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—woUk OA ARB Péoth: Opts tina CHRISTIAN NORBERG-SCHULZ . 0 FENOMENO DO LUGAR O nome do teérico noruegués Christian Norberg-Schulz esté intimamente ligado & adogéo de uma fenomenclogia de arquitetura. Desde os primeiros estudos realize- dos na década de 1960 até seu livro, Architecture: Meaning and Place (1988), Nor- berg-Schulz vern desenvolvendo uma interpretacéo textual @ pictériea das idéias de Martin Heidegger (1889-1976), beseando-se sobretudo no ensaio do filésofo ‘alemao “Construir, habitar, pensar”. Em Intentions in Architecture (1963), Norberg- E Schulz usou a linglistica, a psicologia da percepgao (Gestalt) ¢ @ fenomenologia para constrir uma teria abrengents do exquitetura. A obra fol publiceda pouco antes do Feo de Robert Venturi Complexidade e contradicao na arquitetura, outro importantissimo s-moderno. Os ultimos livros de Norberg-Schulz evidenciam seu interesse cres- texto pos cant pela fenomenologia. 'A fenomenologia, definida inicialmente por Edmund Husserl (1859-1938) como uma investigacdo sistemética da consciéncia e seus objetos,' 6 entendida por Norberg Schulz como um “método” que exige um “‘retorno as coisas’, em oposigéo as abs- traces © construges mentais”. Na época em que este ensaio foi publicado, poucos © gstorgos-haviam sido empreendidos para estudar o ambiente do ponto de vista feno- menol6aico. Norbera-Schulz identifica o potancial fenomenolégico na arquitetura corno acapacidade de dar significado ao ambiente mediante a criagao de lugares especificos. 0 teérico introduz a antiga nog4o romana do genius loci, isto 6, a idéia do espfrito de um determinado lugar (que estabelece um elo com o sagrado), que cria um “outro” ou um oposto com o qual a humanidade deve defrontar a fim de habitar. Ele interpreta E a conceito de hebitar como estar em paz num luger protegido. Assim, 0 cercamento, © oato de demarcar ou diferenciar um lugar no espago se converte no ato arquetipica da construgao e a verdadeira origem da arquitetura. O autor sublinha a importéncia de certos elementos arquiteténicos basicos, como. parede, chao ou teto, percebidos ‘como horizontes, fronteiras e enquadramentos da natureza. A arquitetura toma clara a localizagao da existéncia dos homens, que, na definigdo de Heidegger, esta entre o céu ea terra, em face dos seres divinos. Fenomendloges come Vittorio Gregotti também aludem & necessidade de que o local da construgao intensifique, condense e indique com exatidéo a estrutura de natureza e como o homem a percebe (cap. 7). A celebra- co de determinados atributos do lugar também é fundamental no regionalismo critico de Kenneth Frampton (cap. 11). ‘Além do foco no sitio, a fenomenologia abrange a tectonica, porque, no dizer de Nor- berg-Schulz, “o detalhe explica o ambiente e manifesta sua qualidade peculiar” (caps. 10 ¢ 12), Por causa dessa invocagao do local e da tectonica, a fenomenologie se afirmou como influente escola de pensemento entre alguns arquitetos contemporéneos, como Tadao Ando, Steven Holl, Clark e Menefee, 2 Peter Waldman. Ele despertou um novo interesse da luz, da cor, bem como na importéncia simbo- nas qualidades sensoriais dos materiais, lca © tél das juncoes. Esses aspectos contribuem para realgar a qualidade poética qua ng opiniéo de Heidegger 6 essencial para o habiter. Norberg-Schulz, levado por sua grande admiracao por Robert Ventut, identifica equivocadamente com a fenomenologia, por causa do interesse recente do arquiteto na * parede entre o interior ¢ 0 exterior”. Depois de Aprendendo com Las Vegas, restam poy. cas dtividas de que Venturi e seus colaboradores estao mais interessados na superficie (a “ galpao decorado") do que em questdes espaciais, como lugares delimitados, 1. Anthony Flew, A Dictionary of Philosophy, 2.04. revisada. Nova York: St. Martin's Press, 1984, p. 157 CHRISTIAN NORBERG-SCHULZ 0 fendmeno do lugar Nosso mundo-da-vida cotidiana consiste em “fendmenos” concretos. Compée-se de pessoas, animais, flores, érvores e florestas, pedra, terra, madeira e gua, cidades, ruase casas, portas, janelas e mobilias. E consiste no sol, na lua e nas estrelas, na passagem das nuvens, na noite e no dia, e na mudanga das estagdes. Mas também compreende fend- menos menos tangtveis, como os sentimentos. Isto é, o que nos é “dado” é0 “contetido” de nossa existéncia. Rilke escreveu que: “Quem sabe nao estamos aqui para dizer: casa, ponte, fonte, portéo, jarra, 4rvore frutifera, janela, ~ no méximo, pilar, torre”." Tudo o mais, sejam 4tomos e moléculas, ntimeros e todos os tipos de “dados”, sao abstrages ‘ou ferramentas construidas para atender a outros propésitos que nao a vida cotidiana. Atualmente, é muito comum confundir as ferramentas com a realidade, As coisas concretas que constituem nosso mundo dado se inter-relacionam de modo complexo e talvez contraditério. Alguns fenémenos, por exemplo, podem compteender outros. A floresta compde-se de drvores e a cidade ¢ feita de casas. A “paisagem” é um fenémeno muito abrangente. De maneira geral, pode-se dizer que alguns fenémenos formam um “ambiente” para outros. Um termo concreto para fa- lar em ambiente é lugar. Na linguagem comum diz-se que atos e acontecimentos tért lugar. Na verdade, nao faz o menor sentido imaginar um acontecimento sem referén- cia a uma localizagao. £ evidente que o lugar faz parte da existéncia. Entao, 0 que se quer dizer com a palavra “lugar”? E claro que nos referimos a algo mais do que uma localizagao abstrata. Pensamos numa totalidade constituida de coisas concretas que

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