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História da igreja

antiga
Aula- A crise do III século e a ascensão de Constantino
A crise do terceiro século
A última década do século III encontrou o Império Romano enfrentando
uma série de crises internas e externas.
A guerra constante com a Pérsia no Oriente custava caro e mantinha a
região fronteiriça em agitação. Ao mesmo tempo, as tribos germânicas
ao norte ocupavam uma parte cada vez maior dos recursos militares e da
atenção do imperador. Forçados a emigrar sob a pressão de outras tribos
e atraídos pela notícia da riqueza da civilização romana, grupos desses
povos germânicos se instalavam agora dentro das terras de domínio
romano e atacavam as cidades mais ao sul.
Devido ao número cada vez menor de cidadãos desejosos de serem
incorporados ao exército, os imperadores romanos voltaram-se para
esses mesmos povos germânicos, a fim de contratar soldados
necessários para as guerras romanas.
Foi durante o período chamado “a crise do terceiro século”, que o Império
Romano atravessou sua crise mais grave, com momentos dramáticos, embora
devamos frisar que essa crise não foi uniforme em todos os domínios do
império, mas foi marcada por um abalo econômico, político e militar. O papel
dos generais se desenvolveu de forma crescente, o que conferiu um caráter
militar ao governo e com um enfraquecimento do Senado. Um número grande
de imperadores e usurpadores disputavam a legitimidade do poder e acabaram
por perecer de forma violenta. Esse quadro caótico minou os componentes
tradicionais de legitimação do Império e favoreceu o aumento de um poder
mais autoritário.
Internamente, a crescente complexidade administrativa do governo imperial,
somada ao fardo cada vez mais pesado das taxas, contribuía para uma mistura
social inflamável.
Uma onda de novas crenças incluindo o mitraísmo, o maniqueísmo e o
cristianismo, empolgavam o mundo romano, sinal de que a velha ordem dos
deuses do império já não era capaz de inspirar ampla confiança ou devoção.
Entre os elementos constitutivos das transformações que acometeram o III
século, queremos destacar a mudança no comportamento social acarretado
pelo estado de insatisfação e insegurança vivida pelos indivíduos, que
acabaram por conduzir a uma mudança no universo simbólico da sociedade.
A religião politeísta pagã do mundo clássico foi pouco a pouco substituída
por novas formas religiosas de pensamento. Houve paulatinamente a entrada
dos cultos e das religiões de mistérios orientais, como por exemplo, o culto de
Mitra da Pérsia, a Cibele oriunda da Frígia, o deus Sol de Emesa, entre
outros, que acabaram por encontrar cada vez mais um número de crentes
entre a população do Império.
Essas novas religiões eram uma oposição a tradição clássica greco-romana e
respondiam às exigências de uma maior segurança religiosa e a uma conduta
pessoal com a divindade, que prometia o conhecimento mediante a
iluminação e a redenção através da revelação. Essa nova religiosidade é
marcada também pela crença em uma única divindade suprema, fonte do
“Bem” e dirigente dos destinos humanos. Essa nova forma de pensar e atuar
vai de encontro com a evolução da igreja cristã que desde o II século passa a
consumar a união entre o Cristianismo e a cultura clássica, que vai enfim
acabar favorecendo o fortalecimento da religião cristã no século seguinte.
Entre essas novas crenças, uma forte estrutura organizacional aliada a
extensos programas de irradiação e de solidariedade dava às Igrejas
cristãs a nítidas vantagem para conquistar novos convertidos.
No século III, depois de cada onda de perseguição, as funções dos
membros nas igrejas davam um dramático salto adiante. Pessoas
educadas de classes superiores de Roma, especialmente mulheres,
tornavam-se cristãs em maior número, levando consigo sua riqueza e
uma nova atitude de respeitabilidade social.
O conflito ocorrido no decorrer da “Crise do Terceiro Século” é
também intitulado de “Anarquia Militar” ou “Período dos
Imperadores-Soldados”, um momento na história romana que só chega
ao fim com Diocleciano e seu novo arranjo de governo: a Tetrarquia.
O termo Anarquia Militar, indica um período especifico do Império em que a
maior parte dos imperadores foram escolhidos de forma rápida, por meio do
apoio direto de suas guardas pessoais. Prontamente elegiam um sucessor, haja
vista a fragilização na qual se encontrava inserido o Império.
No que se refere aos assuntos estratégicos, por se tratar de governos efêmeros,
dificilmente os imperadores fixaram medidas de governo que não tivessem
relação com a guerra e a defesa das fronteiras. Esses fatores contribuíram para
a designação desse período como Anarquia Militar, cuja característica se
apresenta na exigência de que o imperador possuísse elementos distintivos de
um bom combatente.
Assim, a Anarquia Militar não somente intensificou e acelerou a tendência à
centralização que, havia anos, vinha sendo esboçada, como também trouxe o
tema da salvação do Império para o primeiro plano da ação governamental.
Assistiu-se, nesse período da história romana, à ascensão de uma série de
imperadores que conduziram suas administrações pautados em discursos que
visavam à defesa do Império contra a fragmentação iminente.
Segundo Grant (1987, p. 298), a principal dificuldade interna, em todo o
período que se estende entre os anos de 235 e 284, foi a grande
proliferação de usurpadores militares, visto que somam mais de
cinqüenta os que assumiram o título imperial, seja na Capital, seja em
alguma outra parte do Império. Os imperadores proclamados durante a
Anarquia Militar eram, na verdade, usurpadores vitoriosos, e muitos
deles eram apenas conhecidos por suas próprias legiões.
O autor prossegue com a seguinte afirmação:
“Dentre estes imperadores usurpadores dezessete foram mortos pelo
próprio povo, outros executados pelos soldados, ou suas guardas
pessoais, dois foram obrigados a se suicidar. O que indica um dos mais
sérios e onerosos problemas de Roma. O velho costume segundo o qual
seus governantes eram nomeados pelo senado transformara-se numa
farsa. Na realidade, com poucas exceções os imperadores ascendiam ao
trono por um dos exércitos, sendo posteriormente comunicado ao
senado” (GRANT, 1987, p. 298)
Dessa maneira, o exército passou a controlar o Estado. Assiste-se,
assim, uma espécie de “roleta” de imperadores. A partir dessa época, a
sede do poder político deixou de ser a capital, Roma, e foi transferida
aos poucos para o campo de batalha, onde o que valia era a vitória de
um comandante militar sobre seus rivais.
Em geral, os imperadores que ascenderam ao poder entre os anos de 235
e 284 eram aclamados pelos legionários estacionados nas fronteiras. Os
soldados esperavam encontrar em seu líder atributos de um bom
general, capaz de rebater os invasores e proteger as fronteiras. Esses
imperadores experimentaram períodos curtos de governo, sendo mortos
em combate ou executados pelos rivais; logo, raramente conseguiram
indicar sucessores.
Essas ameaças apresentavam-se imbricadas com questões religiosas, cujos
clamores eram, por vezes, tão tempestuosas que conferiam ao período em
questão reações que acabavam atingindo toda a sociedade.
Os acontecimentos ocorridos no Império Romano entre os anos de 235 e 284
representam, sem dúvida, um momento de enfraquecimento de toda a
organização político-administrativa do Império, haja vista a infinidade de
golpes militares, de incursões bárbaras ao sul das fronteiras romanas e de
insistentes investidas sassânidas no Oriente.
A necessidade de conter essas ameaças constituiu, de certo modo, o pano de
fundo para a condução das ações governamentais dos imperadores dessa
época, que se depararam ainda com a ameaça de ações separatistas ou
pretensões expansionistas. Tais fatores surgiram como graves ameaças à
própria integridade do Império. Assim, verifica-se, nesse momento da história
romana, a irrupção de uma grave crise que ameaçava precipitar todo o
Império numa fragmentação sem volta, não obstante a atuação de
imperadores cujas medidas emergenciais tentavam desesperadamente atenuar
o confronto militar e a desordem administrativa que minavam a estrutura do
Império. Ao mesmo tempo, este lutava para perpetuar seus domínios.
A Crise do Terceiro Século é antecipada, em parte, pelo fim das guerras de
conquista, o que trouxe escassez de mão-de-obra escrava, que se tornou
extremamente cara. A solução encontrada pelos grandes proprietários foi o
arrendamento de parcelas de terras a agricultores livres (colonos) em troca de
uma parte da produção, dando início à prática do sistema de colonato. Há que
se considerar ainda que, nesse período, a produção de metais diminuiu e a
moeda sofreu uma nítida desvalorização.
Outro fator a ser considerado como elemento constitutivo de um panorama
indicativo da presença de uma “crise” que acabou conduzindo a uma série de
mudanças no Império foram os problemas existentes nas fronteiras. Eram
constantes os ataques das tribos “bárbaras”, tais como os saxões, na Bretanha;
os francos, na Gália; os godos, na Ásia Menor, e os persas, na Mesopotâmia e
Síria, os quais seguiam rumo ao interior do Império, forçando o rompimento
do limes.
Tal realidade exigia um grande número de funcionários e a constante
manutenção do exército, o que, por sua vez, fazia aumentar as despesas do
Império, levando o governo a frequentes elevações dos impostos, que recaíam
principalmente sobre os pequenos produtores e arrendatários,
Diante de uma necessidade urgente de controle sobre o limes,
sucederam-se vários soberanos, muitos deles governando
simultaneamente a vasta extensão territorial que se estendia das regiões
da Hispânia à Planície da Anatólia, na longínqua Bretanha ao Norte da
África, do Eufrates à Transjordânia. Um território que abrigava as mais
deferentes culturas e exigia cada vez mais do controle romano.
Nesse contexto de crise, muitos aspectos se modificaram dentro do
próprio território imperial, de modo que um outro elemento precisa ser
evocado: trata-se da grande concentração de poder acumulada pelas
forças militares imperiais, o que acabou gerando, de certo modo, um
colapso no que diz respeito à autoridade imperial. Eram constantes os
confrontos civis dessa época, ocasião em que as tropas entravam em
disputas internas frequentes pela sucessão imperial.
O Império romano sempre fora marcado por profunda diversidade, seja
no tocante às diferenças culturais e étnicas, seja no que se refere à
organização social e política. Tais características acabaram conferindo
ao Império o aspecto de um grande mosaico de povos e línguas,
tradições, costumes e religiões diferentes, cuja unidade centralizava-se,
nesse instante, política e simbolicamente, na figura do imperador,
sustentado por seus exércitos, e em uma cultura literária grega e latina,
de modo que era fundamental preservar e assegurar, a qualquer custo, as
tradições do Império.
A religião era uma das expressões mais expressivas da visão de mundo
dos romanos. Os rituais representavam a certeza da manutenção da
sociedade, além de serem símbolos de identidade e elementos
socialmente agregadores. Dessa maneira, ao respeitar as regras de
comportamento, o cidadão garantia a ordem social e a pax deorum.
O romano “devoto” tinha respeito para com os deuses; era importante
consulta-los, saber se estes estavam de acordo com suas libações e sacrifícios.
Para isso era necessário capturar e entender os sinais enviados pelas deidades
cujas manifestações se davam por meio de presságios e prodígios. Os
presságios se apresentavam sob duas formas principais: os auspícios,
representados essencialmente por sinais provenientes do vôo dos pássaros; e
os omina, palavras que anunciariam o fortuito, o futuro.
Já os prodígios, apesar de serem tratados sob a mesma categoria dos
presságios, possuem aspectos diferentes destes, uma vez que se trata de
fenômenos imprevistos, que são manifestos pela natureza, indicando a ruptura
da paz com os deuses. Seriam, então, a manifestação da fúria dos deuses,
expressa sob a forma de pragas, doenças, períodos de fome, enfim. Esses
prodígios anunciariam um perigo imediato, visto que, para os romanos, não
seria possível subsistir nenhuma sociedade sem a autorização dos deuses.
Tudo deveria ser feito e executado para que, rapidamente, a paz fosse
restabelecida entre deuses e homens.
Assim, as práticas que acarretavam a transgressão à ordem vigente podiam
levar a sociedade ao caos e à desagregação, de modo que a concórdia entre
homens e deuses era a garantia da ordem romana.
Inserido nesse contexto de “reajuste” ou “desajuste” político da Anarquia
Militar, que suscita profundas inquietudes na sociedade, estabeleceu-se um
outro conflito, uma divergência de ordem religiosa, que se referia á maneira
como os grupos sociais executavam os rituais e se posicionavam perante o
sagrado, além da relação que cada grupo mantinha com o poder do Estado. Os
grupos que melhor exprimem os conflitos religiosos do século III são aqueles
compostos por pagãos e cristãos.
Os primeiros eram formados pelos protetores da tradição romana,
valorizavam o mos maiorum e acreditavam que somente a retenção das
práticas e rituais antigos podia agradar às divindades. Já os cristãos eram
compostos inicialmente por discípulos do Cristo. Seus seguidores assumiram
o papel evangelizador, e, sob o impulso do labor do apóstolo Paulo, o
cristianismo conseguiu transformar-se de um agregado de comunidades
dispersas por todo o Oriente em uma missão que chegou até à Itália sob a
forma de uma Igreja universalista, com bases teológicas e moral cristã.
Desde sua origem, o cristianismo difundiu-se rapidamente por todo o
Império Romano, exercendo certo fascínio entre diversas estratificações
da sociedade, visto que propunha um estilo de vida novo, envolto num
discurso universalista.
Afinal, a religião cristã se colocava como uma religião nova, com
princípios universalistas que perpassavam toda a vida do homem e da
sociedade, sancionando a indissolubilidade do matrimônio e exaltando a
fidelidade conjugal e o valor da virgindade; além disso, afirmava o culto
ao Deus único, rejeitando qualquer outra divindade.
Os cristãos pregavam ainda o princípio da liberdade e dignidade de
todos os homens, recusando qualquer forma de exploração do próximo;
difundiam a doutrina da imortalidade da alma e da vida futura, além da
morte; praticavam uma moral severa; desenvolviam um intenso trabalho
caritativo, especialmente com os mais necessitados e escravos. Enfim,
todos esses princípios de liberdade, igualdade, justiça, caridade eram
valores e preceitos difundidos pelos cristãos.
A Anarquia Militar iniciou-se com Maximino, que governou de 235 a
238. De origem humilde, nasceu nas montanhas da Trácia, por volta do
ano 173. No entanto, a sua extraordinária robustez e resistência física
cedo o habilitaram para a carreira das armas, que abraçou ainda
adolescente. Depois de alistar-se na cavalaria, tornou-se guarda pessoal
do imperador; mais tarde, serviu como tribuno durante o governo de
Heliogábalo e tornou-se o principal comandante militar no período de
Alexandre Severo. Mas, em 235, um grupo de oficiais revoltou-se
contra o imperador, reclamando a púrpura imperial para Maximino, que
logo assumiu o governo imperial, assassinando Alexandre Severo.
Maximino instaurou um regime de governo forte. Mandou executar a
maioria dos conselheiros, amigos e parentes de Alexandre, confiscou
terras e propriedades, retirou poderes do Senado, o que contribuiu para
que fosse visto como um bárbaro feroz, inimigo da tradição e das leis
romanas. Maximino foi o primeiro "imperador soldado", pois, antes
dele, todos os Césares eram oriundos da ordem senatorial.
Foi identificado pelas camadas mais abastadas de Roma como um
inimigo do Senado e das velhas tradições romanas. Em 238, porém,
explodiu uma revolta na província de África, liderada pelos patrícios
gordianos, alegados descendentes de Caio Graco e Marco António, ou
seja, membros da aristocracia romana. A revolta de África foi
rapidamente esmagada e o imperador depressa marchou para Itália, mas
as forças do Senado travaram o seu avanço em Aquiléia. Após o assédio
infrutífero a essa fortaleza, sem provisões e vendo que todo o Império
aderira à revolta, os soldados acabaram por assassinar Maximino e o seu
filho, reconhecendo a autoridade do Senado.
Em 238, assumiu o poder imperial Gordiano III, que enfrentou os godos
e os persas e acabou assassinado em 244 pelos soldados. Teve início
assim uma fase de ascensão ao poder imperial por uma série de
imperadores soldados, que, num primeiro momento, pareciam incapazes
de conter o grande acúmulo de ameaças presentes dentro e fora das
fronteiras imperiais.
Em 244, ascendeu Felipe, o Árabe, que governou até 249 e que também
foi aclamado e morto pelas legiões. Entre seus feitos, vale destacar a
comemoração que realizou do milésimo aniversário de Roma, o que, de
certa forma, pode ter contribuído para relembrar as tradições romanas
um tanto esquecidas em meio a crises e sucessões constantes. Esse
imperador, nos cinco anos de seu reinado, se opôs aos defensores mais
intransigentes do paganismo e, por tal razão, foi odiado e desprezado
por eles, como traidor da religião e da tradição pagãs.
Ascendeu, em 249, Décio, que governou até 251. Esse imperador
praticou uma política de restauração da antiga religião romana e
desencadeou uma sistemática perseguição contra os cristãos de todo o
Império.
Em 251, o imperador Décio morreu em combate contra os godos, sendo
sucedido por Treboniano Galo (251-253), que, por ocasião de uma nova
e grave peste que devastou todo o Império, ordenou sacrifícios
expiatórios (holocausta) dos quais os cristãos não podiam participar,
desencadeando, como reação, o furor do povo.
Galo não deflagrou, no entanto, uma perseguição sistemática como a de
seu antecessor Décio, talvez em virtude da gravíssima situação na qual o
Império se encontrava, com numerosas invasões forçando todo o limes.
Além de constantes ataques e saques nas províncias do Danúbio, os
persas golpeavam a Síria rumo a Antioquia. Nesse instante, um novo
surto de peste bubônica irrompeu. Assim, Galo não teve oportunidade
de concentrar-se de forma mais rigorosa na questão religiosa.
Galo morreu em combate e seu sucessor, Emiliano, ficou no poder por alguns
meses do ano de 253, sendo logo morto também no campo de batalha. Esses
imperadores tiveram de enfrentar não apenas os ataques bárbaros e persas
mas também uma epidemia prolongada de uma moléstia pouco conhecida, a
peste bubônica, enquanto os desastres econômicos também se multiplicavam.
Em 253, assume o poder Valeriano, que, nos primeiros anos de seu governo,
tentou empreender uma política que restabelecesse o Império. Em 260
Valeriano foi capturado, tornado cativo e morto pelos persas, assume em seu
lugar seu filho Galieno. O novo imperador governou até 268, quando foi
morto pelas suas próprias legiões.
Com o assassinato de Galieno, ascendeu ao poder Cláudio II, conhecido como
“Gótico” por ter vencido os godos. Cláudio governou até 270, quando foi
morto pelos próprios godos, sendo sucedido por Aureliano. Durante seu
governo, Aureliano apresentou uma grande preocupação com a proteção da
cidade de Roma. Com o propósito de protegê-la de ataques, mandou construir
uma nova muralha, além de estimular o culto ao Sol Invictus, representado
pela imagem do olho que tudo vê, ilumina, aquece e protege.
Depois da morte de Cláudio II, o exército proclamou Aureliano como
imperador, em 270. Em seu governo, que foi até 275, ocorreu uma
intensa pressão no limes do Império, especialmente pelos sassânidas. No
tocante à sua postura para com os cristãos, sabe-se que Aureliano
empreendeu uma perseguição que durou apenas alguns meses, em face
da constante ameaça de invasão do Império. A razão para tal
perseguição estaria atrelada ao fato de Aureliano manter o culto ao Sol
Invictus.
Aureliano, morto em combate, foi sucedido por Tácito (275-276),
membro da ordem senatorial, Probo (276-282), um militar de carreira, e
Caro (282-283), todos mortos em combate. Caro passou o poder a seus
filhos Carino (283) e Numeriano (284), ambos assassinados pelas suas
legiões. Abriu-se, então, em 284, uma nova ordem com Diocleciano. De
origem dálmata, foi aclamado imperador pelas suas legiões e
estabeleceu um novo sistema político chamado Tetrarquia, promovendo
assim a reorganização do Império.
A tetrarquia e o dominado
O III século, com raras exceções, foi o dos imperadores generais,
levados ao poder por pronunciamentos militares, e este foi o caso de
Diocleciano. Ao subir ao trono e assumir como senior Augustus
(primeiro imperador), instaurou a tetrarquia buscando retomar a unidade
imperial e a estabilidade política, que se encontravam ameaçadas. Tal
era a situação quando Diocleciano tornou-se imperador. Em resposta aos
problemas militares, administrativos e religiosos que encontrou, que
decidiu em 286 repartir o governo do império designando Maximiniano
imperador (Augustus) do Ocidente. Vários anos depois, cada imperador
designou um subordinado que seria o sucessor do ofício de imperador.
Esses subordinados eram chamados de “Cesar”, temos a figura de
Constâncio Cloro na porção Ocidental e Galério na porção Oriental.
O império foi todo dividido em quatro regiões administrativas, regidas
por uma tetrarquia (governo de quatro).
Entre os motivos que levaram ao Imperador Diocleciano a instaurar a
tetrarquia podemos pontuar em duas: as dissenções de inimigos internos
e a própria extensão do Império, que dificultava a administração e o
controle das revoltas, estando ainda às voltas com as questões
fronteiriças. Esses fatores teriam levado, de forma gradual, à instalação
de um novo sistema de governo.
Em 286 d.C Diocleciano chamou um soldado Ilírio, chamado
Maximiano, para conter uma revolta interna. Maximiano, que tinha
grande habilidade militar, teve êxito. Pouco tempo depois, foi convidado
pelo Imperador Diocleciano para auxiliá-lo no comando do Império,
ficando a seu cargo a parte Ocidental. Maximiano foi então nomeado
César.
Gradualmente definiu-se uma situação política que levou Diocleciano a
convidar mais dois adjuntos e dessa forma, foi dado a Maximiano Hércules o
título de Augusto e aos outros dois recentes colaboradores o título de César.
Cada um dos dois Augustos teria agora um adjunto com a função de auxiliá-lo
e imediatamente subordinado a ele. Assim, Galério foi nomeado César de
Diocleciano e Constâncio Cloro foi nomeado César de Maximiano.
Os critérios para a escolha dos Césares, ao que tudo indica, consideraram as
habilidades bélicas de cada um. Dessa forma, encontra-se em Galério um
militar de carreira cujas vitórias conferiram-lhe notoriedade e prestígio frente
ao exército e ao Imperador Diocleciano.
O César Constâncio Cloro, nome recebido em razão da palidez de sua pele e
de sua saúde frágil, era originário da Ilíria, região próxima à atual Alemanha.
Considerado um homem de “bom trato e temperamento”, bem quisto pelo
exército que comandava, além de um oficial brilhante. As vitórias dele são
narradas pelos panegíricos e suas virtudes ressaltadas pelos textos
apologéticos, segundo os quais o ilírio seria o único frente aos demais
tetrarcas digno de estar à frente de todo o Império. Ao assumir o Cesarato,
Constâncio Cloro vivia com Helena, mãe de Constantino, a quem teve de
repudiar para se unir a Teodora, filha de Maximiano
Cada César foi adotado por seu Augusto, estabelecendo-se assim laços
familiares que os atavam a valores morais presentes entre os romanos.
Através da adoção, os Césares ficavam obrigados à prática de certas
virtudes, como a fides, cujo significado remetia ao sentimento e à
prática da fidelidade ao pai, ao Imperador e ao Estado. Dessa forma,
Diocleciano se resguardava das tentativas de usurpação, uma realidade
não muito distante, haja visto que o próprio Diocleciano ascendeu ao
poder por meio de usurpação. No regime tetrárquico, os Césares eram
substitutos naturais dos Augustos. Estes, ascendidos ao cargo máximo,
escolhiam novos Césares.
Estabeleceram-se também algumas novas normas para que o César ou o
Augusto não fossem considerados usurpadores.O Príncipe deveria ser
escolhido pelo colégio dos Augustos e deveria ainda ser aclamado pelo
exército; o Senado perdera sua função legitimadora.
Acerca das medidas governamentais adotadas nesse período, tinha como
objetivo principal manter a unidade política do Império e restaurar a
autoridade imperial.
Para o homem romano, o sagrado e o profano eram níveis indissociáveis da
realidade, haja visto o título de Pontifex Maximus atribuído ao Imperador
Otávio Augusto no século I d.C. A prosperidade e a paz eram consideradas
dádivas dos deuses. Da mesma forma, eram as vitórias obtidas pelo
Imperador; que só eram conseguidas em razão da vontade dos deuses e das
virtudes que o Imperador necessariamente deveria ter. Tais virtudes eram
também presentes das divindades.
Destarte, o Imperador Diocleciano utilizou-se do sagrado para restabelecer a
auctoritas do Príncipe, já debilitada pelas sucessivas usurpações ocorridas
desde o início da Anarquia Militar. Retomando uma postura adotada pelo
Imperador Domiciano, sob o governo de Diocleciano, o soberano, seu poder e
tudo o que o cercava foi permeado pelo sagrado.
Será com a instauração do governo de Diocleciano que temos a passagem do
“principado” para o “dominado”
Essa nova era que surge após o período da “crise” que viveu o império, já não
estava mais sob a égide do Senado e nem do povo romano. A partir do último
terço do III século o império romano tomou uma feição mais absoluta que
anteriormente.
Deve-se ressaltar que o império romano não passou subitamente no fim do III
século de um governo menos autoritário para um mais autoritário, mas é
inconteste que a intervenção, o controle e o peso do Estado na sociedade
romana se agudizou a partir de Diocleciano.
Essa nova política imperial do Baixo Império passou por mudanças
administrativas, com a separação das funções civis e militares, o ponto central
da administração se manteve na prefeitura do pretório, enquanto a esfera
militar estava delegada a defesa profunda das fronteiras, com um aumento
considerável do efetivo do exército.
Para que houvesse a eficácia de uma política defensiva e uma burocracia
multiplicada, se somou a essas mudanças uma política fiscal que servisse para
manter as receitas do império equilibradas e não mais sujeitas ao fantasma
inflacionário que atormentou o período anterior.
Com a crise do terceiro século e como resposta a esta, Diocleciano (284-
305) e posteriormente Constantino (306-337) realizam um conjunto de
reformas que apresentam como uma de suas características
fundamentais uma concepção de poder que estabelece a sua legitimação
em novos termos. Quando Diocleciano ascende ao trono,
paulatinamente se instaura um processo de transformação da concepção
de Estado, com Constantino uma fase desta mutação se encerra. Essas
implementações instituídas por Diocleciano e completadas por
Constantino eram pautadas por uma grande dose de pragmatismo, que
não estão apenas situadas em um projeto tenaz e autoritário em sua
aplicação, havia a crença de que nelas estava a salvação do Império.
Neste processo observamos a passagem do Principado ao Dominado,
isto é, a noção de poder neste momento é compreendida como uma
concessão divina, onde o imperador está diretamente vinculado e
inspirado por ela. O governo imperial passa a ser a manifestação terrena
da vontade da divindade, essa é uma situação que transforma a atitude
política do homem romano, na medida em que a lealdade cívica é
reforçada pela fidelidade moral e religiosa. É importante destacar que
essa transformação do poder imperial se encontra vinculada ao cargo e
não a pessoa do imperador. Em suma, o imperador já não é mais o
Princeps, o primeiro entre seus pares, passa a assumir a figura de
Dominus, governante absoluto.
A partir desse momento o governante torna-se a fonte de onde emana
toda legislação e justiça, passa a governar com poder ilimitado, e a
burocracia consolida esse poder que deve ser um instrumento capaz de
estender suas ações por todo território romano.
Paralelamente com uma nova forma de concepção de poder, há a
constituição de uma nova religiosidade, que traz uma nova sensibilidade
religiosa que caracterizará a Antiguidade Tardia. Uma nova forma de
império que se constituiu se diferencia do modelo anterior, ainda que a
tradição política, social e espiritual estivesse baseada nas tradições do
mundo antigo. O mundo espiritual do império se transforma desde a sua
base e com ele a figura do imperador que deixa de ser somente o
monarca temporal absoluto e passa a ser também o chefe da igreja.
Dessa forma o governo imperial passa a ser a manifestação terrena da
soberania divina. Houve uma transformação na atitude política do súdito
romano diante das instituições, pois a lealdade cívica passa a ser
reforçada pela fidelidade moral e religiosa. A concepção de poder está
intimamente ligada ao ambiente religioso e social que atravessa o
período, o imperador é então o intermediário entre a divindade e os
homens.
Aliado a essa nova concepção de poder destacamos que segue uma
segunda característica do Estado imperial tardo romano, a centralização
e concentração do poder nas mãos do imperador, será dele que emanará
toda a legislação e a justiça, passando a governar com autoridade
ilimitada.
Diocleciano, em primeiro de maio de 305 d.C, renunciou ao cargo, obrigando
Maximiano Hércules a fazer o mesmo. Os autores consultados consideram
como incertas as razões que teriam levado Diocleciano a renunciar ao cargo.
As fontes cristãs supra citadas apontam para a pressão exercida por Galério,
que sob comando de um forte exército, teria ameaçado o velho Augusto.
Audácia adquirida, segundo Lactâncio em De Mortibus Persecutorum
(LACTÂNCIO, De Mort. Persec.II:91) após a vitória de Galério sobre os
persas.
Pela pressão de Galério, por sua saúde debilitada, pela idade, ou para testar o
sistema, a renúncia de Diocleciano é um fato. Seguiu-se a ela a ascensão de
Galério e Constâncio Cloro ao Augustado, e a escolha de novos Césares. Essa
passagem foi escrita por Lactâncio, aponta para alguns elementos que são
consenso na historiografia, como o fato da nova formação atender aos
interesses do Imperador Galério que, ao colocar como adjuntos seu sobrinho,
Maximino Daia, e um amigo, Severo, preteriu dois candidatos: Maxêncio,
filho de Maximiano e Constantino, filho de Constâncio Cloro. A nova
formação se desfez em um ano. Em 306 d.C, Constâncio Cloro morreu em
York, deixando um dos postos de Augusto vago.
A ascensão de Constantino
Constantino nasceu na região da Ilíria, filho da primeira união de Constâncio
Cloro. As referências a sua mãe, Helena, estão relacionadas ao repúdio do
marido e, já depois de 312 d.C à divulgação do cristianismo, com o filho já à
frente do Império. Mesmo com o segundo casamento de Constâncio Cloro,
Constantino tem presença marcante no cenário político, como bem atesta o
seu biógrafo Eusébio de Cesaréia, em Vita Constantini.
Constantino foi enviado para ser educado ainda jovem na corte do Imperador
Diocleciano, em Nicomédia. Ao contrário do que Lactâncio e Eusébio de
Cesaréia pretendem passar, Constantino era pagão adepto do culto ao deus
Apolo. Quando o Imperador Diocleciano deu início à Grande Perseguição,
Constantino compunha sua corte. Não se sabe até que ponto teria se
manifestado contra ou a favor do edito de perseguição. Não recebeu somente
educação intelectual, mas também combateu ao lado do Imperador
Diocleciano, o que atesta sua proximidade com o poder. As leituras indicam
que Constantino teria servido à corte do Imperador Diocleciano, e depois a de
Galério, até 306 d.C.
No ano de 306, um dos césares que constituíam a tetrarquia, mais especificamente o
César do Ocidente, Constâncio Cloro, morre na região da Bretanha. Seu filho,
Constantino, após empreender uma fuga dos “cuidados” de Galério em Nicomédia,
parte para reencontrar seu pai. Pelo ano de 306 a tetrarquia já havia se mostrado uma
organização instável, as lutas internas entre seus governantes estava fragmentando a
instituição.
Quando Constâncio Cloro morreu, Constantino estava presente e logo após o seu
retorno, e da morte do césar, o exército elegeu Constantino como imperador do
Ocidente. Constantino se fez aclamar novo Augusto pelo exército numa clara
tentativa de usurpação do poder, que foi frustrada pelo Imperador Galério. Este lhe
conferiu o título de César, nomeando para o Augusto um homem que à exceção da
habilidade militar, não cumpria qualquer outro requisito para ser eleito Augusto.
A insatisfação gerada entre os Césares e a que já pairava em virtude de terem sido
preteridos Maxêncio e Constantino, um ano antes, quando da fundação da segunda
tetrarquia, foram elementos suficientes para que se desencadeasse uma crise política,
marcada por tentativas de usurpação da púrpura. Constantino soube aproveitar dessa
instabilidade para conseguir seus objetivos. Fez aliados que, de forma premeditada
ou não, seriam eliminados pelo próprio Constantino mais tarde.
Em 310 d.C, alegando traição, Constantino condenou a morte por
suicídio seu primeiro aliado: Maximiano Hércules (Havia motivos para
que Constantino se preocupasse, uma vez que Maximiano havia tentado
usurpar o trono de seu filho consanguíneo Maxêncio e atentado contra
Constantino por duas vezes).
Maximiano renunciou ao Augustado provavelmente por estar atado a
laços morais com a fides e preso a um juramento feito em um templo do
deus Júpiter junto com o então também Imperador Diocleciano. A
evidência de sua insatisfação pode ser notada na leitura tanto de textos
cristãos, como o De Mortibus Persecutorum, quanto de textos pagãos,
como os Panegíricos Latinos. No primeiro caso, o fato de relatar o apoio
dado ao filho Maxêncio na usurpação do poder em Roma e, em seguida,
a tentativa de assumir o lugar desse filho já apontam para essa
evidência.
Quanto aos textos pagãos, em um panegírico escrito provavelmente no
ano de 307 d.C, cujo autor se desconhece, o orador chama Maximiano
de Imperador eterno e ressalta que, se Diocleciano tinha razões, como a
idade e a debilidade física, para renunciar, Maximiano estava pronto e
apto a continuar servindo ao Império. Maxêncio havia tomado o poder
em Roma com o apoio efetivo de seu pai e de Constantino, que buscava
meios de modificar a situação vigente, fosse por ações conflitivas ou
não.
A aliança feita entre o então César e o ex-Augusto envolvia um
emaranhado de acordos que culminariam no apoio militar de
Constantino à tomada do poder em Roma e no reconhecimento deste
como Augusto por Maximiano. Essa foi mais uma tentativa de
usurpação; foi um ato ilegal, pois, Maximiano não tinha autoridade para
reconhecer ou nomear quem quer que fosse, nem ao Cesarato, menos
ainda ao Augustado, mesmo porque o Império tinha seus Augustos
Os laços familiares que agora uniam Maximiano e Constantino levaram
o ex-Augusto a procurar proteção em sua corte após ter tentado destituir
o Imperador Maxêncio do poder. Mas, sob a acusação em ter atentado
contra sua vida, Constantino condena seu sogro a morte
A perseguição aos cristãos não conseguiu reduzir a expansão do
movimento. No ano de 311, três membros da tetrarquia (Constantino,
Licínio e Galério), reduziram as restrições contra a religião. O novo
Augusto Galério, vai editar o chamado Édito de Tolerância, no qual
concede uma existência legal ao cristianismo.
Em 311 d.C Galério morreu, acometido por um câncer. Os homens que
então se destacavam na luta política fizeram alianças. Assim, Maxêncio
se aliou a Maximino Daia e Constantino se aliou a Licínio. No ano de
312 d.C, travou-se uma guerra entre Maxêncio e Constantino. Não há
consenso ao se discutir acerca de quem a teria iniciado. Foi uma disputa
política onde um Imperador pretendia manter a ordem e o outro alterar
essa ordem. Não há informações de que Maxêncio quisesse usurpar o
território dominado por Constantino.
Mesmo entre os panegiristas pró-constantinianos entende-se que o Imperador
homenageado teria iniciado a guerra. Com o intuito de tomar as terras italianas,
Constantino entrou em guerra contra Maxêncio. Por ambição ou revestido pelo
manto da pietas e da fides, Constantino, considerado por vários autores como
sendo um militar mais habilidoso e inteligente que Maxêncio, venceu a guerra
em 28 de outubro de 312 d.C numa batalha que ficou conhecida como batalha
da Ponte Milvio.
Foi no curso dessa campanha, na iminência daquela que seria a batalha
decisiva, enquanto avançava, que o imperador teve uma visão, em forma de
sonho. Conforme relatos posteriores, Constantino viu um sinal no céu, as duas
primeiras letras gregas do nome de Cristo (☧) superpostas e cruzadas. Em sua
visão o Deus dos cristãos prometia a vitória se ele anunciasse publicamente sua
nova religião. Animado por esse presságio e com o símbolo pintado nos
escudos dos seus soldados e em seu próprio capacete, Constantino derrotou as
forças superiores do seu rival imperial.
Maxêncio, segundo as narrativas, havia posicionado suas tropas de forma
suicida, restando, a ele e aos soldados, se atirarem ao Rio Tibre. Tanto entre os
panegiristas pagãos quanto na literatura cristã, a batalha da Ponte Milvio e a
conseqüente vitória de Constantino foram alardeadas com o propósito de
justificar a usurpação do poder feita por ele.
Em De Mortibus Persecutorum, a responsabilidade pelo início da guerra
é atribuída a Maxêncio, que teria usado como pretexto o desejo de
vingar a morte de seu pai, condenado a morte por Constantino cinco
anos antes.
A vitória do Imperador Constantino é envolta por uma aura
sobrenatural. Constantino teria sido avisado, em sonhos, que deveria
gravar o símbolo celeste e que assim venceria a guerra. Segundo
Lactâncio, tendo Constantino feito o que Deus havia lhe ordenado em
sonhos:
“A mão de Deus se estende sobre as linhas de combate. O exército de
Maxêncio se torna presa do pânico, ele mesmo inicia uma fuga e corre
em direção à ponte (...) arrastado pela massa dos que fugiam, se
precipita ao Rio Tibre”. (LACTÂNCIO. De Mort.Persec II:193)
Eusébio de Cesaréia, na obra Vita Constantini, atribui, assim como o
panegirista supra citado, o início da guerra a Constantino que teria agido
movido pela pietas. E, à semelhança de Lactâncio, enxerga na
Providência Divina a razão da vitória de Constantino, que, ao colocar o
símbolo cristão:
“Se colocou a frente de suas tropas como o fim de restituir aos romanos
a liberdade herdada de seus antepassados (...) Deus (...) como no tempo
de Moisés, e do piedoso povo hebreu lançou ao mar os carros do Faraó
juntamente com seu exército (...) não de outra maneira Maxêncio e seu
cortejo se afundaram no mar com se fossem pedras” (EUSÉBIO. VC, I:
181).
Tendo perdido o apoio das forças sociais que o tinham elevado ao poder,
Maxêncio contava agora somente com a força militar, derrotada na batalha de
vinte e oito de outubro de 312 d.C.. Constantino era, naquele momento, um
político que contava com forças sociais de apoio compostas pelos três níveis,
o exército, o Senado e a plebe, e com uma aliança feita com o outro príncipe
do Ocidente: Licínio; o que teria tornado sua posse sob territórios antes
dominados por Maxêncio menos difícil.
Conquistada a vitória a fim de comprovar que o antigo Imperador havia
morrido, para, dessa forma, ocupar o poder nos territórios antes dominados
por seu irmão adotivo e ex-aliado, Constantino degolou o corpo de Maxêncio
e exibiu sua cabeça em Roma e na África.
O Império estava, por enquanto, nas mãos de três homens: Maximino Daia,
Licínio e Constantino. Ao entrar em Roma, logo após sua vitória sobre as
tropas de Maxêncio, Constantino não cumpriu os rituais pagãos de
agradecimento pela vitória. Há quem veja aí um sinal de conversão ao
cristianismo.
Uma das primeiras providências de Constantino dizia respeito à política religiosa do
Império. No dia seguinte aos 28 de outubro, o Imperador Constantino viajou para
Milão onde se encontrou com Licínio e decidiram selar um acordo que previa a
liberdade religiosa.
O que para parte da historiografia é considerado um édito e para outra parte um
acordo, o fato é que no ano de 313, foi proclamado o Édito de Milão, que vai
permitir a todos os súditos do império a seguir a religião que bem lhes aprouvesse.
Segue o trecho da carta imperial enviada ao governador da Bitínia em 313 d. C.:
“Nós, tendo-nos reunido em Milão sob ditosos auspícios e tendo cuidadosamente
buscado tudo aquilo que pudesse ser útil ao bem e à tranquilidade públicos, entre
outras coisas, que possam ser úteis à grande maioria dos homens, julgamos ser
necessário regulamentar, acima de tudo, aquilo que respeita às honras devidas à
Divindade a fim de podermos dar aos cristãos e a todos os outros a livre faculdade
de terem a religião que escolherem. Que conseqüentemente, possa a Divindade, na
sua morada, dar-nos testemunho de sua satisfação e mercê e seus favores, tanto a
nós como aos povos que vivem sob nossa jurisdição”
Lactâncio (LACTÂNCIO. De Mort. Persec.,II:202-206) exibe uma transcrição
mais detalhada dessa carta.
Não foi uma medida inédita. O Imperador Galério havia promulgado um
edito de tolerância religiosa pondo fim às perseguições em 311d.C, pouco
antes de morrer, como segue em trecho retirado da obra De Mortibus
Persecutorum, de Lactâncio:
“ Entre as restantes disposições que temos tomado olhando sempre o bem e o
interesse do Estado, nós temos procurado, com o intento de moldar tudo às
leis e às normas dos romanos, fazer com que os cristãos que haviam
abandonado a religião de seus pais retornassem aos bons propósitos. Em
efeito, por motivos que desconhecemos, se apoderou deles uma teimosia e
uma insensatez tais, que já não seguiam os costumes antigos (...) em virtude
de nossa clemência e nosso habitual costume de conceder a todos o perdão,
acreditamos oportuno estender-lhes nossa manifesta indulgência de modo
que possam novamente ser cristãos e possam reconstruir lugares de culto,
com a condição de que não façam nada que contrariem a ordem estabelecida
(...) Assim pois, em correspondência a nossa indulgência, deverão orar a seu
deus por nossa saúde,pela do Estado e por sua própria , a fim de que o
Estado permaneça incólume. Em todo seu território e eles possam viver
seguros em seus lares”. (LACTÂNCIO. De Mort. Persec. II: 167).
O Imperador Constantino tomou ainda algumas outras medidas a favor da
Igreja cristã, como a devolução dos bens confiscados durante as perseguições,
não aos cristãos perseguidos, muitos já mortos, mas à Igreja, num ato que,
como foi característico no antigo Império Romano, mesclava política e
religião.
Ao assumir o poder, o Imperador Constantino procurou manter a unidade
imperial e restabelecer a economia, dando continuidade às reformas
administrativas e econômicas iniciadas pelo velho tetrarca Diocleciano.
Manteve o sistema fiscal, apenas aperfeiçoando-o a fim de que se pudesse
avaliar com maior precisão as riquezas tributáveis.
Quanto aos impostos, manteve os antigos e instituiu novos, em virtude da
persistência da inflação. Criou ainda o que chamava de contribuições
voluntárias que deveriam ser oferecidas pelo Senado: o aurum oblaticium, por
ocasião do aniversário do Imperador e pelas cidades em razão das vitórias ou
de visitas imperiais, era o aurum coronarium. Sob o governo de Constantino
foi criado, ainda, o solidus, moeda de ouro de uso exclusivo do Estado, o que
terminou por formar uma elite dirigente constituída por altos funcionários.
Em termos de legislação, foi um homem rígido, que instituiu leis para
punir severamente quem transgredisse alguns princípios morais. Ainda
no campo legal, em 322 d.C promulgou uma lei que ligava o colono
perpetuamente à terra. Com esse Imperador, gradualmente tomou corpo
a hereditariedade das funções no Império.
Das guerras travadas, destaca-se aquela que o levou ao comando isolado
de todo o Império. Licínio, último aliado de Constantino, governava a
parte oriental do Império, onde havia um considerável número de
cristãos. Então, por motivos de ordem religiosa, pois Licínio era pagão,
ou porque temesse que Constantino encontrasse ali terreno fértil para
tomar o poder, promulgou novo edito de perseguição que seria aplicado
nas regiões que comandava. O Imperador Constantino, sob o manto da
piedade cristã, declarou guerra a Licínio em 324. Passados dezoito anos
da morte de seu pai, restaura a unidade sob um só soberano.
A derrota e execução de Licínio deixou Constantino como único senhor do
trono imperial. No mesmo ano ele declarou sua ilimitada fidelidade a Cristo e
ao cristianismo. A partir dessa vitória o cristianismo dispunha diante de si
esse imenso Império que era o centro do mundo e que se considerava como
uma imensa extensão da civilização.
Constantino, além de mandar executar Licínio, seu cunhado, e o filho dele,
Licínio II, em 325, depois de prometer publicamente não fazê-lo, meses
depois mandou executar Crispo, seu filho mais velho (seu César e vencedor
de Licínio na batalha naval de Crisópolis, em 324), o que lhe permitiu o
acesso ao Bósforo e às províncias orientais de Licínio.
As razões dessa execução ainda são um tanto obscuras. Alguns historiadores
como Zósimo, no século V, e João Zonaras, no século XII, relatam um
envolvimento amoroso entre a madrasta, Fausta (293-326), filha de
Maximiano, também condenada à morte, por adultério, e Crispo (305-326).
Outras teorias acrescentam que Fausta estava com medo de que o filho do
primeiro casamento fosse o sucessor de Constantino; e Crispo, filho de
Constantino com Minervina (pouco sabemos dessa união), educado por
Lactâncio, já havia demonstrado sua competência como militar e
administrador sendo considerado como o neto favorito de Helena (mãe de
Constantino).
Influenciado pela mãe e atormentado após descobrir a inocência do filho
(causa principal da condenação de Fausta), Constantino teria aceito o
batismo, que segundo Eusébio de Cesareia, perdoaria seus pecados. O
compositor italiano Donizetti, em 1831, escreveu a ópera Fausta, que
narra boa parte dos acontecimentos.
Constantino apressou-se a sossegar seus novos súditos e lhes prometer,
invertendo os termo de 312, que os pagãos do Oriente seriam tratados
em pé de igualdade com os cristãos, mesmo que permanecem
insensatamente pagãos. Se em 312 o cristianismo era a religião
tolerada, agora era o paganismo.
A política religiosa de Constantino pode ser assim dividida:
1- na parte do império da qual se tornara senhor e que libertara de toda perseguição, todas
as grandes decisões tomadas por ele desde o inverno de 312-313, têm o objetivo de preparar
um futuro cristão para o mundo romano.
2- muito prudente e pragmático para ir mais longe, Constantino será um soberano cristão de
um Império que integrou a Igreja, mas permanecendo oficialmente pagão, o imperador não
perseguirá os cultos pagãos nem a maioria da população que ainda era pagã, mas em seus
documentos afirma que o paganismo é uma superstição desprezível.
3- sendo o Cristianismo a convicção pessoal do monarca, ele instalará fortemente a Igreja
como um capricho imperial.
4- uma vez que ele é pessoalmente alguém que é adepto do cristianismo não tolerará o
paganismo nos domínios que tocam a sua pessoa, como por exemplo, o culto dos
imperadores
5- apesar de seu desejo de ver seus súditos se tornarem cristãos, não se entregará a tarefa de
convertê-los. Não perseguirá os pagãos, não lhes negará a palavra, não irá desfavorece-los
de suas carreiras.
6- o mais urgente aos seus olhos seria abolir o culto de sacrifícios animais aos falsos deuses
7- Constantino, benfeitor e campeão leigo da fé, assumirá diante dos bispos, a função
autoproclamada de uma espécie de chefe da Igreja, chamado de Pontifex Maximus, em que
poderia usar de seu direito para intervir em questões da Igreja mesmo sem ter sido evocado.
Uma mistura de fé autêntica e consideração pragmática pode ser vista em ação nas decisões
do imperador.
A mudança da capital, também pode ser vista como mais um misto de
ato de fé e político de Constantino. Em 326 fez sua última viagem a
Roma a fim de participar dos sacrifícios imperiais tradicionais. A classe
senatorial opunha resistência às suas simpatias cristãs e estava resolvida
a afirmar sua devoção aos antigos deuses, em resposta Constantino,
voltou sua atenção para a construção de uma nova capital, que haveria
de refletir as glórias da fé cristã, livre do controle da velha aristocracia
romana e de sua forma de religião. Procurou também um lugar que
pudesse ser defendido e fosse próximo da fronteira oriental do império
para facilitar o controle administrativo. O lugar escolhido foi a antiga
cidade de Bizâncio, situada entre o istmo entre o Mar Negro e o Mar
Egeu.
Dentro de poucos anos a pequena cidade no Bósforo era transformada
numa das mais ricas e poderosas cidades da terra. Foi chamada de
Constantinopla, imbuída de símbolos cristãos, e da mesma forma um
tributo duradouro ao esplendor imperial de seu fundador.
Novas igrejas cristãs foram construídas na nova capital, incluindo a
igreja de Santa Sofia, que vai ser destruído e reconstruído no VI século,
já no reinado do imperador Justiniano. A nova Roma é constituída de
um novo Senado, uma nova forma administrativa, uma nova população
romana, além de ser uma nova cidade cristã.
Os efeitos de tolerância do imperador e depois o apoio ao cristianismo
seriam de longo alcance. Os cristãos que foram por mais de dois séculos
um povo sem pátria, agora estavam inseridos naquele que seria daí a
poucos anos o Imperium Romanum Christianum.
Em Constantinopla não apenas as igrejas, mas outros edifícios eram
decorados com símbolos cristãos, refletindo a nova condição da religião
no Império.
Ao longo de seu governo Constantino ordenou e financiou a construção de
igrejas ao longo de toda a extensão das possessões romanas. Na Cidade
Eterna, foram sete ao todo, todas estabelecidas ao redor das muralhas.
Constantinopla, seguramente duas (Hagia Sofia e Hagia Irene/Santa
Sabedoria e Santa Paz, dois atributos e não a santos). Na Palestina, com o
auxílio de Helena, sua mãe e ela própria imperatriz desde 324, foram
construídas as igrejas do Santo Sepulcro, em Jerusalém, da Natividade, em
Belém, a Igreja do Carvalho de Abrãao em Mamre, onde Abraão teria
presenciado sua primeira teofania e da Ascensão no monte das Oliveiras.
Eusébio também menciona que foram construídas igrejas em Nicomédia, em
Antioquia e uma última em Heliópolis, na Fenícia, construída para substituir
o templo de Afrodite que aí existia e que fora demolido por ordem do
príncipe. Todas essas foram financiadas pelo imperador em pessoa, embora
contassem, no processo de sua construção, com a participação de bispos para
definir os rumos que as obras tomariam.
Até a época de Constantino, os cristãos não se reuniam em locais denominados
“igrejas”, mas em casas particulares adaptadas para as necessidades litúrgicas da
comunidade (as domi ecclesiae) ou mesmo nos martyria onde celebravam o culto
aos mártires.
Essas casas ainda possuíam um estilo arquitetônico típico das construções privadas
greco-romanas, marcadamente distinto daquele empregado em construções públicas
como templos ou palácios, e seu estatuto como propriedade era idêntico ao de uma
casa comum romana, podendo ser alienada como tal. Essas domi ecclesiae
costumavam estar em posse dos membros mais ricos da comunidade, que cediam
suas casas para o uso coletivo da comunidade, ou, a partir do século III, nas mãos
dos bispos, que as conformavam para atender a necessidade crescente por uma
maior especialização do espaço onde se realizava o culto. “Igrejas” no sentido
estrito do termo (i.e. construções monumentais de caráter público e de posse da
comunidade) eram construções raras, só identificáveis em fins do século III e início
do século IV.
Lactâncio é um dos primeiros a falar na existência de uma ecclesia (“igreja”) em
Nicomédia, localizada a poucos metros do palácio imperial e que fora destruída em
303 logo no início das perseguições de Diocleciano. Mesmo assim, a regra era que
as comunidades se reunissem em domi ecclesiae de tipo privado, sem qualquer
semelhança com edifícios públicos e ainda registradas em nome de um de seus
membros (o bispo ou o patrono que concedeu o imóvel).
Esse panorama mudou a partir de Constantino, quando o imperador
assumiu para si, senão todo, ao menos parte dos gastos com a reparação
das igrejas destruídas ao longo da perseguição de Diocleciano. Eusébio
afirmava que Constantino e Licínio confiavam somas em dinheiro para
as comunidades a fim de que elas reconstruíssem seus locais de culto
então em ruínas, e que isso permitiu que não só os antigos edifícios
fossem reparados, mas que também eles fossem ampliados e alguns
novos fossem mesmo erguidos.
Seriam os metropolitanos os responsáveis por identificar quais igrejas
de quais cidades necessitavam de reforma ou ampliação e eram eles que
deviam apontar quais comunidades necessitavam de igrejas novas para
seu uso.
Possivelmente em 326 ou 327, Helena, mãe do imperador e ela própria
Augusta, realizou uma peregrinação aos locais santos da Palestina
descritos no Antigo e Novo Testamento, algo que só em um momento
posterior as fontes descreveriam como “Terra Santa”.
Nessa passagem por esta província, a imperatriz pôde gastar com
liberalidade, fazendo donativos aos pobres, soldados e cidadãos e
principalmente às igrejas da região, e ordenando também a construção
de dois oratórios (euktêria) em dois locais veneráveis para o
cristianismo: em Belém, local do nascimento de Cristo, e no monte das
Oliveiras, local de Sua Ascensão.
Também é atribuído à Helena, a descoberta da cruz de Cristo. Teria ela,
então, encomendado a construção de um oratório (euktêrion) no local,
que teria sido ampliado por Constantino posteriormente e se convertido
na basílica do Santo Sepulcro, dedicada em 335 no concílio de
Jerusalém.
Novos projetos de construção eram executados em outras cidades,
muitos sob o patrocínio de Helena, mãe de Constantino. A sua
peregrinação a Jerusalém e Belém em 326 abriu o caminho para outras
mulheres seguirem nessa forma de piedade popular. Helena
supervisionou a construção de igrejas e de centros de peregrinação por
toda Terra Santa.
Antes do ano 300 não havia consenso entre os cristãos quanto a data de
celebração do nascimento de Jesus. Alguns preferiam a primavera, mas
outros sugeriam 25 de dezembro, data em que era festejado o Sol
Invictus. A data do Natal, 25 de dezembro, foi oficializada por
Constantino. Era o dia do culto ao Deus Sol, Apolo. Antes disso, o Natal
era comemorado no dia 6 de janeiro (hoje dia de Reis). Na época, para
popularizar a religião, trocavam as datas festivas.
Privilégios da Igreja Cristã
• Templos e basílicas foram edificadas em Roma e Constantinopla,
• Edição de leis que orientava o princípio humanitário
• O domingo foi convertido como dia do Senhor,
• A eleição de numerosos cristãos como burocratas,
• O direito da Igreja de receber legados e doações,
• A multiplicação dos símbolos cristãos nas moedas
• Imunidades e isenções fiscais outorgadas aos clérigos, além do
reconhecimento de efeitos civis as sentenças ditadas pelo tribunal dos
bispos.
• Permissão de uso do cursus publicus pelos bispos em suas viagens a
sínodos.
Favorecida pelo poder imperial o cristianismo começou cada vez mais a
se expandir com ímpeto. A Igreja passou a ser mais institucionalizada,
configurando-se uma hierarquia eclesiástica com competências
administrativas e jurisdicionais, estabeleceu-se estatuto privilegiado aos
clérigos, que passaram a usufruir de benefícios fiscais e a dispor de
patrimônios resultantes de doações e liberalidades.
Os bispos também assumiam cada vez mais novas responsabilidades
políticas. Um deles, Ósio de Córdoba, na Espanha, foi um dos mais
íntimos conselheiros do imperador. Pela primeira vez um bispo cristão
era chamado a aconselhar um imperador. A tendência a integrar Igreja e
Estado e com ela o modelo de domínio imperial sobre assuntos
eclesiásticos, continuou após a morte de Constantino em 337 com seus
filhos que lhe sucederam no trono.
As relações de poder entre igreja e Estado seguem por um bom tempo
em equilíbrio, o imperador deveria submeter-se às prescrições
eclesiásticas e conduzir seu governo de acordo com os preceitos
cristãos, porém com o passar do tempo o monarca passa a estender cada
vez mais seu poder sobre a igreja, se por um lado o cristianismo passou
a ser a religião mais favorecida, com a concessão de terras, templos,
funções públicas, por outro vai cada vez mais sacrificando a sua
autonomia.
Apesar de não retornar à antiga forma de governo da qual seu pai fez parte,
Constantino limitou-se, dois anos antes de sua morte, a dividir o governo dos
territórios em cinco partes: três partes, as maiores, seriam entregues a seus
três filhos; as outras duas, a três de seus sobrinhos. Ou seja: coube ao filho
mais velho, Constantino II, a Bretanha, a Gália e a Espanha; Constâncio II
ficou com a rica parte oriental do Império, que desde 333 governava como
César em Antioquia; o mais jovem, Constante, ficou com a Itália, a África e a
Panônia. Os primos Flávio Júlio, Dalmácio e Anibaliano ficaram,
respectivamente, com os Bálcãs e a Ásia Menor.
Com a morte de Constantino em 337, teve início um período de lutas internas
pelo poder. Os meios-irmãos e sobrinhos de Constantino foram assassinados
por políticos poderosos. Constâncio II defendia uma sucessão dinástica
ordenada, livre da disputa entre os diversos ramos da família. Essa ideia, foi
defendida por Helena (futura Santa Helena), mãe de Constantino. É provável
que Constâncio II, o homem-forte do novo regime, tenha ordenado o
massacre de seus familiares. Deixou vivos, por razões sucessórias (também
como refém) os jovens primos Constâncio Galo e Juliano. Mais tarde, ambos
assumiram a função de César, primeiro Galo, depois Juliano.
Depois da morte de Constantino em 337, o massacre de seus familiares,
a morte de Constantino II (317-340) e Constante (320- 350), o Império
retorna às mãos de um único senhor, Constâncio II (317-361),
responsável pelo reinado mais longo do século IV, após a morte do pai.
Os problemas administrativos e a questão sucessória levam Constâncio
a nomear seu primo, Constâncio Galo como César. As intrigas
palacianas e a instabilidade de Galo levam-no a ser executado sob a
acusação de traição. Seu irmão Juliano é chamado à presença de
Constâncio em Mediolanum (Milão). Em 355, foi nomeado César da
parte ocidental do Império e casou com a irmã do imperador. Nos anos
seguintes, lutou contra as tribos germânicas que tentavam entrar em
território do Império. Nesta luta, distinguiu-se como estrategista,
administrador e legislador. Recuperou Colônia Agripina em 356,
derrotando os alamanos (em Argentoratum, na Batalha de Estrasburgo)
assegurando a fronteira do Reno por outros cinquenta anos.
Em 360, Constâncio lhe ordenou transferir suas tropas da Gália,
comandadas por Juliano, para o exército do leste. Tanto Juliano quanto
seus soldados não gostaram da atitude de Constâncio, o que provocou
uma insurreição que fez com que as tropas da Gália proclamassem
Juliano, Augustus e novo imperador.
Não houve uma luta propriamente dita entre Constâncio e Juliano.
Constâncio II morreu de peste (peste bubônica, muito comum na época)
quando se deslocava para a Gália. As próprias legiões de Constâncio
reconheceram Juliano como único imperador. Como profundo
conhecedor da lei, Juliano elaborou um corpo legislativo e restabeleceu
a posição dos senadores municipais e recuperou o estado lastimável em
que se encontravam as cúrias. É bom lembrar que a aplicação de suas
leis ocorreu em todo o território romano, ocidental e oriental.
Influenciado pelos fundamentos aristotélicos sobre a lei, tentou associar
essa teoria com a sua prática legislativa
Durante a luta contra os persas sassânidas, Juliano sofreu um ferimento
mortal por uma flecha ou lança. Libânio, filósofo e amigo pessoal do
imperador, escreveu que Juliano foi assassinado por um soldado cristão
de seu próprio exército, embora essa acusação não fosse corroborada
por Amiano Marcelino nem por nenhum outro historiador
contemporâneo. Joviano, seu sucessor, governou apenas oito meses.
Valentiniano I (321-375), antigo comandante militar durante o governo
de Juliano e Joviano, foi proclamado imperador pelo exército de Niceia.
Instalou-se em Mediolanum (Milão) e associou-se ao seu irmão Valente.
Conseguiu expulsar os alamanos da Gália e estabeleceu a paz na
Bretanha, sufocando uma série de revoltas. No ocidente, Valentiniano I
foi sucedido por seus filhos Graciano e Valentiniano II, que na ocasião
estavam com 16 e 4 anos. Ambos foram controlados, reciprocamente,
por seus conselheiros.
Esses governos não foram suficientemente fortes, e o usurpador Magno Máximo
assassinou Graciano em Lion em 383, instalou sua corte em Trèveres , esperando o
reconhecimento de seu poder por parte de Teodósio, que governava o oriente desde
379.
Teodósio I (346-395), filho de Flávio Teodósio, um general de Valentiniano I,
condenado à morte por causas ainda obscuras depois da morte do imperador,
recebeu de Graciano a parte oriental do Império em janeiro de 379. Seus primeiros
anos de governo estiveram ligados aos problemas com os invasores godos. Em 382,
firmou um tratado com eles, por meio do qual poderiam se estabelecer em território
romano, porém deveriam integrar-se ao exército como federados. Mais tarde,
Teodósio assina um acordo com os persas sassânidas, poderoso império rival de
Roma no século IV.
Durante o ano de 387, Máximo invade a Itália, destronando Valentiniano II, que
consegue refúgio no Oriente com Teodósio. Em resposta, o Imperador do Oriente
marchou contra Máximo em 388, vencendo o usurpador, que morreu em combate.
Restabeleceu assim, Valentinano II como Imperador do Ocidente. Um ano depois,
Valentiniano aparece morto, supostamente por suicídio. Arbogasto, general franco,
escolhe Flávio Eugênio como Imperador.
Eugênio, era um aparente cristão, mas tomou medidas simpatizantes aos pagãos
como por exemplo, o financiamento da reconstrução de templos pagãos, acabou
sendo derrotado e morto pelas tropas de Teodósio em Aquileia. O Império é
unificado pela última vez sob o comando de Teodósio, mas quatro meses após, em
17 de janeiro de 395 D.C., ele morreria em Milão, de causas naturais.
Em 27 de fevereiro de 380 D.C, o imperador romano do Oriente,
Teodósio I, promulgou, em conjunto com seus colegas da parte
ocidental do Império, Graciano e Valentiniano II, o Decreto de
Tessalônica, declarando o Credo Niceno-Trinitário como a única
religião legítima do Império Romano e a única passível de ser
considerada “católica” (universal), bem como determinando que
cessasse todo apoio estatal às demais religiões politeístas.
Embora décadas antes, o imperador Constantino I tenha favorecido
muito a fé cristã e a Igreja Católica, que passou a receber propriedades,
verbas e apoio do Estado Romano, é equivocada a ideia de que ele tenha
tornado o Cristianismo a religião oficial do Império, pois o chamado
Edito de Milão, de 313 D.C., formalmente apenas havia estabelecido a
tolerância do Estado em relação a todas as religiões.
Obviamente, em uma sociedade que se caracterizava pela opressiva
presença do Estado em todos os setores, como era Baixo Império
Romano no século IV D.C., a preferência da Corte por uma religião
específica e o seu fomento estatal, como ocorreu durante toda a dinastia
constantiniana, a partir do Édito de Milão, com a breve exceção do
reinado de Juliano, o Apóstata, só poderia resultar num avanço muito
grande dessa religião em detrimento de todas as outras, mais ainda
quando essa religião gozava de uma estrutura hierarquizada paralela,
que, inclusive, sobrevivera a séculos de clandestinidade.
Teodósio era um cristão ortodoxo niceno muito devoto, oriundo da
Hispânia, onde o Credo Niceno, como de resto no Ocidente e na
importante Igreja de Alexandria, dominava. Já o Arianismo prevalecia
no Oriente. Teodósio foi nomeado imperador do Ocidente pelo
imperador Graciano, também ele um cristão ortodoxo niceno, após a
morte do imperador do Ocidente, Valente, na Batalha de Adrianópolis,
em 378 D.C, sendo que Valente foi um adepto do Arianismo.
Teodósio e Graciano, comungando do mesmo Credo, sentiram-se à vontade para
favorecer a ortodoxia cristã do Concílio de Nicéia, e, consequentemente, no dia 27
de fevereiro de 380 D.C, eles promulgaram, juntamente com o colega de Teodósio
no Ocidente, Valentiniano II (que tinha apenas 8 anos), o decreto imperial “Cunctos
populos“, chamado de “Édito de Tessalônica, pelo fato de Teodósio se encontrar
nessa cidade, quando de sua edição.
“É nossa vontade que todos os diversos povos que são súditos de nossa Clemência e
Moderação devem continuar a professar aquela religião que foi transmitida aos
Romanos pelo divino Apóstolo Pedro, como foi preservada pela tradição fiel, e que
agora é professada pelo Pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria, um
homem de santidade apostólica. De acordo com os ensinamentos apostólicos e a
doutrina do Evangelho, que nós creiamos em uma só divindade do Pai, do Filho e
do Espírito Santo, em igual majestade e em uma Santíssima Trindade. Nós
autorizamos que os que obedecerem essa lei assumam o título de Cristãos
Católicos; Porém, para os outros, uma vez que em nossa opinião, são loucos tolos,
nós decretamos que recebam o nome ignominioso de heréticos, os quais não
deverão ter a presunção de dar aos seus conventículos o nome de igrejas. Eles irão
sofrer em primeiro lugar o castigo da condenação divina e, em segundo lugar, a
punição que a nossa autoridade, de acordo com a vontade do Céu, decidir inflingir.
Publicado em Tessalônica no terceiro dia das calendas de Março, durante o quinto
consulado de Graciano Augusto e o primeiro de Teodósio Augusto.”
É importante notar que Teodósio estava gravemente doente em
Tessalônica, na Grécia, o que o levou inclusive, como era o costume dos
cristãos naquele tempo, a se batizar (o batismo acontecia no leito de
morte, já que todos os pecados eram perdoados, ficando mais fácil para
o batizado entrar no Céu).
Após a edição do Decreto “Cunctos populos“, Teodósio e Graciano
lançaram-se em uma campanha de perseguição às heresias cristãs e a
tomaram uma série de medidas visando proibir cerimônias e rituais
pagãos. Em poucos anos, a crescente intolerância religiosa por parte do
Cristianismo triunfante desaguou na destruição de importantes templos
pagãos, como o Serapeum, em Alexandria, entre tumultos que
degeneraram em massacres.
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