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DOI: 105327/Z1519-0617201400020002
A celebritização da sociedade e
da cultura: entendendo a dinâmica
1
estrutural da cultura da celebridade1
The celebritization of society and culture:
understanding the structural
dynamics of celebrity culture
Olivier Driessens2
RESUMO Em debates recentes sobre a crescente proeminência das celebridades na sociedade e na cultura, muitos
acadêmicos começaram a usar os termos ‘celebrificação’ e ‘celebritização’ de forma misturada. Este artigo contribui
para esses debates primeiramente ao distinguir e claramente definir ambos os termos, e especialmente ao apresen-
tar o modelo conceitual multidimensional da celebritização para remediar as atuais abordagens partidárias que obs-
curecem sua complexidade empírica e teórica. Aqui, a ‘celebrificação’ captura a transformação de pessoas comuns
e figuras públicas em celebridades, enquanto a ‘celebritização’ se conceitua como um metaprocesso que captura
a natureza em mutação, assim como a inserção social e cultural da celebridade, que pode ser observada por meio
de sua democratização, diversificação e migração. Discute-se que essas manifestações de celebritização são moti-
vadas por três diferentes, porém relacionadas, forças estruturantes: midiatização, personalização e comoditização.
PALAVRAS-CHAVE celebrificação; celebritização; celebridade; comoditização; democratização;
diversificação; midiatização; migração; neoliberalismo; personalização.
ABSTRACT In recent debates about the ever-growing prominence of celebrity in society and culture, a number
of scholars have started to use the often intermingled terms ‘celebrification’ and ‘celebritization’. This article con-
tributes to these debates first by distinguishing and clearly defining both terms, and especially by presenting a
multidimensional conceptual model of celebritization to remedy the current one-sided approaches that obscure
its theoretical and empirical complexity. Here ‘celebrification’ captures the transformation of ordinary people
and public figures into celebrities, whereas ‘celebritization’ is conceptualized as a meta-process that grasps the
changing nature, as well as the societal and cultural embedding of celebrity, which can be observed through
its democratization, diversification and migration. It is argued that these manifestations of celebritization are
driven by three separate but interacting moulding forces: mediatization, personalization and commodification.
KEYWORDS celebrity; celebrification; celebritization; democratization; diversification; migration;
mediatization; personalization; commodification; neoliberalism.
1 Versão original: Olivier Driessen, International Journal of Cultural Studies, Journal Title (16, 6); pp. 641-657,
copyright© 2012; Reprinted by Permission of SAGE.
2 Professor pesquisador da London School of Economics (LSE), doutor em Ciência da Comunicação pela Universidade de
Ghent, mestre em Sociologia pela Universidade de Leuven e mestre em Ciência da Comunicação pela Universidade de Ghent.
Olivier Drisessens possui especialização em sociologia da mídia, estudos da celebridade e estudos da midiatização.
Sua pesquisa foca na celebritização da esfera pública, com atenção especial para o envolvimento político das
celebridades. E-mail: o.driessens@lse.ac.uk
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partida para mais pesquisas que possam especifi- produzem e ajudam a vender outras commodities.
car as relações entre seus conceitos, analisando Neste sentido, a celebridade apresenta e personi-
as diferentes articulações da celebritização nos fica ‘[as] duas faces do capitalismo — aquela do
vários campos sociais, e algumas das possibilida- valor deturpado e do valor estimado da commodity’
des estão discutidas na seção da conclusão. (MARSHAL, 1997, p. 4).
A celebritização, por outro lado, ocorre não no
nível individual, mas no nível social. Acadêmicos têm
CELEBRIFICAÇÃO E CELEBRITIZAÇÃO discutido a celebritização particularmente em rela-
Este artigo começa definindo detalhadamente os ção à política (eleitoral) (por exemplo, MCKERNAN,
conceitos de celebrificação e celebritização. Alinhados 2011; TURNER, 2004), mas o ativismo (ambiental)
com outros conceitos de “zação”, como “globaliza- (BOYKOFF e GOODMAN, 2009), a moda, a litera-
ção”, “criminalização” e “colonização”, proponho tura, a academia e a medicina também têm sido
reservarmos a celebritização para as mudanças estudados ou mencionados como exemplos (veja
sociais e culturais contidas na celebridade. Ao con- GAMSON, 1994, p. 186). De maneira importante, a
trário, a celebrificação envolve as mudanças no nível celebritização não se iguala à crescente celebri-
individual, ou, mais precisamente, o processo pelo ficação, nem a celebritização de um campo social
qual pessoas comuns ou figuras públicas se trans- implica na celebrificação de todos os agentes deste
formam em celebridades — por exemplo, estrelas de campo. Assim como outros recursos de poder, a
cinema, academostars (‘professores-estrela’), políti- celebridade está distribuída de forma desigual.
cos celebridade ou aqueles conhecidos como socia- A celebritização pode ser mais bem compreen-
lites, como Paris Hilton. Esta transformação é uma dida como um desenvolvimento estrutural de longo
confirmação da individualidade (BRAUDY, 1986, p. 7) prazo, ou ‘metaprocesso’ (HEPP, 2012; KROTZ, 2007),
e consiste na personificação de uma subjetividade semelhante à globalização, à individualização ou à
que reúne ‘o espetacular e o corriqueiro, o especial midiatização. É um metaprocesso porque falta um
e o medíocre’ (Dyer, 2007 [1979], p. 35). Não obstante começo ou um final claro, e se dispersa no espaço
a paradoxa natureza das celebridades como ordi- e no tempo, não estritamente seguindo uma dire-
nárias e extraordinárias, elas ainda estão distantes ção específica. Portanto, e mais importante, seria
do comum. Consequentemente, a transformação de errado pensar na celebritização como simples-
pessoa comum em celebridade pode ser vista como mente o aumento da celebridade no espaço e no
um ritual midiático que tanto confirma esta separa- tempo. Primeiro, em relação ao espaço, termos
ção quanto legitima o “mito do centro midiático”, ou como ‘estrelas globais’ e ‘celebridades mundiais’
o mito de que a mídia é o guardião principal do idea- não são incomuns na literatura (por exemplo, CHOI
lizado centro da sociedade (COULDRY, 2003). e BERGER, 2010; KELLNER, 2009). A base desses ter-
A celebrificação também envolve a comoditi- mos é a crença na cultura da celebridade global, ou
zação: as estrelas, e consequentemente,1 as cele- pelo menos o reconhecimento de alguns indivíduos
bridades, ‘são tanto o trabalho como a coisa que em escala global. Ao mesmo tempo em que isso é
o trabalho produz’ (DYER, 2004 [1986], p. 5). São plausível para algumas figuras excepcionais, como
manufaturadas pela indústria da celebridade e Barack Obama (KELLNER, 2009), a questão é: quanto
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a fama de alguém deve se estender para falarmos simplesmente como um fenômeno absolutamente
de ‘celebridade global’. Além disso, não devemos em expansão (por exemplo, sua dimensão quanti-
ignorar as diferenças entre culturas individualistas e tativa), como vários autores declaram (por exem-
coletivistas, sociedades ocidentais e não-ocidentais, plo, TURNER, 2004, p. 17); ao contrário, deve ser um
assim como suas implicações sobre o valor e as for- metaprocesso que aponta para algumas mudanças
mas de atingir o status de celebridade. Também, toda na natureza da celebridade e sua inserção social e
cultura ou nação tem seus próprios heróis, estrelas cultural (ou sua dimensão qualitativa). Muitas dessas
e celebridades. A maior parte da fama dessas pes- mudanças já foram discutidas na literatura; limitarei
soas não passa das fronteiras culturais ou nacio- minha revisão àquelas que já foram explicitamente
nais, o que faz da cultura da celebridade um fenô- ligadas à celebritização, que também demonstra
meno essencialmente plural e heterogêneo. Por isso, o caráter discrepante e, normalmente, partidário
poderia ser mais bem descrita como um combinado dessas análises. Com relação à natureza mutável
de várias pequenas e algumas maiores culturas da da celebridade, a celebritização foi definida como a
celebridade, com diferentes níveis de sobreposição. democratização da celebridade, ou a ideia de que
Em segundo lugar, embora algumas figuras his- ocorreu uma ‘mudança na ênfase, da fama adquirida
tóricas tenham discutido, em termos de fama (por à fama gerada pela mídia’ (CASHMORE, 2006, p. 7).
exemplo, Alexandre, o Grande [por BRAUDY, 1986] e De acordo com esta lógica radical, uma pessoa não
Lord Byron [por MOLE, 2008]), pouco se considerou mais precisa realizar alguma coisa ou possuir algum
a prevalência da celebridade em épocas antigas. talento especial para tornar-se famosa; aparecer
Esta relativa falta de consciência histórica é resu- na mídia e simplesmente ser famoso é tido como
mida no provérbio de Richard Schickel (2000, p. 23), suficiente (veja também BOORSTIN, 1992 [1961]).
de que ‘não existia a ideia de celebridade antes do Em relação à inserção social e cultural da cele-
começo do século 20’. Porém, conforme Elizabeth bridade, muitas interpretações foram feitas sobre a
Barry (2008, p. 252) resume, em sua introdução à celebritização. Em primeiro lugar, foi utilizada para
História Cultural da Celebridade, em edição especial denotar tanto a mobilidade das celebridades na
do International Journal of Cultural Studies, a cul- mídia e no entretenimento (por exemplo, combinar
tura da celebridade está enraizada no Romantismo carreiras nas indústrias do cinema, música e moda)
(veja também MOLE, 2009), nas estátuas de cera (LEWIS, 2010, p. 583) como a ‘migração’ dessas cele-
das celebridades do Madame Tussaud e em dis- bridades para áreas que, tradicionalmente, não estão
cursos públicos feitos por cientistas vitorianos. associadas à fama. Exemplos comuns são celebri-
Além disso, a edição especial demonstra que os dades apoiando ou até se tornando políticos (por
mecanismos por trás da nossa cultura da cele- exemplo, STREET, 2004), ou celebridades envolvidas
bridade moderna, como representações da mídia em políticas ambientais, como, por exemplo, o ator
impressa, foram e continuam sendo coexistentes Leonardo di Caprio (BOYKOFF E GOODMAN, 2009).
com as tradicionais ‘máquinas da fama’, assim Em segundo lugar, e com relação aos últi-
como ser nomeado cavaleiro (BARRY, 2008, p. 252). mos exemplos, está o fato de que alguns polí-
Em resumo, o contexto da celebritização ticos tornaram-se celebridades (por exemplo,
no espaço e no tempo não deve ser entendido MCKERNAN, 2011). Isto é parte do que pode ser
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Celebritização
de certos campos sociais de pessoas que usam tomadores de decisão dominantes, hoje a internet e
seu status de celebridade (migração). seus sites e mídias sociais (por exemplo, Facebook,
YouTube) criaram a celebridade do faça-você-mesmo
Democratização (em inglês, do-it-yourself, DIY). Ainda assim, muitas
Muitos autores indicaram a desvalorização da dessas recém-celebridades estão ligadas à indústria
meritocracia na cultura da celebridade, já que acre- da mídia por meio de contratos tão rígidos quanto os
ditam que a fama tenha se desarticulado, primei- da ‘antiga’ indústria de cinema (MARSHALL, 2006,
ramente, das qualidades inatas, e depois, da reali- p. 643). Os reality shows, por outro lado, oferecem
zação (por exemplo, CASHMORE, 2006; GAMSON, aos participantes um rápido vislumbre da cultura
1992; MARSHALL, 1997). Sob outro ponto de vista, da celebridade, e são considerados como uma
houve uma mudança da celebridade da realização força da democracia porque pavimentam o cami-
para a celebridade atribuída (Rojek, 2001), que nho para que os grupos marginalizados da socie-
concorda com a previsão sempre mencionada de dade tornem-se publicamente visíveis. Porém,
Andy Warhol (apud DRAPER, 2008, p. 3), de 1968, esses grupos não estão produzindo conteúdo por
que diz: ‘No futuro, todos serão famosos no mundo conta própria (TYLER E BENNETT, 2010, p. 378), e
inteiro por quinze minutos’. Nesta noção de demo- eles tiram atores sindicalizados e bem pagos do
cratização está implícito o crescente acesso de mercado ao oferecer serviços voluntários ou mal
pessoas (comuns) rumo ao estrelato. remunerados (COLLINS, 2008).
O papel das (novas) tecnologias de mídia e pla- De fato, a política econômica dos reality shows
taformas é crucial, sendo que a internet e os reality se baseia na rápida e constante circulação e reno-
shows merecem menção especial. Karen Sternheimer vação dos participantes, que implica que essas
(2011, p. 8), por exemplo, fala da descentralização celebridades-criadas raramente têm uma oportuni-
da produção da celebridade: enquanto antigamente dade real de estabelecer uma carreira (midiática) de
um pequeno círculo de estúdios de cinema eram os longo prazo (TURNER, 2006). Como expressado por
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Sue Collins (2008, p. 89): ‘A maioria desses reality ‘zona expandida de autoexposição’ (2010, p. 82), ou
shows demonstra que, no fim das contas, as pes- uma plataforma para autopromoção’, por meio dos
soas não são absorvidas para o sistema da celebri- quais as pessoas se integram em uma dinâmica de
dade; ao contrário, sua validade como celebridade lucro e uma lógica neoliberal. O indivíduo torna-se
acaba assim que são levados de volta à obscuridade’. uma commodity monetizada, que gradualmente se
A maioria dos participantes dos reality shows não revela e se reduz a mero valor de troca. Por outro
supera a ontologia do que Chris Rojek (2001, p. 20-1) lado, essas plataformas de autopromoção refor-
chamou de ‘celetoides’, ou seja, pessoas que tor- çam a “lógica de ‘automelhoria’ da cultura neoli-
nam-se instantaneamente famosas, porém, inca- beral” (2010, p. 81) e ‘normalizam um tipo específico
pazes de chamar atenção, sendo, então, forçadas de individualismo, um projeto de automelhoria que
a retornar ao anonimato. Alguns dos exemplos que não necessariamente considera o cuidado com o
ele dá incluem cantores de um só sucesso e ganha- próximo como sendo uma prioridade’ (2010, p. 80).
dores da loteria. Resumindo, a democratização da celebridade é
Dados os muitos argumentos que diferenciam o relativa e deve ser avaliada criticamente. Enquanto
papel democrático dos reality shows e da internet, permite que grupos sociais e culturais pouco repre-
Graeme Turner (2006, p. 157) conclui que a ‘celebri- sentados ganhem atenção da mídia, as indústrias
dade continua sendo uma categoria sistematica- da celebridade e da mídia exploram os partici-
mente hierárquica e exclusiva, independentemente pantes dos reality shows e celebridades faça-
do quanto possa proliferar’. Assim, ele sugere que você-mesmo para aumentar seus lucros. Esses
é melhor substituir a democratização pela ‘posição celetoides manufaturados são transformados em
popular’, que sinaliza tanto a visibilidade intensa de commodities que implicitamente apoiam e refor-
pessoas comuns na mídia como o papel potencial da çam a desigualdade do sistema da celebridade e
celebridade na vida cotidiana (Turner, 2006, p. 153; a disseminação do discurso neoliberal.
2010b). Assim, não devemos ficar deslumbrados pelo
aparente caráter diversificado e democrático da cele- Diversificação
bridade; em vez disso, devemos prestar atenção a Um segundo indicador da inserção social e cul-
como e por quem ele é produzido, o que, obviamente, tural da celebridade pode ser encontrado na diver-
traz consequências ideológicas. ‘Em outras palavras, sificação. A celebridade não é de domínio exclu-
o apelo democrático corre o risco de se tornar seme- sivo da mídia, entretenimento e esportes; também
lhante às ideologias neoliberais de meritocracia de é aparente na política (STREET, 2004), gastronomia
mercado, que usa a retórica da igualdade de opor- (HYMAN, 2008), negócios (LITTLER, 2007) e na aca-
tunidades para mascarar e sustentar a desigualdade demia (MORAN, 1998; WILLIAMS, 2006). É interes-
massiva’ (TYLER E BENNETT, 2010, p. 379). sante que isso levanta a questão sobre a contradição
Coultry (2010) defende esta visão e explica como da mudança de ídolos de produção para ídolos do
os (participantes de) reality shows e celebridades consumo, como apontado por Leo Löwenthal (1984,
faça-você-mesmo contribuem com a propagação do p. 2066-8), ou, ao contrário, como eu sugiro, que os
discurso neoliberal. Por um lado, programas como Big ídolos de produção também se tornaram ídolos do
Brother ou sites como YouTube funcionam como uma consumo. Vimos que autores que explicitamente
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usam o termo ‘celebritização’ explicam esta diversi- O status de celebridade pode ser usado não
ficação como um mecanismo de oferta e demanda somente para lucro econômico, mas também como
(GABLER, 1998), e como consequência da estraté- forma de adquirir ou controlar poder, especialmente
gia de capturar a atenção da mídia e das pessoas no campo da política. Na verdade, os campos da
(GAMSON, 1994). Autores que não usam o termo política e do entretenimento não se diferem muito
‘celebritização’, mas ainda abordam esta diversifi- com relação à criação de suas personalidades
cação, desenham um cenário ainda mais complexo. públicas. Enquanto um político precisa incorporar
Giles (2000, p. 25) atribui papel importante à mídia o afeto das pessoas, estado e partido, uma cele-
pelo fato de explicar a diversificação da celebri- bridade de entretenimento deve ganhar o afeto do
dade, relacionando-a ao crescente número de veí- público (MARSHALL, 1997, p. 203).
culos. Já que há mais canais de televisão, jornais e Também, o status de celebridade não é tão está-
revistas, mais pessoas têm acesso; políticos e apre- vel quanto outros recursos de poder, e precisa ser
sentadores, mas também pessoas que não explo- reconfirmado continuamente. Isso pode levar os
ram um talento específico. Além disso, por meio políticos a serem banalizados e reduzidos ao nível de
da divulgação segmentada, muitos nichos ficam meras figuras de entretenimento (PELS, 2003, p. 57-9).
em evidência, e isso pode levar à criação de chefs Em contraste à absorção de políticos pelas cele-
celebridade (por exemplo, HYMAN, 2008), gurus de bridades, o sistema da celebridade não se integra
estilo de vida (LEWIS, 2010) e outras celebridades. tão facilmente ao campo relativamente autônomo da
Porém, esta visão media-centric oferece somente academia, de acordo com Joe Moran (1998, p. 70).
uma explicação parcial, e precisa da inclusão de Na academia, a construção de celebridades é mais
lógicas econômicas e dinâmicas específicas. controlada por suas elites, e é mais dependente das
De acordo com Charles Kurzman et al. (2007, p. 360), regras do mercado e dinâmicas internas. Editoras,
principalmente uma dinâmica de lucro move as pes- por exemplo, são governadas por princípios de ven-
soas em diferentes setores em busca da fama. Certo das e marketing, dificultando a publicação de mono-
status de celebridade pode fazer com que advoga- grafias para acadêmicos jovens e desconhecidos,
dos, CEOs ou médicos cobrem mais e, assim, ganhem em comparação a grandes nomes da área. Ainda
mais dinheiro. Assim, contratam profissionais de rela- assim, por meio de procedimentos como revisão
ções públicas para aumentar sua visibilidade no seu por pares, a dinâmica interna da academia não é
campo específico de trabalho, e também, se possí- completamente superada pelas regras do mercado
vel, na mídia geral. Indiretamente, o status de cele- (veja também SHUMWAY, 1997).
bridade gera lucros por meio da introdução a redes Acima de tudo, a diversificação da celebridade é
que antes eram fechadas, ou convites para eventos um processo complexo, influenciado não somente
sociais nos quais as relações com outras elites pos- pela mídia (e pela midiatização), mas também pelo
sam ser estabelecidas. Este crescente capital social mercado e pelo capitalismo, lutas de poder e dinâ-
pode, subsequentemente, transformar-se em capital micas internas. Esta discussão, e especialmente o
econômico, por exemplo, por meio da participação último ponto sobre a academia, marca um aspecto
em fundos de capital privado ou outros potenciais essencial para o estudo da diversificação e cele-
projetos de investimento lucrativo. britização; ou seja, elas não são somente (meta)
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processos que mudam a sociedade ou a cultura mesmo se acabe (BARRON, 2006, p. 535). Ainda, de
amplamente; devem ser analisadas e comparadas acordo com um dos argumentos principais deste
em campos sociais específicos. Esses campos artigo de que a celebritização não se trata simples-
parecem valorizar o status da celebridade e outros mente de um aumento no espaço e no tempo, mas
recursos (de poder) de formas diferentes, enquanto sim de pontos de mudança e inserção estrutural da
as regras do marketing recorrem a diversos efei- celebridade, é válido lembrar aqui que esta migra-
tos, dependendo da organização da área. Como ção interna não é um fenômeno novo. Podemos
resultado, as celebridades podem variar significa- pensar em Charles Chaplin, por exemplo, que já no
tivamente em relação ao nível de sua produção, início do século 20 combinava papéis, sendo ator,
ontologia e significado, dependendo do campo pro- na frente das câmeras, e sendo produtor e diretor
fissional (MARSHALL, 1997; TURNER, 2004, p. 17-18). por trás delas. O que pode ter mudado é a escala
e a intensidade desta migração, embora isso ainda
Migração não tenha sido avaliado.
O terceiro indicador da celebritização é a migra- A migração através dos campos sociais ocorre
ção. A migração pode ser definida como o processo quando as celebridades ganham ou forçam um acesso
pelo qual as celebridades usam tanto sua autono- para outro campo, capitalizando seu status de celebri-
mia relativa como personalidade pública quanto dade. Nos Estados Unidos, algumas estrelas de cinema,
seu status de celebridade para desenvolver outras por exemplo, converteram seu status de celebri-
atividades profissionais, seja dentro de seu campo dade em poder político ao se tornarem governadores
original de trabalho ou para penetrar outras áreas. (Arnold Schwarzenegger) ou até presidentes (Ronald
A migração é, então, um processo duplo que captura Reagan) — discutiu-se até que George Washington,
a mobilidade e a convertibilidade da celebridade. como ex-comandante do Exército, poderia ter sido
A migração dentro de certo campo ocorre quando categorizado como presidente celebridade (COOLEY,
as celebridades diversificam suas atividades nesta 2005, p. 418). Algumas razões para a migração externa,
área, na qual já estabeleceram seu status de cele- além de ganhar poder político, são a busca pela
bridade. De acordo com Lee Barron (2006, p. 526), exposição, imagem positiva, influência ou dinheiro.
isso fica mais aparente na indústria da mídia, na Algumas empresas, organizações ou campanhas
qual celebridades cada vez mais migram para car- também podem lucrar com o envolvimento de cele-
reiras alternativas, assim como em outras mídias. bridades, por exemplo, por meio de sua grande expo-
Elizabeth Hurley, por exemplo, tornou-se uma famosa sição na mídia ou relações com marcas (por exemplo,
atriz, modelo e namorada de Hugh Grant; depois, ERDOGAN, 1999), embora isso traga potenciais des-
entrou para a indústria de produção de cinema. vantagens para o tipo de mensagem que a organiza-
O tipo de migração pode ser visto como uma res- ção queira comunicar (veja MEYER E GAMSON, 1995).
posta à democratização da celebridade, especial- Há também limites para as próprias celebridades
mente para a rápida circulação de celebridades em termos de migração para outros campos. Enquanto
commodity; consequentemente, pode ser uma ten- as celebridades do mundo do entretenimento e do
tativa de estabelecer uma carreira mais duradoura, esporte podem fazer declarações sobre assuntos rela-
aproveitando o status de celebridade antes que o tivamente fáceis, precisam de mais credenciais ao
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nível de midiatização de campos sociais resulte fatores que influenciam a criação e a importância
em uma celebritização mais potente. da celebridade podem se diferenciar muito, depen-
Porém, teorética e metodologicamente, a ques- dendo do campo social. Seria errôneo, por exemplo,
tão sobre como observar o nível de midiatização explicar a celebritização da academia, política ou
(e celebritização), sem mencionar a explicação ou gastronomia referindo-se apenas à midiatização,
distinção entre os vários estágios é muito difícil de sem incluir dinâmicas internas ou de lucro e outros
responder. Jesper Strömbäck (2008) tentou fazer processos estruturais. O primeiro metaprocesso que
isso ao diferenciar quatro estágios da midiatiza- deveria ser adicionado é a personalização.
ção da política: Até que ponto a mídia é (a) a mais
importante fonte de informação, (b) dependente Personalização
de instituições políticas, e até que ponto (c) o con- A personalização anda de mãos dadas com a
teúdo de mídia e (d) os atores políticos são princi- individualização, metaprocesso que prevalece em
palmente governados por lógicas políticas ou de sociedades totalmente diferentes (veja Beck e Beck-
mídia? Embora este modelo não tenha como obje- Gernsheim, 2001), e isso pode ser descrito como a
tivo ser unidirecional, surgem três grandes proble- (crescente) centralidade da pessoa não inserida
mas. O limite mais baixo de cada um desses está- sobre o coletivo. De acordo com Giles (2000, p. 12),
gios não é claro, assim como a forma de usar este o indivíduo tem sido central na historiografia, que,
modelo em estudos empíricos; também não está claro até certo ponto, transforma a história da civilização
como utilizá-lo em campos sociais que não seja o ocidental em uma história de fama. ‘O status de cele-
político. O mesmo se aplica, mutatis mutandis, ao bridade opera no centro da cultura, já que discute
checklist desenvolvido por Andrea Schrott (2009). com concepções sobre individualidade que são a
Embora promova um instrumento mais sistemático base ideológica da cultura ocidental’ (MARSHALL,
para a análise da midiatização, é muito difícil dar 1997, p. x). Isso foi reforçado pelo crescimento da
uma resposta direta para questões como ‘A diretriz ideologia neoliberal, que coloca a personalidade
do ator é o critério para a lógica da mídia?’ ou ‘De autárquica na linha de frente. De maneira geral,
que maneira as consequências não intencionais das as notícias também podem apresentar uma visão
ações midiatizadas são processadas?’ (SCHROTT, de mundo individuocêntrica, operacionalizada por
2009, p. 56). Ainda assim, a autora reconhece os meio de técnicas de contação de histórias e con-
limites do seu instrumento ao apontar que neces- venções narrativas que enfatizam o individual em
sita de redefinição, assim como ser testado empi- favor do coletivo, e o pessoal em favor do estrutural,
ricamente em mais casos. por exemplo, usando histórias espetaculares e de
Outro fator complicador deste cenário é a inter- interesse humano (CURRAN, 1996, p. 141; HARCUP
dependência da midiatização com outros proces- E O’NEILL, 2001, p. 276-9).
sos na constituição da celebritização. Enquanto a Contrastando com o aparente entendimento
midiatização é a chave para entender a celebritiza- consensual da individualização, há uma rica varie-
ção, claramente não é uma máquina única. Como dade das definições sociais e científicas da per-
demonstrado anteriormente, na discussão sobre sonalização, que foram sintetizadas por Rosa van
diversificação, as matrizes dos (meta) processos e Santen e Liesbet van Zoonen (2009). Embora sua
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tipologia seja desenhada para estar de acordo e acompanha a materialização do poder individual
com a política, pode ser facilmente transposta e institucional. Como consequência, é importante
para outros campos sociais, como o econômico relembrar que seria errado colocar a mídia no cen-
ou o religioso. Há sete tipos de personalização tro da explicação, neste caso, do metaprocesso da
que podem ser resumidos em três agrupamentos: personalização. Na política, reformas internas podem
individualização, privatização e emoção. Aqui, a afetar dramaticamente o nível de personalização, por
individualização implica na escrutinização das exemplo, ao migrar a ênfase do partido para o polí-
qualidades profissionais dos políticos, como inte- tico por meio de mudanças na legislação eleitoral.
gridade e confiança. A privatização significa que o
foco migra da vida pública para a vida privada dos Comoditização
políticos, enquanto a emoção envolve a mudança Enquanto a personalização resulta em mais
da persona pública à persona privada dos políticos. proeminência do sujeito individual e dimensões
Para alguns acadêmicos (por exemplo, Turner, para além do público, a comoditização transforma
2004), essas mudanças do público ao privado são esses sujeitos individuais (mas também objetos,
os pontos cruciais para se tornar uma celebridade. relações ou ideais) em commodities ao conceder
Porém, este binário dominantemente público-pri- a eles valores econômicos. Como mencionado na
vado recentemente foi revisado e expandido com discussão sobre celebrificação, uma commodity
o ‘eu popular’, que denota a (re)presentação de pode ser definida tanto como o produto ou como o
uma persona comum, maleável e agradável sem produtor do trabalho. Esta definição reflete a teoria
necessariamente revelar detalhes pessoais (veja Marxista que reforça o caráter social das commo-
DRIESSENS et al., 2010, p. 319). De fato, políticos, dities: são compradas e vendidas no mercado, por
advogados e CEOs normalmente participam de pro- um preço variável que é a monetização do valor de
gramas de auditório para desenvolver sua persona troca da commodity. Então, a comodificação tem
popular e, consequentemente, seu status de cele- sido descrita como sendo ‘endêmica à lógica do
bridade. É óbvio que nem todos os políticos, advo- capitalismo’ (RALPH, 2009, p. 78) e como o aparen-
gados e CEOs participam de programas de auditório temente irresistível processo no qual tudo parece
ou revelam suas vidas pessoais. Isso implica que a subjetivo à intensidade do capitalismo moderno’
personalidade de uma pessoa também é um aspecto (CASHMORE E PARKER, 2003, p. 215).
importante para se tornar uma celebridade, embora O mesmo se aplica às celebridades, que geral-
as práticas sociais de colegas possam criar certas mente são percebidas como produtos do capitalismo
expectativas e padrões, os quais podem aumentar (por exemplo, KURZMAN et al., 2007; MARSHALL,
a pressão para participação na mídia e no circo da 1997). Além disso, há desacordo com relação
celebridade (DRIESSENS et al., 2010; LANGER, 2010). ao que exatamente é comodificado no caso das
Em outras palavras, a midiatização do campo celebridades. De acordo com a visão restrita de
social pode estimular sua personalização (veja tam- Kurzman et al. (2007, p. 353), é a reputação, enquanto
bém MAZZOLENI, 2000, p. 325), mas, é claro, a midia- Cashmore e Parker (2003, p. 215) defendem que é
tização não foi o ponto de partida da personaliza- a ‘forma humana’. Este artigo está de acordo com
ção, que remonta aos primeiros estágios da política o último, já que a reputação é apenas um aspecto
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estudos de midiatização (por exemplo, DRIESSENS após a Segunda Guerra Mundial, quando a crítica tor-
et al., 2010; LUNDBY, 2009). nou-se o paradigma dominante nos estudos literários
Similarmente, a teoria de celebritização apresentada e, consequentemente, o pessoal ganhou visibilidade
aqui nos permite pensar mais profundamente sobre a na academia, de modo que a disciplina dividiu-se em
influência da celebridade sem precisar elencá-la ime- diferentes campos organizados ao redor de alguns
diatamente em termos de efeitos lineares. Em vez disso, autores (personalização). Porém, somente mais tarde,
poderia haver uma análise sobre como a celebridade quando os acadêmicos começaram a combinar seus
molda as culturas nas quais vivemos, ou os campos talentos intrassetoriais — que continua sendo a con-
nos quais as pessoas são ativas e suas consequên- dição básica e, por isso, inibe a democratização da
cias, por exemplo, em termos de relações de poder, fama acadêmica — com a exposição extrassetorial
expectativas, formação de identidade e autoapresen- da mídia e de suas carreiras sua estrela começou a
tação (inclusive online). Na verdade, Turner (2010a, p. brilhar (midiatização, migração). A rica proliferação
14) colocou isso na agenda dos estudos sobre celebri- do circuito de palestras e conferências acadêmicas,
dades como sendo um dos mais importantes desafios, e sua necessidade de palestrantes famosos — que
assim sugerindo que devêssemos mudar a atenção não só exibem suas ideias, mas também suas per-
das análises escritas. Outras pesquisas devem tam- sonalidades (personalização), reforçou a posição de
bém questionar a exata (inter)relação entre as dife- status de vários academostars, que logo tornaram-se
renças forças estruturantes da celebritização, por um alvo de head hunters the universidades para posi-
lado, e como elas coproduzem a articulação da cele- ções bem remuneradas (comodificação).
britização por meio de diferentes manifestações, por Este exemplo também confirma a necessidade —
outro. Por exemplo, pode haver a hipótese de que a já mencionada — de analisar e comparar a celebri-
democratização tem uma relação inversa ou contra- tização em diferentes campos sociais, certamente
dependente à comodificação, ou que a diversificação porque muito da literatura disponível sobre celebri-
da celebridade em alguns campos sociais seja mais tização, midiatização e personalização — especial-
fortemente influenciada pela midiatização do que mente quando está embasada empiricamente — está
em outros. A questão sobre como e até que ponto a focada no campo político. Embora isso possa soar
natureza comoditizada das celebridades influencia uma consequência lógica da significativa atenção
sua migração está relacionada, especialmente se dada aos políticos pela mídia, não tira dos acadêmi-
pensarmos nas celebridades envolvidas em ativismo cos a necessidade de estudar esses metaprocessos
social e político (radical) (por exemplo, COLLINS, 2007). em outros campos sociais. Focar não só nas políticas,
Um bom exemplo sobre como a teoria proposta mas também nos campos sociais, como financeiro,
da celebritização pode ser colocada em prática pode judiciário, acadêmico ou religioso, entre outros, não
ser encontrada, ainda que com termos diferentes, na só vai fortalecer as alegações empíricas sobre cele-
intrigante análise de David Shumway (1997) sobre britização, midiatização e outros (meta)processos
a criação de academostars (ou celebrificação) no relacionados, mas também promover qualificação
campo dos estudos literários (diversificação). e avanços dos nossos modelos teóricos.
De acordo com Shumway, as primeiras sementes Finalmente, a discussão sobre as dimensões
para a criação dos academostars foram plantadas espaciais da cultura da celebridade sugere a
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