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1.

DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO PARA A PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

Busca-se, no presente tópico, apresentar as ideias que deverão servir de norte ao leitor
para a melhor compreensão do tema eleito.

A primeira delas diz respeito à finalidade do Estado, à sua ratio essendi. De acordo com
a teorização desenvolvida por John Locke (2011) em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo,
publicada no século XVII, antes do surgimento do Estado os seres humanos viviam num “estado de
natureza”, cuja lei máxima, que a todos obrigava, era a razão. Ela estabelecia que, por serem todos
os “homens” iguais e independentes, nenhum deles devia prejudicar a outrem na vida, na saúde, na
liberdade ou nas posses. Por não haver o Estado – hoje titular do jus puniendi –, em casos de
violação da lei natural o direito vigente era a vingança privada; o infrator colocava-se em “estado de
guerra” perante o ofendido, e este, por sua vez, estaria legitimado a agir contra aquele.

Conforme expôs o autor (2011), o problema principal era que, inexistindo um juiz
investido de autoridade para apreciar os casos, consequentemente não havia limite ao poder de
punir, então titularizado pelo ofendido ou por quem à sua defesa agisse. A título de ilustração,
poderia a vítima matar um ladrão que não a agrediu nem atentou contra a sua vida.

Nessa linha de raciocínio, John Locke afirmou que

evitar o estado de guerra – onde não há apelo senão para o céu, e no qual se pode
transformar mesmo a menor divergência, se não houver autoridade que possa julgar entre
os litigantes – é motivo decisivo e bastante para que os homens se reúnam em sociedade
abandonando o estado de natureza; onde há autoridade, poder terreno que pode dar amparo
mediante apelo, está banida a continuidade do estado de guerra, sendo a controvérsia
dirimida por aquele poder (LOCKE, 2011, p. 26).

Com o mesmo pensamento, já sustentou Cesare Beccaria que “fatigados de só viver em


meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de
conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais
segurança” (2014, p. 17). Aludido sacrifício refere-se à teoria do pacto social, segundo a qual, no
escólio de Rogério Greco, “nós, integrantes de determinada sociedade, havíamos acordado,
tacitamente, com esse pacto, que significava que abriríamos mão de uma parcela de nossos direitos
para que o direito de todos pudesse prevalecer” (2017, p. 28).
Isso significa que o Estado foi criado unicamente para atender aos interesses dos seres
humanos, necessários à sua sobrevivência e desenvolvimento.

A segunda ideia que se apresenta é a de que esses interesses, em virtude de sua


essencialidade, são bens a que o Estado deve tutelar. Dentre eles estão a vida, a liberdade, a
segurança, a saúde, a integridade corporal, a dignidade sexual, a propriedade, etc. Segundo Claus
Roxin (2018), são as condições individuais necessárias para uma coexistência pacífica, livre e
socialmente segura, sob a garantia de todos os direitos humanos. Conceito semelhante é o de
Binding, para o qual bens jurídicos são

condições de uma vida juridicamente saudável, na qual a paz permanece sem ser
perturbada; os sujeitos de direito se desenvolvem livremente e, ao mesmo tempo, de forma
moderada e absoluta; e em que os direitos podem ser exercidos de maneira tranquila e sem
obstáculos (apud JAKOBS, 2018, p. 34-35).

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