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importante nessa perspectiva tedrica, pois se, por um lado, o texto nao é um artefato auténomo, por outro, ndo é um ser num limbo sociocognitivo Ea isso que se referia Beaugrande (1997) quando afirmava que 0 grande problema da Lr é providenciar a ponte entre o sistema virtual e 0 sistema real da lingua Enquanto artefato estritamente linguistic, o texto nao passa de uma pos- sibilidade cujas condigdes de realidade so 0 contributo de sua insergio na sociedade € no mundo. Isto equivale a substituir a metéfora do conduto, isto é a ideia de que o texto conduz os contetidos, pela metafora da lampada, isto é, a nogao de que o texto contém as condigées do processamento de contetidos em contextos socialmente relevantes. Mais do que um transportador, o texto seria, nesse caso, um guia ou um holofote. Produzir e entender textos nao é uma simples atividade de codificago e decodificagdo, mas um complexo pro- cesso de produgao de sentido mediante atividades inferenciais. Este sera o tema particular da TERCEIRA PARTE deste curso, A partir deste ponto, serdo oferecidos alguns elementos para uma melhor operacionalizagao dos critérios de textualizagdo. Antes de iniciar o estudo desses fendmenos, gostaria de sugerir como leitura o trabalho de Irandé Antunes (2005), Lutar com palavras: coesdo e coeréncia. Nessa obra, temos uma visdo clara do fendmeno da coesao € coeréncia, bem como dos demais aspectos da textualidade, com imtimeros exemplos analisados. Em alguns mo- mentos, nos ateremos a esses exemplos observando alguns funcionamentos da lingua e do texto, 1.10.1. Coesdo Os fatores que regem a conexao referencial (realizada por aspectos mais especificamente semanticos) e a conexdo sequencial (realizada mais por ele- mentos conectivos) em especial no nivel da cotextualidade, geralmente co- nhecidos como coesio, formam parte dos critérios tidos como constitutivos da textualidade. Para muitos, a coesao é 0 critério mais importante da textualidade. Sao dessa opiniao, sobretudo, aqueles que nao distinguem entre coesio e coe- réncia (cf. detalhes em Marcuschi, 1983 ¢ Koch 2000). Os processos de coesdo dao conta da estruturacdo da sequéncia [superfi- cial] do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); nao sdo simples- mente principios sintaticos. Constituem os padres formais para transmitir co- nhecimentos ¢ sentidos. Saliento que, tal como o faz a maioria dos autores em Lt, distingo, com Beaugrande/Dressler (1981), entre coesio e coeréncia. Isto nao significa, po- rém, que a coesio diga respeito a questées meramente sintaticas, j4 que esta distingao tem sua razdo de ser em outros aspectos. Para muitos estudiosos do texto, os mecanismos da coesio textual for- mam uma espécie de gramética do texto. Porém, a expressio gramatica de texto é um tanto desnorteante, pois ndo podemos aplicar ao texto as nocées usadas para a anélise da frase. Se, por um lado, podemos realizar enunciados completos e explicd-los com gramaticas de frase, tomando-os independente- mente, por outro lado, sabemos que varios enunciados corretamente construfdos, quando postos em sequéncia imediata, podem nao formar uma sequéncia aceitavel. Isso quer dizer que um texto nao é uma simples sequéncia de frases bem formadas. Essa sequéncia deve preencher certos requisitos. A coesao é justamente a parte da Lr que determina um subconjunto importante desses requisitos de sequencialidade textual. HA, pois, certos fendmenos sintaticos que se formam ou se dao na rela- cdo entre as sentengas (relagdes intersentenciais) que independem da corre- do individual de cada uma das sentengas em si. Esse tipo de dependéncia que se cria nas séries de sequéncias a que chamamos textos vai permitir ¢ exigir novos padres frasais, de modo que as nogdes de corretude, incorretude e aceitabilidade, entre outras, t¢m que ser revistas. Digamos, a titulo de hipétese, que uma ‘gramatica de texto’ devesse se- guir 0 mesmo sistema formal da montagem da ‘gramatica de frase’. Inicial- mente, terfamos um simbolo T (para texto), como unidade hierdrquica mais alta. Depois, baixariamos para os constituintes restantes com um sistema mais ou menos assim, simplificando: T>(S,S,,8,..8,) onde S seria uma sentenga de modo que, tal como no modelo axiomatico da gramatica gerativo-transformacional, poderfamos seguir com especificagées, regras e definigdes para a formacao do sistema que “geraria” todos os textos de uma lingua. Nao resta diivida de que uma proposta dessa natureza teria pelo menos duas objegdes iniciais: (1) as regras necessarias para esse sistema seriam ou tao pobres, a pon- to de nao darem conta de T, ou tantas que beirariam um nimero infinito; (2) a boa formagao do texto seria uma fungao determinada pela boa formagao das sentengas e pela sua concatenagao bem-formada, o que é, evidentemente, um absurdo. No caso de (1), ocorreria uma supersimplificagao do sistema de T ou uma supercomplexificagdo com a consequente impossibilidade operacional; em (2) a situacao ficaria ainda mais exacerbada, na medida em que terfamos grande quantidade de textos aceitdveis como tal, mas nao bem-formados de acordo com 0 sistema formal, como no caso dos textos “Brasil do B”, de Josias de Souza, e “Circuito fechado”, de Ricardo Ramos, tratados mais adiante. Isso significa que os fatores concorrentes para a formacao de texto sao mais amplos que os para a sentenga (S), sendo praticamente impossivel ofere- cer a “gramitica textual” de uma lingua, pelo menos formalmente. Dai no ser o texto apenas uma extensao da frase. E plausivel, pois, postular que nao se pode propor uma gramitica de texto aceitando como modelo teérico para T, algo assim como o proposto para S na gramitica gerativo-transformacional. Axiomatizar a competéncia textual € possivel apenas como perspectiva tedrica, mas impossivel como rea- lizagao de fato, 0 que nao significa que nao possamos oferecer teorias formais parciais para porgdes ou aspectos especificos de T. Contudo, a soma de todas as porgdes nao formard uma teoria unificada geral. Retornando agora ao problema das categorias textuais, podemos dizer , elas so intuitivamente fundamentadas que, assim como aqui sio propo: na competéncia textual € na suposigdo da hipétese sociointerativa. A compe- téncia € pressuposta como presente em todo aquele que domina uma lingua qualquer, uma vez que ele se comunica por textos e nao por unidades isoladas. Dessa competéncia fazem parte, obviamente, elementos que ultrapassam 0 dominio estritamente lingufstico ¢ entram nos aspectos da realidade sociointerativa, tais como: — conhecimentos pessoais e enciclopédicos; pacidade de memorizacao; — dominio intuitivo de um aparato inferencial; — partilhamento de conhecimentos cireunstanciais; — partilhamento de normas sociais; — dominio de tecnologias de varios tipos, € assim por diante

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