DO
DISCURSO-IDEOLÓGICO
- revelando o lado perverso das instituições -
Editora
Instituto Argumentos – Ciência e Cultura
São Paulo – SP - Brasil
- 2014 -
© Dermeval Corrêa de Andrade
Capa:
Cândida Martins Martinez
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O ser humano é inesgotável
em seus conteúdos dogmáticos
expressos nas diferentes ideologias.
A cada avanço, explicitam-se
novos aspectos, o que não é
garantia de vencê-los e certamente
estamos longe de transformá-los.
Antes se imaginava que a
educação e a tecnologia avançadas
seriam um antídoto
insofismável a seus males.
Ledo engano!
Prólogo
1 - Introdução
2 - Uma viagem crítica à origem da ideologia de duas instituições sociais
mais influentes: Família e Religião
3 - O ser humano e a Ideologia
4 - Esclarecendo o fenômeno das Ideologias
5 - Aparelhos Ideológicos de Estado
6 - Conclusão
7 - Autores consultados
8 - Notas
9 – Sobre o Autor
Prólogo
O lado conservador da humanidade, através dos séculos, recebeu
profundos e irrefutáveis golpes em suas crenças, provindos de novos
conhecimentos científicos.
Nicolau Copérnico (1473 - 1543) - Com sua teoria científica, contrariou
a ideia vigente, em sua época, que colocava a Terra no centro do Universo.
Este científico demonstrou que, na realidade, a Terra gravita em torno do Sol.
A esta descoberta deu o nome de Sistema Solar.
Charles Darwin (1809 - 1882), por sua vez, descobriu a origem de todos
os seres vivos e chocou o mundo, afirmando que o ser humano e os macacos
descendem de um mesmo tronco comum de primatas.
Karl Marx (1818 - 1883) - Formulou o Materialismo Histórico, ciência
que elucida a verdadeira lei da história da humanidade; um fato tão
importante, mas mantido oculto sob o lixo ideológico.
O Dr. Sigmund Freud (1856 - 1939) – Demonstrou que a mente possui
estrutura e funcionamento dinâmico, onde o inconsciente, uma força
poderosa, ganha fundamental importância. Explicitou como, geralmente, esse
lado obscuro da mente influi em nossos comportamentos.
Graças a esses científicos que, com coragem, enfrentaram rejeições de
todo tipo, a humanidade evoluiu. Agora, eles nos inspiram para enfrentarmos
um assunto por demais resistido: a ideologia.
Nosso trabalho científico tem sido o de desvendar como nossa psique é
inundada pelas ideologias, de fora para dentro que, em sequência, compõem
um núcleo ideológico constituindo outra força poderosa que, geralmente,
modifica o rumo de nossas vidas. Este fenômeno, tão corriqueiro e utilizado
pelos que dominam pessoas e nações, passa quase despercebido por todos.
Localizamos quando surgem as ideologias no desenvolvimento da
humanidade e em que idade adentram nas crianças. Hoje em dia, através do
contato humano na família e, principalmente, com o fenômeno tecnológico
da Era Eletrônica. Para demonstrá-lo, fomos às suas raízes, ao seu
nascedouro, com o auxílio da Antropologia, da Filosofia e da Psicologia
Profunda. Com esses conhecimentos, vamos desmontar Discursos-
ideológicos que pretendem passar, totalmente, por "Discursos-verdade"1.
Talvez, essas sejam algumas de nossas melhores contribuições à Psicologia
Social.
1 - Introdução
Família
A primeira instituição surgida entre os humanos, a família, deve seu
mérito aos que nos antecederam: os primatas. Deixemos claro este primeiro
ponto. Segundo Charles Darwin2, viemos de um ancestral comum, que
propiciou o surgimento de dois ramos distintos: os símios e os humanos.
Estudos recentes (DNA) comprovam quão próximos somos desses parentes.
Outros avanços
Bem, vejamos então outros avanços indiscutíveis do ser humano. Na
motricidade ampla, tivemos uma herança preciosa. Modificamos a posição do
corpo, passou a ser ereta (de quatro pontos de apoio, passamos a usar dois, os
pés). Essa nova posição abriu possibilidades enormes para a defesa e para a
visualização de novos e distantes horizontes. Mas, nos faltava algo essencial
na psicomotricidade final e, quando a conquistamos (a utilização precisa do
dedo polegar), avançamos na transformação de objetos: essa foi outra
verdadeira revolução na engenharia corporal.
De volta à família
É bom que se diga que a família se desenvolveu graças às funções da
mãe! Era formada pelo casal (fêmea e macho), filhos sobreviventes das
intempéries, doenças e ataques de animais selvagens, acrescida pelos avós, os
filhos das irmãs e os irmãos da mãe, depois os filhos destes6. A rigor todos
eram parentes entre si. Voltamos a dizer, os perigos externos forçavam a
coesão interna do grupo (identidade).
A Ideologia e a Comunidade
Os homens não poderiam, ad eternum, se impor aos outros pela força
(fator desagregador), principalmente no grupo interno. Necessitava, pois, de
um “cimento” nas ideias e nos costumes, que gerassem obediência. Ainda,
tinham diante de si um problema enorme que era explicar a ação da natureza
sobre si e os seus e, o que era pior, como deveriam dominar os instintos
agressivos que, se persistissem, no agir original, por mais alguns milênios,
poderiam levar a raça humana ao extermínio.
Nos dois primeiros anos de vida de todo ser humano, seu corpo é o
“hardware”, no qual ficam registrados todos os estímulos captados por seus
órgãos dos sentidos. Porém, é apenas entre o período de 18 meses e dois anos
que se inicia o desenvolvimento do pensamento, este, estritamente ligado à
linguagem (na etapa que antecede a esta, a mente da criança funciona
armazenando e utilizando o “arquivo” de imagens dos fatos vivenciados). Em
termos emocionais, a figura mais importante para a criança é a mãe, que se
incumbe de ser o primeiro vínculo afetivo. Esta fase é caracterizada pelo
egocentrismo, ou seja, para a criança só importa o que se refere a ela. Vale a
pena lembrar que, infelizmente, alguns adolescentes e adultos ficam fixados
nesta fase.
Pelo que foi citado até agora, é possível perceber que, diferentemente do
que se diz, a infância não é um paraíso, pois no espaço de quatro anos a
criança passa de um ser totalmente dependente (quando bebê) para alguém
que já se deparou com uma variedade enorme de relacionamentos (humanos e
tecnológicos) e situações; ao mesmo tempo em que seus aspectos emocionais
e cognitivos foram se desenvolvendo, “bombardeados” pelas ideologias das
instituições sociais.
Os discursos
Já nos referimos à importância da linguagem como um recurso para
explicitar ideias. Neste ponto, é necessário abordar os tipos de discursos. O
Discurso-ideológico é proferido como “Discurso-verdade” pelos porta-
vozes da instituição e se multiplica entre os seguidores (como reforço de
ideias e sentimentos) e, pela repetição, busca adentrar na mente dos novos
indivíduos (sujeito receptor). Esse “Discurso-verdade” é repleto de intenções
subliminares. É um discurso que oculta e cega para vincular o indivíduo à
ideia e aos sentimentos cúmplices da instituição.
A base econômica
Marx e Engels utilizaram-se da metáfora do edifício para demonstrar
como a estrutura econômica é a base do todo social. Ela é seu alicerce. Para
que o leitor não tenha uma ideia errônea sobre a metáfora, é preciso dizer
que, mesmo sendo a estrutura econômica determinante, há uma constante
interinfluência, ou seja, certa unidade de colaboração mútua entre as diversas
instâncias. É importante também, a lição deixada por Marx: “Qualquer estudo
da sociedade que considere apenas o que os homens dizem, pensam ou
imaginam, tende a cair no fracasso idealista.”
Não muito diferente de hoje, esta instituição era dirigida aos homens
(cidadãos) da classe dominante. A escola institucionalizada de hoje é uma
criação burguesa do século XVI. Nos dias atuais, na maioria dos países, no
topo, forma futuros médicos, engenheiros, administradores etc., ou seja,
ensino de alto nível. Na base, forma o cidadão comum. É de qualidade
duvidosa, sem empatia, sem cultura. Lado obscuro: no “Discurso-verdade”,
está sempre fazendo o melhor para todos e ninguém admite o apartheid
dentro deste aparato. É o que se verifica, em pleno século XXI, na maioria
dos países. Este aparato foi dominado e desviado para interesses de mercado.
Assim, como o aparato familiar, perdeu força e influência na sociedade.
O mentir torna-se tão natural que os leva à arte do mentir com arte
(marketing); usando novos apetrechos tecnológicos. O discurso falso e
omitido é o da falsidade ideológica, do enganar o eleitor e acabam sugando a
nação com as benesses que vão garantindo para si. É um dos aparelhos que se
utilizam da propaganda e da corrupção, quase sem limites. No dizer do
escritor português José Saramago: “A política é a arte de dizer mentiras.”
O leitor sabe que toda instituição tem e procura manter sua imagem
positiva (regional ou global) na mente do sujeito-receptor, gozando de certa
preferência. O poder dessa imagem é proporcional ao retorno, ou seja, a
disposição do cliente em adquirir seus “produtos”. Sempre se espera que o
sujeito se coloque em movimento para adquirir seu “conteúdo”. Isto é válido
mesmo para organizações com baixa qualidade de serviços, como por
exemplo: saúde pública e setor escolar. O último recurso utilizado pelas
máquinas ideológicas é a ampliação da sensação de bem-estar, produzido
por suas atividades quase inócuas.
Os meios de comunicação
Como adiantamos, daremos ênfase a este AIE, por sua enorme influência
nos dias atuais.
Sabemos que, apesar de tudo que foi demonstrado nesta obra, muitas
pessoas parecem ter dúvidas se a alienação não seria mais benéfica ao seu
equilíbrio psíquico do que o senso crítico. Porém, convém perguntarmos até
que ponto a alienação pode preservar a pessoa do sofrimento? Como, o fato
de não ter consciência do que ocorre nas profundezas dos âmbitos
psicológico e social, reduzindo tudo a uma opinião simples sobre qualquer
fato, pode causar a sensação de bem-estar? Qual a “mágica” que faz com que
milhares de pessoas acompanhem, diariamente, novelas, dependam de
amparo religioso, sigam o pensamento dominante, acreditem, piamente, nos
meios de comunicação?
Antonio GRAMSCI
Charles DARWIN
Edwin BLACK
Frantz FANON
Jean PIAGET
Johann Wolfgang GOETHE
Karl MARX
Louis ALTHUSSER
Nelson MANDELA
Sigmund FREUD
Thomas PIKETTI
8 - NOTAS
1) A palavra composta "Discurso-verdade" aparecerá, neste livro, entre aspas por não ser totalmente
verdadeiro.
2) A Origem das Espécies – Esboço de 1842 – Legatoria Del Sud, Ariccia (Roma).
3) N.E. - O autor entende que o termo civilização cabe aos humanos. A “sociedade” continua se
referindo aos símios, às abelhas, formigas etc., na qual se organizam pela simples sobrevivência. Nesse
caso não se pode falar em produção de uma cultura rudimentar, pois lhes falta o diferencial da
consciência, da interferência intencional da Causa e Efeito, que só os humanos possuem.
4) Introjeção: mecanismo inconsciente que permite ao ser humano colocar, para dentro de sua psique,
sentimentos e qualidades de outras pessoas, através do conceito de Bem ou Mal.
5) Projeção: mecanismo inconsciente que permite ao ser humano lançar, em direção ao exterior de si,
sentimentos hostis ou amorosos, atribuindo-os aos outros.
6) Quando estivemos em Bafatá (Guiné-Bissau–África Ocidental) entramos em contato com uma
família que apresentava esta característica. Viviam sob o mesmo teto mais de 20 pessoas, de várias
idades. Para essas pessoas, é como se o tempo não tivesse passado. Comiam, principalmente, raízes e
mantinham animais de pequeno e médio porte (cabras), que lhes forneciam o leite e a carne, tão
fundamental para o regime alimentar.
7) É o modo como a pessoa ou grupos humanos veem e sentem o mundo, fortemente influenciados
pelas relações de produção nos sistemas sociais. Os sentimentos são sempre conscientes, ou seja, as
pessoas sabem o que sentem. Elas não compreendem o que está por trás deles.
8) N.E. - Livro do mesmo autor.
9) Quanto a este aspecto, Freud afirma que, desde o início da vida, o ser humano é movido,
principalmente, pelo Princípio do Prazer, ou seja, a busca imediata da satisfação de um desejo. A este
princípio se contrapõe, posteriormente, o Princípio da Realidade, que exige o desenvolvimento de
funções conscientes, atenção, memória, capacidade para transformar o desejo apropriado à realidade.
Vale a pena lembrar que, mesmo após o surgimento do Princípio da Realidade, o Princípio do Prazer se
mantém pela vida afora.
10) Louis Althusser “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”
11) Fetiche: um objeto material ou abstrato ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais,
positivos ou negativos.
12) Devemos a Louis Althusser grande parte desta abordagem inicial. Remetemos o leitor à obra deste
filósofo “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”.
13) "Nossas crianças são nosso maior tesouro. Elas são nosso futuro. Aqueles que abusam delas rasgam
o tecido da sociedade." Nelson Mandela
14) Não podemos esquecer que os homens se tornaram fisicamente fortes, porque, diferentemente dos
outros animais, não precisavam do cio das fêmeas para a relação sexual e, consequentemente, é fácil
deduzir que as mulheres tinham uma gravidez atrás de outra e, portanto, não tinham condições físicas
para a caça, como os machos.
15) A Santa Inquisição foi um período iniciado no começo do séc. XII. Com expansão do poder do
cristianismo, a Igreja Católica liderou uma cruzada contra quem se opunha aos seus dogmas. Massacres
aconteceram. O Papa Inocêncio IV publicou um documento intitulado Ad Exstirpanda - ele dava uma
chance aos hereges: assumir o erro através de tortura.
16) Na minha opinião, na frase de Antonio Gramsci: “Os jornais são aparelhos ideológicos, cuja função
é transformar uma verdade de classe num censo comum, assimilado pelas demais classes como verdade
coletiva – isto é, exerce o papel cultural de propagador de ideologias. Ela embute uma ética, mas
também a ética não é inocente: ela é uma ética de classe”, ele, certamente, incluiria, hoje em dia, toda a
mídia.
17) “O capital no século XXI” – Financial Times – 2014
18) Afirmei em outra ocasião, que o marketing (em seu lado perverso) é o novo Mefistófeles
(“Querendo fazer o mal, acabo sempre fazendo o bem.” – Dr. Fausto – Goethe). No clássico de Goethe,
o demônio precisava ser chamado para exercer sua arte. No caso, do marketing, ele se apodera do
“pecador” sem permissão.
19) Para saber mais: “Nazi Nexus”, de Edwin Black, Net Work, 2009.
20) Livre-arbítrio: expressão utilizada tanto pela religião quanto pela filosofia, para significar a livre
vontade de escolha, de decisões livres.
9 - Sobre o autor
O Prof. Dermeval Corrêa de Andrade é um dos poucos profissionais que desenvolveu sua
carreira em duas direções, aparentemente díspares, mas que, na realidade, estão interligadas. Dedicou-
se, por muitos anos, à Psicologia Clínica, com experiências nas áreas de Psiquiatria e Neurologia,
consolidando, em seguida, na Psicoterapia de crianças e adultos. Hoje é um dos psicoterapeutas mais
importantes do País.
Além de escrever vários livros, dedicou-se à formulação da Psicologia da Ideologia e da
Educação Social transformadora. Fez pós-graduação no Instituto de Relações Latino-americanas
(IRLA-PUC/SP), onde conviveu com várias personalidades da América Latina, quando ampliou seu
interesse por este continente e, posteriormente, pela história e cultura de África.
Assim, com os conhecimentos sobre Psicologia, Antropologia, História etc. chegou às
profundezas das instituições sociais, descobrindo as mazelas de suas entranhas. Tem ido a vários países
como Consultor de Estratégicas Humanitárias, conferencista e também aprofundando seus estudos
culturais. Atuou, por vários anos, na Anistia Internacional.
Seu perfil é resultado não só de sua produção teórica, mas principalmente de suas ações concretas
no difícil cenário da realidade mundial atual.