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DO MUNDO
F L A V I O D E R . C A R V A L H O
«
Ie ne fay r i e n
s a n s
Gayeté
(Montaigne, D es livres)
E x L i b r i s
J o s é M i n d l i n
• #
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Os Ossos do Mundo
interessantes da nova g e r a ç ã o . *
Gilberto Freyre
F l a v i o d e R e z e n d e C a r v a l h o
O AUTOR.
P r e f a c i o d e G i l b e r t o F r e y r e
GILBERTO FREYRE.
V
V o a n d o sobre as Costas
a sensação do medo.
n
14 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
*
16 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
•
»
VOANDO SOBRE AS COSTAS BRASILEIRAS 21
c o m o é, f a v o r e c e o q u a d r o . M a r g e a n d o os
amontoados encontra-se, de quando e m
quando, uma artéria grande que é o es-
forço da civilisação para guiar e conduzir
o sopro de vida da cidade. A civilisação
aparece no m o m e n t o de agonia da cidade
e v e m como conseqüência dessa agonia.
Donde e como v e m a civilisação? A
agonia certamente p r o v e m da sonolencia
e conduz á extinção completa; a cidade
atravancada entra aos poucos no sono da
imobilidade e a população hipnotizada
deseja e acalenta essa imobilidade. N o
caso da B a í a a civilisação surge como u m
fantasma estranho; os habitantes da ci-
dade paralizados entre as frestas dos
cubos cultivam o temor das cousas estra-
nhas, das cousas que podem perturbar o
sono secular, r o m p e r o f i o de u m a aranha
ou o z u m b i d o de uma mosca.
A fresta é t ã o c ô m o d a e t ã o compa-
tível c o m a falta de aventura e c o m a imo-
bilidade; tem o aconchego do utero, me-
xer da fresta seria o mesmo que sair do
utero e exercer u m grande esforço aven-
tureiro, u m esforço meloso, entrar e m
contacto com o mundo da luz, o m u n d o
do perigo e da novidade.
VOANDO SOKRE AS COSTAS BRASILEIRAS 31
S
34 Os Ossos DO M U N D O — F L A V I O DE R. CARVALHO
i n v o l u n t á r i a s ao f e c h a m e n t o e s p i r i t u a l do
corpo.
A mais astuciosa das prostitutas
m a n t é m sempre e m conserva o direito ao
véo, e a sua inocência só pôde ser supe-
rada pela brancura de uma certa catego-
ria de anjos, m e s m o por que o seu c é o do
genus galinaceo n ã o vae alem do pé di-
reito do quarto.
A Virgem do inglês associa-se facil-
mente com a nação m a t r i a r c a l de forta-
leza e de santa Madre Igreja, e é natu-
ralmente u m residuo que ficou, deixado
por u m mundo perdido no tempo. É o
mesmo tipo de residuo m a t r i a r c a l que en-
contrámos nos outros povos, mas no caso
do inglês deu-se uma entronização n u m
plano mais alto. A fortaleza tornou-se
inexpugnável; o fechamento do corpo
creou uma virgindade impenetrável e com
u m poder terapêutico tão grande que u m
méro contato mental com a luminosidade
da imagem translúcida é refugio sufi-
ciente para receber e proteger a insegu-
rança (1).
n h e i r o , i s t o é, f o r n e c e r o m a t e r i a l p a r a a
construção da i m a g e m idealistica, e para
a manutenção e a conservação dessa ima-
gem. O que ela fornece t e m de ser u m
contraste, pois que a idéa de u n i ã o exige
esse contraste.
Compreendemos agora porque o fe-
minismo é vitorioso na Inglaterra; o culto
da Virgem que é a grande angustia in-
consciente do inglês, é, e m si, u m resi-
duo matriarcal.
O que existe do culto da V i r g e m no
continente n ã o passa de u m a pequena
parte mitica, antiga, extremamente re-
calcada, e que, ao que parece, n ã o chegou
a tomar raizes no inconsciente. Faltou
isolamento para que êle se plasmasse
n u m plano t ã o virginal, t ã o de corpo fe-
chado quanto o do inglês.
As revoluções de H i t l e r e de Musso-
lini s ã o revoluções c o m bases patriarcaes,
e que s ó aceitam a M a d o n a quando acom-
panhada d e u m b a m b i n o , e, m e s m o assim,
como paliativo, capaz de operar pela ma-
gia do contato visual, uma repetição da
grande façanha pictorica util á raça
A T a v e r n a F i t z r o y
A i m e n s i d ã o de L o n d r e s é opressiva,
raramente se v ê d u a s v e z e s a m e s m a cara.
Por toda a parte e em todas as horas
massas de gente enchem as ruas e é i m -
pressionante vêr com que velocidade, e
sem v í t i m a s , os ônibus c o r t a m de lado a
lado a metrópole.
O m o v i m e n t o de Londres é grande
a ponto de abafar e sobrepor completa-
mente a arquitetura; o observador que
08 Os Ossos no MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
(1) Ônibus.
A TAVERNA FITZROY 59
se c o m p r i m e e se a c o t o v e l a l á d e n t r o , en-
tre 6 e 10 da noite — a Inglaterra sem
duvida temendo alguma epidemia de al-
coolismo ainda conserva os regulamentos
da guerra de 14, e 10 h o r a s é a h o r a em
que teoricamente o povo deixa de beber.
Ir ao Fitzroy Tavern n ã o é uma
função social nem u m á t o de elegância.
L á e s t ã o t o d a s as c l a s s e s : o scroc, o gan-
gster, o poeta dissipador, o p i n t o r que n ã o
reproduz a natureza, a mulher do pintor,
o "tough-guy" os modêlos de artista, a
inteletual de óculos e a inteletual sem
óculos de cabelos compridos e romântica,
o critico de arte, os grandes jornalistas,
a ultima sensação literária, pianistas,
compositores, acrobatas, prostitutas ca-
maradas, aristocratas em busca de sen-
sação, o O x f o r d blue, a m u l h e r decorativa
que se compõe exoticamente e que n ã o
fala, a ocidental vestida á chineza e a
chineza á européa, todos se acotovelam
na fumarada espessa e e n t r e l a ç a d o s pelo
álcool despem as suas almas do pecado
inútil da civilisação.
N o fundo u m piano mecânico distri-
bue ao espaço notas de musica, as mes-
mas que costumam sair do piano meca-
6<i Os Ossos DO MUNDO — FLAVIO DE R. CARVALHO
(1) Cadeia.
Ti Os Ossos no M U N D O — F L A V I O I>K R. CARVALHO
c i e n t e q u e se r e f e r e a o p e r í o d o recordado
e o objéto.
Porque se c o n g r e g a m as recordações
da historia nos resíduos sobreviventes?
P o r q u e as pesquisas d o h o m e m procuram
sempre reconstruir o passado, reconstruir
a o r i g e m , saber de onde s a í m o s , para cal-
cular para onde vamos... e os resíduos
sobreviventes são os únicos pontos de
apoio capazes de a g ü e n t a r c o m suficiente
segurança a animosidade pesquisadora
do homem. Á medida que diminue a se-
gurança, o residuo torna-se menos " so-
brevivente ", mais morto, mais remoto e
mais impalpavel. O objéto irreconhecível,
de tão remoto que é, possue talvez a
maior carga de sugestibilidade, mas re-
quer a simpatia de u m a camada mais pro-
funda, mais antiga do inconsciente, e a
sua beleza é menos accessivel á aprecia-
ção geral.
As forças cósmicas e as forças trau-
máticas, os grandes quadros de feridas
r e q u e r e m t a l v e z " m a i s " que as p r o f u n d e -
zas do inconsciente para o seu reconheci-
mento. .. requerem a intuição poética do
"começo das cousas".
6
82 Os Ossos no MUNDO — FLAVIO DE R. CARVALHO
O d r a m a d e u m r e s i d u o se caracterisa
por quatro fases distintas. A primeira
a u t o - c o n t e n t a m e n t o e l e v a r a m as s u a s d i s -
cussões aos oito cantos do pensamento e
apalparam as doçuras da " m o ç a subtil".
A deusa r a z ã o tinha ainda o engodo e os
atrativos do specimen da revolução fran-
cesa — espectral e provocadora arinhava
os desejos pantagruelicos da sua entou-
rage.
O M a p a da Sa u d a d e , o primeiro
Mapa do Mundo (D
(1) V ê r obra do a u t o r : E x p e r i ê n c i a n . ° 2 .
(2) V ê r a m i n h a c o n f e r ê n c i a realizada no I n s t i t u t o
de Engenharia e i n t i t u l a d a " A p i n t u r a do som e a m u -
sica do espaço**.
120 Os Ossos DO MUNDVJ — F L A V I O DE R. CARVALHO
gria.
Quem perambula pelos cafés e pelos
cabarés terá ocasião de observar o gran-
de valor da musica na conquista da mu-
lher. A m u l h e r slovaca, e sobretudo a m u -
lher húngara, desfalece de goso ao ouvir
rente ao o u v i d o a m u s i c a l a n g o r o s a de um
violino cigano. O seu olhar torna-se nu-
blado e passa rapidamente do sonhador
ao desmaio voluptuoso e quasi vesgo.
Para ela a m u s i c a é u m a f r o d i s i a c o pode-
roso e ela t u d o concede ao m a c h o que lhe
proporcionar o prazer de u m violino ci-
gano rente ao o u v i d o ; o m u n d o da reali-
dade como u m sorvete funde-se e desa-
parece no contato do seu calor, e o seu
mundo é só o m u n d o do sonho, local onde
ela encontra u m a f e l i c i d a d e i n e x p r i m i v e l .
M u i t o s se u t i l i z a m d e s s e f r a c o p a r a obter
da m u l h e r desejada o consentimento para
uma intimidade maior, e muitos colocam
o som excitante da musica ao lado mes-
m o do leitQ ou do s o f á do sacrificio, para
q u e a m u l h e r p o s s a se e n t r e g a r c o m mais
calór ou com menor resistência.
O MAPA DA SAUDADE 121
cia .
A t é certo ponto a mania decorativa
dos slavos está ligada ao grande desen-
volvimento entre êles do barroco e do ro-
cócó. Estes estilos representam uma in-
tensa fase de enfeite e de decoração da
humanidade, e a grande diferença entre
a arte decorativa praticada entre os^ s l a -
vos e os estilos barroco e r o c ó c ó está em
que o barroco e o rocócó caracterisam a
9
130 Os Ossos DO MUNDO — FI.AVIO DE R. CARVALHO
m o d o g e r a l e l a se a s s o c i a a o s d e t a l h e s do
panorama do campo cultivado visto de
perto, e está claro, que esta morfologia
só é compativel com a vida do camponez
na planicie, o camponez contemplando o
vegetal de perto é ligado a este pelas ca-
deias que aplica c o m seu tato e os seus
cuidados.
Mas para que o camponez sinta o de-
sejo de produzir a sua maravilhosa arte
agrícola, para que êle tenha saudade do
campo, êle precisa afastar-se do campo e
contemplá-lo de alto e de longe. A as-
cenção ás montanhas é uma condição sem
a qual a arte camponeza n ã o pôde exis-
tir. . . E isto explica p o r que, certas civi-
lisações de camponezes, vivendo afasta-
das das montanhas, n ã o adquirem u m
ponto de vista de c i m a e de longe, e n ã o
possuem uma arte d e c o r a t i v a c o m os ca-
racterísticos da que estamos discutindo.
Para formar uma arte decorativa
camponeza é necessária uma vida "ses-
sile", parada e prêsa dirétamente á terra
durante muitas centenas de anos. O s nô-
madas n ã o possuem semelhante arte de-
corativa.
I
ganços d o g a l i n h e i r o , ü m t a n q u e de agua
rodeado por plantações de repolhos,
etc.... como encontramos freqüentemen-
te na pintura egipcia, u m a pintura quasi
esquematica e que nada mais é s e n ã o al-
guns dos primeiros mapas do mundo.
N ã o só o arranjo dos vegetais nos
campos era fonte de inspiração para o
isolado da montanha, mas também os
grandes rebanhos de animais que vaga-
vam pela planicie inspiravam o caçador
saudoso e amoroso da sua caça — e os
primeiros mapas das caçadas e da visão
desses rebanhos se encontram, ainda
hoje, nos desenhos sobre rochas e nas
paredes de cavernas. S ã o êsses, alguns
dos primeiros altares do t u m u l t o animico
do p r i m i t i v o . D u r a n t e o m e u v ô o sobre as
costas brasileiras notei c o m o j á f o i dito,
que certos panoramas i n v a d i d o s p o r bra-
ços de mar, igarapés, se pareciam com
rendas, c o m as r e n d a s do Ceará. Porque?
T e r i a m os cearenses s u b i d o a u m a grande
altura e m época remota?... e saudosos
teriam eles construído a sua renda ba-
seada na visão geográfica? O u simples-
mente teriam êles desenvolvido o senti-
mento da visão dessas alturas?
O MAPA DA SAUDADE 137
O encantamento e a sugestibilidade
da p r o d u ç ã o artistica nos l e v a m a encarar
u m certo numero de problemas que po-
dem ser chamados problemas básicos,
porque reside nêles a explicação de al-
guns dos fenômenos mais estranhos e
mais importantes da nossa vida diária.
Porque apreciamos, por exemplo, a
estatuaria e a arquitetura mutilada pelo
tempo? Porque compreendemos toda a
Ii2 Os Ossos uo MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
e m o ç ã o e t o d a a s i g n i f i c a ç ã o de u m dese-
nho feito de traços interrompidos? Por-
que n ã o desejamos concertar a coluna
partida ou continuar o traço interrompido
do desenho?
Que faz u m h o m e m interromper uma
obra 4
achando que inacabada ela é me-
lhor?
Porque encontramos na vida com
objétos e coisas aparentemente insignifi-
cantes que ficam na nossa memória apa-
recendo de quando em quando nos mo-
mentos de sonho e de enfado?
Porque enfim, a m e m ó r i a angustiosa
retém somente as passagens inacabadas
da vida jogando sobre o campo dos mor-
tos os e p i s ó d i o s v e n c i d o s , c o n q u i s t a d o s e
dominados? Porque, nos momentos do
sonho e da vigia melancólica vemos no
caleidoscópio que passa objétos e sêres
que nunca apalpámos e cujas existências
só foram sentidas n u m relance longín-
quo; uma vela, u m a mulher c o m vestido
de gala, u m a flor, u m a saia atraz de uma
grade, uma cortina que abre, e tanto
mais que passa e desaparece e deixa no
meditador a sensação de que êle real-
A MEMÓRIA DO NÃO-ACABADO
nos d o m í n i o s da m e m ó r i a e de quando em
quando reanima-se e surge como u m pe-
zar, uma saudade. É a memória do n ã o -
acabado.
Êste tremor é a primeira manifesta-
ção de angustia oriunda da imagem do
acontecimento não-acabado, e provem do
desejo sadista, sempre vivo dentro de
n ó s , d e d e s t r u i r as b a r r e i r a s d o " n ã o f a ç a
isso", de conquistar o mistério de uma
coisa escondida; uma novidade.
Parece haver sempre uma luta entre
o desejo sadista de d e s t r u i r as barreiras
do " n ã o faça isso", promovendo contáto
com o objéto desejado e a angustia ma-
soquista e behaviourista que é u m senti-
m e n t o que pertence ao intocável das coi-
sas, e que tende a conservar as c o i s a s i n -
teiras, e que alimenta e conserva o medo.
A i m a g e m que fica na memória depende
do resultado dessa luta. Quando as bar-
reiras s ã o destruidas e o desejo sadista
é satisfeito, a m e m ó r i a n ã o conserva uma
imagem do feito, o feito f o i como aniqui-
lado e vencido e entra para o r o l das coi-
sas esquecidas e pouco a pouco os deta-
lhes desaparecem e a evocação torna-se
quasi impossível. Quando o desejo n ã o é
146 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
rem s e m m e s m o a l c a n ç a r os p r i m e i r o s en
tusiasmos da geração em que vivem.
Toda destruição é conseqüência de
u m f i m de ciclo, da aproximação de uma
m o r t e , de u m e s g o t a m e n t o . O p r ó p r i o Ím-
peto do anarquista é u m produto da ve-
lhice e da decomposição do nosso século
que é o inicio de u m f i m de ciclo. A des-
truição é coincidente com o chiste da
vida. O homem ri porque atingiu u m
ponto de saturação, a sua compreensão
dominou, e êle é u m mestre do assunto.
O a s s u n t o d e i x o u de ser s u g e s t i v o e o r i s o
vem como uma dispersão cacofonica das
emoções e associa-se aos estilhaços de
uma bomba. O chiste é a ultima mani-
festação filosófica do pensamento, e a
mais profunda, a que provoca a maior fe-
rida e a que mais marca a direção dos pas-
sos do futuro. A ultima risada do homem
é extremamente importante para a civili-
sação e para a cultura.
O f a u v i s m o a l c a n ç o u a u m f i m de ci-
clo a uma morte, mas na sua grande " f i -
nale" n ã o destruiu a força vital que o
creou; continua a noção psicológica de
exibir a pontencialidade do conteúdo e de
explorar a profundeza dessa potenciali-
168 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DR R. CARVALHO
d a d e ; as i d é a s d e e x p r e s s i o n i s m o influen-
ciam vigorosamente a pintura, a escul-
tura e a literatura.
Os abstracionistas se queixam do
efeito (golpe de martelo) da pintura su-
per-realista, e se esquecem da utilidade
de s e m e l h a n t e s golpes; o choque do "gol-
pe de martelo" reaviva a memória do
h o m e m e até mesmo a memória da espé-
cie. A c o r d a , á s vezes, o que ha de ador-
mecido em nós.
A idéa de que no comêço havia u m
ovo e que a sua contradição fundamental
é o pássaro, n ã o somente e x p l i c a os fun
damentos, mesmo de u m a evolução, o ho-
mem abandonando o seu ninho da terra
para uma locomoção mais eficiente in-
vadindo o ar, assegurando-se uma posi-
ção de destaque e de superioridade com
u m golpe de vista maior, uma nova cla-
ridade sobre as coisas, m a s t a m b é m mos-
tra uma fôrma do desabrochar do indiví-
duo. A natureza parece ser u m m a p a , u m
guia de u m a conduta perdida e esquecida,
u m modêlo que indica o que houve e o
que ainda vai haver, o v ô o do p á s s a r o as-
sociando-se á mais adiantada etapa do
pensamento, uma espécie de f i m de ciclo
com os c a r a c t e r í s t i c o s da e m o ç ã o pictori-
ca abstracionista e que n i n g u é m sabe bem
se é u m c o m ê ç o o u u m f i m , s i é u m a infra-
17fi Os Ossos DO MUNDO — FLAVIO DE R. CARVALHO
um monarca cigano
(1) Giboia.
UM MONARCA CIGANO 197
(1) 1914.
ÜM MONARCA CIGANO 199
i
O T a b ú da Vegetariana
. «. , y
( ê r
» » M s Camponeses h ú n g a r o s " , de Ká-
, < C o s t ,
15
22C! Os Ossos no MUNDO — F L A V I O DB R. CARVALHO
16
242 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
lano.
Os artistas da Itália desenvolveram
toda a sua indole volutuosa, todo o seu
sonho amoroso para pintar a m ã e de
Cristo.
A virgem era a idéa que tinha o ar-
tista, o seu sonho, sobre a mulher, mas
l o g o as r e p r o d u ç õ e s da V i r g e m se torna-
ram r e p r e s e n t a ç õ e s g r á f i c a s dos ideais do
povo italiano sobre a mulher, e algumas
dessas r e p r e s e n t a ç õ e s s ã o de rara beleza
e delicadeza, porque retêm o idealismo
sexual do artista e f r e q ü e n t e m e n t e expri-
mem o drama intimo do próprio artista.
Uma epidemia de Madona e Bam-
bino apoderou-se da peninsula.
Mulheres tentadoras exibiam a sua
carne ardente e m m e m ó r i a da Virgem;
viu-se toda a escala do desejo e do idea-
lismo oscilar historia fóra. O s primitivos,
que conservavam ainda consigo u m a mis-
tura do temperamento clássico e da gran-
de e m o t i v i d a d e africana, f i z e r a m obra va-
liosa e expressiva onde o conteúdo da
fôrma dominava e se sobrepunha á fôr-
ma, obra esta que m a i s tarde caracterisou
toda a produção da idade escura.
MADONA E BAMBINO 249
O dramalhão, Madona-Bambino e
S a n t i i n v a d e e e m o c i o n a os c o r a ç õ e s sim-
ples e de fácil contentamento dos inspi-
rados, e domina epidemicamente a pe-
ninsula; uma imaginação poética carnal
e de baixa categoria desenvolveu-se. V i -
mos multidões de homens nus, barbados
com cabeças torcidas para cima em êx-
tase olhando para u m buraco no céo ou
em suplica a uma Madona, toda uma va-
riedade de homens alados, cherubins ro-
sados e m g e s t i c u l a ç ã o operatica e e m v ô o
inocente entre as nuvens, anjos, virgens,
santos e padres, proliferavam rapida-
mente pelos muros, pelas abobadas, es-
voaçando em panos e flores, e em con-
tato uns com os outros e parecia que o
munido era todo feito de carne... por
toda a parte membros que se cruzavam
e entrelaçavam...
25 \ Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
17
258 Os Ossos DO MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
Estabelece-se d e f i n i t i v a m e n t e que f i -
cou observado que todos os quadros re-
presentando a Concepção da Virgem,
mostram quasi sempre, conspicuamente,
de uma maneira inconsciente e não pre-
fieis (1).
O edificio da igreja como represen-
t a ç ã o da m u l h e r e da V i r g e m é confirma-
do, de uma maneira inconsciente, por
esta s a u d a ç ã o de S ã o Francisco de Assis
á "bemaventurada V i r g e m " ; S ã o Fran-
cisco referindo-se á Virgem vociferava:
"Salve Palácio de Deus. Salve, taberna-
culo de Deus. Salve M a d r e de Deus!"
A missa cantada, o grande canto á
vagina, torna-se o protótipo da opera.
A origem religiosa e peninsular da
opera n ã o quer dizer que n ã o t e m havido
outros cânticos á vagina e m outras civi-
lisações anteriores, mas significa apenas
que a opera que se desenvolveu através
das cerimonias religiosas na peninsula,
e que no s é c u l o X V c o m e ç o u a influenciar
a arte e o comportamento de toda a Eu-
ropa, era plasmada no lirismo sexual da
familia desta peninsula, e nos sentimen-
tos de inferioridade que a decadência do
i
MADONA K BAMBINO 273
18
274 Os Ossos no MUNDO — FLAVIO DE R. CARVALHO
(1) E ?
grande o numero de estatuas castradas no
Vaticano.
290 Os Ossos no MUNDO — F L A V I O DE R. CARVALHO
amorosa da d e c a d ê n c i a e da inferioridade.
A grandeza do Império Romano é para
a historia uma fase de coito violento e
sadio onde a contraparte fêmea tripu-
diada e ensangüentada parirá para com-
pensar a sua inferioridade, para salvar o
seu mundo. O periodo de maternidade
que caracteriza a decadência do Império
se prolonga a t é nossos dias, quando ou-
vimos de passagem as exortações de
Mussolini (1).
Mm
Í N D I C E
Pags.
P r e f a c i o do A u t o r 3
de Gilberto F r e y r e 5
Voajpdo sobre as Costas Brasileiras e Notas so-
bre a s e n s a ç ã o do m ê d o 11
Deus assignalado a bordo 41
A Taverna Fitzroy 57
A s Ruinas do M u n d o 75
D o i s Congressos Sofisticados 107
O M a p a da Saudade, o primeiro Mapa do
Mundo (1) 117 #
A M e m ó r i a * do N ã o - A c a b a d o 141
O B e r ç o da F o r ç a P o é t i c a 155
A p r o c u r a de u m monarca cigano 177
O T a b ú da Vegetariana 201
Madona e Bambino 217
*
I
i
U L T I M A S N O V I D A D E S :
Stendhal '
DO AMOR — Traducção
René-Albert Guzman
C I Ú M E — (4. a
edição) .. .Br. 6$000
S O C I E D A D E S C O O P E R A T I -
V A S (4. a
edição) Br. 15$000
Paulo Guanabara
A O R I G E M D O M U N D O — 1.°
voliííne da collecção: "His-
torias do T i o J o ã o " . . . Cart. 8$000
Pedidos a
A R I E L E D I T O R A L T D A .
R u a 7 d e S e t e m b r o , 162=1.°
RIO DE JANEIRO