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A busca do silêncio contemplativo nos hesicastas e nos místicos cristãos

Rolf Roeder - Teólogo

1 – A busca do silêncio contemplativo nos hesicastas.


1
O hesicasmo é a tradição mística do Oriente. Nessa tradição, se enfatiza a
necessidade da oração descer ao coração. O monge que ensinou a oração ao peregrino lhe
leu uma passagem da Filocalia onde “São Simeão, o Novo Teólogo”, diz:

Permanece sentado no silêncio e na solidão, inclina a cabeça, fecha os


olhos; respira mais devagar, olha, pela imaginação, para o interior de teu
coração, concentra tua inteligência, isto é, teu pensamento, da tua cabeça para
teu coração. Dize, ao respirar: “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim”,
em voz baixa, ou simplesmente em espírito. Esforça-te para afastar todos os
pensamentos, sê paciente e repete muitas vezes esse exercício.2
(...) Ao cabo de certo tempo, senti que a oração por si só passava para meu
coração, isto é, que meu coração, ao bater regularmente, ia recitando as santas
palavras no ritmo das batidas, por exemplo: 1 – Senhor, 2 – Jesus, 3 – Cristo, e
assim por diante. 3

Segundo os monges do deserto, esse é o caminho mais seguro para Deus. Nouwen
cita Arsênio: “Muitas vezes me arrependi de ter falado”, disse Arsênio, “mas nunca de ter
4
permanecido em silêncio”. O silêncio é precioso. A partir do silêncio, as palavras
adquirem um significado mais profundo. Como diz Leloup: “Pela palavra, gastamos
muita energia, e pelo silêncio, recolhemos esta energia, que nos tornará capazes de dizer
‘palavras dignas do silêncio’, tão fortes como ele”. 5
Somente quem sabe silenciar,
também sabe escutar. 6 “O silêncio dos lábios para os antigos devia levar ao silêncio do
7
coração que, por sua vez, podia levar ao silêncio do Espírito”. Contudo, não podemos
esquecer que esse silêncio é dom de Deus. Thomas Merton o descreve:

Assim como Moisés, na solidão do Monte Horeb, conduziu seus rebanhos


até as regiões mais recônditas do deserto e, ali, contemplou a sarça ardente e
ouviu a voz que lhe falou, aprendendo dessa voz o Nome Santo e indizível de
Deus, assim também, penetra o monge no ermo, pelo silêncio e a perfeita
1
Cf. __________. O peregrino russo – três relatos inéditos, p. 10.
2
__________. Relatos de um peregrino russo, p. 23
3
Ibid., p. 34.
4
Henri J. M. NOUWEN. A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo, p. 39.
5
Jean-Yves LELOUP,. Escritos sobre o Hesicasmo, p. 38-39.
6
Sugiro a leitura do livro de “Anselm GRÜN. As exigências do silêncio.
7
Anselm GRÜN. As exigências do silêncio, p. 44.
solidão. Ali, descobre a ‘sarça ardente’, isto é, o seu próprio espírito, que arde
como o fogo de Deus sem se consumir. Para contemplar esse tremendo mistério
deve imitar Moisés e retirar as ‘sandálias’ de seus pés – ou elevar-se acima de
todos os conceitos que possa ter sobre Deus, pois o Deus de quem ele se
aproxima não é um mero ‘objeto’ capaz de ser contido dentro dos limites de um
conceito. É o Deus Vivo, ardendo como chama intangível, na própria substância
de nosso espírito, que dele recebe toda a sua vida. Só a alma que arde nessa
chama divina pode percebê-lo. A chama de Deus é a chama de pura vida, do
Ser Infinito, da Realidade Absoluta. Só o podem conhecer aqueles que
abandonaram toda falsidade e ilusão, toda mentira e fingimento. Mais que isso,
abandonaram-se a si próprios, elevaram-se acima de si mesmos, passando além
de si. Transcendendo-se desse modo, realizaram-se com a máxima perfeição,
não mais vivendo em si mesmos, mas nele. 8

2 – A busca do silêncio contemplativo nos místicos cristãos.

Segundo o Frei Patrício, “os místicos são atraídos pelo mistério; eles não querem
compreender, querem permanecer a contemplar silenciosamente o mistério.” 9
Para
contemplar silenciosamente o mistério, se faz necessária a solidão. A solidão propicia o
silêncio, que auxilia na contemplação do mistério. A solidão “tem por finalidade colocar
a alma em estado de silêncio e receptividade, para que se abram as profundezas espirituais
à ação do Espírito Santo, que faz conhecer os mistérios do reino de Deus e nos ensina as
insondáveis riquezas do amor e da sabedoria de Cristo”. 10 O monge beneditino Anselm
Grün nos fala da mística cristã:
De uma maneira substancialmente mais otimista fala-se da experiência
silenciosa de Deus na mística alemã da Idade Média. Para Mestre Eckhart,
Johannes Tauler e Heinrich Seuse, o degrau mais elevado da oração é a união
silenciosa com o mais profundo da alma, onde o próprio Deus repousa sem
qualquer imagem. Quando nos desvinculamos de todas as nossas imagens, e
mergulhamos no fundamento mais íntimo de nós mesmos livre de toda e
qualquer imagem, então nós somos um com Deus. Mestre Eckhart acha que as
imagens que fazemos de Deus podem impedir que o próprio Deus entre em nós:
‘A própria imagem criada que se fixe em ti é tão grande como Deus: ela impede
a presença de Deus inteiramente. Na medida em que esta imagem penetra em
ti, Deus tem que ceder lugar, e na medida em que ela sai Deus entra’. 11

É como se houvesse um desnudar do ser humano de todas as imagens e idéias,


desbloqueando o caminho para Deus. “Quando tivermos renunciado a todos os

8
Thomas MERTON. A Vida Silenciosa, p. 156-157.
9
Frei PATRÍCIO, ocd. O barulho adoece e o silêncio cura, p. 38.
10
Thomas MERTON. A Vida Silenciosa, p. 130.
11
Anselm GRÜN, As Exigências do Silêncio, p. 81-82.
pensamentos próprios, quando tivermos mandado embora o Deus que nós criamos,
estaremos dando a Deus a possibilidade de nascer em nós.” 12 Anselm Grün diz mais:

Em cada um de nós existe um lugarzinho onde o silêncio é completo, um


lugar livre de ruído dos pensamentos, livre das preocupações e desejos. É um
lugar em que nós mesmos nos encontramos inteiramente em nós. Este lugar,
que não é perturbado por nenhum pensamento, é para Eckhart o que existe de
mais precioso no homem, o ponto onde o verdadeiro encontro entre Deus e o
homem pode ocorrer. A este lugar do silêncio nós precisamos avançar. Não
temos necessidade de criá-lo, ele já existe, apenas está obstruído por nossos
pensamentos e preocupações. Quando desobstruímos em nós este lugar do
silêncio, poderemos encontrar Deus assim como ele é. Então não nos fixamos
em nós e em nossos pensamentos, mas nos desvinculamos inteiramente de tudo,
deixamo-nos cair no mistério de Deus que nos sustenta. Então não
prescrevemos a Deus como ele tem que vir ao nosso encontro, mas nos abrimos
para a sua vinda assim como ele a imaginou. Mesmo depois de havermos
desobstruído em nós este lugar do silêncio, não podemos forçar uma
experiência de Deus. Também aqui não podemos sentir senão o vazio e a
escuridão. Mas então estaremos abertos à sua chegada, sem que estejamos
curiosos e impacientes na expectativa de uma experiência de Deus. 13

12
Anselm GRÜN, As Exigências do Silêncio, p. 82.
13
Ibid., p. 81-83.

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