Você está na página 1de 8

ASPECTOS GERAIS E ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA QUERCETINA

SOBRE AS COMPLICAÇÕES DO DIABETES CAUSADAS PELO ESTRESSE


OXIDATIVO
Ângela Maria Pereira Alves1
Éder Paulo Belato Alves1
Nilza Cristina Buttow1
Juliana Vanessa Colombo Martins Perles1
Jacqueline Nelisis Zanoni1
Sandra Regina Stabille2

ALVES, A. M. P.; ALVES E. P. B.; BUTTOW, N. C.; PERLES, J. V. C. M.; ZANONI, J. N.; STABILLE, S. R. Aspectos gerais e abordagem
terapêutica da quercetina sobre as complicações do diabetes causadas pelo estresse oxidativo. Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama,
v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010.

RESUMO: Os flavonóides pertencem à classe de compostos fenólicos, que diferem entre si pela sua estrutura química e características
particulares. Frutas, vegetais, grãos, flores, chá e vinho são exemplos de fontes destes compostos. A quercetina é o principal flavonóide pre-
sente na dieta humana, sendo a representante mais característica da subclasse flavonol da família dos flavonóides. Desde a sua descoberta,
os estudos publicados na literatura científica apontam para o seu papel crucial no combate ao estresse oxidativo, associado a diversas con-
dições patológicas. No diabetes mellitus (DM), por exemplo, também tem sido relatada sua eficiência na inibição da enzima aldose redutase
que participa da via dos polióis. Nesta contextualização e considerando as graves consequências advindas do DM para a saúde e qualidade
de vida, propôs-se neste trabalho uma revisão geral da literatura pertinente, a fim de reunir dados sobre aspectos biológicos e funcionais da
quercetina, bem como, sua atuação benéfica nas complicações do diabetes causadas pelo estresse oxidativo.
PALAVRAS-CHAVE: Quercetina; Estresse oxidativo; Diabetes.

GENERAL ASPECTS AND THERAPEUTIC OF QUERCETIN ON THE COMPLICATIONS OF DIABETES CAUSED BY


OXIDATIVE STRESS

ABSTRACT: Flavonoids belong to the class of phenolic compounds that differ by their chemical structure and characteristics. Fruits, ve-
getables, grains, flowers, tea and wine are examples of sources of these compounds. Quercetin is the major flavonoid present in the human
diet and it is the most typical representative of the flavonol subclass of the flavonoid family. Since its discovery, studies published in scien-
tific literature point to its crucial role in combating oxidative stress associated with various pathological conditions. In diabetes mellitus
(DM), for example, it has been also reported the effectiveness in inhibiting aldose reductase enzyme that participates of polyol pathway. In
this context and considering the dire consequences of diabetes to health and quality of life, it was proposed in this paper a general review
of relevant literature in order to gather data on biological and functional aspects of quercetin and its beneficial role in the complications
diabetes caused by oxidative stress.
KEYWORDS: Quercetin; Oxidative stress; Diabetes.

Introdução dora das enzimas ciclooxigenase e lipooxigenase que


estão envolvidas na síntese de eicosanóides a partir
A quercetina foi identificada pela primeira do ácido araquidônico (FORMICA; REGELSON,
vez como vitamina P e, juntamente com a vitami- 1995; INAL; KAHRAMAN, 2000); varredora dos
na C, teve sua ação comprovada na manutenção da ânions superóxido, oxigênio singleto e radicais hidro-
resistência e da integridade da parede dos capilares xila, prevenindo a peroxidação lipídica (HOLLMAN
sanguíneos. Subsequentemente, diversos registros et al., 1997) e atua como agente quelador de íons dos
atestaram sobre as propriedades farmacológicas da metais de transição como o ferro e o cobre (MOREL
quercetina que a faz atuar de forma benéfica sobre et al., 1993; FORMICA; REGELSON, 1995) impe-
os sistemas biológicos. Foram relatadas atividades dindo que estes catalisem reações formadoras de ra-
antihipertensiva, antiarítmica, hipocolesterolêmica, dicais livres (RIGO; GUTERRES, 2002).
antihepatoxicicidade, anticarcinogênica (FORMI- O estresse oxidativo elenca os mecanismos
CA; REGELSON, 1995), antiviral, antiulcerogênica, envolvidos no surgimento das complicações causa-
antitrombótica, anti-isquêmica, anti-inflamatória, an- das pelo diabetes mellitus (DM). Dentre estas com-
tialérgica (INAL; KAHRAMAN, 2000; SHIRAI et plicações estão a nefropatia, retinopatia e neuropatia
al., 2002) e antioxidante (FORMICA; REGELSON, diabética. O estresse oxidativo resultante do desequi-
1995). líbrio entre a produção de oxidantes e o respectivo
As propriedades antioxidantes da quercetina sistema de defesa do organismo (ABUJA; ALBER-
são atribuídas à sua capacidade de atuar como inibi- TINI, 2001), leva ao aumento de moléculas reativas

Docentes da Universidade Estadual de Maringá


1

Docente da Universidade Paranaense de Paranavaí


2

Endereço: Ângela Maria Pereira Alves. Rua Campos Sales, nº 252. Apto. 601. Zona 07, 87020-080 Maringá-PR. angela.01.com@gmail.com

Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010 179
ALVES; et al.

ao oxigênio (radicais livres) dentro das células (PAR- Desenvolvimento


THIBAN et al., 1995; OBROSOVA et al., 2002).
As espécies radicalares podem danificar Estrutura química e fonte alimentar
membranas ou partes internas das células, modificar
proteínas de longa vida, como o colágeno e elastina, A quercetina (3,5,7,3’, 4’-pentaxidroxiflavo-
ou provocar alterações graves nos ácidos nucléicos. na) é a principal representante da subclasse flavonol
Nas membranas o ataque radicalar provoca peroxida- da família dos flavonóides. Esses compostos fenóli-
ção lipídica em ácidos graxos insaturados (alvos pre- cos antioxidantes são encontrados amplamente em
ferenciais). Nas proteínas, altera a estrutura terciária frutas, folhas de vegetais e o seu consumo diário es-
e provoca perda da função, fragmentação e ligações timado varia entre 50 e 500 mg (DESCHNER et al.,
cruzadas. No DNA, os radicais livres induzem mo- 1991; NIJVELDT et al., 2001). A concentração deste
dificações que, na maioria das vezes, são corrigidas antioxidante é relevante em alimentos como a cebo-
pelo mecanismo de reparo. Quando esses mecanis- la, brócolis, maçã, cereja; e em bebidas, tais como o
mos não são suficientes, ocorrem alterações no DNA chá e vinho tinto (FORMICA; REGELSON, 1995;
levando a mutações (GUTTERIDGE; HALLIWELL, HOLLMAN et al., 1997; INAL; KAHRAMAN,
1992). 2000; CORNISH; WILLIAMSON; SANDERSON,
Particularmente na neuropatia e em outras 2002; KAHRAMAN et al., 2003). Entre os dife-
complicações características do DM, o estresse oxi- rentes tipos de flavonóides presentes nas plantas, o
dativo é intensificado pela redução nos níveis das flavonol quercetina é o mais abundante (CERMAK;
enzimas que participam do sistema de defesa antio- FÖLMER; WOLFFRAM, 1998).
xidante como, por exemplo, superóxido dismutase Os flavonóides consistem de uma estrutura
(PARTHIBAN et al., 1995), glutationa peroxidase, com três anéis (A, C e B) com um esqueleto carbô-
glutationa redutase e catalase (OBROSOVA et al., nico C6 – C3 – C6 (Figura 01). O primeiro anel “A”
2002) e, também, pela redução nos níveis de antioxi- é aromático, o segundo anel “C’ é um anel heterocí-
dantes como o ácido ascórbico (YOUNG; TORNEY; clico ligado a um oxigênio e ligado por meio de uma
TRIMBLE, 1992), glutationa e vitamina E (LEE; ligação C-C ao terceiro anel aromático “B” (FOR-
CHUNG, 1999). MICA; REGELSON, 1995; STRACK, 1997; PE-
Outro mecanismo potencial para o aumento TERSON; DWYER, 1998). A estrutura básica dos
do estresse oxidativo no DM é o aumento despropor- flavonóides, permite a possibilidade de substituições
cional da formação de radicais livres em decorrência nos anéis benzênicos A e B, tais como hidroxilação,
da oxidação da glicose; da glicação não enzimática glicosilação, metilação, sulfatação e glicuronidação
das proteínas e subseqüente degradação oxidativa das (HOLLMAN, 1997; HOLLMAN; KATAN, 1998;
proteínas glicadas (MARITIM et al., 2003); da micro PETERSON; DWYER, 1998).
e macroangiopatia relacionada à hipóxia; de altera-
ções nos níveis de mediadores inflamatórios e na ati- OH
vidade da via do poliol (KSIAZEK; WISNIEWSKA, 3’
2001; DAVISON et al., 2002). Deste modo, antioxi- B 4’

dantes que reduzem o estresse oxidativo e/ou inibem


a aldose redutase, podem ser relevantes no tratamen- HO OH
to das complicações decorrentes do diabetes. 7
A C
Considerando os dados compilados na lite- 3

ratura sobre a quercetina que reportam desde a sua


5
OH
farmacocinética, até a relação entre sua estrutura
química e as suas atividades biológicas; o presente OH O
estudo objetiva fazer uma revisão da literatura acerca Quercetina
dos aspectos gerais e da abordagem terapêutica da Figura 1: Estrutura química da quercetina.
quercetina sobre as complicações do diabetes causa-
das pelo estresse oxidativo. Na dieta, a quercetina é frequentemente en-
contrada como β-glicosídeo, ou seja, com um açúcar
ligado na posição 3 do anel C (FORMICA; REGEL-
SON, 1995; DAY et al., 1998; YAMAMOTO et al.,
1999). No entanto, a quercetina pode ser encontrada
sem a molécula de açúcar ligada, e neste caso é refe-

180 Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010
Ação da quercetina no estresse oxidativo.

rida como aglicona. A natureza da glicosilação é co- enquanto Gee et al. (2000) afirmam que a deglicosi-
nhecida por influenciar a eficiência de sua absorção lação e glicuronidação ocorrem durante a passagem
(CRESPY et al., 1999). através do epitélio.
No colo, a absorção da quercetina glicosídica
Solubilidade e estabilidade ocorre após a hidrólise pela microflora residente, po-
rém se a quercetina for absorvida intacta, a deglicosi-
As triagens clínicas que exploram os diferen- lação pode ser efetuada pela β-glicosidase citosólica
tes planos de administração da quercetina são dificul- presente nos enterócitos (HOLLMAN et al., 1997;
tadas devido à sua extrema insolubilidade em água, DAY et al., 2000).
bem como seu metabolismo e excreção rápidos, os Em seres humanos, após a ingestão periódica
quais resultam em baixa biodisponibilidade. Entre- de quercetina glicosilada proveniente de cebolas, os
tanto, a síntese de pró-fármacos utilizando amino- metabólitos conjugados acumularam-se no plasma
ácidos ligados ao anel B da quercetina via ligação (MANACH et al.,1998, MOON et al., 2000). O ní-
carbamato tem permitido relevante aumento da sua vel plasmático máximo de quercetina foi observado
solubilidade em água (KIM et al., 2009), melhorando 8 horas após a administração da aglicona (SHIMOI
suas propriedades farmacocinéticas. et al., 2003).
Em relação à estabilidade, Moon et al. (2008) Após a absorção, a quercetina pode ser me-
chamam a atenção para o cuidado durante o proces- tabolizada no intestino delgado, colo, fígado e rins
samento das amostras devido à estabilidade limita- (HOLLMAN; KATAN, 1998). A etapa subsequente
da da quercetina aglicona observada nas seguintes de sua metabolização é a conjugação. A quercetina
condições: no plasma, em acetonitrila e em água à pode conjugar-se com o ácido glicurônico ou com
temperatura ambiente. Neste estudo, os autores ob- o ácido sulfúrico (ADER; WESSMANN; WOL-
servaram instabilidade da quercetina em diferentes FFRAM, 2000). Este processo melhora a solubili-
valores de pH (pH 2.7, 7 e 10) e temperatura (4ºC dade da quercetina em água, podendo facilitar a sua
e -20ºC), a qual foi atribuída à instabilidade da es- eliminação (MORAND et al., 1998). Além da conju-
trutura do anel central da quercetina, resultando em gação, a quercetina também pode ser extensivamente
fragmentação do mesmo. No entanto, em condições metilada no fígado pela ação da O-metiltransferase
ácidas, a quercetina mostrou-se mais estável. (MANACH et al., 1999). A extensiva O-metilação da
quercetina, em adição a outras reações de conjuga-
Absorção, metabolismo e biodisponibilidade ção para formar glicuronídeos e sulfatos, podem ser
as principais causas para a falta de toxicidade des-
Os mecanismos de absorção e metabolismo tes compostos (ZHU; EZELL; LIEHR, 1994; MO-
da quercetina glicosídica ainda não estão bem esta- RAND et al., 1998).
belecidos; porém diversas pesquisas continuam sen- A distribuição tecidual após suplementação
do realizadas na tentativa de elucidá-los. Estudo com com quercetina, mostrou grande acúmulo do flavo-
voluntários humanos ileostomizados mostrou que nóide e seus metabólitos nos pulmões de ratos e fíga-
52% da quercetina glicosídica já é absorvida no in- do e rins de porcos (DE BOER et al., 2005). Há evi-
testino delgado e sua absorção ultrapassa a da aglico- dências de que o tempo de meia vida dos metabólitos
na que é em torno de 24%. (HOLLMAN et al.,1995). de quercetina é elevado e varia entre 11 a 28 horas.
Estudos como este, revelam dados contraditórios à Isto indica que sob condições de suplementação re-
teoria de que os glicosídeos por terem natureza hi- petida; níveis plasmáticos consideráveis são atingi-
drofílica e alto peso molecular, tem sua absorção dos (HOLLMAN et al., 1997; MANACH; MAZUR;
prejudicada pelo intestino delgado, e que a clivagem SCALBERT, 2005).
da ligação β-glicosídica ocorre apenas no intestino
grosso, quando a microflora presente entra em ação. Efeitos da quercetina sobre as complicações do
Day et al. (2000), sugerem que a quercetina DM causadas pelo estresse oxidativo
glicosídica pode ser deslocada através do epitélio do
intestino delgado por transporte ativo ou ser absorvi- Múltiplas estratégias terapêuticas têm de-
da somente após deglicosilação no lúmen pela ação monstrado que o tratamento com antioxidantes como
da lactase florizina hidrolase que a degrada em sua a quercetina previne a formação ou neutraliza as espé-
forma aglicona. Já para Crespy et al. (2001), a hidró- cies radicalares oriundas do estresse oxidativo, mini-
lise prévia dos glicosídeos é necessária para que pos- mizando ou evitando as complicações características
sa ocorrer o transporte através do epitélio intestinal; do DM (CAMERON; COTTER, 1999; SHIRPOOR

Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010 181
ALVES; et al.

et al., 2007). gicos envolvido no desenvolvimento da nefropatia


É crescente a consciência de que os radicais diabética. Com este intuito, Muragundla; Chopra,
livres podem ter uma importância especial nas com- (2004) examinaram o efeito antioxidante da querce-
plicações micro e macrovasculares do diabetes. No tina (10 mg/kg de peso corporal) sobre a função renal
estado pré-diabético, é notado um nível antioxidati- e o estresse oxidativo em ratos; quatro semanas após
vo anormal devido à tolerância prejudicada à glico- a indução do diabetes por estreptozootocina. O trata-
se, podendo contribuir para o aumento do risco de mento com quercetina nos ratos diabéticos apontou
doenças coronárias em pacientes nesta condição. A para melhora na depuração da ureia e creatinina, re-
diminuição da peroxidação lipídica e o aumento do dução do estresse oxidativo, aumento de GSH e das
nível antioxidativo por meio de uma suplementação atividades das enzimas antioxidantes chaves. Além
alimentar pode ser um mecanismo auxiliar na pre- disso, houve redução da formação do malondialdeí-
venção das complicações diabéticas (LEAN et al., do do tecido renal. Os autores sugeriram que a quer-
1999). cetina poderia ser utilizada como um suplemento da
Os efeitos da quercetina têm sido extensiva- dieta a fim de prevenir ou tratar as complicações do
mente pesquisados em condições de DM e nas com- diabetes.
plicações causadas pelo estresse oxidativo, tanto in Uma das atividades antioxidantes particular-
vivo como in vitro. Em ratos com diabetes induzi- mente apreciada da quercetina é a sua notável prote-
do pela droga estreptozootocina, o tratamento com ção contra a oxidação das lipoproteínas de baixo peso
quercetina reverteu a concentração de glutationa oxi- molecular (LDL) que são importantes na patogênese
dada no cérebro e a atividade da peroxidase hepá- da aterosclerose (LEAN et al., 1999). A incidência de
tica (SANDERS; RAUSCHER; WATKINS, 2001). aterosclerose é aumentada no DM (TEXON, 1976)
Coldiron; Sanders; Watkins (2002), realizaram um e caracteriza-se como uma resposta biológica dos
estudo para verificar se o tratamento subagudo com vasos às forças geradas pelo fluxo sanguíneo, com
os antioxidantes combinados quercetina e coenzima espessamento difuso da túnica íntima dos vasos. O
Q10, na dosagem de 10 mg/Kg/dia, via intraperitone- espessamento é composto de uma mescla de depósi-
al, por quatorze dias, afetava a atividade das enzimas tos gordurosos, tecido fibroso proliferado, músculo
antioxidantes em ratos normais e diabéticos induzi- liso e derivados de sangue incorporados. Pode afetar
dos por estreptozootocina. Para tal estudo, utilizaram as artérias de grande e médio calibres, com lesões
tecidos retirados do fígado, rim, coração e cérebro, que se tornam menos severas e menos numerosas à
onde determinaram as atividades da catalase, glu- medida que as artérias menores vão sendo atingidas e
tationa redutase, glutationa peroxidase, superóxido desaparecendo inteiramente nas arteríolas (ANDER-
dismutase e as concentrações de glutationa reduzida SON; KISSANE, 1982).
e oxidada. No fígado dos ratos diabéticos, observa- A proteção exibida pela quercetina sobre os
ram uma diminuição significativa das atividades das níveis séricos de colesterol total, LDL, HDL e tri-
enzimas superóxido dismutase, glutationa peroxi- glicerídeos também foi constatada por Fernandes et
dase, glutationa reduzida e oxidada, e esses efeitos al. (2004) ao suplementar ratos diabéticos durante 30
não foram revertidos quando os antioxidantes foram dias com quercetina na dosagem de 50mg/Kg de peso
administrados. Nos rins dos ratos diabéticos, a ati- corporal. Neste estudo observaram elevação da taxa
vidade da glutationa peroxidase aumentou quando de HDL e redução dos níveis de LDL, de colesterol
comparada com os de ratos normais e também neste total e de triglicerídeos. Os autores inferiram que a
caso o tratamento com os antioxidantes não retornou quercetina foi capaz de influir sobre o metabolismo
a atividade da enzima. No coração dos ratos diabé- lipídico, amenizando o risco de desenvolvimento de
ticos, a atividade da catalase aumentou e ela foi res- doenças vasculares.
taurada a níveis normais após o efeito combinado de O elevado nível do estresse oxidativo decor-
quercetina e coenzima Q10. Já a superóxido dismuta- rente do estado diabético também pode ser refletido
se cardíaca teve uma atividade menor em ratos trata- em alterações no desenvolvimento embrionário e fe-
dos com quercetina e coenzima Q10. No entanto, os tal durante a gravidez. Damasceno et al (2002), reali-
resultados sugerem que a quercetina pode ser eficaz zaram um estudo para determinar as repercussões do
em reverter alguns efeitos do diabetes, porém a com- diabetes sobre o sistema de defesa contra o estresse
binação de quercetina e coenzima Q10 não aumenta oxidativo em ratas prenhas com diabetes induzido
esta eficácia. por estreptozootocina. Com este intuito, avaliaram a
Já está bem estabelecido que o estresse oxi- incidência de fetos malformados, os parâmetros bio-
dativo é um dos principais mecanismos patofisioló- químicos e a atividade do sistema antioxidante. Os

182 Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010
Ação da quercetina no estresse oxidativo.

resultados revelaram que as complicações diabéticas táveis (CREBELLI et al., 1987); e em longos perí-
podem ser um fator contribuinte para os danos cau- odos de administração, observou-se o aparecimento
sados ao concepto, levando à morte embrionária ou a de lesões neoplásicas renais (DUNNICK; HAILEY
malformações no feto. Os resultados sugerem que o 1992).
uso de antioxidantes no tratamento de mulheres por- Embora o emprego da quercetina aponte
tadoras de DM pode ser importante na prevenção das para efeitos benéficos em vários tipos de disfunções
malformações congênitas. orgânicas, são necessários mais estudos a fim de se
Outra complicação relevante do estado dia- determinar doses mais precisas para evitar os pos-
bético é a catarata. O acúmulo dos polióis dentro do síveis efeitos colaterais que se manifestam com sua
cristalino é um dos mecanismos envolvidos na for- administração.
mação da mesma. No diabetes, a glicose encontra-se
em concentrações elevadas no humor aquoso e pode Considerações Finais
difundir-se passivamente para o interior do cristalino,
sendo convertida pela ação da enzima aldose redu- A utilização de antioxidantes tem demons-
tase a sorbitol e, posteriormente, pela sorbitol desi- trado importante papel como adjuvante na terapia e
drogenase à frutose, gerando um gradiente osmótico profilaxia do diabetes. Sua atuação previne os danos
(HEAD, 2001). Em estudos com animais diabéticos, provocados pelos radicais livres e as espécies reati-
a quercetina preveniu ou diminuiu a opacidade do vas ao oxigênio. A quercetina é um flavonóide en-
cristalino ao inibir a formação de peróxido de hidro- contrado em diversos alimentos, e tem ação antio-
gênio (CORNISH; WILLIAMSON; SANDERSON, xidante comprovada em vários estados patológicos.
2002), e as reações da aldose redutase que resulta- No entanto, deve-se levar em consideração a forma
vam na formação de sorbitol (FORMICA; REGEL- que a suplementação será conduzida, pois embora a
SON, 1995), evitando, desta maneira, a formação da vasta literatura sinalize raros efeitos tóxicos, muitos
catarata. efeitos deste componente ainda permanecem obscu-
De modo semelhante, o dano neuronal relacio- ros em vários tecidos ou órgãos.
nado às alterações diabéticas decorrentes do acúmulo
de sorbitol (VINSON et al, 1989; CUNNINGHAM, Referências
1998) pode ser melhorado pela suplementação com
quercetina. Entre os flavonóides, a quercetina é um ABUJA, P. M.; ALBERTINI, R. Methods for
dos mais potentes inibidores da enzima aldose redu- monitoring oxidative stress, lipid peroxidation
tase (HAVSTEEN, 1983; HEAD, 2001). Portanto, and oxidation resistance of lipoproteins. Clinica
se as neuropatias estão relacionadas com alterações Chimica Acta. v. 306, p. 1-17, 2001.
metabólicas das células nervosas desencadeadas pelo
aumento da concentração do sorbitol e a consequente ADER, P.; WESSMANN, A.; WOLFFRAM, S.
diminuição do mioinositol, entre outros fatores, é de Bioavailability and metabolim of the flavonoid
se esperar que substâncias que apresentem proprieda- quercetin in the pig. Free Radical Biol. Med. v. 28,
des que evitem a metabolização da glicose à sorbitol, n. 7, p. 1056-1067, 2000.
como os inibidores da aldose redutase, possam con-
tribuir para a prevenção dos processos degenerativos ANDERSON, W. A. D.; KISSANE, J. M.
neuronais característicos das neuropatias. Patologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1982. p. 704-730.
Dosagem/Toxicidade
CAMERON, N. E.; COTTER, M. A. Effects of
A toxicidade dos flavonóides é bastante re- antioxidants on nerve and vascular dysfunction in
duzida em animais (HAVSTEEN, 1983). Este aspec- experimental diabetes. Diabetes Res. Clin. Pract.
to foi confirmado nas diversas literaturas, nas quais v. 45, n. 2-3, p. 137-146, 1999.
são apontadas variações na posologia da quercetina,
variando essa de 10 a 500mg/Kg de peso corporal, CREBELLI, R. et al. Urinary and faecal
sem relatos de possíveis efeitos tóxicos. No entanto, mutagenicity in sprague-dawley rats dosed with
estudos realizados com ratos, demonstraram que a the food mutagens quercetin and rutin. Fd. Chem.
administração de quercetina em dosagens acima de Toxic. v. 25, n. 1, p. 9-15, 1987.
500mg/kg de peso corporal, gerou compostos muta-
gênicos excretados na urina e fezes em níveis detec- CERMAK, R.; FÖLMER, U.; WOLFFRAM,

Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010 183
ALVES; et al.

S. Dietary flavonol quercetin induces chloride as inhibitors of azoxymethanol-induced colonic


secretion in rat colon. Am. J. Physiol. Gastrointest. neoplasia. Carcinogenesis, v. 7, p. 1193-1196,
Liver Physiol. v. 275, p. 1166-1172, 1998. 1991.

COLDIRON, A. D. J. R.; SANDERS, R. A.; DUNNICK, J. K.; HAILEY, J. R. Toxixity and


WATKINS, J. B. Effects of combined quercetin and carcinogenicity studies of quercetin, a natural
coenzyme Q(10) treatment on oxidative stress in component of food. Fundamental and Applied
normal and diabetic rats. J. Biochem Mol Toxicol. Toxicology, v. 19, p. 423-431, 1992.
v. 16, n. 4, p. 197-202, 2002.
FERNANDES, A. A. H. et al. Efeitos da quercetina
CORNISH, K. M.; WILLIAMSON, G.; sobre os parâmetros bioquímicos séricos e teciduais
SANDERSON, J. Quercetin metabolism in the lens: no diabetes mellitus tipo 1. Diab Clín. v. 1, p. 48-
role in inhibition of hydrogen peroxide induced 52, 2004.
cataract. Free Radic Biol Med. v. 33, n. 1, p. 63-70,
2002. FORMICA, J. V.; REGELSON, W. Review of the
biology of quercetin and related bioflavonoids. Fd.
CRESPY, V. et al. Part of quercetin absorbed in the Chem. Toxic. v. 33, p. 1061-1080, 1995.
small intestine is conjugated and further secreted in
the intestinal lumen. Am. J. Physiol. Bethesda, v. GEE, J. M. et al. Intestinal transport of quercetin
277, p. 120-126, 1999. glycodides in rats involves both deglycosilation
and interaction with the hexose transport pathway.
CRESPY, V. et al. Comparision of the intestinal Journal Nutrition. v. 130, n. 11, p. 2765-2771,
absorption of quercetin, phloretin and their 2000.
glucosides in rats. Journal Nutrition, v. 131, n. 8,
p. 2109-2114, 2001. GUTTERIDGE, J. M.; HALLIWELL, B.
Comments on review of free radicals in biology and
CUNNINGHAM, J. J. The glucose/insulin system medicine. Free Radic Biol Méd. v. 12, n. 1, p. 93-
and vitamin C: implications in insulin-dependent 95, 1992.
diabetes mellitus. J. Am. Coll. Nutr. v. 17, p. 105-
108, 1998. HAVSTEEN, B. Flavonóids, a class of natural
products of high pharmacological potency.
DAMASCENO, D. C. et al. Oxidative stress and Biochemical Pharmacology, v. 32, p. 1141-1148,
diabetes in pregnant rats. Animal Reproduction 1983.
Science. v. 72, p.135-144, 2002.
HEAD, K. A. Natural therapies for ocular disorders,
DAVISON, G. W. et al. Exercise, free radicals, and part two: cataracts and glaucoma. Altern. Med.
lipid peroxidation in type I diabetes mellitus. Free Rev. v. 6, p. 141-166, 2001.
Radical Biology. v. 33, p. 1543-1551, 2002.
HOLLMAN, P. C. H. et al. Absorption of dietary
DAY, A. J. et al. Deglycosilation of flavonoid and quercetin glycosides and quercetin in healthy
isoflavonoid glicodides by human small intestine ileostomy volunteers. Am. J. Clin. Nutr. v. 62, p.
and liver β-glicosidase activity. FEBS Letters, v. 1276-1282, 1995.
436, p. 71-75, 1998.
HOLLMAN, P. C. H.; KATAN, M. B. Absoption,
DAY, A. J. et al. Conjugation position of quercetin metabolim and health effects of the dietary
glucuronides and effect on biological activity. Free flavonoids in man. Biomed & Pharmacother. v.
Rad Biol Med. v. 29, n. 12, p. 1234-1243, 2000. 51, p. 305-310, 1997.

DE BOER, V. C. et al. Tissue distribution of HOLLMAN, P. C. H. et al. Bioavailability of the


quercetin in rats and pigs. J. Nutr. v. 135, n. 7, p. dietary antioxidant flavonol quercetin in man.
1718-1725, 2005. Cancer Letters, v. 114, p. 139-140, 1997.

DESCHNER, E. E. et al. Quercetin and rutin HOLLMAN, P. C. H.; KATAN, M. B.

184 Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010
Ação da quercetina no estresse oxidativo.

Bioavailability and health effects of the dietary MOON, J. H. et al. Accumulation of quercetin
flavonoids in man. Arch. Toxicology Suppl. v. 20, conjugates in blood plasma after the short-term
p. 237-248, 1998. ingestion of onion by women. Am. J. Physiol. v.
279, p. 461-467, 2000.
INAL, M. E.; KAHRAMAN, A. The protective
effect of flavonol quercetin against ultraviolet a MOON, J. A. et al. Quercetin pharmacokinetics in
induced oxidative stress in rats. Toxicology, v. 154, humans. Biopharm. Drug Dispos. v. 29, p. 205-
p. 21-29, 2000. 217, 2008.

KAHRAMAN, A. et al. The antioxidative and MORAND, C. et al. Part of quercetin abosbed in the
antihistaminic properties of quercetin in ethanol- small intestine is conjugated and further secreted
induced gastric lesions. Toxicology, v. 183, p. 133- in the intestine lumen. American Phisiological
142, 2003. Society, v. 277, p. 120-126, 1998.

KSIAZEK, K.; WISNIEWSKA, J. The role MOREL, I. et al. Antioxidant and iron-chelating
of glucose and reactive oxygen species in the activities of the flavonoids catechin, quercetin and
development of vascular complications of diabetes diosmetin on iron-loaded rat hepatocyte cultures.
mellitus. Przegl Lek, v. 58, p. 915-918, 2001. Biochem Pharmacol. v. 45, n. 1, p. 13-19, 1993.

KIM, M. K. et al. In vitro solubility, stability MURAGUNDLA, A.; CHOPRA, K. Quercetin,


and permeability of novel quercetin-amino acid an anti-oxidant bioflavonoid, attenuates diabetic
conjugates. Bioorganic & Medicinal Chemistry, v. nephropathy in rats. Clinical and Experimental
17, p. 1164-1171, 2009. Pharmacology and Physiology, v. 31, p. 244-248,
2004.
LEAN, M. E. J. et al. Dietary flavonols protect
diabetic human lymphocytes against oxidative NIJVELDT, R. J et al. Flavonoids: a review of
damage to DNA. Diabetes, v. 48, p. 176-181, 1999. probable mechanisms of action and potential
applications. Am. J. Clin. Nutr. v. 74, p. 418-425,
LEE, A. Y. W.; CHUNG, S. S. M. Contribuitions 2001.
of polyol pathway to oxidative stress in diabetic
cataract. The FASEB Journal, v. 13, p. 23-30, OBROSOVA, I. G. et al. Na aldose reductase
1999. inhibitor reverses early diabetes-induced changes
in perpherical nerve function, metabolism, and
MANACH, C. et al. Quercetin is recovered in antioxidative defense. Faseb J. v. 16, p. 123-125,
human plasma as conjugated derivatives which 2002.
retain antioxidant properties. FEBS Lett. v. 426, n.
3, p. 331-336, 1998. PARTHIBAN, A. et al. Oxidative stress and the
development of diabetic complications-antioxidants
MANACH, C. et al. Comparision of the and lipid peroxidation in erythrocytes and cell
bioavailability of quercetin and cetechin in rats. membrane. Cell Biol Intern. v. 19, p. 987-993,
Free Radical Biology and Medicine, v. 27, p. 1995.
1259-1266, 1999.
PETERSON, J.; DWYER, J. Flavonoids: dietary
MANACH, C.; MAZUR, A.; SCALBERT, A. ocorrence and biochemical activity. Nutrition
Polyphenols and prevention of cardiovascular Research. v. 18, n. 12, 1995-2018, 1998.
diseases. Curr Opens Lipidol. v. 16, n. 1, p. 77-84,
2005. RIGO, A.; GUTERRES, S. S. O potencial
antioxidante de vegetais no combate ao
MARITIM, A. et al. Effects of pycnogenol envelhecimento cutâneo. Infarma. v. 14, p. 69-73,
treatment on oxidative stress in streptozotocin- 2002.
induced diabetic rats. Mol Toxicol. v. 17, p. 193-
199, 2003. SANDERS, R. A.; RAUSCHER, F. M.; WATKINS,
J. B. Effects of quercetin on antioxidant defense in

Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010 185
ALVES; et al.

streptozotocin-induced diabetic rats. J. Biochem _________________________


Mol Toxicol. v. 15, p. 143-149, 2001. Recebido em: 02/09/2010
Aceito em: 21/12/2011
SHIMOI, K. et al. Absorption na urinary excretion Received on: 02/09/2010
of quercetin, rutin and a-G-rutin, a water soluble Accepted on: 21/12/2011
flavonoid, in rats. J. Agric. Food Chem. v. 51, p.
2785-2789, 2003.

SHIRAI, M. et al. Effect of quercetin and its


conjugated metabolite on the hydrogen peroxide-
induced intracellular production of reactive oxygen
species in mouse fibroblasts. Biotechnol Biochem.
v. 66, p. 1015-1021, 2002.

SHIRPOOR, A. et al. Effect of vitamin E on


oxidative stress status in small intestine of diabetic
rat. World J Gastroenterol. v. 13, n. 32, p. 4340-
4344, 2007.

STRACK, D. Phenolic metabolism. In: DEY, P. M.;


HARBONE, J. B. Plant biochemistry. Academic
Press, Inc., United States of America, 1997. p. 387-
416.

TEXON, M. The hemodynamic basis of


atherosclerosis, further observations: the bifurcation
lesion. Bull. N. Y. Acad. Med. v. 52, p. 187-200,
1976.

VINSON, J. A. et al. In vitro and in vivo reduction


of erythrocyte sorbitol by ascorbic acid. Diabetes, v.
38, p. 1036-1041, 1989.

YAMAMOTO, N.; MOON, J. H.; TSUSHIDA,


T. et al. Inhibitory effect of quercetin metabolites
and their related derivatives on copper ion-induced
lipid peroxitation in human low-density lipoprotein.
Archives of Biochemistry and Biophysics, v. 372,
n. 15, p. 347-354, 1999.

YOUNG, I. S.; TORNEY, J. J.; TRIMBLE, E.


R. The effect os ascorbate supplementation on
oxidative stress in the streptozotocin diabetic rat.
Free Radical Biology & Medicine, v. 13, p. 41-46,
1992.

ZHU, B. T.; EZELL, E. L.; LIEHR, J. G. Catechol-


O-methyl transferase catalysed rapid O-methylation
of mutagenic flavonoids. Metabolic inactivation as
a possible reason for their lack of carcinogenicity in
vivo. Journal of Biological Chemistry, v. 269, p.
292-299, 1994.

186 Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 14, n. 2, p. 179-186, maio/ago. 2010

Você também pode gostar