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EXMO. SR.

DESEMBARGADOR DA SEGUNDA VICE-PRESIDÊNCIA DO


EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Processo n.º @@@

JOÃO DA SILVA, brasileiro, solteiro, advogado regularmente


inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil sob nº @@@, com escritório
profissional localizado, nesta cidade, na Avenida Rio Branco, nº 143, 20º
andar, CEP @@@, vem, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da
Constituição Federal e no artigo 647, do Código de Processo Penal, impetrar
a presente ordem de HABEAS CORPUS em favor de FRANCISCO JESUS DOS
SANTOS, brasileiro, solteiro, dezenove anos, desempregado, inscrito no
CPF/MF sob o nº 1488579965, portador da cédula de identidade nº
545487875456, residente e domiciliado, nesta cidade, na Rua Honório de
Barros, nº 170, Flamengo, CEP 22273-000, contra ato exarado pelo MM. Juiz
de Direito da @@ Vara Criminal da Comarca da Capital do estado do Rio de
Janeiro, pelos motivos que passa a expor.

BREVE SÍNTESE DOS FATOS

1. FRANCISCO JESUS DOS SANTOS, na condição de morador de rua,


após dias sem se alimentar devidamente entra em desespero e resolve
procurar algum meio de conseguir comida. Nesta condição de necessidade o
apelante seguiu para Copacabana, onde, tomado por sua fome, puxou a bolsa
de uma senhora na tentativa de conseguir algum dinheiro, mas, logo foi
capturado por garçons que trabalhavam nas imediações do local.
2. O paciente foi preso no dia 2 (dois) de abril de 2017, por volta do
meio dia, em flagrante por suposta tentativa de homicídio, nas imediações da
Praça do Lido, Copacabana, Rio de Janeiro e levado à 12ª DP por Policial
Militar em serviço na localidade.

3. O policial militar que conduziu o paciente à referida delegacia


não presenciou o fato e nem o momento da captura do Sr. Francisco de Jesus,
haja visto que logo após, supostamente, roubar a bolsa de uma senhora
próximo ao Restaurante Gostosuras do Rio, localizado na rua Ronald de
Carvalho, nº 123, Copacabana, CEP 22648000, foi capturado por um grupo de
garçons. Tanto a vítima quanto os garçons não compareceram à delegacia
para prestar depoimento.

4. Necessário atentar ao fato de que o paciente encontra-se


recolhido no Complexo Prisional de Bangu desde de @@, por ordem do MM.
Juiz de Direito da @@ Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro,
sob os seguintes argumentos (cf. fls. @@):

(i) “a segregação provisória do sr. Francisco é imprescindível para a


aplicação da lei penal, em razão da reprovabilidade da conduta
que lhe é imputada”; (cf. fls. @@)

(ii) “por necessidade de resguardar as testemunhas, tendo como


fundamento a conveniência da instrução criminal e a necessidade
de se assegurar a aplicação da lei penal”; (cf. fls. @@)

(iii) “de que o paciente é dotado de real periculosidade, e que, a prisão


cautelar justificada no resguardo da ordem pública visa prevenir
a reprodução de fatos criminosos e acautelar o meio social”; (cf.
fls. @@)

(iv) “os delitos pelo quais este está sendo acusado, assustam a sociedade
e demandam uma pronta resposta do Poder Judiciário como forma de
garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e elucidação dos
fatos”. (cf. fls. @@)

5. Já à época do recebimento do auto de prisão em flagrante pela


autoridade coatora, o i. parquet já havia se manifestado no sentido de que
fosse concedida a liberdade provisória sem fiança (cf. fls. @@), em favor do
paciente, justamente por reconhecer que ele é réu primário e possuidor de
bons antecedentes. No entanto, o MM. Juízo a quo decidiu mesmo assim pela
decretação da prisão preventiva (cf. fls. @@).

6. Inconformado com a decisão supracitada, o impetrante interpôs


pedido pleiteando a sua revogação, inclusive com vista prévia ao i. parquet,
que opinou, novamente, pela concessão de liberdade provisória sem fiança e
cumulada com medidas cautelares diversas da prisão. O pleito foi indeferido
pela autoridade coatora, a qual manteve a segregação preventiva, motivando
a impetração do presente remédio constitucional.

7. Em síntese, eis os fatos que embasam o presente remédio


constitucional, cuja concessão se impõe.

DIREITO

8. Diga-se logo, sem rodeios: o paciente é pessoa íntegra, de bons


antecedentes e que jamais respondeu a qualquer processo criminal.
9. E mais: a biografia, e a conduta do paciente, que, conforme
narrado supra, goza do mais ilibado comportamento, sendo que jamais se
dedicou a qualquer atividade criminosa.

10. Cabe ressaltar que não é possível extrair, ante análise detida do
material probatório acostado aos autos, elementos suficientes para amparar
a manutenção do paciente na prisão. É dizer: não há provas suficientes para
indicar que o réu foi o autor do delito, o que deverá conduzir,
necessariamente, à concessão da ordem pleiteada, fundada no art. 648, II e IV
do Código de Processo Penal.

11. Vale ressaltar que não houve o comparecimento da vítima ou de


qualquer outra testemunha na delegacia e o próprio policial militar que
realizou a condução de Santos não presenciou o ocorrido.

12. Reitera o impetrante quanto a prisão preventiva foi decretada


tendo por único fundamento os depoimentos prestados pelos policiais
militares que efetuaram a prisão em flagrante. Sem mais nenhuma prova que
balizasse o decreto prisional.

13. Configura entendimento pacífico que ilações abstratas acerca da


gravidade do delito em apuração e de temor do meio social são argumentos
inválidos para fundamentar a medida excepcional que é a prisão preventiva.
14. Ora, como se sabe, a decisão que determina prisão preventiva
deve extrair fundamento em alguma das hipóteses do art. 312 do CPP, dentre
as quais não se encontram “certeza da impunidade, incentivo à prática
criminosa, real periculosidade, clamor público e temor da comunidade local”
(cf. fls. @@).

15. A utilização de qualquer fundamentação neste sentido, traduz-se


numa decisão vazia e claramente contrária à lei. Precisamente neste aspecto
foi a decisão expedido pela autoridade coatora, a qual, por sua vez, se amarou
com a seguinte expressão: “ (...) assustam a sociedade e demandam uma pronta
resposta do Poder Judiciário” (cf. fls. @@).

16. Verifica-se, pois, que o decreto de prisão preventiva expedido


pela autoridade coatora mostra-se totalmente desprovido de fundamentação
válida, o que conduzirá, necessariamente, à concessão da ordem aqui
pretendida.

17. Corrobora esse entendimento a seguinte decisão do e. Superior


Tribunal de Justiça, ora transcrita:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA.


FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A
falta de demonstração, efetiva e concreta, das causas legais da prisão
preventiva, caracteriza constrangimento ilegal manifesto, tal como
ocorre quando o Juiz se limita a invocar, sem mais, o temor da
comunidade e a probabilidade de repetição do ilícito, sem base em
qualquer fato concreto. 2. Ordem concedida”.1

18. Diante da análise do material probatório acostado aos autos, não


se verificam elementos concretos aptos a apontar indícios de que o paciente,
em liberdade, iria fugir, prejudicar de alguma forma a aplicação da lei penal,
prejudicar a instrução, ou, sequer, perturbar a ordem pública. Afinal, deve
advir de elementos mínimos para que se tolha a liberdade do indivíduo. A alta
reprovabilidade da conduta praticada não se presta, por si só, para que haja a
decretação da segregação cautelar.

19. Nesse sentido, o e. Supremo Tribunal Federal se manifestou em


habeas corpus, de relatoria do e. Min. Marco Aurélio, ora transcrito:

PRISÃO PREVENTIVA - GRAVIDADE DO CRIME. A gravidade do crime


circunscreve-se ao tipo penal, não autorizando a prisão preventiva.
PRISÃO PREVENTIVA - PREMISSA - SUPOSIÇÃO. A suposição de que,
solto, o agente voltará a delinquir não respalda, tecnicamente, a custódia
preventiva. 2

20. Corrobora esse entendimento o magistério de Roberto


Delmanto, que sabiamente afirma:

“Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva


com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos
baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado
realmente cometeu o delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos
mesmos estímulos, praticará outro crime, ou, ainda, envidará esforços
para consumar o delito tentado.”3

1
STJ. HC nº 43271/RS. 6ª Turma. Rel. Hamilton Carvalhido. Publ. 14/08/2006
2
HC 91723, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 08/06/2010, publicado em
24-09-2010
3
DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001.
21. Cabe destacar, por fim, a delicada questão de humanidade que
emana dos autos em exame. O que motivou o recorrente, FRANCISCO JESUS
DOS SANTOS, a cometer o ato delituoso foi tão somente a fome que lhe
aplacava de forma insustentável.

22. Ora, o crime foi cometido pelo recorrente com o intuito de


conseguir comida, sendo caracterizado o estado de necessidade no qual se
encontrava. Sendo assim, temos o disposto no artigo 24 do Código Penal
classificando a hipótese de furto famélico.

PEDIDOS

23. Ante o exposto, o impetrante vem perante V.Exa. requerer seja


concedida a presente ordem de habeas corpus, com a subsequente expedição
do alvará de soltura do paciente, sendo certa a ausência de indícios suficientes
de autoria e ausência de fundamentação da prisão preventiva.

Termos em que,
p. deferimento.

Rio de Janeiro, 31 de maio de 2017

João da Silva
OAB/RJ @@

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