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Caracterização de sistemas via equações diferenciais

Processamento de Sinais – UNOESC


Prof. Daniel Bednarski

1 Análise de sistemas LIT no domı́nio do tempo


Quando um sistema LIT é uma combinação de muitos subsistemas e queremos carac-
terizá-lo, isto é, conhecer a resposta y(t) a uma entrada qualquer x(t):

1. ou conhecemos a resposta ao impulso unitário h(t) de todo o sistema e a convoluı́mos


com a entrada x(t) para obter y(t);

2. ou devemos construir uma equação diferencial que relacione y(t) com x(t), e que
pode ser resolvida para qualquer sinal x(t) que se queira, obtendo-se y(t).

Analogamente no caso discreto, devemos conhecer ou a resposta ao impulso unitário


h[n], ou a equação de diferenças do sistema que nos dará y[n] a partir de x[n].

1.1 Equações diferenciais lineares a coeficientes constantes

Equações diferenciais não são usadas apenas em análises de sinais, mas em qualquer
área da fı́sica e matemática. Primeiramente abordaremos a forma geral de uma equação
diferencial linear a coeficientes constantes que relacione duas funções quaisquer.
Se uma função g(t) é conhecida, podemos relacioná-la a outra função desconhecida f (t),
e escrevê-las na forma de equação diferencial, em termos delas próprias e suas derivadas
como:
∑N
dk f
ak k = g(t) , (1)
dt
k=0

dk f
com ak ∈ R. Para k > 0, se refere à k-ésima derivada, enquanto para k = 0, refere-se
dtk
à função f (t) propriamente. N é chamado de ordem da equação diferencial.
A equação 1 é chamada de equação diferencial linear a coeficientes constantes, e permite
encontrar a função f (t) desconhecida:

• A equação é linear porque é formada por uma combinação linear de cada uma das
( )2
dk f
derivadas. Por exemplo, não há termos do tipo , o que a deixaria de ser
dtk
linear.

• A equação é a coeficientes constantes porque os coeficientes ak ∈ R e não são funções


do tempo.

1
Ordem das equações diferenciais

N = 0 → Não é equação diferencial

a0 f (t) = g(t)

N = 1 → Equação diferencial de primeira ordem

df
a0 f (t) + a1 = g(t)
dt

N = 2 → Equação diferencial de segunda ordem

df d2 f
a0 f (t) + a1 + a2 2 = g(t)
dt dt

1.2 Sistemas LIT contı́nuos descritos por equações diferenciais.

Agora aplicaremos a equação 1 no caso em que temos dois sinais: a entrada x(t) e
sua saı́da y(t) após ser processada por um sistema LIT. Nesse caso podemos descrever
a relação entrada-saı́da através de uma equação diferencial substituindo f (t) ≡ y(t) e
∑M
dk x
g(t) ≡ bk k na equação 1, que é a forma mais geral para relacionar a entrada e a
dt
k=0
saı́da de um sistema LIT. Assim, a equação diferencial fica:


N
dk y ∑ dk x
M
ak = bk k . (2)
dtk dt
k=0 k=0

Portanto, o problema para caracterizar completamente um sistema LIT consiste sim-


plesmente em encontrar os valores dos coeficientes ak e bk associados ao sistema que
relaciona a entrada x(t) à saı́da y(t) através da equação 2.

1.3 Caracterizando um circuito RC via equação diferencial

Considere um circuito RC composto por um resistor e um capacitor ligados em série


a uma fonte de tensão. Como podemos relacionar a carga Q(t) acumulada no capacitor
(sinal de saı́da) com a tensão de entrada V (t)? Note que queremos caracterizar o circuito
RC através de uma equação diferencial que associará V (t) a Q(t) e às derivadas de Q(t).
Conhecemos três equações básicas da eletricidade:

VR (t) = RIR (t) , (3a)

Q(t)
VC (t) = ,e (3b)
C
dQ
IC (t) = , (3c)
dt

onde VR (t) e VC (t) são, respectivamente, a tensão no resistor e no capacitor; IR e IC


são, respectivamente a corrente no resistor e capacitor; e R e C são, respectivamente a
resistência do resistor e a capacitância do capacitor. Essas equações são simplesmente a
Lei de Ohm e as definições de capacitância e de corrente elétrica (ao capacitor).

2
Sabemos também que em um circuito ligado em série:

V (t) = VR (t) + VC (t) , e (4a)

I(t) = IR (t) = IC (t) . (4b)

Adicionando as equações 3a e 3b na equação 4a:

V (t) = VR (t) + VC (t)


Q(t)
= RIR (t) +
C
Q(t)
= RIC (t) +
C
dQ Q(t)
=R +
dt C
onde usamos também a igualdade IR (t) = IC (t) (da equação 4b) e a equação 3c no último
passo. Assim, chegamos na equação diferencial de primeira ordem que relaciona a entrada
e a saı́da do sistema.

dQ Q(t)
R + = V (t) . (5)
dt C
Nesse caso, comparando com a forma geral da equação diferencial mostrada na equação
2, identificamos:

1
x(t) ≡ V (t) a0 ≡ b0 ≡ 1
C
y(t) ≡ Q(t) a1 ≡R bk = 0, ∀k > 0
ak =0, ∀k > 1

2 Encontrando soluções para as equações diferenciais de sis-


temas
A relação da equação 2 é intrı́nseca a um sistema LIT especı́fico, onde os valores ak
e bk estão associados a este sistema. Como exemplo, a equação 5 é a equação diferencial
associada ao sistema LIT composto pelo circuito RC, onde o sinal de entrada é a tensão de
entrada e a saı́da é a carga acumulada no capacitor. Os coeficientes ak e bk se relacionam
com a capacitância e resistência do sistema.
Portanto se conhecemos a equação diferencial que caracteriza um sistema (equação 2),
somos capazes de calcular qualquer saı́da y(t) do sistema a uma entrada x(t) conhecida.
No caso, a saı́da será escrita como

y(t) = yh (t) + yp (t) (6)

onde yh (t) e yp (t) chão as respostas natural do sistema e a resposta forçada.

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1. É chamada de resposta natural do sistema a saı́da yh (t) à entrada nula (x(t) = 0).
Ela é dada simplesmente pela solução da equação homogênea:


N
dk yh
ak =0. (7)
dtk
k=0

2. É chamada de resposta forçada do sistema a saı́da em estado estacionário yp (t)


à entrada x(t) que força o sistema a responder com yp (t), geralmente seguindo a
mesma dependência com o tempo de x(t).

2.1 Condição de repouso inicial

Para encontrar uma única saı́da y(t) (equação 11) à entrada x(t) em um sistema LIT
descrito por uma equação diferencial precisamos utilizar condições adicionais sobre o sis-
tema. Diversas condições podem ser usadas como condição inicial, mas em especial consi-
deraremos a condição de repouso inicial. Ela basicamente garante que se o sistema estava
sem sinal de entrada até um instante t0 , então sua saı́da até o instante t0 também será
nula. Matematicamante essa condição é expressa por:

se x(t) = 0 ∀t ≤ t0 ,
(8)
=⇒ y(t) = 0 ∀t ≤ t0 .

Por motivos de simplificação, consideraremos t0 = 0, sem perda de generalidade.


Por fim, a condição de repouso inicial garante que o sistema seja causal; ela também é
condição necessária (mas não suficiente) para um sistema ser invariante no tempo.

2.2 Encontrando uma saı́da para o circuito RC

Usando a equação diferencial construı́da para o cicuito RC (equação 5), suponhamos


agora que a tensão de entrada seja constante, ou seja,
{
V0 se t > 0
V (t) = (9)
0 se t ≤ 0

com V0 ∈ R. Qual será a saı́da Q(t)?

Resolução por etapas

i. Apresentação da equação diferencial


Temos que a equação diferencial que descreve o problema é

dQ Q(t)
R + = V0 , (10)
dt C
com solução dada pela soma da resposta natural do sistema e resposta forçada:

Q(t) = Qh (t) + Qp (t) (11)

4
ii. Determinação da resposta natural do sistema Qh (t)
dQh Qh (t)
Vamos resolver a equação homogênea R + = 0:
dt C
dQh Qh (t)
R =−
dt C
1 dQh 1
=−
Qh dt RC

1 1
dQh = − dt
Qh RC
∫ ∫
1 1
dQh = − dt
Qh RC

t
ln Qh (t) = − +k
RC

onde k surgiu das constantes de integração. Como ln a = b ⇐⇒ a = eb ,

Qh (t) = e− RC +k
t

Qh (t) = Q0 e− RC
t
(12)

onde Q0 ≡ ek .

iii. Determinação da resposta forçada do sistema Qp (t)

Nesse caso chutamos que a dependência de Qp (t) com o tempo é a mesma que a
de V (t), ou seja, chutamos um Qp (t) = A, com A ∈ R e encontramos o valor de A
substituindo na equação 10,

dQp Qp (t)
R + = V0 , ou
dt C

d(A) A
R + = V0 .
dt C
d(A)
Como = 0, a equação fica:
dt
A
= V0 =⇒ A = CV0 .
C
Assim, Qp (t) = CV0 .

5
iv. Determinação da saı́da completa do sistema

Como Q(t) = Qh (t) + Qp (t),

Q(t) = Q0 e− RC + CV0 .
t
(13)

v. Determinando o valor de Q0 e obtendo a saı́da Q(t) que satisfaça a condição de


repouso inicial

Admitindo que a condição de repouso inicial seja satisfeita, a carga no capacitor no


instante t = 0 será nula, já que não houve nenhum sinal de entrada em nenhum
instante anterior a t < 0 para fazer como que acumulasse alguma carga (equação 9),
e portanto:
*1
0
Q(0) = Q0  e−
RC + CV = 0 =⇒ Q = −CV .
0 0 0

Assim, substituindo Q0 = −CV0 na equação 13, temos a solução final da carga no


capacitor como resposta a uma tensão de entrada constante a partir do instante
t = 0:

( )
Q(t) = CV0 1 − e− RC
t
(14)

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