganha uma

capítulo 3 • 70
nova perspectiva, um novo significado, com a característica de experiência
estética universal.
Em “Textos de Intervenção”, Candido trata da literatura regionalista:

“Sagarana” nasceu universal pelo alcance e pela coesão da fartura.


A língua parece finalmente ter atingido o ideal da expressão literária
regionalista. Densa, vigorosa, foi talhada no veio da linguagem popular
e disciplinada dentro das tradições clássicas (CANDIDO, 2002, p. 186).

Guimarães Rosa

AUTOR
Em 1908, nasce João Guimarães Rosa, no dia 27 de junho, em Cordisburgo, Minas Gerais.
Em 1929, escreve quatro contos e recebe prêmios por esses contos em concurso da
revista “O Cruzeiro”.
Em 1930, forma-se em Medicina e casa-se com Lygia Cabral Pena.
Em 1932, trabalha como médico voluntário da Força Pública, na época da Revolução
Constitucionalista de 1932.
Em 1936, seu livro de poemas, “Magma”, vence o Prêmio da Academia Brasileira de Letras.
Em 1937, escreve os contos que integram “Sagarana”. Concorre ao Prêmio Humberto
de Campos e fica em 2º lugar.

capítulo 3 • 71
Em 1946, “Sagarana” é publicado e recebe o Prêmio Sociedade Felipe d’Oliveira.
Em 1956, publica “Corpo de Baile” e lança “Grande Sertão: Veredas”, recebendo por este
último os Prêmios Machado de Assis, Prêmio Carmem Dolores Barbosa e Prêmio Paula Brito.
Em 1963, entra para a Academia Brasileira de Letras.
Entre 1965 e 1966, seus livros são traduzidos para vários países, como França, Itália,
Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Espanha, Polônia, Holanda e Checoslováquia.
Em 19 de novembro 1967, falece, vítima de enfarte.

É importante saber que Guimarães Rosa traz Minas gerais para a literatura,
mas não como algo pitoresco, pois:

(...) “Sagarana” não vale apenas na medida em que nos traz um certo
sabor regional, mas na medida em que constrói um certo sabor regional,
isto é, em que transcende a região. A província do sr. Guimarães Rosa,
no caso Minas, é menos uma região do Brasil do que uma região da
arte, com detalhes e locuções e vocabulário e geografia cosidos de
maneira por vezes quase irreal, tamanha é a concentração com que
trabalha o autor (CANDIDO, 2002, p. 185).

Para Antonio Candido, “Grande sertão: veredas”:

(...) é uma das obras mais importantes da literatura brasileira – jato


de força e beleza numa novelística algo perplexa como é atualmente
a nossa. Não segue modelos, não tem precedentes; nem mesmo,
talvez, nos livros anteriores do autor, que, embora de alta qualidade,
não apresentam a sua característica fundamental: transcendência do
regional (cuja riqueza peculiar se mantém todavia intacta) graças à
incorporação em valores universais de humanidade e tensão criadora
(CANDIDO, 2002, p. 190).

Segundo Candido, “Grande sertão” é capaz de realizar uma síntese da


humanidade, demonstrada por meio do homem, cuja existência se prende ao local
onde vive, e que carrega em si todas as incoerências próprias do ser humano.

capítulo 3 • 72
Pensando assim:

O jagunço é, portanto, aquele que, no sertão, adota uma certa conduta


de guerra e aventura compatível com o meio, embora se revista de
atributos contrários a isto; mas não é necessariamente pior do que os
outros, que adotam condutas de paz, atuam teoricamente por meios
legais como o voto, e se opõem à barbárie enquanto civilizados. Ao
contrário, parece frequentemente que o risco e a disciplina dão ao
jagunço uma espécie de dignidade não encontrada em fazendeiros
“estadonhos”, solertes aproveitadores da situação, que o empregam
para seus fins ou o exploram para maior luzimento da máquina
econômica (CANDIDO, 2004, p. 112-113).

O autor conseguiu transcender o critério regional:

Em “Grande sertão: veredas”, o aproveitamento literário do material


observado na vida sertaneja se dá “de dentro para fora”, no espírito, mais
que na forma. O autor inventa, como se, havendo descoberto as leis
mentais e sociais do mundo que descreve, fundisse num grande bloco
um idioma e situações artificiais, embora regidos por acontecimentos
e princípios expressionais potencialmente contidos no que registrou e
sentiu. (...) (CANDIDO, 2002, p. 191).

Ler “Grande sertão: veredas” é entender o jagunço como um exemplo de


existência particular ao homem do sertão, pois segundo as ideias de Candido:

Sem prejuízo dos demais aspectos, inclusive os rigorosamente


documentários, este me parece importante como chave de interpretação.
Ele encarna as formas mais plenas de contradição no mundo-sertão
e não significa necessariamente deformação, pois este mundo, como
vem descrito no livro, traz imanentes no bojo, ou difusas na aparência,
certas formas de comportamento que são baralhadas e parciais nos
outros homens, mas que no jagunço são levadas a termo e se tornam
coerentes. O jagunço atualiza, dá vida a essas possibilidades atrofiadas
do ser, porque o sertão assim o exige. E o mesmo homem que é jagunço
(...) seria outra coisa noutro mundo (CANDIDO, 2004, p. 114).

capítulo 3 • 73
É fato que Guimarães Rosa conseguiu fugir do naturalismo típico da tendência
regional de Graciliano Ramos, por exemplo, fazendo com que o leitor seja levado
a pensar sobre o que se narra, (...) “fugindo a qualquer naturalismo e levando, não
à solução, mas à suspensão que marca a verdadeira obra de arte, e permite a sua
ressonância na imaginação e na sensibilidade” (CANDIDO, 2002, p. 123).
Desse modo:

Guimarães Rosa supera e refina o documento, que não obstante


conhece exaustivamente e cuja força sugestiva guarda intacta, por
meio da sublimação estética. Por isso, não basta procurar nele em que
medida a ficção vale como transposição dos fatos; mas também em que
medida o comportamento humano do jagunço aparece como um modo
de existência, como forma de ser no mundo, encharcando a realidade
social de preocupações metafísicas (CANDIDO, 2004, p. 115).

A literatura regional no pós-modernismo

A literatura popular ganha novos ares com Simões Lopes Neto, com menos
artificialidade que autores dos períodos anteriores.

(...) O tema rústico puxa para os aspectos exóticos e pitorescos e, através


deles, para uma linguagem inculta e cheia de peculiaridades locais; mas a
convenção normal da literatura, baseada no postulado da inteligibilidade,
puxa para uma linguagem culta e mesmo acadêmica. O regionalismo
deve estabelecer uma relação adequada entre os dois aspectos, e por
isso se torna um instrumento poderoso de transformação da língua e
de revelação e autoconsciência do país; mas pode ser também fator
de artificialidade na língua e de alienação no plano do conhecimento
do país. As duas coisas ocorrem nas diversas fases do regionalismo
brasileiro, e eventualmente em obras diferentes do mesmo autor (...)
(CANDIDO, 2002, p. 87).

capítulo 3 • 74
PERGUNTA
É possível escrever um romance que seja exemplar de literatura regional, sem expor uma
linguagem também regional?

Segundo Antonio Candido:

Simões Lopes Neto começa por assegurar uma identificação máxima


com o universo da cultura rústica, adotando como enfoque narrativo a
primeira pessoa de um narrador rústico, o velho cabo Blau Nunes, que se
situa dentro da matéria narrada, e não raro do próprio enredo, como uma
espécie de Marlowe gaúcho. Esta mediação (...) atenua ao máximo o
hiato entre criador e criatura, dissolvendo de certo modo o homem culto
no homem rústico. Este deixa de ser um ente separado e estranho, que o
homem culto contempla, para tornar-se um homem realmente humano,
cujo contato humaniza o leitor (CANDIDO, 2002, p. 90-91).

Isso foi possível porque Simões Lopes Neto escreveu “Contos Gauchescos”:

(...) num momento de grande voga da literatura regionalista, quando ela


parecia mais autêntica do que outras modalidades, porque se ocupava
de tipos humanos, paisagens e costumes considerados tipicamente
brasileiros (...) (CANDIDO, 2002, p. 87-88).

“Contos Gauchescos”

capítulo 3 • 75
Depois disso, a literatura regional tardou a ganhar independência com o chamado
“super-regionalismo”, expressão criada por Antonio Candido para designar um
“super-realismo”, expresso no trabalho de autores arraigados em suas regiões, com uma
linguagem nova, como João Cabral de Melo Neto, em “Morte e Vida Severina”.

João Cabral de Melo Neto

AUTOR
João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade do Recife, em 6 de janeiro de 1920, e
faleceu no dia 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro, aos 79 anos. Eleito membro da
Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto de 1968, tomou posse em 6 de maio de
1969. Foi recebido por José Américo.
(...)
Da obra poética de João Cabral, pode-se mencionar ao acaso, por sua variedade, os
seguintes títulos: "Pedra do sono", 1942; "O engenheiro", 1945; "O cão sem plumas", 1950;
"O rio", 1954; "Quaderna", 1960; "Poemas escolhidos", 1963; "A educação pela pedra",
1966; "Morte e vida severina e outros poemas em voz alta", 1966; "Museu de tudo", 1975; "A
escola das facas", 1980; "Agreste", 1985; "Auto do frade", 1986; "Crime na Calle Relator",
1987; "Sevilla andando", 1989.
Em prosa, além do livro de pesquisa histórica citado, João Cabral publicou "Juan Miró",
em 1952 e "Considerações sobre o poeta dormindo", em 1941.
Disponível na https://goo.gl/cQ5Xv5. Acesso em 20-9-2016.

É interessante saber o que João Cabral de Melo Neto pensa a respeito da


literatura regional, revelando que:

capítulo 3 • 76
O regionalismo não é uma linguagem regional, que o inutilizaria, mas
falar de problemas que estão mais próximos da pessoa que fala: a
dor do homem, a alegria, as suas lutas e as suas belezas etc. Não,
é claro, com a limitação de uma linguagem local, que inutiliza a
expressão universal e a transmissão objetiva do conteúdo humano do
poema ou do romance (...). Apenas com aquele interesse intrínseco
do humano, na valorização do humano. O que limita o regionalismo
não é o tema de interesse circunscrito, mas a linguagem, com seus
perigos de fixação que lhe poderá inutilizar a universalidade (...). O que
interessa é o problema do homem. Quando me bato pelo regionalismo
é para mostrar, numa anedota, o local, os sentimentos comuns a todos
os homens. O homem só é amplamente homem quando é regional
(...).O perigo do regionalismo para o poeta é também a limitação da
linguagem, porque o conteúdo psicológico lá está indiretamente no
seu conteúdo humano (...) (ATHAYDE, 1998).

Como se vê, a literatura regional não trata apenas de certa região de nosso
país, mas sim da nossa gente; da valorização do humano, com seu linguajar, seu
jeito de ver a vida e seu modo de viver.

REFLEXÃO
Para encerrar nosso capítulo e nossas reflexões a respeito da literatura regional ou regionalista,
vale expor a explicação de Antonio Candido sobre o regionalismo na literatura brasileira:

Esquematicamente, seria possível (...) identificar três modalidades


sucessivas no regionalismo brasileiro. Primeira, a de predomínio da
incorporação; segunda, a de predomínio da exclusão; terceira, a de
predomínio da sublimação. No tempo do Império, ele foi um instrumento
de revelação do Brasil aos brasileiros, incorporando à experiência
do leitor das cidades o espetáculo da vida nas regiões afastadas. (...)
No tempo da Primeira República e do incremento da urbanização
o regionalismo foi, ao contrário, fator de afastamento e mesmo
estranhamento entre ambos, como se a intenção dos autores fosse
marcar a diferença, acentuando o exotismo do homem rural e, assim,
marcando a condição superior do homem urbano. Foi um processo
de folclorização do regionalismo, visível na diferença entre o discurso
civilizado do autor e o discurso rústico, quase caricatural dos personagens,
excluídos de certo modo da norma culta. (...)

capítulo 3 • 77
Depois de 1930 houve uma fecundação do regionalismo em duas
direções, que ocorreram sucessivamente. A primeira foi devida sobretudo
a ficcionistas do nordeste e consistiu em superar a alienação folclórica
por meio da consciência social, que problematizou a vida rural e, por
outro lado, procurou aproximar o homem rústico do homem da cidade,
invertendo de certo modo a natureza do discurso da fase anterior, ao
tentar uma injeção equilibrada da simplicidade coloquial na norma culta.
A segunda direção, que denominei “super-regionalismo” (pensando em
“surrealismo”, ou “super-realismo”) foi uma literatura de sublimação, na
medida em que incorporou o experimentalismo modernista. Um autor
como Guimarães Rosa privilegiou a função poética da linguagem e viu a
sua tarefa como invenção, não reprodução pitoresca. (...)
A tipologia acima é aproximativa e visa sobretudo às predominâncias,
mas é preciso lembrar que as três tendências podem ocorrer em grau
maior ou menor (...) (FISCHER, 2005, p. 33-34).

LEITURA RECOMENDADA
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.

IMAGENS DO CAPÍTULO
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Guimar%C3%A3es_(Iconogr%C3%A1fico).jpg
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File:JoaoCabral.JPG

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATHAYDE, Félix de. Ideias Fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira /
Fundação Biblioteca Nacional / Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Editora civilização brasileira, 1965.

capítulo 3 • 78
FISCHER, Luís Augusto. Antonio Candido: Um olhar decisivo sobre o Brasil. In:
Arquipélago – Revista de Livros e Idéias, nº 1, Porto Alegre, mar. 2005.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.
SATRIANI, Luigi M. Lombardi. Antropologia cultural e análise da cultura subalterna. São Paulo:
Editora Hucitec, 1986.
CANDIDO, Antonio. Brigada Ligeira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004.
CANDIDO, Antonio. Textos de Intervenção. Org. Vinícius Dantas. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2002.
CANDIDO, Antonio. Tese e Antítese. 4ª ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2002.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 2v. 8ª ed. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1997.
CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. 9ªed. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2001.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul; São
Paulo: Duas Cidades, 2004.
PELLEGRINI, T. Despropósitos. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2008.
WILLIAMS, R. O campo e a cidade. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

capítulo 3 • 79
capítulo 3 • 80
4
A literatura regional
popular: tecendo
considerações
A literatura regional popular: tecendo
considerações

Neste capítulo, teceremos algumas considerações a respeito de cultura em


geral, cultura de massa, poder do discurso e literatura popular, reforçando a ideia
que tem sido diluída ao longo de nosso livro, ou seja:

Em sentido amplo, tudo é região, dependendo do que se quer chamar


de região. A menos que se aceite o critério imperialista de que há
um centro, e o resto que fique girando em torno, ou que se use um
critério mais amplo, fortemente consolidado, mas nem por isso menos
complicado, do ponto de vista intelectual, que é o critério que opõe a
cidade e sua cultura ao campo e sua cultura. Este último é que costuma
ser a chave do debate (FISCHER, 2003, p. 46).

OBJETIVOS
• Tratar do poder advindo dos discursos populares e das diferentes esferas sociais;
• Observar o papel da produção de cultura de massa nas transformações subjetivas e coletivas;
• Estudar o surgimento da literatura de cordel como expressão popular;
• Conhecer a origem dos centros de estudos culturais.

O poder dos discursos populares e as diferentes esferas sociais

Continuando o assunto do capítulo anterior, parece-nos interessante refletir a


respeito dos dizeres de Antonio Candido acerca das literaturas regionais específicas, e
da brasileira como um todo. Para o crítico, “Se não existe literatura paulista, gaúcha
ou pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira manifestando-se de
modo diferente nos diferentes Estados” (CANDIDO, 2002, p. 139).
A afirmação acima parece contraditória, por isso, Luís Augusto Fischer,
também intrigado, coloca-se a explicar que:

capítulo 4 • 82
Literatura paulista não precisa existir, insinua Candido, mais do que na
vida real. Quer dizer (explicito eu): não é preciso pensar numa categoria
como literatura paulista para que exista a literatura paulista ela mesma,
os autores e as obras. E por que não precisa existir a categoria, na visão
de Candido? Porque São Paulo, cidade ou estado, é suficientemente
existente e central para impor sua presença, sua marca, sua influência
sobre os escritores; tão suficientemente existente que é o próprio
centro do Brasil.
Outro é o caso gaúcho e pernambucano, naturalmente. Um e outro
estados, de maneira exclusiva na história brasileira, experimentaram
por breve, mas marcante período, a independência, a vida autônoma,
no caso pernambucano durante a chamada dominação holandesa,
num momento que terá ficado no imaginário do povo a tal ponto
que não serão poucas as tentativas de busca por maior autonomia
de então em diante, especialmente no episódio da Confederação
do Equador, e no caso gaúcho durante a República do Piratini, pelo
menos. Duas províncias que lutaram por maior autonomia e que até
hoje são reconhecidas, interna e externamente, como singularmente
afeitas às ideias republicanas e federalistas.
Assim, não estaremos afastados da justa interpretação quando
notarmos que a enumeração de Candido fere os casos centrais a
considerar quando se trata de literatura regional. Dito de modo liso e
direto: a noção de regionalidade está, no quadro brasileiro, vinculada
diretamente à experiência do poder sobre o conjunto do país, ao longo
de sua formação (FISCHER, 2004, p. 8-9).

Se a literatura regional está vinculada à experiência de poder, cabe ressaltar


que qualquer literatura, de qualquer região do país, é capaz de travar um discurso
de poder, já que “o poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim
porque provém de todos os lugares” (FOUCAULT, 1985, p. 89). Isso não quer
dizer que precise ser, necessariamente, um discurso de coerção ou pressão.
Pode ser simplesmente um discurso de formação do povo brasileiro, composto
de peculiaridades, de acordo com as regiões do país. Parafraseando as ideias de
Foucault, o poder emanado do discurso seria uma forma de cuidar de si e dos
outros que fazem parte de um mesmo grupo.
A literatura regional popular tem esse papel de cuidado quando, como revela
Moreira de Acopiara (2006, p. 2), em forma de cordel, a cultura se manifesta por
meio de elementos materiais e imateriais, já que:

capítulo 4 • 83
(...)
Em tudo você vai ver
Uma dose de cultura;
Nas roupas que nós vestimos,
Na nossa literatura...
Os cocos e as emboladas
São a cultura mais pura.
(...)
E pra concluir: cultura
É algo bem natural;
São lendas, crenças de um povo,
É território atual.
São histórias, são costumes,
E é progresso social.

Moreira de Acopiara

capítulo 4 • 84
A cultura é uma criação social, mas que expressa algo natural de dentro de
cada região, demonstrando o progresso social:

A cultura, na sua pluralidade, é uma criação social do ser humano. Do


saber humano, do fazer humano, do criar humano. É um processo e, ao
mesmo tempo, uma infinidade de produtos do seu trabalho. Tanto do
trabalho realizado pelo homem em suas relações com a natureza [...]
quanto do trabalho que se volta sobre si mesmo, ao criar os mundos
sociais em que vive o sujeito (BRANDÃO, 2001, p. 14-15).

Pensando assim, “o mundo da cultura que se alonga em mundo da história


é um mundo de liberdade, de opção, de decisão (...)” (FREIRE, 1996, p. 62).
Se é liberdade e decisão, precisamos pensar em cultura e literatura em termos de
estratificação ou em relação às esferas sociais? Acreditamos que não. Assim como
a cultura, a literatura não precisa ser classificada em uma relação de sobreposição
ou superioridade.
A cultura, bem como a literatura, possui seu valor dentro de cada esfera
social por ser, justamente, a representação do povo que compõe uma sociedade,
independentemente do seu poder aquisitivo. Não existe, então, uma cultura
superior e outra inferior, mas sim culturas distintas e complementares. Talvez isso
pareça, aos olhos de muitos, um posicionamento muito radical, já que costumamos
pensar em cultura, cultura popular, cultura erudita e cultura de massa, como coisas
totalmente separadas.

Esta apresentação estereotipada é forma de preceituar a cultura como


algo seletivo e próprio às elites, em oposição ao comportamento vivencial
das massas de homens, mulheres e crianças, trabalhadores nos serviços
do campo e da indústria das cidades, em permanente modificar de
hábitos, procedimentos e costumes (BARRETO, 1997, p. 77).

capítulo 4 • 85
Entretanto, a integração da cultura é algo a se pensar, porque:

Uma boa comunidade, uma cultura viva, irá, por causa disso, não
apenas dar espaço para, mas encorajar ativamente, todo e qualquer
um que possa contribuir para o avanço em consciência que é a
necessidade comum... Precisamos considerar com toda a atenção
qualquer afeto, qualquer valor, pois não conhecemos o futuro, pode
ser que jamais estejamos certos do que pode enriquecê-lo (WILLIAMS
apud EAGLETON, 2005, p. 168).

Na verdade, precisamos entender o que de fato designam os termos erudito e popular:

(...) o que a palavra erudito designa é uma tendência, no seio de


uma cultura comum, à satisfação de necessidades isoladas da
globalidade vivida, à instauração de condutas autônomas, exprimíveis
numa linguagem consciente de seus fins e móvel em relação a
elas. Popular, tendência a alto grau de funcionalidade das formas,
no interior dos costumes ancorados na experiência cotidiana, com
desígnios coletivos e em linguagem relativamente cristalizada
(ZUMTHOR, 1993, p. 119, grifo nosso).

Diante do exposto, constata-se que é:

Inútil querer identificar a cultura popular a partir da distribuição


supostamente específica de certos objetos ou modelos culturais.
O que importa, de fato, tanto quanto sua repartição, sempre mais
complexa do que parece, é sua apropriação pelos grupos ou indivíduos.
Não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição
que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos
corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos
culturais (CHARTIER, 1975:184).

A pluralidade cultural é o que nos torna uma nação diferenciada - reflexo de


um povo formado por vários colonizadores, em contato com o índio e o negro, que
reforçam nossa origem folclórica - caracterizada por elementos de brasilidade, pois:

capítulo 4 • 86
A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é,
em grande medida, aquilo para que vivemos. Afeto, relacionamento,
memória, parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer
intelectual, um sentido de significado último: tudo isso está mais
próximo, para a maioria de nós, do que cartas de direitos humanos ou
tratados de comércio (EAGLETON, 2005, p. 184).

Pluralidade cultural

Desse modo, o diálogo entre as diversas culturas, bem como a relação entre os
vários tipos de literatura:

(...) não nos impede, necessariamente, de manter nossas raízes e


não implica romper com nossa própria cultura e com a dos nossos
antepassados, com suas tradições e seus valores. Deve-se entender
que, do mesmo modo que eles se adaptaram às circunstâncias do
mundo que os rodeava, nós também devemos abrir-nos às culturas
de hoje. Somente através de um intercâmbio fluido teremos a
possibilidade de encontrar novas soluções para as nossas diferenças
culturais (MONTIEL, 2003, p. 41)..

Portanto, só um inter-relacionamento entre cultura popular, cultura erudita e


cultura de massa será capaz de promover uma renovação da cultura como um todo.

capítulo 4 • 87
A produção de cultura de massa nas transformações subjetivas
e coletivas

O sociólogo Paulo Freire delibera sobre o conceito de cultura e a encara “como


todo resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do
seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens”
(FREIRE, 1982, p. 45).
Ao dialogar com outros homens, a cultura assume um papel transformador que
não só envolve uma dimensão coletiva, mas que depende principalmente de uma
interpretação subjetiva para que o que se expõe seja aceito e validado. Por isso:

Há os que veem cultura como sistema de padrões de comportamento,


de modos de organização econômica e política, de tecnologias, em
permanente adaptação, em vista do relacionamento dos grupos
humanos com seus respectivos ecossistemas; há os que tratam
a cultura como um sistema de conhecimento da realidade, como o
código mental do grupo, não como um fenômeno material, mas
cognitivo; há também os que encaram a cultura como um sistema
estrutural, em que o eixo de tudo é a bipolaridade natureza-cultura,
tendo como campos privilegiados de sua concretização o mito, a arte,
a língua e o parentesco. Por fim, há os que entendem cultura como
sistema simbólico de um grupo humano, sistema que só poderá ser
apreendido por outro grupo por meio de interpretação e não por mera
descrição (LOPES, 2008, p. 119)

Talvez pensar em produção de massa seja pensar também sobre os meios


de comunicação de massa, que “anulam as fronteiras regionais, submetem as
produções nacionais às estrangeiras e tudo é conformado em feitio industrial
moderno (que tem como primeiro e máximo objetivo o lucro)” (LONDRES,
1994, p. 423). Desse modo, a cultura de massa está relacionada ao liberalismo,
“que desvincula a cultura do trabalho como espaços separados da necessidade e do
prazer, e a conduz a um culturalismo que acaba reduzindo a sociedade à cultura e
a cultura ao consumo” (MARTIN-BARBERO,1997, p.73).

capítulo 4 • 88
cultura e consumo

Relacionada ao mundo capitalista, a cultura aparece socialmente como um


bem de consumo que somente certa parcela da sociedade teria condições de
adquirir, pois uma vez:

(...) articulada à divisão social do trabalho, tende a identificar-se com


a posse de conhecimentos, habilidades e gostos específicos, com
privilégios de classe, e leva à distinção entre cultos e incultos de
onde partirá a diferença entre cultura letrada erudita e cultura popular
(CHAUI, 1996, p. 14).

Ora, se há possiblidade de anulação daquilo que nos é próprio em função de


algo globalizado, advindo do estrangeiro, tomar é preciso ter cuidado, já que a
cultura é “um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens
para explicar o mundo” (PESAVENTO, 2003, p. 15).
De que mundo estamos falando? Do mundo real e concreto, ou de um mundo
de ideias? Mesmo tomando como base o mundo real:

capítulo 4 • 89
A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que
se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos
às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de
forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorativa
(PESAVENTO, 2003, p. 15).

De acordo com Milton Santos, a cultura é a expressão de uma coletividade,


e precisamos tomar cuidado para não cair em deformação daquilo que somos,
inclusive em nossa subjetividade, pois:

(...) o conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da


autenticidade, da integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação
coletiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente
e aspirações, isto é, o delineamento do futuro desejado. Por isso
mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas
dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento
que defende as sociedades locais, regionais e nacionais contra
as ameaças de deformação ou de dissolução de que podem ser
vítimas. Deformar uma cultura é uma maneira de abrir a porta para o
enraizamento de novas necessidades e a criação de novos gostos e
hábitos (SANTOS, 2000, p.18).

Preocupados com a possibilidade de deformação, precisamos entender que


comunicação de massa não é sinônimo de cultura de massa, apesar daquela ser
usada para disseminação desta. Cultura de massa não é sinônimo de cultura
popular, e também não faz oposição à cultura de elite.

O pintor Almeida Júnior, autor de obras como “O Violeiro”, foi citado durante colóquio na
USP sobre o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, de Antonio Candido
(imagem: Pinacoteca do Estado de São Paulo)

capítulo 4 • 90
A cultura de massa, também chamada de indústria cultural, visa atingir a
massa popular, sem qualquer tipo de distinção por sexo, raça, idade, classe
socioeconômica, etc. "Para os teóricos norte-americanos dos anos 1940-1950, a
cultura de massa representa a afirmação e a aposta na sociedade de democracia
completa" (MARTIN-BARBERO,1997, p. 69). Nesse ponto, a cultura de massa
traz uma ideia de pertencimento, ou seja, de que todos fazem parte de uma mesma
comunidade, sem distinção e padronizada. Isso acontece porque cultura de massa:

(...) consiste na produção industrial de um universo muito grande de


produtos que abrange setores como a moda, o lazer no sentido mais
amplo incluindo os esportes, o cinema, a imprensa escrita, falada e
televisionada, os espetáculos públicos, a literatura, a música, enfim,
um número muito grande de eventos e produtos que influenciam e
caracterizam o atual estilo de vida do homem contemporâneo no meio
urbano-industrial (CALDAS, 1987, p. 16).

Se os indivíduos se deixarem alienar em função da pura absorção do que


é propagado pela cultura de massa, haverá um grande prejuízo não só para a
subjetividade daquele que é atingido diretamente pelo foco da indústria cultural,
mas para toda uma coletividade, o que poderá pôr em risco a sua identidade, uma
vez que “A indústria cultural não sublima, mas reprime” (HORKHEIMER &
ADORNO, 1985, p. 131). Desse modo, faremos parte de uma espécie de sociedade
de massa, cujas características são “o isolamento, a perda da individualidade, a
padronização, a atomização do indivíduo (...)” (CALDAS, 1987, p. 30).
Neste ínterim, precisamos entender como se dão os alcances das diversas
culturas, já que:

Cultura não são comportamentos concretos, mas sim significados


permanentemente atribuídos pelos homens ao mundo. São fatos e
processos que atravessam as fronteiras entre as chamadas cultura
popular, erudita, ou de massa, e mesmo os limites entre as diferentes
camadas sociais. São veículos de relações humanas, de valores e
visões de mundo (CAVALCANTI, 2001, p.4).

capítulo 4 • 91
Nesse ponto, não é demais reforçar que:

A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários,


e não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz algo a mais.
Ela exercita o indivíduo no preenchimento da condição sob a qual
ele está autorizado a levar uma vida inexorável (...) (HORKHEIMER
& ADORNO, 1985, p.143).

A cultura popular não quer reprimir, domar instintos, nem mesmo fazer com
que seus receptores sigam uma vida inexorável, rígida, severa. Ora, se a cultura
tem o papel de veicular valores e visões de mundo:

À própria cultura popular e ao povo cabe reinventar, recriar e


ressignificar o seu saber e o seu saber-fazer. Revelar a todos que
seu universo vai além da conservação, preservação ou resgate (...).
Necessário se faz apreender a cultura popular como resultado de
momentos históricos específicos e consequentemente dinâmica,
apta a apropriar-se das práticas culturais mais diversas e adaptá-
las ao seu cotidiano (NEPOMUCENO, 2005, p. 31).

Apesar de tudo que revelamos, é importante mencionar que “(...) a literatura


tradicional vive e teimosamente dá frutos; a literatura de cordel do nordeste não
cessa de dar provas de formidável vigor” (LONDRES, 1994, p. 423).

A literatura de cordel

Para abrir a discussão acerca da literatura de cordel, achamos extremamente


pertinente e válida a explicação dada por Francisco Diniz na música “Literatura
de cordel”:

capítulo 4 • 92
Literatura de Cordel A minha literatura
É poesia popular, De cordel é reflexão
É história contada em versos Sobre a questão social
Em estrofes a rimar, E orienta o cidadão
Escrita em papel comum A valorizar a cultura
Feita pra ler ou cantar. E também a educação.

A capa é em xilogravura, Mas trata de outros temas:


Trabalho de artesão, Da luta do bem contra o mal,
Que esculpe em madeira Da crença do nosso povo,
Um desenho com ponção Do hilário, coisa e tal
Preparando a matriz E você acha nas bancas
Pra fazer reprodução. Por apenas um real.

Mas pode ser um desenho, O cordel é uma expressão


Uma foto, uma pintura, Da autêntica poesia
Cujo título, bem à mostra, Do povo da minha terra
Resume a escritura. Que luta pra que um dia
É uma bela tradição, Acabem a fome e a miséria,
Que exprime nossa cultura. Haja paz e harmonia

Os folhetos de cordel Francisco Diniz. Disponível em


Nas feiras eram vendidos http://www.projetocordel.com.
Pendurados num cordão br/o_que_e_cordel.htm. Acesso
em 22-9-2016.
Falando do acontecido,
De amor, luta e mistério,
De fé e do desassistido.

Sintetizando, literatura de cordel é um tipo de poesia popular que traz uma


história contada em versos, feita para ler ou cantar, escrita em papel comum, com
capa em xilogravura.

Cordel

capítulo 4 • 93
CONCEITO
Xilogravura significa gravura em madeira. É uma técnica antiga, de origem chinesa,
em que o artesão utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho, deixando em
relevo a parte que pretende reproduzir. Em seguida, utiliza tinta para pintar a parte em relevo
do desenho. Na fase final, é utilizado um tipo de prensa para exercer pressão e revelar a
imagem no papel ou outro suporte. Um detalhe importante é que o desenho sai ao contrário
do que foi talhado, o que exige um maior trabalho do artesão.
Existem dois tipos de xilogravura: a xilogravura de fio e a xilografia de topo. Elas se
distinguem pela forma como se corta a árvore. Na xilogravura de fio (também conhecida
como madeira à veia ou madeira deitada), a árvore é cortada no sentido do crescimento,
longitudinal; na xilografia de topo (ou madeira em pé), a árvore é cortada no sentido
transversal ao tronco.
A xilogravura é muito popular na região nordeste do Brasil, local de origem dos mais
populares xilogravadores (ou xilógrafos) brasileiros. A xilogravura era frequentemente utilizada
para ilustrar textos de literatura de cordel. Alguns cordelistas também eram xilogravadores,
por exemplo, o pernambucano José Francisco Borges.
A xilogravura também é gravada em peças de azulejo, reproduzindo desenhos de menor
dimensão. Essa é uma das técnicas que o artesão pernambucano Severino Borges utiliza em
seus trabalhos.
Disponível em https://www.significados.com.br/xilogravura/. Acesso em 22-9-2016

Como vimos, as xilogravuras que formam as capas dos folhetos constituem


verdadeira revelação da capacidade criativa do artesão popular.

Literatura de cordel: o surgimento

(...) o hábito de decorar histórias, dos cantos de trabalho, as cantigas de


embalar e toda sorte de narrativas orais trazidas pelos colonizadores
vão sedimentando, na cultura brasileira, o costume de cantar e contar
histórias, de guardar na memória os acontecimentos da vida cotidiana.
Assim, pouco a pouco, foi se desenvolvendo junto ao homem brasileiro,
mais especificamente na região nordeste, onde se deu o início da
colonização, uma poesia oral com características muito peculiares
(BARROSO, 2006, p. 22).

capítulo 4 • 94
Embora haja divergências na data de origem, costuma-se marcar o aparecimento do
cordel na segunda metade do século XIX, principalmente na região entre Bahia e Pará.
No entanto, Diégues Júnior revela que:

A presença da literatura de cordel no nordeste tem raízes lusitanas;


veio-nos com o romanceiro peninsular, e possivelmente começam
esses romances a ser divulgados, entre nós, já no século XVI, ou,
no mais tardar, no XVII, trazidos pelos colonos em suas bagagens
(DIÉGUES JÚNIOR, 1973, p. 5).

A literatura de cordel - também chamada de folhetos - era vendida nas feiras,


pendurada em cordões de barbante, e era um excelente meio de diversão casada
com informações a respeito dos fatos cotidianos que envolviam a população
nordestina, como: feitos de cangaceiros, fatos políticos, desastres, entre outros.

Os autores e consumidores desta produção, no nordeste, não


reconhecem a designação “literatura de cordel”: para eles
trata-se de “literatura de folhetos” ou apenas “folhetos”. “Literatura
de cordel” é uma atribuição dos estudiosos a esta produção
numa importação do termo português que, lá sim, é empregado
popularmente. A partir da década de 70, alguns poetas brasileiros
começaram a empregar o termo, talvez influenciados pelo contato
com os críticos (ABREU, 1993, p. 4-5).

De acordo com Santos (1999), a literatura de cordel recebe outras


denominações, e o primeiro exemplar encontrado data do século XIX:

capítulo 4 • 95
A literatura de mascate, de cordel ou folhas volantes, esteve
provavelmente presente no Brasil, como no resto da América
Latina, desde os tempos coloniais: documentos comprovam o
embarque regular de pliegos sueltos para as colônias espanholas.
Contudo, o primeiro folheto brasileiro, encontrado por Orígenes
Lessa, é datado de 1865 e foi publicado no Recife. Escrito sobre
o modelo de testamentos de animais, tão apreciados pela literatura
de cordel portuguesa, ele contém alusões a acontecimentos da vida
pernambucana que comprovam sua escritura brasileira. A partir de
1893, a literatura de folhetos constitui, aos poucos, um conjunto
complexo e independente do sistema literário institucionalizado
com seus poetas e suas editoras que, até os anos 1960, pertencem
frequentemente a poetas. Esta literatura tem suas próprias redes
de comercialização (os mascates), sendo vendida nas feiras, nas
estações ferroviárias e rodoviárias, e até nas ruas.

Entre 1930 e 1940, os folhetos, além de unirem diversão e informação, como


já mencionamos, também serviam como instrumento de socialização, recebendo
a denominação de cordel circunstancial, que tratava da:

(...) divulgação dos fatos acontecidos, coisas de que a população não


podia ter conhecimento senão por essa forma. Rádio não existia;
jornal era raro. Quando este chegava, levado dos grandes centros
(...) com o atraso normal dos meios de transporte de então, já o
folheto se antecipava na divulgação do fato. Tornava-se o folheto o
elemento mais expressivo para que os acontecimentos chegassem ao
conhecimento de todos, lidos nos mercados, nas feiras, nos serões
familiares (DIÉGUES JÚNIOR, 1977, p.XVII).

A literatura de cordel pode ser encarada como instrumento útil à população da


época, visto que “As ocorrências marcantes da comunidade circunvizinha, geralmente
os cordelistas as registravam em forma de história em verso. Foi, portanto, o cordel
um veículo de comunicação importante” (XAVIER, 2002, p. 21).

capítulo 4 • 96
A literatura de cordel é a expressão do povo, é:

(...) crônica poética e história popular, é a narração em verso do “poeta


do povo”, no seu meio, o “jornal do povo”. Trata-se de crônica popular
que expressa a cosmovisão das massas de origem nordestina e as
raízes do nordeste na linguagem do povo. É história popular porque
relata os eventos que fizeram a história a partir de uma perspectiva
popular. Seus poetas são do povo e o representam nos seus versos
(CURRAN, 2001, p.20).

Para Drummond, literatura de cordel é mais que crônica poética ou história popular:

A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito


inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo
brasileiro, em suas camadas modestas do interior. O poeta cordelista
exprime com felicidade aquilo que seus companheiros de vida e de
classe econômica sentem realmente. A espontaneidade e graça
dessas criações fazem com que o leitor urbano, mais sofisticado, lhes
dedique interesse, despertando ainda a pesquisa e análise de eruditos
universitários. É esta, pois, uma poesia de confraternização social
que alcança uma grande área de sensibilidade (DRUMMOND apud
SLATER, 1984, p.2).

Consagrada por grandes escritores como Ariano Suassuna e João Cabral de


Melo Neto, por exemplo, a literatura de cordel ultrapassa os limites do nordeste.

CURIOSIDADE
Na época dos povos conquistadores greco-romanos, fenícios, cartagineses,
saxões, entre outros, a literatura de cordel já existia, tendo chegado à Península Ibérica
(Portugal e Espanha) por volta do século XVI. Na Península, a literatura de cordel
recebeu os nomes de "pliegos sueltos" (Espanha) e "folhas soltas" ou "volantes"
(Portugal). Florescente, principalmente na área que se estende da Bahia ao Maranhão,
esta maravilhosa manifestação da inteligência brasileira mereceria, no futuro, um
estudo mais profundo e criterioso de suas peculiaridades particulares.

capítulo 4 • 97
O grande mestre de Pombal, Leandro Gomes de Barros, que nos emprestou régua
e compasso para a produção da literatura de cordel, foi de extrema sinceridade quando
afirmou na peleja de Riachão com o Diabo, escrita e editada em 1899:
"Esta peleja que fiz não foi por mim inventada, um velho daquela época
a tem ainda gravada minhas aqui são as rimas exceto elas, mais nada."
Oriunda de Portugal, a literatura de cordel chegou no balaio e no coração dos
nossos colonizadores, instalando-se na Bahia, mais precisamente em Salvador. Dali,
irradiou-se para os demais estados do nordeste. A pergunta que mais inquieta e intriga
os nossos pesquisadores é, "Por que exatamente no nordeste?". A resposta não está
distante do raciocínio livre nem dos domínios da razão. Como é sabido, a primeira
capital da nação foi Salvador, ponto de convergência natural de todas as culturas,
permanecendo assim até 1763, quando foi transferida para o Rio de Janeiro.
Na indagação dos pesquisadores, no entanto, há lógica, porque os poetas de
bancada ou de gabinete, como ficaram conhecidos os autores da literatura de cordel,
demoraram a emergir do seio bom da terra natal. Mais tarde, por volta de 1750, é
que apareceram os primeiros vates da literatura de cordel oral. Engatinhando e sem
nome, após um período relativamente longo, a literatura de cordel foi batizada de
poesia popular.
Foram esses bardos do improviso os precursores da literatura de cordel escrita. Os
registros são muito vagos, sem consistência confiável, de repentistas ou violeiros antes
de Manoel Riachão ou Mergulhão. Mas Leandro Gomes de Barros, nascido no dia 19
de novembro de 1865, teria escrito a peleja de Manoel Riachão com o Diabo em fins
do século passado.
Sua afirmação na última estrofe dessa peleja (ver detalhe) é um rico documento,
pois evidencia a não contemporaneidade do Riachão com o rei dos autores da literatura
de cordel. Ele nos dá um amplo sentido de longa distância ao afirmar: "Um velho
daquela época a tem ainda gravada”.
Disponível em http://www.ablc.com.br/ocordel.html. Acesso em 22-9-2016.

capítulo 4 • 98
Ariano Suassuna

Ariano Suassuna

Ariano Suassuna é conhecido principalmente por suas peças e


pela militância em relação à defesa da arte popular brasileira. Em
“O Auto da Compadecida”, sua peça mais conhecida, com centenas
de encenações e adaptações para outros veículos de comunicação
desde que foi escrita, é possível perceber o aproveitamento particular
que o autor faz da tradição popular nordestina. Como o próprio título
sugere, é proposto um auto, modalidade do teatro medieval que tem
como tema a religiosidade. Suassuna, no entanto, reelabora essa
forma teatral dentro de uma perspectiva radicalmente regionalista,
o que resulta em uma obra essencialmente moderna na medida em
que expõe, examina e incorpora um sistema estético do passado
sob o crivo particular da tradição popular nordestina. Disponível em
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa13169/ariano-suassuna.
Acesso em 12-9-2016.

Com relação à tradição popular nordestina, o próprio escritor nos revela que
“O Auto da Compadecida” teve seu texto baseado em narrativas populares do
nordeste, em especial as contidas nas obras de literatura de cordel: “O enterro
do cachorro”, “O cavalo que defecava dinheiro” e “O castigo da soberba”
(SUASSUNA, 2005, p. 179).

capítulo 4 • 99
AUTOR
Sexto ocupante da Cadeira nº 32, eleito em 3 de agosto de 1989, na sucessão de
Genolino Amado, e recebido em 9 de agosto de 1990 pelo acadêmico Marcos Vinicios
Vilaça. Faleceu no dia 23 de julho de 2014, no Recife, aos 87 anos.
Ariano Vilar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), em
16 de junho de 1927. (...)
Em 1950, formou-se na Faculdade de Direito e recebeu o Prêmio Martins Pena pelo
“Auto de João da Cruz”. Para curar-se de doença pulmonar, viu-se obrigado a mudar-se de
novo para Taperoá. Lá, escreveu e montou a peça “Torturas de um Coração” em 1951. Em
1952, volta a residir em Recife. Desse ano a 1956, dedicou-se à advocacia, sem abandonar,
porém, a atividade teatral. São desta época “O Castigo da Soberba” (1953), “O Rico
Avarento” (1954) e o “O Auto da Compadecida” (1955), peça que o projetou em todo o país
e que seria considerada, em 1962, por Sábato Magaldi, “o texto mais popular do moderno
teatro brasileiro”.
(...)
Em 1959, em companhia de Hermilo Borba Filho, fundou o Teatro Popular do Nordeste,
que montou em seguida a “Farsa da Boa Preguiça” (1960) e “A Caseira e a Catarina” (1962).
No início dos anos 1960, interrompeu sua bem-sucedida carreira de dramaturgo para
dedicar-se às aulas de Estética na UFPe. Lá, em 1976, defende a tese de livre-docência “A
Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira”. Aposenta-se como
professor em 1994.
Foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura (1967). Foi nomeado, pelo Reitor
Murilo Guimarães, diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPe (1969). Ligado
diretamente à cultura, iniciou, em 1970, em Recife, o “Movimento Armorial”, interessado no
desenvolvimento e no conhecimento das formas de expressão populares tradicionais.
(...)
Disponível em https://goo.gl/6x456W. Acesso em 12-9-2016.

Antonio Candido considera Ariano Suassuna, com “O Auto da Compadecida”,


um escritor com marcas de super-regionalismo – expressão criada para designar
um “super-realismo” – pois, além de escrever um auto com traços de comédia,
Suassuna é capaz de aproximar seus personagens da literatura de cordel pelo
falar rápido e rimado, característica do linguajar nordestino, bem como da vida

capítulo 4 • 100
no sertão, preocupado em relatar a realidade, não quanto ao pitoresco, mas sim
quanto aos aspectos sociais e humanos mais relevantes.

Ariano Suassuna, “O Auto da Compadecida”

Suassuna foi capaz de unir elementos da cultura popular do nordeste a


elementos da literatura considerada erudita, defendendo a cultura brasileira e a
identidade nacional.

MULTIMÍDIA
Assista ao filme “O Auto da Compadecida”, baseado na obra literária homônima em
https://www.youtube.com/watch?v=EFmB8Qo-g-k. Acesso em 26-9-2016.

Centros de estudos formais

Os Estudos Culturais nascem na Inglaterra por intermédio do Centre for


Contemporary Cultural Studies (CCCS), com os textos “The Uses of Literacy”, de
Richard Hoggarth (1957), “Culture and Society”, de Raymond Williams (1958),
e “The Making of the English Working Class”, de E. P. Thompson (1963), e
trazem uma abordagem contemporânea sobre cultura porque:

capítulo 4 • 101
(...) o grupo do CCCS alarga o conceito de cultura para que sejam
incluídos dois temas adicionais. Primeiro: a cultura não é uma entidade
monolítica ou homogênea, mas, no sentido oposto, manifesta-se de
maneira diferenciada em qualquer formação social ou época histórica.
Segundo: a cultura não significa simplesmente sabedoria recebida ou
experiência passiva, mas um grande número de intervenções ativas —
expressas mais notavelmente através do discurso e da representação
— que podem tanto mudar a história quanto comunicar o passado.
Por acentuar a natureza diferenciada da cultura, a perspectiva dos
estudos culturais britânicos pode relacionar a produção, distribuição
e recepção culturais a práticas econômicas que estão, por sua vez,
intimamente relacionadas à constituição do sentido cultural (AGGER,
1992, p.89, tradução nossa).

Um dos princípios básicos dos estudos culturais é:

(...) a crença de que as classes populares tinham suas próprias


formas culturais, dignas de nome, rejeitando todas as denúncias,
por parte da dita alta cultura, de barbarismo das camadas sociais
mais baixas (...) (SCHWARZ, 1994, p. 380, tradução nossa).

Para os formadores do CCCS, é importante estudar a cultura, não como um


elemento isolado, mas em comunhão com as realidades sociais por ele representadas.
A partir da década de 1970, os estudos culturais passam a ter como objeto
as culturas populares vistas como entidades simbólicas autônomas, por isso
dotadas de significado, e que formam a identidade coletiva. Isso ocorre porque
a cultura popular pode ser encarada como uma espécie de “(...) ‘práticas vividas’
ou ideologias práticas (...) [que] capacitam uma sociedade, grupo ou classe a
experimentar, definir, interpretar e dar sentido às suas condições de existência”
(HALL apud EAGLETON, 2005, p. 55).
Talvez por esse motivo, os estudos culturais não existam no Brasil como uma
disciplina. Segundo Renato Ortiz (2004), os estudos culturais e os estudos literários
podem ser abordados pelas ciências sociais em geral, como uma visão multidisciplinar
focada na apreciação e interpretação dos fenômenos sociais e culturais.
Existem muitos centros de estudos culturais e de estudos e valorização da
cultura popular espalhados por nosso país, no entanto, os maiores representantes
dos estudos culturais são Antonio Candido e Roberto Schwarz.

capítulo 4 • 102
ATIVIDADE
01. A literatura regional popular tem um papel de cuidado?

02. A cultura tem um papel transformador ou apenas de conservação?

03. O que é literatura de cordel? Do que trata?

REFLEXÃO
Encerramos nosso capítulo e nosso livro sugerindo uma reflexão em torno
da ideia de que:

(...) onde há povo, quer dizer, onde há vida popular razoavelmente


articulada e estável (...) haverá sempre uma cultura tradicional, tanto
material quanto simbólica, com um mínimo de espontaneidade, de
coerência e sentimento, se não consciência de sua identidade. Essa
cultura, basicamente oral, absorve, a seu modo e nos seus limites,
noções e valores de outras faixas da sociedade (...), mas, assim
fazendo, não se destrói definitivamente, como temem os saudosistas
e almejam os modernizadores: apenas deixa que algumas coisas e
alguns símbolos mudem de aparência (BOSI, 2006, p. 51).

LEITURA RECOMENDADA
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

IMAGENS DO CAPÍTULO
Imagem 4.1 - http://www.dgabc.com.br/Noticia/234521/momento-de-ouro-do-cordel
Imagem 4.2 - http://avisala1.tempsite.ws/portal/wp-content/uploads/2009/02/avisala_37_mala2.jpg
Imagem 4.3 - http://3.bp.blogspot.com/_HP823d34yVk/TEENqh7p0gI/AAAAAAAABm4/
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Imagem 4.4 - http://agencia.fapesp.br/agencia-novo/imagens/noticia/20282.jpg

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Imagem 4.5 - https://pt.wikipedia.org/wiki/Literatura_de_cordel#/media/File:Literatura_de_cordel.jpg
Imagem 4.6 - https://d2m2c9wovu25l7.cloudfront.net/autores/ariano-suassuna.jpg
Imagem 4.7 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/d/d1/O_Auto_da_Compadecida.jpg

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comparativo. Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem/UNICAMP, 1993. (Tese de Doutorado em
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document/?code=vtls000065537. Acesso em 2-9-2016.
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Pessoa: Editora universitária, 2002.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: A literatura medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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