Você está na página 1de 685
COMENTARIO BiBLico FIEL AG JOHN MURRAY Com ENTARIO BiBLICO Fit ROMANOS APalayra de Deus é inerrante ¢ inexaurivel! Atra~ yés dela, podemos cayar fesouros in aelernum, E com esta verdade gravada no coracdo que 0 autor desta auténtica obra de are da literatura ista dd a sua valiosissima contriluicao aos ser- ves do Deus todo-poderoso. John Murray, em seu preficio, afirma que “0 li- oro de Romanos é a Palavra de Deus. Seu tema 6 0 evangelbo ia graca divina, ¢ 0 evangelbo anuncia as maravilhas da condescendéncia e amor de Deus. Se nao nos deixarmos enlevar pela gloria do evangelho e niio formos intro- duzidos no Santo dos Santos da presenga de Deus, teremos perdido de vista a finalidade grandiose desse sagrade propdsite’. Através de sua obra, o autor nos apresenta, com grande erudi¢do, devogdo € espirito submisso & autoridade das Escrituras, uma série de comen- tdrios exaustivos sobre cada versicuto da carta aos Romanos, resultado de anos incansaveis de es- tudos dedicados, que denotam seu profundo co- nhecimento da teologia, da historia antiga e das rlel RoMANOos Traduzido do original em inglés: Tne EPistLe TO THE ROMANS Copyright © WM. B. EERDMANS PUBLISHING CO. Primeira edigo em portugués - 2003 Todos os direitos reservados. E proibidaa reprodugao deste livro, no todo ou em parte, sem a permissao escrita dos Editores. Eprrora Fie. pA MissA0 EVANGELICA LITERARIA Caixa Postal 81 12201-970 Sao José dos Campos - SP PrerAcio Do Eprror..... PREFACIO DO AUTOR INTRODUGAO -..2..-.0-4 INDICE O Autor A Ocasiio , A Icreia EM Roma Esgaco pa Carta Aas ROMANOS .. Propdsiro pos CarituLos LA 8... Proposito pos CapiruLos 12 4 16 PROPOSITO DOS CAPITULOS DAT] sesseererirseererriscersreetens Texto, Exposicéo & Novas 1 ae pte IV Vv VI VIL Os Frutos pa Justtricacao — 5.1-11 . Vi. =A AnaLociA — 5.12-21 .. Xx x Saupacdo — 1.1-7 .. IntRoDUCAO — 1.8-15 , Tema — 1.16-17... A Universatinane 00 Pecanoloa ConpENa A. No Tocanre aos Gentios = 1.18-32. B. No Tocanre Aos Supevs — 2.1-16.. C. O AGRAVAMENTO DA CONDENAGAO DOS ait us — 2 17-29 D. A Finetipape & a Jusrica be Deus — 3.1-8 E. Concusho — 3.9-20 . A Justica DE 3.21-31 .. A ComprovacAo FuNDAMENTADA No A. T, — 4.1-25, Os Ertiros Santiricapores — 6.1-23.. A, As Disrorcoes pa Dourrina DA Gracga — 6.1-11.. B. Os Imperativos Para os SanTmcapos — 6. 12-23 . A Morte RevativAMENTE A Let — 7.1-6 119 253 A Exreriéncia TRANSICIONAL — 7.7-13 A ConrrapicAo NO CReNTE — 7, 14-25 XIN A Vina No Espirito — 8.1-39, XIV A INcREDULIDADE DE IsraEL — 9.1-5 XV A VINDICACAo Da Justi¢a F Da Fp XVI A Justica pa Fé — 10.1-21 XVI A Restauracho pr Israei — 11.1-36 A. O REMANESCENTE— 11.1-10 . B. A PLENITUDE DE IsragL — 11.11-24 xe C. A PLenrtupe Dos Gentios/SaLvacio pe Isrart—1 1-25-32. D. A Doxotocia — 11.33-36 . XVII O Mono Crisrao DE Viver — 12.1 a 15, 5.13 A. Muttirormes Deveres Praticos — 12.1-21 B, As Autoripapes Civis— 13.1-7 .... C. A Primazia Do Amor — 13.8-10..... D. A Consumacao Iwinente — 1311-14 E. Os Fracos £ os Fortes — 14,1-23.. F. O Exempto be Cristo — 15.1-6 G. Jupeus & Genios, Um s6 Povo — 15.7-13 XIX Mivistério, Prosetos & PLaNo be Aco DE Pato Quanto Aos Gentios — 15.14-33 XX SauDAGOES E DoxoLocia FiNat — 16.1-27 A, Saupacdes po Proprio PauLo — 16.1-16 ......-. B, Apverténcias Con7ra os ENcanabores — 16,17-20 C. SAUDACOES DE Amicos — 16.21-23 .. D, Doxotocia — 16.25-27 . Apénpice A - Justiricagao Arénoice B - Dr Fé em Fé Apenptce C - Isaias 53,11 Apénoice D - Kart Bart & RoMANos 5. Apénpice E - Romanos 9.5 . Apénpice F - Levitico 18.5 ApenbIce G - As AUTORIDADES DE Romanos 13 . Apénpice H - Romanos 14,5 £0 Descanso SEMANAL Apénpice I - O IRMAo FRaco ...... Apénpice J - A In’ IDADE DA EpisTOLA ... {DADE DE Deus—9.6-33 . 275 283 301 363 370 427 427 437 454 467 472 472 508 520 527 533 559 564 5609 PRrEFACIO DO EDITOR Quando o professor Murray consentiu em empreender a exposi¢ao da carta aos Romanos, todo 0 encorajamento possivel Ihe foi dado, a fim de que prosseguisse, com empenho, na realizagao da obra inteira. E agora que est4 sendo publicada, confere-me o distinto prazer de expressar minha gratidao pelo seu término. De fato, se tivesse de manifestar plenamente o quanto valorizo esta obra, meu sentimento de satisfagao resultaria no uso de superlativos. Nao obstante, é mister que me refreie disso até certo ponto, especialmente considerando minha intima amizade com 0 autor, durante quase trinta e cinco anos. Nosso companheirismo, primeiro como colega de classe no Princeton Theo- logical Seminary e, depois, como companheiro do corpo docente, tem me levado a uma entusiasta apreciagao do autor como exegeta e tedlogo, bem como a um caloroso afeto para com ele. Nenhum esforco seré envidado no sentido de avaliar em detalhes Q carater erudito da obra, o evidente conhecimento dos problemas surgidos na antiga ¢ na mais recente literatura, a devocao do autor a responsabilidade primdria de expor 0 texto, a reverente devogio ao Deus da Palavra e 0 estilo elevado que, de modo geral, caracteriza este comentario. O livro falara por si mesmo, de maneiras variadas, a diferentes leitores. Entretanto, a menos que eu esteja enganado, esta obra sera reconhecida, em todos os lugares, como uma distinta contribuigao 4 literatura a respeito desta grande carta. Considerando o valor intrinseco da carta aos Romanos e seu profundo significado para a compreensio do cristianismo, pareceu ser prudente nao impor ao autor quaisquer limitagGes rigidas, mas, antes, conceder-Ihe total liberdade para abordar 0 texto de uma maneira que fizesse a maior justica possivel &s questées exegéticas. Nada é mais desconcertante para o leitor de um comentario do que descobrir estarem 6 Romanos sendo tratados de modo superficial e escasso os assuntos mais espinhosos. Embora ninguém possa garantir que cada leitor tributara aos problemas abordados com consider4vel amplitude o mesmo valor dado pelo autor, a maioria dos leitores, quer concorde, quer nao, com as conclusdes obtidas, sem diivida apreciaré a profunda consideracao sobre muitos pontos. Para aqueles que nio conhecem bem a vida e a carreira do autor, alguns poucos detalhes biograficos poderdo ser interessantes. Nascido na Escécia, John Murray recebeu sua educacao literaria, e parte de sua educagao teolégica, em sua propria terra natal, nas universidades de Glasgow ¢ Edimburgo. Na América do Norte, estudau teologia em Princeton, por trés anos, e apés sua formatura foi-lhe galardoada uma cadeira em Teologia Sistematica, como membro da Sociedade Gelston- Winthrop, naquela instituigao. Sua carreira de mestre comegou em Princeton, onde seryiu como instrutor de Teologia Sistematica pelo periodo de um ano (1929-30). A partir de entio, Murray tornou-se membro do corpo docente do Westminster Theological Seminary, servindo a principio como instrutor e, a partir de 1937, como professor de Teologia Sistematica. Além de suas contribuigées a muitos periddicos, suas mais importantes obras s4o: Christian Baptism (1952), Divorce (1953), Redemption, Accomplished and Applied (1955), Payton Lectures (1955), Principles of Conduct (1957), The Imputation of Adam’s Sin (1959) Estas linhas, apesar de redigidas principalmente como apresentacao desta obra e de seu autor ao publico leitor, nao estariam completas sem falarmos sobre o alvo final do autor neste empreendimento. O seu alvo € estimular os homens de nossa Epoca a se empenharem em um renovado. esforco por entender o texto sagrado da carta aos Romanos, que se destaca majestosamente entre os escritos neotestamentarios. Que a reverente e meticulosa erudigZ0 do autor, expressa nesias paginas, contribua ricamente para que a mensagem do inspirado apéstolo chegue aos homens “na plenitude da béncio de Cristo”. Ned B. Stonehouse PreEFAcio Do AUTOR A fim de que este comentario seja livremente consultado por aqueles que nao esto afeitos as linguas originais das Escrituras, com freqliéncia tenho evitado usar vocdbulos gregos e hebraicos. Esies foram incluides nas notas dos capitulos e nos apéndices. Esta pratica, em muitas ocasides, aumenta a dificuldade. E mais facil para um ex- positor discutir a exegese de qualquer clausula, frase ou palavra em particular, se o texto original for citado ¢ se a exposicao prosseguir na hipétese de que o leitor o conhece bem. Porém, quando essa hipdtese nado pode ser mantida, torna-se necessdério empregar outros métodos que familiarizem o leitor com os assuntos que estiverem sendo dis- cutidos, exigindo-se, para isso, muitas consideragdes. No entanto, ha compensacoes. As Escrituras Sagradas devem ser explicadas de modo que, “habitando a Palavra de Deus ricamente em todos, adorent a Deus de maneira aceitivel; e, através da paciéncia e consolagao das Escrituras, tenham esperanca” (Confisséo de Fé de Westminster, 1, viii). E os comentarios, por semelhante modo, deveriam estimular os interesses daqueles que nao conhecem as linguas origi Quanto 4 questo das variantes no texto original, acredito que nao me tenho feito passar por autoridade na ciéncia altamente especializada da critica textual, Em varias ocasides, mostrei-me indeciso e procurei indicar qual seria o sentido das respeciivas passagens. Em muitos casos, seria uma presuncdo de minha parte tentar ser dogmatico a favor de uma variante, em detrimento de qualquer outra. Todo expositor tem suas preferéncias quanto aos detalhes sobre OS quais concentra sua atencao. Este comentario nao € uma excecaa. Isto equivale a dizer apenas que reflete as limitagdes € os interesses particulares do autor. Porém, tentei determinar o que acredito ter sido © pensamento do apéstolo sobre agueles assuntos centrais em Romanos, 8 Romanos procurando fazer isso de modo a aproveitar as contribuicoes mais significativas de outros, ao explanarem essa carta. O manuscrito deste livro foi completado € preparado antes do surgimento de alguns dos mais recentes comentarios sobre a carta aos Romanos ou, pelo menos, antes de terem chegado as minhas maos. Por isso, ndo me referi a eles. Desejo expressar ao Dr. Ned B. Stonehouse, estimado colega, minha profunda gratidao por sua tolerancia e encorajamento, bem como pelas correcdes sugeridas por ele em diversos pontos. Contudo, o Dr Ned nao é responsdvel, em medida alguma, pelas falas manifestadas nesta jornada venturosa na ciéncia da exposi¢do. Reconhego, agradecido, a minha divida para com os seguintes publicadores, por sua gentil permissio para que eu citasse suas obras: Muhlenberg Press, Filadélfia — Anders Nygren: Commentary on Ro- mans (1949); Harper & Brothers, Nova Iorque — C. K. Barrett: A Commentary on the Epistie 10 the Romans (1957), Karl Barth: Christ and Adam (1957); Abingdon-Cokesbury Press, Nova Iorque e Nash- ville — The Interpreter’s Bible, yol. IX (1954); B. Herder Book Co., St. Louis — Joseph Pohle, ed. Arthur Press: Grace Actual and Ha- bitual, Dogmatic Theology V1I1 (1934); Wm. B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids — F. F. Bruce: The Epistle of Paul to the Romans (1963), Commentary on the Epistle to the Colossians (1957); Joao Calvino: The Epistle of Paul to the Romans (1961); The West- minster Press, Filadélfia — Oscar Cullman: Christ and Time (1950); Charles Scribner’s Sons, Nova lorque — Oscar Culmann: The State in the New Testament (1957); Lutterworth Press, Londres — Franz J Leenhardt: The Epistle to the Romans (1961) Seria impossivel expressar adequadamente minha divida As int- meras fontes de onde obtive estimulo e assisténcia. O pensamento e a expressao sempre serao moldados pelo contato com os escritos alheios, nao sendo possivel tracar as varias influéncias sofridas, conferindo a cada autor 0 seu devido crédito. Porém, desejo aproveitar a ocas para apresentar minha gratiddo aos autores e publicadores dos livros que n&o exigiram qualquer permissao para serem citados. Quanto a estes, manifestamos o reconhecimento mediante a identificagao e citacao apropriadas. A Wm. B. Eerdmans Publishing Company, por toda a cortesia que me foi prestada quanto A publicagao deste volume, estendo minha calorosa gratidao, Tornar-me-ia extremamente culpado se encerrasse este prefacio sem fazer aquele supremo reconhecimento. A carta aos Romanos é a PrerAcio po Autor 9 Palavra de Deus. Seu tema é 0 evangelho da graca divina, e o evangelho anuncia as maravilhas da condescendéncia e do amor de Deus. Se nao nos deixarmos enlevar pela gloria do evangelho e nao formos in- troduzidos no Santo dos Santos da presenga de Deus, teremos perdido de vista a finalidade grandiosa desse sagrado depésito. somente pelo fato de que o Deus da graca insuflou tesouros em vasos de barro que nés, homens, recebemos a incumbéncia e o privilégio de empreender tal exposicao, Se qualquer éxito acompanhar este esforgo, tudo sera pela graca do Espirito Santo, sob cuja inspiracao a carta foi escrita e sob cuja iluminacdo a igreja tem sido conduzida em interpreta-la. Sempre. devemos nos caracterizar por profunda humildade. A exceléncia do poder pertence a Deus, e nao a nés. Exclusivamente a Ele seja todo louvor e gloria. John Murray NTRODUCAO O AvToR E indiscutivel que o apéstolo Paulo escreveu a carta aos Romanos, €, por esse motive, conforme um dos mais recentes comentadores declarou, trata-se de “uma proposi¢do que nao precisamos discutir”.' Todavia, devemos reconhecer a importancia da autoria paulina, qaando @ relacionamos ao contetido da carta. Ao fermos a carta, no podemos escaput 4 énfase que recai sobre a gtaca de Deus e, mais especificamente, sobre a justificagao pela ysgraca, mediante a fé. Para este evangelho, Paulo fora separado (1.1) Quando ele diz “separado”, d4 a entender que todos os interesses e apegos estranhos @ promacéo do cvangelho haviam sido rompidos, arrancados e que o evangelho 0 tornara cativo. Este amor e dedicagado devem ser considerados a luz daquilo que} Paulo fora anteriormente. Ele mesmo testificou: “Vivi fariscu conforme a seita mais severa da nossa religiao” (At 26.5).?O seu furisaisme o consuangeu a pensar consigo mesmo: “Muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno” (At 26.9). Paulo tornara-se o arquiperseguidor da igreja de Cristo (cf. At 26.10-11, | Tm 1.13). Por tras desta oposicao, havia o zelo retigioso em busca de uma maneira de ser aceito diante de 1 C.K. Barrett, The Epistle to the Romans, Nova Torque, 1957, p.1. 2 Qtermo “fariseus” ver de palavras semiticas que transmitem a idéia de “os separados”. Se ha qualquer alusdo a isso no uso que Paulo fez do termo “separado”, em Romanos 1.1, qudo diferente era a abrangéncia de sua separacao e da direcdo a qual apontava, bem como aquilo para o que fora separado. 12 Romanos Deus; isto era a antitese da graca e da justificagao pela fé. Portanto, ao escrever esta grandiosa e polémica obra, a respeito da exposig&o ¢ defesa do evangelho da graca, Paulo o fez como alguém que conhecera plenamente, nas profundezas de sua propria experiéncia e devogao, o carater daquela piedade que agora, na qualidade de servo de Jesus Cristo, se via obrigado a caracterizar como religiao de pecado e morte. O farisaismo era uma religiao de lei. Seu horizonte era definido e circunscrito pelos recursos da lei €, por conseguinte, pelas obras da lei. O encantamento do farisafsmo foi decisivamente quebrado por ocasiao do encontro de Paulo com Jesus, na estrada para Damasco (cf. At 9.3- 6; 26.12-18). Por isso, o apdstolo escreveu: “E 0 mandamento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte” (Rm 7.10); “Porque eu, mediante a propria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus” (Gl 2.19); “Visto que ninguém sera justificado diante dele por obras da lei, em razdo de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20). Ao esclarecer a antitese entre a graca ea lei, a fé e as obras, Paulo escreve sobre uma antitese que se tefletia no contraste entre os dois periodos da historia de sua propria vida, os quais estavam divididos pela sua experiéncia na estrada de Damasco. Esse contraste torna-se ainda mais significativo no caso de Paulo, pois 0 zelo que o caracterizou, em ambos os perfodos, foi insuperavel quanto a seu fervor € intensidade. Ninguém foi capaz de conhecer melhor a autocomplacéncia da justiga da lei, por um lado, ea gloria da justica de Deus, por outro. A importancia da autoria paulina ndo deve ser apreciada somente por pertencer ao tema central da carta; existe outra caracteristica notavel vinculada ao fato de que Paulo é 0 seu autor. Os leitores da carta podem, em algumas ocasides, indagar a si mesmos qual a relevancia dos capftulos 9a 11. Estes capitulos parecem perturbar a unidade e a seqiiéncia l6gi- ca do argumento. A inclusao deles, na verdade, tem sua explicagao em algo muito mais importante do que na identidade de Paulo. Mas tal fator nao pode ser negligenciado. Paulo era judeu. E nio apenas isto; era um judeu que se convertera daquela mesma perversiéo que ca- racterizava 0 povo judeu como um todo, na época em que Ele escreveu esta carta. Paulo conhecia a mentalidade judaica como nenhuma outra pessoa. Sabia qual a gravidade das quest6es debatidas na incredulidade de seus compatriotas segundo a carne. Avaliou a desonra que essa incredulidade trazia a Deus e ao seu Cristo. “Porquanto, desconhecendo a justica de Deus ¢ procurando estabelecer a sua prépria, nado se sujeitaram 4 que vem de Deus” (Rm 10.3). “Deus Ihes deu espirito de entorpecimento, olhos para nao ver e ouvidos para nao ouvir, até ao dia IntRoougao 13 de hoje” (Rm 11.8). Em seus labores missionarios, Paulo encontrou muito dessa hostilidade judaica contra 0 evangelho (cf. At 13.45-47; 14.2,19; 17.5-9; 18.6,12 € 19.9). Porém, essa hostilidade e a perse- guicdo por ela engendrada nao apagaram a intensidade do amor por seus compatriotas, um amor que 0 constrangeu a proferir aquelas palavras que dificilmente acham correspondentes no restante das Escrituras: “Porque eu mesmo desejaria ser andtema, separado de Cristo, por amor de meus irmaos, meus compatriotas, segundo a carne” (Rm 9.3). A extensao envolvida no grandioso tema da carta, juntamente com o pecado caracterfstico do povo judeu, pecado do qual o apéstolo acusa diretamente os judeus, em Romanos 2,17-29, torna inevitével, por assim dizer, que Paulo tivesse expressado 0 ardente desejo de seu coragado em favor da salvacao de seus irmaos — “A boa yontade do meu coragao e a minha stiplica a Deus a favor deles sio para que sejam salvos” (Rm 10.1). Existe outra consideragio relacionada A autoria paulina que nos convém observar. Paulo era, eminentemente, 0 apdstolo dos gentios (cf. At 13.47,48; 15.12; 18.6,7; 22.21; 26.17; Gl 2.2,8; Ef 3.8e1 Tm 2.7). Em Romanos, encontramos nao somente referéncias expressas a isso (11.13; cf. 1.13), mas a propria redagao da carta derivou-se do seu sentimento de comissao e dever, associado aquele fato. O apéstolo enyidou esforgos especiais para assegurar aos cristaos de Roma que por diversas vezes se propusera a ir 14 (1.11-13; 15.22-29). Impedido de cumprir 0 seu desejo, escreveu a carta em cumprimento de sua comiss4o apost6lica. Enquanto a lemos, precisamos levar em conta 0 zelo missionério e 0 propdsito pelo qual Paulo se deixava animar na posicao de apdstolo dos gentios; essa consideragdo esta intimamente ligada 4s complexidades da igreja de Roma e ao scu lugar naquela regido que Paulo reputava preeminente em seus labores apostélicos. A Ocasiio Quando correlacionada as narrativas sobre as atividades de Paulo, relatadas no livro de Atos, a carta fornece indicagées suficientes para determinarmos, com razoavel certeza, 0 lugar e a ocasiio em que foi escrita. E evidente que Paulo estava as vésperas de sua partida para Jerusalém, levando a contribuigao feita na MacedOnia e na Acaia para os pobres dentre os santos de Jerusalém (cf. Rm 15.25-29). Isso deixaria subentendido, para dizermos 0 minimo, que ele se encontrava nas proximidades da Maced6nia e da Acaia. A referéncia a Cencréia (Rm 16.1), 0 porto da cidade de Corinto, e as recomendagées sobre Febe,

Você também pode gostar