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ETNOGRAFIA NO CIBERESPAÇO COMO

“REPOVOAMENTO” E EXPLICAÇÃO*

Theophilos Rifiotis
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis – SC, Brasil. E-mail: t.rifiotis@ufsc.br

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/319085-98/2016

A rede é uma imagem adequada para descrever a Brasileira de Pesquisa em Cibercultura),2 a etnografia
maneira pela qual se pode ligar ou enumerar entidades tem sido objeto de permanente reflexão. Inicialmente,
díspares sem fazer suposições sobre níveis ou hierarquias
ela foi concebida a partir de uma suposta especificida-
(Strathern, 2014, p. 304).
de do seu objeto, a cibercultura, como um campo de
pesquisa, ou como ciberespaço, um locus ou contexto
da ação humana, ou pensada na especificidade da na-
Introdução
tureza virtual do campo de pesquisa, ou ainda como
“comunicação mediada por computador”.3 A etno-
Desde que iniciei meus estudos sobre a chama-
grafia sempre ocupou um lugar central em todos os
da cibercultura,1 em meados da década de 1990 e
trabalhos desenvolvidos no âmbito do nosso grupo de
até recentemente no âmbito da ABCiber (Associação
pesquisa, o GrupCiber (Grupo de Pesquisa em An-
tropologia do Ciberespaço), da Universidade Federal
de Santa Catarina.4 Desde o início, a etnografia trazia
* Uma versão preliminar foi publicada nos Anais da 29ª questões sobre o lugar da técnica (Rifiotis, 2012). Re-
Reunião Brasileira de Antropologia (2014): <http://
www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401824396_ trospectivamente, diríamos que as nossas inquietações
ARQUIVO_Etnografianociberespacocomorepovoamen- residiam no modo como realizávamos a nossa vontade
toeexplicacao2014.pdf>. Agradeço ao CNPq o apoio às de saber sociotécnico e, sobretudo, como operávamos
pesquisas que originaram este artigo.
com a relação entre a técnica e o social para além da
Artigo recebido em 05/11/2014 simples justaposição. Recuperar alguns elementos
Aprovado em 01/10/2015 da nossa trajetória de reflexão sobre a cibercultura,
RBCS Vol. 31 n° 90 fevereiro/2016
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sem qualquer pretensão de exemplaridade, nos permi- de produção do conhecimento antropológico nesse
te abordar as questões teóricas e metodológicas com campo específico, o que nos remete aos termos de
que concretamente nos defrontamos. uma questão mais geral pontuada por Eduardo Vi-
As questões sobre a etnografia no campo da ci- veiros de Castro:
bercultura estão intimamente ligadas ao modo como
a antropologia entrou no ciberespaço, pelo menos O nativo exprime sua cultura em seu discurso;
como as vivenciamos no Brasil: uma oscilação entre o antropólogo também, mas, se ele pretende ser
desconfiança e revelação. Estamos nos referindo aqui outra coisa que um nativo, deve poder exprimir
aos debates sobre as possibilidades e limites colocados sua cultura culturalmente, isto é, reflexiva, con-
para a antropologia do ciberespaço,5 que revelaram dicional e conscientemente (2002, p. 114).
um movimento pendular, ainda hoje presente no
campo, e que, em certa medida, repercute na literatu- Em outros termos, desde meados da década de
ra internacional (por exemplo, Boyer, 2012). Havia, 1990, os jogos envolvidos na definição das catego-
pelo menos inicialmente, uma espécie de descon- rias pertinentes, dos atores e dos objetos a serem
fiança sobre as possibilidades da pesquisa antropoló- considerados nas análises do ciberespaço passaram
gica no ciberespaço, especialmente sobre a etnogra- a contar com aquilo que Latour (2000, p. 22) cha-
fia. Questões sobre a especificidade e a validade da mou de “testemunhas confiáveis”, ou seja, a adesão
observação de campo on-line, sobre a pesquisa com dos pares e a mobilização coletiva de testemunhos
avatares, sempre contrastando, em termos absolutos, que atestam a existência de um fato. A experiência
com as pesquisas realizadas com contatos face a face, nativa partilhada ajudou a validar a atividade antro-
digamos, off-line. Tratava-se de impasses sobre como pológica no ciberespaço.6
pensar a relação mediada, ou melhor as dificuldades Na década seguinte, as etnografias produzi-
de produzir uma reflexão incorporando a mediação das e os debates travados estavam concentrados
técnica na etnografia. Implicitamente, revelava-se na ideia da chamada “comunicação mediada por
também uma tendência a naturalizar as categorias do computador”, destacando cada vez mais a noção
campo como se elas pudessem ser, imediatamente, de mediação técnica. Nesse sentido, cabe destacar
categorias analíticas, por exemplo, as “comunidades o trabalho seminal de Arturo Escobar (1994), in-
virtuais” ou as “novas formas de sociabilidade”, e titulado “Welcome to cyberia”, como um ponto,
mesmo a “cibercultura” (Rifiotis, 2010). digamos, fora da curva, antecipando debates de
Por outro lado, havia a revelação, uma percep- grande atualidade. Consideramos que ele mostrou
ção exatamente oposta àquela da desconfiança, na de modo inovador a pertinência da abordagem da
qual se transformava a própria experiência de nati- sociotécnica.7 Foi somente a partir de 2008 que os
vos do ciberespaço em campo de pesquisa, perce- trabalhos desenvolvidos no GrupCiber experimen-
bendo-se talvez como uma espécie de argonautas taram uma virada sociotécnica, com a articulação
do ciberespaço. A dupla condição, de nativo e de da etnografia com a teoria ator-rede, especialmente
pesquisador, certamente nos colocava desafios teó- inspirados pelos trabalhos de Latour (2000, 2002,
rico-metodológicos, mas ela funcionou, sobretudo, 2008) e pela potencialização da noção de redes so-
como uma condição favorável para a construção ciotécnicas para o estudo da cibercultura.
de uma “autoridade etnográfica”, adotando aqui Assim, apesar do estágio ainda inicial da reflexão,
os termos de Clifford (1998). De fato, à medida esperamos mostrar a riqueza dos debates envolvidos
que se multiplicavam rapidamente as experiências e as possibilidades abertas para o desenvolvimento da
dos próprios pesquisadores com o ciberespaço, in- pesquisa no campo da cibercultura, a partir de uma
cluindo no seu dia a dia e-mails, blogs e redes so- noção de redes renovada (Strathern, 1996; Latour,
ciais, a sua identificação particular com esse campo 2008). Propomos aqui uma crítica à chamada etnogra-
atuou positivamente na produção de objetividade fia virtual, que será sistematizada em três eixos analí-
e validação de suas próprias pesquisas. Porém, nem ticos: i) a metáfora do olhar; ii) o “repovoamento” do
sempre havia uma problematização das condições social; e iii) o caráter produtivo da descrição.
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O debate que trazemos situa-se num campo de recionamento para a textualização, no sentido de
disputas entre distintas políticas etnográficas, que, uma crítica ao caráter especular e representacional
no seu estágio atual, não permite vislumbrar um da etnografia, ou seja, o modo pelo qual a “etno-
consenso, mas tão-somente cartografar controvér- grafia traduz a experiência e o discurso em escrita”
sias do campo.8 Assim, apontamos uma série de (Clifford, 1998, p. 88).
questões que consideramos pertinentes às políti- Vivemos hoje envolvidos pelas questões liga-
cas etnográficas e com potencial analítico concreto das à “textualização” e à “crise representacional”.
para serem integradas às práticas etnográficas. Sem dúvida, a publicação Writing culture (Clifford
Por essa razão, serão evocados inicialmente e Marcus, 1986) é um marco histórico de grande
debates sobre etnografia, para deles apontar a pos- atualidade. De fato, bastaria lembrar uma avaliação
sibilidade de uma nova compreensão do lugar da feita pelo próprio Clifford (1999) na sua resenha
descrição na antropologia. Em outros termos e com do livro intitulado After writing culture: epistemolo-
base nos trabalhos que temos realizado no GrupCi- gy and praxis in a contemporary anthropology (James,
ber desde 1996 (e-mails, blogs, chats, linux, orkut, Hockey e Dawson, 1997), que reúne trabalhos
twitter, bots),9 propomos aqui um ensaio que visa dedicados a refletir sobre writting culture. Nela,
problematizar a etnografia para além da textuali- Clifford procura atualizar o debate “pós-moderno”
zação tout court, colocando em perspectiva os pro- concluindo criticamente que a análise cultural está
blemas que enfrentamos nas pesquisas etnográficas se tornando uma questão de retórica e de escrita.
no ciberespaço. Portanto, a nossa intenção não é Se, por um lado, podemos afirmar que nos
discutir a textualização, mas trazer apontamento afastamos do “realismo etnográfico” pela tomada
para pensarmos uma descrição que siga os agentes de consciência da escrita e de seus limites represen-
em ação, que acompanhe a formação dos próprios tacionais, leia-se criadores, por outro, ainda conti-
agentes no curso da ação. Nosso horizonte seria o nuamos nos debatendo com as questões levantadas
desenvolvimento de uma chave heurística para as pela tradução. O que nos leva ao primeiro ponto
experiências etnográficas no campo da cibercultura da nossa problematização, qual seja, de que a prá-
em termos do “repovoamento” da escrita e da sua tica etnográfica, implícita ou explicitamente, e,
potência explicativa.10 por vezes, contraditoriamente, postula a existência
de dois mundos, aquele chamado real, dos dados
ou fatos, aquilo que é dado à observação, e outro
A metáfora do olhar criado pela representação do observado. A própria
defesa da etnografia parece passar por esse postula-
Uma das questões mais antigas e ainda atual do, quando afirma e reforça a existência de “dados
nos debates sobre etnografia é a “perenidade dos etnográficos” e as teorias que deles emergem, ou a
dados etnográficos em contraste com o caráter efê- “redução” da tradução.
mero das conquistas teóricas”, destacada por Mari- No limite daquele debate, parece que continu-
za Peirano (1992, p. 14). Trata-se de uma questão amos prisioneiros de uma espécie de teoria pictó-
emblemática para o fazer antropológico. Em pri- rica da linguagem, como afirma o filósofo Nelson
meiro lugar, porque ela evoca a defesa da etnogra- Goodman:
fia, ícone de uma tradição científica e profissional.
Ela é emblemática também por tensionar a relação A acusação de que uma dada descrição verda-
teoria-empiria, fundadora da forma moderna do deira distorce ou é infiel ao mundo tem im-
fazer antropológico11. E, finalmente, ela nos inter- portância em termos de alguma gradação de
pela sobre a escrita ao referir-se aos “dados etno- acordo com fidelidade, ou em termos de uma
gráficos”, registro da fluidez social e que pode se diferença em graus de fidelidade entre descri-
tornar uma fonte para outras pesquisas. No limite, ções verdadeiras e boas pinturas. Mas se nós
ela pode também ser relacionada com as propostas dizemos que todas as descrições verdadeiras e
contemporâneas do fazer antropológico e seu di- boas pinturas são igualmente infiéis, então de
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que exemplo ou padrão de fidelidade relativa -la. No limiar do debate sobre o lugar da técnica
nós estamos falando? […] Há muitas descri- está, sem dúvida, a obra de Marcel Mauss (1974,
ções verdadeiras igualmente diferentes e ver- p. 198), que afirmava a intrínseca relação do social
dadeiras do mundo, e sua verdade é o único com os objetos materiais, defendendo uma integra-
padrão de sua fidelidade. E quando nós dize- lidade moral, social, mental, corporal ou material,13
mos delas que todas elas envolvem convencio- como discutiremos no próximo item.
nalizações, nós estamos dizendo que nenhuma
destas descrições diferentes é exclusivamente
verdadeira, pois as outras também são verda- O “repovoando” da etnografia
deiras. Nenhuma delas nos diz o modo como
o mundo é, mas cada uma delas nos diz um No campo da cibercultura, apesar de a etnogra-
modo como o mundo é (1972, p. 5). fia ocupar um lugar de destaque, em grande medida
ela se mantém fora dos debates atuais sobre a técnica
O “modo como o mundo é” no plural signi- e das questões da textualização. Nos últimos anos,
fica reafirmar a ideia de que os “fatos são feitos”, temos refletido exatamente sobre o lugar da técni-
que o “observado” é ao mesmo tempo real, social e ca na análise antropológica da cibercultura (Rifio-
efeito da narrativa, como bem argumentou Latour tis, 2012). Enfatizamos a necessidade de repensar a
(2000) em Jamais fomos modernos para caracterizar ideia de agência e hibridismo superando a dicotomia
a constituição, ou seja, o conjunto de operações humano/não humano, especialmente no campo da
que os modernos criaram para si mesmos, e que, chamada “comunicação mediada por computador”,
na sua obra Reflexão sobre o culto moderno dos deuses distinguindo e procurando dar um sentido mais pre-
fe(i)tiches são designados como fe(i)tiches (Latour, ciso às noções de mediador e intermediário, como
2002). Apesar de a nossa pergunta ter sido iniciada veremos a seguir. Entendemos que se tratava de ques-
na cibercultura, ela nos leva a problematizarmos o tões analíticas enfrentadas pela antropologia desde as
pressuposto do “dado” e a noção de “fato” e fenô- clássicas contribuições de Mauss até os debates atuais
meno. Aprendemos a pensar em termos do caráter sobre as redes sociotécnicas e a teoria ator-rede.
contingente da observação etnográfica, mas pouco Como dissemos anteriormente, estamos diante
questionamos nosso olhar disciplinado, como diria de um desafio crítico de revisão dos eixos analíticos
Roberto Cardoso de Oliveira (2000). A questão, baseados no uso, apropriação e representação, en-
em termos resumidos, reside em situarmos quem, volvendo os objetos técnicos. Da nossa perspectiva,
quando e como se produz a distinção entre matter trata-se de enfrentar analiticamente a própria defi-
of fact ou matter of concern (Latour, 2004), o que se nição e a possibilidade de uma etnografia virtual,
desdobra numa crítica da objetividade moderna.12 como pensada por Cristine Hine (2004a), para
Procurando situar o debate no campo da ci- além de uma simples crítica. Entendemos que a
bercultura, diremos que se trata de um desafio para etnografia virtual foi e de certo modo continua sen-
pensarmos os limites de uma “narrativa descritiva” do importante para resolver problemas de pesqui-
e sua capacidade de traduzir a íntima relação entre a sa relativos à necessidade de pensar a internet, por
técnica e os sujeitos humanos. Colocando em pers- exemplo, como um espaço social no qual se pode le-
pectiva a exterioridade da técnica pressuposta nas gitimamente fazer pesquisa antropológica. A nossa
abordagens cujo eixo analítico é estruturado a partir trajetória no campo nos confirmou a relevância
de noções como uso, apropriação e representação dos da etnografia no ciberespaço como afirmou Hine
objetos técnicos tal como se percebe na etnografia (2004b) numa conferência em 2004:
virtual (Rifiotis, 2012). A exterioridade pressuposta
é amplamente questionada pela literatura etnológi- A ideia da etnografia virtual era encontrar uma
ca, porém para os “modernos”, como diria Latour, maneira de levar a sério, como fenômeno so-
tal separação/exterioridade é uma marca central, e ciológico, os tipos de coisas que as pessoas fa-
a etnografia virtual ainda precisaria problematizá- ziam na internet. Ao mesmo tempo, o desafio
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não era assumir que simplesmente por olhar ainda, em termos latourianos: como descrever um
para o que aconteceu on-line poderíamos ter a ator-rede? Afinal, a própria distinção entre humanos
imagem completa do porquê ele era socialmen- e não humanos como duas categorias pode instaurar
te relevante ou significativo.14 uma dicotomia, criando duas entidades englobantes,
instaurando uma pretensa essencialidade.16 Nesta
Porém, a partir da virada sociotécnica do abordagem, devemos estar sempre atentos às con-
GrupCiber em 2008, temos procurado mostrar as tingências e cursos da ação, sem pressupor agentes
vantagens analíticas de focar nosso trabalho não nos e agências de antemão, e problematizando a suposta
atores humanos em ação na internet, mas na di- diferenciação entre humanos e não humanos como
mensão mediada das conexões entre humanos e de dois domínios fechados. É preciso estar atento aos
humanos com não humanos, e não apenas situá-las problemas da agência, pois, como afirma Brown,
numa espécie de locus, um contexto para eventos e “Perguntar-se acerca da agência não humana abre
comportamentos, o ciberespaço. Temos procurado uma discussão que problematiza o não humano e
sistematizar possibilidades analíticas que apontem deixa de fora a questão da agência humana” (Lee e
para a superação das dicotomias que articulam a Brown, 1998, p. 219).
cibercultura, para dar suporte às análises sociotéc- É oportuno lembrar que, para a antropologia,
nicas num campo atravessado por inovações, nos tais questões se tornam relevantes e problemáticas
termos de Latour (2008, p. 27), ou seja, nas quais apenas quando falamos sobre nós mesmos, os “mo-
são incertas as fronteiras dos grupos, e onde flutua dernos”, pois como lembra Latour:
a variedade de entidades a considerar na descrição.
Trata-se de um projeto ambicioso e ainda em Este dilema permaneceria sem solução caso a
formação, fundamentado não apenas numa recusa antropologia não nos houvesse acostumando, há
genérica de dicotomias, mas na construção de uma muito tempo, a tratar sem crise e sem crítica o
perspectiva que vem sendo delineada desde os anos tecido inteiriço das naturezas-culturas. [...] Basta
de 1980-1990, na qual a descrição etnográfica está enviá-lo [o etnógrafo] aos arapesh ou achuar, aos
voltada para os fluxos e deslocamentos. Nesse sen- coreanos ou chineses, e será possível uma mesma
tido, consideramos o artigo de Marilyn Strathern narrativa relacionando o céu, os ancestrais, a for-
(1996), “Cutting the network”15 emblemático, por ma das casas, as culturas do inhame, de mandio-
nos oferecer uma referência inspiradora para os es- ca ou de arroz, os ritos de iniciação, as formas de
tudos da cibercultura, pois, através de situações et- governo e as cosmologias (2000, p. 12).
nograficamente descritas, ela nos mostra como ras-
trear fluxos e descrever associações e dissociações que Concretamente, desde os primeiros trabalhos
ocorrem no curso da ação. O que nos remete mais desenvolvidos no GrupCiber, enfrentarmos essa
diretamente ao segundo ponto da problematização questão, quando nos perguntávamos sobre como
da etnografia em termos sociotécnicos: quais são os descrever, por exemplo, uma plataforma, concebi-
objetos da etnografia? Como fazer etnografia num da como software, uma entidade técnica que dava
mundo em que a divisão entre “mediador” (aquele/ suporte para a experiência social mediada por com-
aquilo que transforma) e “intermediário” (aquilo/ putadores. Vale lembrar que, no início dos nossos
aquele que transporta, “caixa-preta”) é contingente? trabalhos, ainda na década de 1990, fazíamos uma
Nossas análises deveriam descrever aquele/aqui- distinção entre “plataforma” e “ambiente”, este úl-
lo que faz diferença no curso da ação, sem que sejam timo como “locus de sociabilidade” (por exemplo,
previamente definidas os entes e as agências e, sobre- Guimarães Jr., 2010). Se naquele momento, diga-
tudo, que elas se limitem exclusivamente aos huma- mos “fundador”, para nós, era importante mostrar
nos. De onde a pergunta: como descrever a agência que havia vida social no ciberespaço e que ela ti-
não humana? Como descrever a agência sem precisar nha uma especificidade, atualmente ela nos parece
relacioná-la a outro domínio ou qualificação, espe- confirmar, contrariamente ao pretendido, uma dis-
cialmente a distinção humano/não humano? Ou tinção ontológica, entre uma, digamos, dimensão
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humana e outra que seria técnica. Concretamente, voar” a cibercultura. Ou de modo mais direto, como
a perspectiva sociotécnica que adotamos há alguns ele no artigo “Une sociologie sans objets?”: “Os obje-
anos, permite potencializar os limites de tal distin- tos fazem alguma coisa, eles não são simples telas ou
ção, evidenciando o seu caráter de enquadramento retroprojetores da nossa vida social” (Latour, 1994,
prévio e dicotômico entre o “mundo técnico” e o p. 47). O que nos remete ao problema de definir a
“mundo humano”. Nosso discurso pretendia ser priori agências e utilizar distinções como humano e
integrador, mas não conseguíamos ir além de uma não humano, pois estaríamos criando, instituindo,
dualidade entre duas entidades distintas na qual a classes de entes já dados e não formados no curso da
primeira era estudada em função da segunda, ou ação observada e a ser descrita, como indicado pela
seja, a técnica como elemento intermediário para a abordagem sociotécnica.
ação humana. Aqui pode ser interessante retomar Sabemos que esse debate não se restringe à ciber-
uma autocrítica feita em outro trabalho. cultura, porém, no campo que é o nosso, devemos
nos perguntar como integrar a plataforma, a tela, o
Confesso que desde o início do meu interesse teclado, o mouse ou o toque na tela, a rede wi-fi, a
pelo campo da “cibercultura” incomodava-me eletricidade, a rede física etc., etc., e também as cone-
a ideia de “comunicação mediada por compu- xões e elementos off-line, com a aquilo que chamamos
tador” (CMC). A própria ideia de “mediador” de cultura ou sociedade. A partir da abordagem socio-
parecia-me deslocada uma vez que tratávamos técnica, o tecido das nossas práticas, focado exclusiva-
de comunicação/interação entre humanos e mente nos humanos, não parece mais inteiriço, pois
o computador/rede eram apenas intermediá- ele está mesclado de outros elementos que desempe-
rios, invisibilizados na maior parte do tempo nham atividades diversas no curso da ação.
nas nossas descrições, apenas presentes como É antes de tudo uma primeira tarefa eminen-
suporte. Por vezes um mero intermediário, temente de simetrização: descrever como actantes,
quase nunca problematizado, apenas um ele- sempre híbridos, titulares potenciais de agência, são
mento do cenário onde ocorrem relações entre eles mesmos resultado de séries das conexões nas
humanos. […] Havia, em minha opinião, uma quais estão envolvidos no curso da ação descrita.
invisibilidade dos meios, dos componentes ele- Afinal, na terminologia da teoria ator-rede, a no-
trônicos, dispositivos computacionais, softwa- ção de “ator” não é redutível ao sentido tradicio-
res, rede física, etc. Se fôssemos coerentes com nal de “ator social”, uma vez que ela deve nomear
a perspectiva então adotada, deveríamos falar tudo que age, aquilo/quem que faz diferença, deixa
em “comunicação intermediada por computa- rastros, podendo ser pessoas, instituições, animais,
dor”. Estimulado por essa crítica, passei a refle- objetos etc. Como diz Latour (2008, p. 73), “usar a
tir sobre os elementos técnicos da “CMC”, na palavra ‘ator’ significa que nunca está claro quem e
rede sociotécnica. Porém, fazia isso separando o que está atuando quando atuamos, dado que um
os elementos em categorias de humanos, com ator no cenário nunca está só na sua atuação”. As-
intencionalidade, volição, consciência, etc., su- sim, Latour recorre à semiótica de Greimas (1976),
jeitos da ação que empregam para fins que eles através da noção de “actante”, a qual incorpora tan-
próprios definem os objetos e instrumentos to a multiplicidade de agência quanto a pluralidade
(Rifiotis, 2012, p. 572). de participantes associados no curso da ação.17
Na teoria ator-rede, como apontado por John
Enfim, hoje podemos afirmar que a partir da Law (1992), nada/ninguém age isoladamente, o
abordagem sociotécnica fica evidente que muitas agente é sempre aquilo/quem participa de uma sé-
vezes operávamos com uma simples justaposição en- rie de combinações envolvendo objetos, processos
tre uma análise técnica e outra social, uma vez que e atores humanos, por isso o agente é sempre uma
pressupúnhamos – desde o ponto de partida – a exis- rede e a própria rede pode ser agente. Quando fa-
tência daquelas duas entidades. É nesse sentido que lamos em rede sociotécnica, não estamos nos refe-
falamos, a partir de Bruno Latour (2008), em “repo- rindo apenas àquilo que transporta informação (in-
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tacta), ou seja, um intermediário. Na cibercultura, sarmos a separação implícita na prática etnográfica


a rede sociotécnica não deve ser confundida com a entre três elementos: um ambiente no qual se dá o
rede da internet: ela não é mero contexto no qual fluxo da ação, uma perspectiva de observação do
ocorrem ações humanas. Descrever uma rede socio- etnógrafo, e o referente, seu objeto.
técnica implica descrever os fluxos, agenciamentos Como dito desde o início, hoje concebemos
internos. Nas palavras de Law: nossos objetos como contingentes e relacionais. É
partir da contingência da observação, e, portanto,
Se os seres humanos formam uma rede social da etnografia, que colocamos em pauta uma ob-
não é porque eles interagem com outros seres servação de segunda ordem (“observar o observa-
humanos. É porque eles interagem com os seres dor observando”). Evidentemente, não se trata de
humanos e infinitas outras matérias também. E uma perspectiva privilegiada, que vê a si mesma e
assim como os seres humanos têm suas preferên- ao mundo, mas do que um segundo observador
cias – eles preferem interagir de certa forma, em que observa a observação, e procura identificar as
vez de outras –, assim também o fazem os outros escolhas feitas pelo primeiro observador. Ou seja,
materiais que compõem as redes heterogêneas do para o segundo observador, o sistema observador-
social. Máquinas, construções, roupas, textos – -ambiente criado pelo primeiro seriam o seu refe-
contribuem para a modelagem do social. E – esse rente.18 Um segundo observador humano ou um
é meu ponto – se estes materiais desaparecessem, dispositivo que registra a observação, ou mesmo
então também o mesmo aconteceria com o que um arquivo de log ou representações de fluxos e
chamamos às vezes de ordem social. A teoria conexões que se formam com a ação que estamos
ator-rede afirma, então, que essa ordem é um descrevendo. Temos aí uma pista interessante e
efeito gerado por meios heterogêneos (1992, s/p). que oferece múltiplas estratégias para o trabalho de
campo no ciberespaço.
Assim, o nosso segundo eixo crítico, que cha- A questão colocada por Rabinow é relevante e
mamos num primeiro momento de “repovoamen- nos indaga sobre o modo reflexivo da prática antro-
to”, não pode ser reduzido a uma simples tarefa de pológica, que parte de uma definição da etnogra-
inclusão, mas o reconhecimento do caráter relacio- fia que toma o sujeito observador como centro da
nal, contingente e compósito de todos os elementos descrição. Uma definição da etnografia nesta pers-
que tecem o tecido social. pectiva poderia ser enunciada nos seguintes termos:
“A etnografia [...] é uma prática peculiar de repre-
sentar a realidade social de outros através da análise
O caráter produtivo da descrição da experiência própria no mundo daqueles outros”
(Emerson, Fretz e Shaw, 1995, p. 10). Porém, sem
Por fim, trazemos o terceiro eixo da nossa crí- pretender reduzir o debate, nos limites da nossa ar-
tica à etnografia virtual, que é a descrição como ex- gumentação, diríamos que, apesar da pertinência das
plicação. A ideia de uma descrição explicativa está colocações de Rabinow, não deixamos de pensar que
diretamente relacionada com o modo como conce- ela pressupõem um modo de conceber e fazer antro-
bemos os dois eixos anteriores, aos quais se soma a pologia estritamente focado no observador.
reflexividade na etnografia. Após os anos de 1980- Assim, coerentemente com o debate do item
1990, a reflexividade tornou-se uma das questões anterior (“repovoamento”), somos levados a nos
centrais para a etnografia. Referimos fundamental- perguntar se a “observação do observador observan-
mente à ideia de problematizar a presença do ob- do” equaciona adequadamente a questão da metá-
servador em campo. Em termos mais contempo- fora do olhar. E se a distinção entre ambiente, ob-
râneos, a formulação mais adequada nos parece ser servador e referente é compatível com a abordagem
aquela de Paul Rabinow (2007) sobre o “observar sociotécnica. Sem termos uma resposta final para
observadores observando”. Para o nosso debate, o essas indagações, propomos uma breve incursão na
texto de Rabinow pode ser interessante para repen- agenda atual da antropologia, a partir das reflexões
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de Roy Wagner (2010) sobre a “invenção da cul- Se concordarmos com Wagner sobre o trabalho
tura” e suas implicações para a prática etnográfica. de campo como um modo de tornar a cultura vi-
Esperamos assim poder mostrar que a questão do sível, pelo “choque cultural”, no processo de o an-
observador e da exterioridade é mais complexa tropólogo se submeter a situações não planejadas ou
do que o desenho anterior parecia pressupor. Para controladas, a etnografia perde completamente o ca-
explicar este argumento, tomaremos como base os ráter especular, que – é sempre bom lembrar – estava
questionamentos de Wagner sobre o trabalho de sendo questionada desde os anos de 1980. A escrita
tornar visível a cultura e o modo como inventamos etnográfica passa a ser entendida como uma parte
a cultura, os quais não podem nos deixar indiferen- fundamental do processo de objetificação da cultura,
tes em relação ao lugar da etnografia e do próprio e a etnografia é um modo particular de experimentar
trabalho de campo. a diferença cultural e expressá-la. Em resumo, se bem
compreendemos as colocações de Wagner, a questão
A despeito de tudo o que possam ter-lhe dito da reflexividade do analista ganha um novo lugar.
sobre o trabalho de campo, a despeito de todas
as descrições de outras culturas e de experiên- O exercício de reflexividade em questão não
cias de outros pesquisadores que ele possa ter se reduz, então, a um problema de escrita et-
lido, o antropólogo que chega pela primeira nográfica, tal como encara a literatura pós-
vez em campo tende a sentir-se solitário e de- -moderna em antropologia, mas estende seu
samparado. Ele pode ou não saber algo sobre alcance de problematização ao contexto da
as pessoas que veio estudar, pode até ser capaz experiência etnográfica como forma de neutra-
de falar sua língua, mas permanece o fato de lizar os efeitos de oposição entre “experimentar
que como pessoa ele tem de começar do zero. lá” e “escrever aqui” (Benites, 2007, p. 117).
É como uma pessoa, então como um parti-
cipante, que começa sua invenção da cultura Voltando ao início do argumento sobre a etno-
estudada. Ele até agora experimentou a “cul- grafia no ciberespaço, diríamos que embora seja um
tura” como uma abstração acadêmica, uma objeto central nos estudos da cibercultura, ela não é
coisa supostamente tão diversa e multifaceta- entendida de modo homogêneo no campo. Porém,
da, e no entanto monolítica, que se torna di- parece que agora fica mais claro que há um conjunto
fícil apoderar-se dela ou visualizá-la (Wagner, de questões centrais para a antropologia contempo-
2010, p. 31). rânea que ainda não repercutiram no campo especí-
fico dos estudos da cibercultura. Aliás, não seria exa-
De acordo com Wagner, o exercício de pen- gerado afirmar que muitas vezes a etnografia virtual
sar a invenção da cultura pelo antropólogo passa é acionada nas pesquisas exatamente pelo hiato aber-
por uma reflexão séria e desestabilizadora da forma to pela ideia de que ela está marcada por uma fluidez
“moderna” de pensarmos a prática e o estatuto da e pela “falta de receitas” (Hine, 2004a, p. 23).19
etnografia. O trabalho de campo seria uma expe- Trazer a etnografia para o centro dos estudos
riência criativa e passaria a ser efetivamente vista da cibercultura sempre foi o horizonte analítico do
como um trabalho, pois ela produz a “cultura”, ou GrupCiber. Sabemos, pelas experiências das pes-
melhor a “inventa”: quisas empíricas realizadas ao longo de quase vinte
anos, que a pressuposta “fluidez” abriu importantes
[…] poderíamos dizer que um antropólo- possibilidades de pesquisa neste campo e, por essa
go “inventa” a cultura que ele acredita estar mesma razão, não pretendemos refutar a potência
estudando, que a relação – por consistir em da etnografia virtual que já está bem assentada.
seus próprios atos e experiências – é mais Nosso objetivo resume-se a trazer para o debate
“real” do que as coisas que ela “relaciona” as contribuições da teoria ator-rede, destacando as
(Idem, p. 30). possibilidades analíticas que se desenham para a
pesquisa da cibercultura.
ETNOGRAFIA NO CIBERESPAÇO COMO “REPOVOAMENTO” E EXPLICAÇÃO  93

É curioso observar que em face da “fluidez” – entidade em circulação, que não esteja anteci-
corretamente apontada por Hine – a teoria ator- padamente composta de um agregado estático
-rede não oferece uma guarita metodológica, mas do que ocorreu antes de ser parte da sociedade
apenas a “incerteza da escrita” (Latour, 2008). Para (Idem, p. 187).
compreendermos o alcance do lugar da escrita e da
descrição na teoria ator-rede, será necessário recor- Pode ser útil, para refletirmos sobre a descri-
rer a um conjunto de seus pressupostos. Em primei- ção na abordagem sociotécnica, lembrarmo-nos de
ro lugar, lembremos que o “social”, tomado como que não se trata de opor descrição e explicação, já
entidade já dada para a análise é antes de tudo um amplamente comentada por Clifford (1998), mas
social estabilizado, o qual pode funcionar como de tomar a descrição como uma atividade que não
uma totalidade explicativa ou interpretativa, passan- precisa ser complementada por uma explicação, e,
do de objeto da análise para elemento explicativo/ se parecer necessário, é porque ela ainda não foi su-
interpretativo. Assim, na teoria ator-rede, como ficientemente estendida para englobar a própria ex-
afirma Latour, a própria constituição de grupos é plicação. Em Reensamblar lo social, Latour enfatiza
antes de tudo o resultado do trabalho dos analistas que devemos estar atentos para as situações em que
e dos sujeitos, eles mesmos no curso da sua ação: a própria explicação tornou-se um elemento esta-
bilizado e os agentes cumprem plenamente papéis
O delineamento dos grupos não é apenas determinados. Em tal perspectiva, o objetivo da des-
uma das ocupações dos cientistas sociais, mas crição seria identificar os fluxos em que se dá a ação,
também uma tarefa permanente dos próprios a emergência de agentes (redes), os deslocamentos
atores. Os atores fazem a sociologia para os so- etc. Ou como “didaticamente” afirma Latour:
ciólogos e os sociólogos aprendem com os ato-
res que compõem seu conjunto de associações O que se entende por “explicação social” na
(Idem, p. 54). maioria das vezes? Adicionar um outro ator para
dar aos atores já descritos, a energia necessária
Porém, no campo de pesquisa específico da para agir. Mas se você precisa adicioná-lo, então
cibercultura, diríamos que a complexidade da afir- a rede não estava completa. E se os atores já reu-
mação latouriana reside em a cibercultura ser ao nidos não têm energia suficiente para agir, então
mesmo tempo aquilo que queremos explicar e o não são “atores” mas apenas meros intermediários
que usamos para explicar. Se, como vimos anterior- […] (Idem, pp. 212-213).
mente, o agente é sempre uma rede, a etnografia no
ciberespaço seria antes de tudo uma operação cujo De forma sintética, podemos afirmar então que a
objetivo é rastrear a formação de redes. O que nos descrição seria a operação de mostrar os rastros deixa-
termos de Bruno Latour seria a atividade própria dos pelos agentes (actantes) no curso da sua ação.
da teoria ator-rede, ou seja escrever uma narrativa
ou descrição na qual
Considerações finais
[…] todos os atores fazem algo e não estão
limitados a permanecer parados. Em vez de O conjunto das questões levantadas, nesse
apenas transportar efeitos, sem transformá-los, primeiro mapeamento, está longe de estar satisfa-
cada um dos pontos no texto pode tornar-se toriamente abordado. No entanto, nos estudos da
uma bifurcação, um evento ou a origem de cibercultura não há como negar que estamos sendo
uma nova tradução. Quando se trata os atores confrontados a muitas e múltiplas dificuldades e é
não como intermediários, mas como media- difícil fazer face a todas elas ao mesmo tempo. Somos
dores, fazemos os movimentos sociais visíveis construtores de “dados”, “testemunhas confiáveis”, o
para o leitor. Assim, através de muitas inven- social é um compósito e as conexões estabilizadas são
ções textuais, o social pode voltar a ser uma “caixas-pretas” que abrimos, tornando visíveis opera-
94  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 90

ções e elementos para compor as nossas descrições. superação das dicotomias clássicas entre sujeito e
Os elementos do mundo já não cabem nas catego- objeto, social e técnica, é a noção de redes socio-
rias do “social” previamente estabelecido, mas estão técnicas. Através dela, a própria rede deixa de ser
num quadro de permanente inovação, e os entes que exclusivamente algo que é “usado” por humanos,
povoam o mundo que pretendemos descrever são ou um mero contexto para a ação humana, afi-
“ciborgues” no sentido de Donna Haraway (2000). nal, no curso de cada ação, a rede pode tanto ser
Além do mais, a escrita etnográfica poderia ser con- o contexto no interior do qual certas relações se
siderada como o nosso laboratório através do qual produzem, quanto um mediador que transforma
exercemos nosso poder criador. relações e possibilita a emergência de sujeitos. Se-
No entanto, apesar das dificuldades, o conjun- ria importante aqui recorrer novamente à Marilyn
to deve ser encarado como tal. Uma primeira chave Strathern quando ela retoma o trabalho de Latour
para enfrentarmos o cenário entrevisto no presente para discutir a noção de rede.
ensaio, seria pensá-lo de modo interativo e não par-
celadamente. Nenhuma resposta isolada pode dar As “redes” (a análise de redes convencional)
conta da complexidade, que deve ser transversal às existem há muito tempo, mas agora temos uma
questões colocadas. Podemos seguir a argumenta- nova espécie de “redes” (na teoria ator-rede).
ção de Marilyn Strathern e sua visão englobante: […] O conceito de rede convoca os rendilha-
dos de elementos heterogêneos que constituem
[…] a antropologia contemporânea opera cri- objetos, eventos ou séries de circunstâncias
ticamente com os termos “sociedade” e “cul- como esses, unidos pela interações sociais: é,
tura”, que seriam epifenômenos, “metáforas em suma, um híbrido imaginado em estado so-
úteis” e estruturantes do discurso científico, e cialmente estendido (2014, pp. 301- 302).
que eles implicam em modos de pensar que
traduzem uma metafísica, a nossa própria Desse modo, arriscando uma formulação mais
cultura, a cultura da antropologia (Strathern, geral, diríamos que entendemos que o foco etno-
2006, p. 39). Tal metafísica, invisível na nos- gráfico deixa de ser os sujeitos humanos como to-
sa prática de pesquisa, seleciona e organiza o talidades já dadas de antemão e passa a ser a ação,
que deve ser observado e relatado. Assim, de- os agenciamentos, incluindo-se todos os partícipes
fendi que conhecer os elementos de base dessa (actantes) que atuam no seu curso.
metafísica seria tomar consciência dos limites Enfatizamos uma vez mais que apenas pretendía-
do nosso lugar de produtores de discursos e do mos compartilhar inquietações sobre a pesquisa etno-
lugar que ocupam nossos discursos frente a ou- gráfica no ciberespaço. Destacamos finalmente que a
tros (Rifiotis, 2012, p. 573). descrição (se ainda precisamos chamar de etnográfica,
por tradição, ou contando com a generosidade da pró-
Para finalizar, considerando que a cibercultura pria etnografia em acolher mais estas questões) será a
está completamente atravessada pela técnica e que descrição de como algo/alguém faz algo/alguém fazer.
está marcada permanentemente por inovações, no O “social” e a “cultura” deixam de ser considerados
trabalho antropológico ela se apresenta como uma exclusivamente como um estado de coisas ou um do-
estabilização que passa a compor o quadro dos mínio específico, podendo ser o produto de conexões
elementos a serem rastreados/descritos. De uma ou a sua origem. Numa tal definição performativa do
perspectiva mais geral, diremos que as situações social, “descrever” se assemelha a “explicar”. A descri-
em que proliferam inovações, em que são incertas ção poderia ser entendida como escrita que produz
as fronteiras entre grupos, nas quais flutuam a va- uma visibilidade singular de fluxos, mostrando a plu-
riedade de entidades, como diria Latour (2008, p. ralidade e hibrização dos agentes em ação. Descrever é
27), em tais situações “a sociologia já não é capaz criar “relatos arriscados”, nos termos de Latour, através
de rastrear novas associações dos atores”. Por essas dos quais mostramos como cada actante faz com que
razões, a noção chave que abre caminhos para a outros actantes façam coisas inesperadas. O texto é,
ETNOGRAFIA NO CIBERESPAÇO COMO “REPOVOAMENTO” E EXPLICAÇÃO  95

portanto, um laboratório em que são relatados os ex- 6 Discutimos no calor daqueles debates sobre essas
perimentos e as transformações observadas no curso questões, porém elas talvez ainda não tenham sido
da ação que compõem um fluxo, uma série de cone- plenamente enfrentadas, especialmente no que se re-
xões que tecem aquilo que delas emerge como social. fere ao trabalho etnográfico (Rifiotis, 2010).
E o nosso debate torna-se então consciente de que não 7 O artigo recebeu vários comentários, inclusive um de
se trata de simples problemas etnográficos a serem su- Marilyn Strathern destacando sua relevância e discutin-
do o alcance e limites da própria ideia de cibercultura.
perados, mas de um jogo entre políticas etnográficas.
8 Temos utilizado a expressão “políticas etnográficas”
para nos referirmos a um complexo conjunto de
questões que emergem de etnografias da Melanésia,
Notas
da Amazônia, entre outras, e inspiram diretamente a
teoria antropológica, sobretudo no que se refere aos
1 Cibercultura é uma noção problemática e, como sa- atores, os coletivos a serem considerados na análise, a
lientamos em outro lugar, “ao invés de definições agência, a busca permanente de simetrização na rela-
apriorísticas de ciberespaço, cibercultura, etc., que ção entre distintos regimes de saberes etc. São eleições
poderiam se confundir com um nominalismo, reto- etnográficas que fundamentam modos de produzir a
mamos as interrogações básicas sobre como se dão as etnografia. Atualmente, as políticas etnográficas em
interações nesse espaço” (Rifiotis, 2010, p. 17). curso têm sido objeto de preocupação para os pes-
2 Mais informações, visite site da ABCiber: <http://ab- quisadores envolvidos, por exemplo, nas relações en-
ciber.org.br>. tre humanos, animais e plantas, redes sociotécnicas
3 Apesar de enunciada como “comunicação mediada por (como o ciberespaço e cibercultura) etc.
computador”, o tratamento usual dado aos elemen- 9 Uma apreciação do conjunto de trabalhos a que nos
tos “não humanos” remete mais propriamente ao que referimos encontra-se em Rifiotis et al. (2010).
chamaríamos de intermediação. Como temos procura- 10 Destacam-se as importantes contribuições de Jean Se-
do pensar nossos trabalhos a partir da obra de Bruno gata (2009, 2013) para os avanços dos trabalhos do
Latour (2000, 2004, 2008), impõe-se problematizar GrupCiber na direção da teoria ator-rede.
estas duas noções (mediação e intermediação). De fato,
como afirmamos em outro lugar: “No âmbito da teo- 11 É necessário precisar que a qualidade da defesa et-
ria ator-rede, que coloca sujeitos e objetos em relações nografia Peirano (1992, p. 15) ultrapassa a simples
simétricas, a noção de ‘mediação’ é associada aos atores afirmação e apologia, para questionar-se sobre a “fe-
(sujeitos, objetos; humanos, não humanos) que, dota- cundidade teórica do trabalho etnográfico” e a “tem-
dos de agência, apresentam capacidade de transformar, poralidade das explicações”.
traduzir, distorcer ou modificar o significado dos ele- 12 Trata-se de uma entrada para o estudo do mundo
mentos que transportam. Diferentemente, são consi- das ciências que Latour vem desenvolvendo desde
derados ‘intermediários’ os atores que transportam sig- seu livro com Woolgar, A vida de laboratório, pu-
nificados sem promover transformação. É importante blicado em 1997. Um viés que introduz a ideia da
dizer que, na abordagem de Bruno Latour, não há defi- disputa entre o “dado” e “fabricado” como inerente
nições a priori de ‘mediadores’ e ‘intermediários’. Trata- ao complexo processo de produção científica mo-
-se, na verdade, de maneiras distintas de se perceber os derna. Lembrando que a modernidade não é apenas
atores, conforme os efeitos de suas agências” (Máximo um processo de purificação, separação e constituição
et al., 2012, p. 296). de campos específicos, ela também atua por desvios,
4 Refiro-me aos trabalhos que discutem a etnografia tradução, produzindo recorrentemente híbridos. Se
na cibercultura realizados no GrupCiber (<http:// há uma marca da modernidade é a ambiguidade:
www.grupciber.net/blog/>): Rifiotis (2002), Rifio- proliferação e denegação de híbridos, como bem de-
tis, Máximo e Cruz (2009), Rifiotis, Máximo e Cruz, finiu Latour (2000).
(2010), Rifiotis et al. (2010) e Máximo et al. (2012). 13 Vale ainda lembrar aqui o enunciado contundente
5 Essa questão não nos parece totalmente desvincula- de Mauss (1967, p. 7) sobre a questão: “O objeto é,
da daquela marcação entre “apologéticos” e “apoca- em muitos casos, a prova do fato social: um catálo-
lípticos” que discutimos em outro trabalho (Rifiotis, go de charmes [objetos ou ações que exercem efeito
2010, p. 17). mágico] é um dos melhores meios para elaborar um
catálogo de ritos.”
96  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 90

14 Todas as traduções de citações em língua estrangeira ______. (1999), “After Writing culture”. American
foram feitas pelo autor. Anthropologist, 101 (3): 643-645.
15 Texto republicado em 2014 no livro que reúne im- CLIFFORD, James & MARCUS, George. (1986),
portantes trabalhos de Strathern: O efeito etnográfico. Writing culture: the poetics and politics of ethno-
16 Sobre os problemas da agência não humana, reco- graphy. Berkley, University of California Press.
mendamos o artigo de Sayes (2013). EMERSON, Robert; FRETZ, Rachel & SHAW,
17 “O actante pode ser concebido como aquele que rea‑ Linda. (1995), Writing ethnographic fieldnotes.
liza ou sofre o ato, independentemente de qualquer Chicago/Londres, The Chicago University
outra determinação. […] O conceito de actante subs- Press.
titui com vantagem, mormente na semiótica literária, ESCOBAR, Arturo. (1994), “Welcome to cyberia:
o termo personagem […] visto que cobre não só seres notes on the anthropology of cyberculture”.
humanos, mas também animais, objetos e conceitos”
Current Anthropology, 35 (3): 211-231.
(Greimas e Courtès, 1994, pp. 12, 13).
GOODMAN, Nelson. (1972), “The way the
18 O que, em certa medida, já ocorre na própria aná-
world is”, in ______. Problems and projects,
lise do diário de campo como simulacro da experi-
Indianapolis, New York, The Bobbs-Merrill
ência de campo.
Company.
19 A “fluidez” imaginada confronta-se com certo, digamos,
GREIMAS, Algirdas Julien. (1976), Semântica es-
apego à etnografia, que vai além do caráter “metodoló-
gico”; ela se torna um misterioso objeto de uma prática trutural. São Paulo, Cultrix.
que é reproduzida por essa mesma prática. Num texto GREIMAS, Algirdas Julien & COURTÈS, Jose-
instigante, escrito a partir de entrevistas com etnógrafos ph. (1994), Dicionário de semiótica. São Paulo,
e intitulado provocadoramente “I am a fieldnote”, Jean Cultrix.
Jackson (1992, p. 33) afirma: “Argumentei que as opi- GUIMARÃES JR., Mário José Lopes. (2010), “So-
niões dos antropólogos e seus sentimentos em relação às ciabilidade e tecnologia no ciberespaço”, in T.
notas de campo podem nos dizer muito sobre a atividade Rifiotis et al. Antropologia no ciberespaço, Flo-
antropológica”, e sobre a ambivalência que os etnógrafos rianópolis, Editora da UFSC, pp. 47-70.
mantém com o trabalho de campo, como uma “versão
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 

ETNOGRAFIA NO CIBERESPAÇO ETHNOGRAPHY IN L’ETHNOGRAPHIE DANS


COMO “REPOVOAMENTO” E THE CYBERSPACE AS LE CYBERESPACE EN TANT
EXPLICAÇÃO “REPOPULATION” AND QUE “REPEUPLEMENT” ET
EXPLANATION EXPLICATION

Theophilos Rifiotis Theophilos Rifiotis Theophilos Rifiotis

Palavras-chave: Ciberespaço; Cibercul- Keywords: Cyberspace; Cyberculture; Mots-clés: Cyberespace; Cyberculture;


tura; Teoria Ator-Rede; Simetrização; Actor-Network Theory; Ethnography. Théorie de l’acteur-réseau; Symétrisa-
Etnografia. tion; Ethnographie.

O presente artigo procura discutir os The article seeks to discuss the founda- Cet article propose une discussion sur
fundamentos da etnografia no ciberes- tions of ethnography in the cyberspace les fondements de l’ethnographie dans le
paço e as possibilidades teórico-meto- and the theoretical-methodological pos- cyberespace et les possibilité théoriques
dológicas abertas pela Teoria Ator-Rede sibilities opened by the Actor-Network et méthodologiques mises à disposition
(TAR). A etnografia na perspectiva so- Theory (ANT). In the socio-technical par la Théorie de l’acteur-réseau (TAR).
ciotécnica desenhada pela TAR deixa perspective designed by the ANT, eth- L’ethnographie, suivant la perspective so-
de ser um atividade eminentemente nography is no longer view as an emi- ciotechnique proposée par la TAR, n’est
interpretativa para se tornar uma des- nently interpretative activity, but as a plus une activité éminemment interpré-
crição das séries de conexões em que description of the series of connections tative mais est devenue une description
actantes (“humanos” e “não humanos”) in which actants (“human” and “non-hu- des séries de connexions dans lesquelles
se inscrevem no curso da sua ação. A man”) are inserted in the course or their les acteurs (“humains” et “non-hu-
problemática do “repovoamento” dos action. The question of the “repopula- mains”) s’inscrivent au cours de leur ac-
elementos visibilizados pela descrição tion” of the elements made visible by the tion. La question du «repeuplement» des
(para além dos “humanos”), os dile- description (in addition to the “human”), éléments visibles grâce à la description
mas da escrita sobre a ação e a agên- the dilemmas of the writing on action (au delà des “humains”), les dilemmes
cia, entendidas como o que ou quem and agency, understood as what or who de l’écriture sur l’action et l’agence, com-
“faz fazer”, além das exigências coloca- “make it happen”, besides the require- pris comme l’objet ou le sujet qui «fait
das pela descrição de redes através dos ments established by the description of faire», outre les exigences placées par la
traços deixados pelos actantes, exigem networks through the traces left by the description de réseaux grâce aux marques
uma revisão do fazer etnográfico que actants, all that demand a revision of the laissées par les acteurs, exigent une révi-
colocaremos em debate. Assim, serão ethnographic activity which is subjected sion de la construction ethnographique
especialmente abordadas no artigo a to a debate in the article. Accordingly, que nous proposerons de débattre. Ainsi,
noção de simetrização e de descrição the notions of producing symmetry and nous aborderons particulièrement la no-
com foco na ação, procurando sistema- of a description with focus over the ac- tion de symétrisation et de description en
tizar os fundamentos de uma etnografia tion are especially discussed, seeking to ayant l’action en tant que point central,
da ação. systematize the foundations of an eth- tout en cherchant de systématiser les fon-
nography of action. dements d’une ethnographie de l’action.

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