Você está na página 1de 29

PROFESSOR X EDUCADOR: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA

Maria José da Silva Paiva1

“O ideal histórico da universidade pretende transformá-la num


lugar de reflexão e de pesquisa, num laboratório da própria sociedade vista
como um todo dinâmico e complexo” (Gaudêncio Frigotto).

O presente estudo pretende explorar aspectos importantes da Formação de Professores.


Tema comumente em pauta principalmente depois da promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação/96. E especialmente discutido quando associado à qualidade do ensino
universitário e as políticas educacionais que o sustenta. Desenvolvemos este artigo a partir de
duas visões: a primeira marcadamente histórica, vê a Universidade como uma instituição que
visa a preparação técnica de profissionais para atuarem no mercado de trabalho. A segunda
visualiza a função social da Universidade, suas propostas, seus caminhos, seus desafios em
relação à formação do profissional que atua na educação básica.

Queremos apontar algumas questões que parecem significativas em relação à


responsabilidade que a Universidade tem ao formar professores. Nosso objetivo é mostrar
duas posturas: A ação da Universidade – que reproduz um modelo de professor ideal, detentor
do saber. A ação da escola – que acolhe este professor em condições reais: o modelo do
„ideal‟ aprendido na universidade com o aluno obediente, disciplinado, pronto para absorver o
que o professor leciona... dá lugar à necessidade do fazer real: o aluno que questiona a
validade do que está vendo em sala, com a direta relação com o que experimenta fora dela,
que não suporta passar mais do que trinta minutos sentado, ouvindo, sem dizer nada, que tem
muito a dizer, porque trabalha, comercializa, argumenta, observa e cada vez mais, domina
tecnologias que muitas vezes, o professor desconhece.

As duas posturas analisadas fizeram nascer a necessidade de trabalhar o conceito de


dois tipos de profissionais que atuam na educação básica: o professor e o educador. Em busca
desta definição de elementos tão iguais e tão antagônicos é que trabalharemos a questão
Universidade: formando professor ou educador?

1
Especialista em Epistemologia e prática pedagógica nas séries iniciais; Especialista em Metodologia do Ensino
Superior
Nossa hipótese é que a Universidade forma professor - profissional técnico que tem
conhecimento a transmitir. E o educador nasce da visão que o professor tem do seu contexto
social e da necessidade de atuar sobre ele de forma significativa. O professor se transforma
em educador à medida que ele vê a possibilidade de ressignificar o papel que foi treinado a
desempenhar pela Universidade em função da necessidade de se construir conhecimento a
cada instante e não simplesmente reproduzi-lo com hora marcada, conteúdo específico, lugar
padrão...

Acreditando nesta visão apresentamos nosso trabalho, realizado através de pesquisa


bibliográfica e observação da prática pedagógica a que estamos envolvidos, seja como aluno
(da universidade), seja como professor (da escola pública). As palavras de Paulo Freire,
citadas por Mirza Seabra Toshi: “A formação é um fazer permanente que se refaz
constantemente na ação. Para ser, tem de se estar sendo” marca profundamente a trajetória
do professor que procura se transformar em educador.

Na busca do “estar sendo para ser” é imprescindível que o professor se perceba como
alguém que pode transformar um papel meramente técnico em uma atuação realmente
significativa para a sociedade. Passar de profissão professor para atuação educador.
1. PROFESSOR OU EDUCADOR: VOCAÇÃO OU DESAFIO?

“A carreira do professor perdeu suas lantejoulas, tornando-se


pouco atrativa: só a vocação ou um grau profundo de curiosidade pela
socialização dos adolescentes garantiam uma procura oscilante”(Florestan
Fernandes).

A visão romântica do professor que se dedica ao magistério como se fosse um

sacerdócio já foi ultrapassada. Hoje, a sua profissionalização parte de uma necessidade de

integrá-lo ao mercado. Sua atuação é comparável a uma peça da engrenagem social que o

mantém. Inserido no mercado em um sistema capitalista de produção, submete-se aos fatores

inerentes a este sistema, a mais-valia:

“A mercadoria especial, força de trabalho e a mercadoria universal,


dinheiro, ao se encontrarem historicamente no mercado provocam o advento
de um intercâmbio interminável de valores que revoluciona as condições
materiais e sociais de existência dos indivíduos: a primeira por produzir
mais valor que o seu; a segunda por ser expressão de todos os valores e a
união das duas por viabilizar a expansão ampliada dos valores, por
conceber o filho pródigo, o capital. Esse encontro histórico só se determina,
de um lado, a partir do processo de formação do trabalho assalariado,
enquanto separação entre o trabalho e suas condições objetivas de
efetivação, o qual produz a mercadoria força de trabalho, e, de outro, a
partir do processo de constituição do capital, enquanto relação social de
produção e valor que se valoriza o qual consome produtivamente a
mercadoria força de trabalho. Entram, portanto, em cena o proprietário da
mercadoria, força de trabalho, enquanto trabalhador, e o possuidor da
mercadoria dinheiro, enquanto capitalista”(Peliano, 1990:68).

O professor não ganha o suficiente por sua capacidade intelectual e ávido pela busca

de dinheiro, devido à situação de exploração a que está exposto, coloca de lado, muitos de

seus ideais, por mais nobres que sejam. Não se conforma mais com os baixos salários por

amor à profissão - como no passado fizeram acreditar, mas submete-se a eles: é melhor do que

engrossar a fila do desemprego.


Ele está inserido em um mercado competitivo e assim como os demais profissionais é

necessário que ele possua a qualificação para o desempenho de sua função técnica. Com uma

diferença básica: a maioria dos profissionais passa por um treinamento na função por alguns

meses, até que se sintam capazes de desenvolver sozinhos suas atribuições satisfatoriamente

para a empresa. Na profissão professor este treinamento é contínuo. Há sempre o que se

aprender no fazer docente e nada a se fazer sozinho. Todos os atos se correlacionam.

“Ao longo do século XIX consolida-se uma imagem do professor,


que cruza as referências ao magistério docente, ao apostolado e ao
sacerdócio, com a humildade e a obediência devidas aos funcionários
públicos, tudo isto envolto numa auréola algo mística de valorização das
qualidades de relação e de compreensão da pessoa humana.
Simultaneamente, a profissão docente impregna-se de uma espécie de entre-
dois, que tem estigmatizado a história contemporânea dos professores: não
devem saber de mais, nem de menos; não se devem misturar com o povo,
nem com a burguesia; não devem ser pobres, nem ricos, não são (bem)
funcionários públicos, nem profissionais liberais etc” (Nóvoa, 1995:16).

Diante desta situação questionamos: que motivos levam um indivíduo a querer se

tornar um professor? Tenderíamos a responder esta indagação com duas respostas, ou outras

duas perguntas: Vocação? Ou Desafio?

“Vocação” certamente responderia esta pergunta e não nos restaria outra resposta,

porque esta palavra em toda a sua simbologia encerra algo indescritível ou sem definição

satisfatória. Então seria fácil lidar com um conceito que por mais que se defina, há o que se

definir ainda...
Se vocação ainda “é uma palavra esperando tradução”2, seria apropriado responder a

questão com a palavra desafio. Ela parte de uma visão menos ingênua e coloca-nos em

condições de analisar melhor a questão: desafio à sobrevivência!

Manter vivos o conhecimento, a dignidade, a sua força criadora. Seus projetos... De

acordo com Antônio Joaquim Severino em prefácio ao livro “Construtivismo e Mudança” de

Sanny S. da Rosa „O homem é um ser de projetos, inclusive no sentido da construção da sua

própria condição existencial: ele será aquilo que ele se fizer, ao fazer as coisas, ao instaurar

seu mundo. Nesse projeto histórico, mais amplo, o projeto educacional ocupa lugar

importante e crucial.‟ (1995:07) Diante disto preferimos responder à questão com as palavras

da própria Sanny: “Diria, com segurança, que optar por trabalhar com educação foi

consequência e não causa (...) do importante papel da educação nos processos de

transformação” (1995:09).

Isto responde parcialmente a nossa questão e nos leva a pensar neste “importante papel

da educação nos processos de transformação” - que só trarão mudanças efetivas, se ela atuar

na transformação do fazer pedagógico da Universidade: rever técnicas, escolha de métodos e

conteúdos ministrados na formação de professores e se essa mudança suscitar, também, uma

diferente postura social do licenciado: reconhecer a sociedade além de sua cortina ideológica,

compreender seus mecanismos excludentes, seu caráter doutrinário e arbitrário, percebendo a

Universidade como um aparelho da reprodução da educação como Ciência do discurso. Como

nos diz Fiorin: “Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação

discursiva determina o que dizer” (1997:34).

2
Expressão usada pelo grupo Engenheiros do Havaí para definir a palavra “nada”.
O professor não pensa, não fala e não faz o que quer, mas o que lhe cabe falar e fazer.

Seguindo o mesmo modelo dos demais empregados. Se a ideologia dominante impõe o seu

discurso, não há o que fazer, a não ser reproduzi-lo. Sendo assim, o conteúdo ministrado pela

Universidade, pode facilmente ser dividido assim: fragmentos de uma dada ciência, de acordo

com o curso; fragmentos de discursos educacionais, que dificilmente alcançam algum

objetivo, pois privam o acadêmico de conhecer a gênese da ciência escolhida e mostram

modelos educacionais mais ideológicos do que epistemológicos.

Isto ocorre quando nos cursos são oferecidos conteúdos para “aprender” e conteúdos

para ensinar a “ensinar” – desconectados de como ensinar a ciência que se propõe aprender

para ensinar. Assim, justifica-se a falta de significados, para o aluno, de qualquer discussão

teórica, mantendo o padrão de transmissão e reprodução de conteúdos.

Pensar nos faz entender: a questão não será respondida satisfatoriamente se

pensarmos em causa, consequência, motivos, vocação ou desafio. Há que se estabelecer a

diferença entre professor e educador. Esta sem dúvida seria uma resposta satisfatória. Quem é

o professor? O que é um Educador?

De acordo com o dicionário Aurélio, “Professor é “aquele que professa ou ensina

uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina...” (1988:531) e Educador consta como

um sinônimo de professor. Optamos por definir nosso conceito desses dois elementos

baseados em nossas leituras e em nossa observação do fazer docente de alguns de nossos

professores, de inesquecíveis educadores e da nossa própria prática pedagógica - que busca a

transformação.

Nadir Mendonça em seu livro “O uso dos conceitos” mostra que ao se deparar com

um conceito, torna-se necessário um estudo sobre o momento histórico em que foi concebido,
pois a linguagem é dinâmica. Então, uma palavra pode sofrer modificação de significado

através dos anos, sendo assim, os conceitos, que são compostos por palavras também se

modificam através dos tempos (1998).

Dessa forma, palavras que encerram conceitos semelhantes podem conter uma

significação singular. É o caso das palavras professor e educador, reportam-nos a uma

significação parecida, mas traduzem posturas conflitantes. Em nossa pesquisa estabelecemos

esta diferença: professor e educador não são sinônimos.

Piaget mostra que “a verdade é que a profissão de educador, nas nossas sociedades,

não atingiu ainda o status normal a que tem direito na escala dos valores intelectuais”

(1970:11). Entendemos que este “status” só é interessante se olharmos o profissional da

educação com as lentes de seu envolvimento com o aprendiz, da sua busca em aprender

também, com o prazer que sente em estar desenvolvendo a capacidade, tanto do outro, quanto

sua, de construir conhecimentos, que veja na partilha, de dúvidas e certezas, uma fonte para

agregar conhecimento.

“Falar de amor é amortecer uma dor que a gente sente quando ama”. (Grafite:

Anápolis/92). Falar em educação, ou em educador, é quase a mesma coisa: amortece com

sonhadoras palavras a dor de tentar fugir dos paradigmas enraizados e protegidos pelo medo

que o “professor” tem – medo das críticas, do fracasso e do sucesso também.

Segundo Sanny S. Rosa, “mudar significa romper com o estabelecido, o que, em

alguma medida, tem sabor de desobediência” (1995:19). O educador busca a mudança. É o

„desobediente‟ porque ele busca o novo a qualquer custo. Tece o amor, construindo junto com

o educando a esperança, a oportunidade de vencer os paradigmas... Ponto a ponto ele trabalha

para que a mudança aconteça, cedo ou tarde, devagar ou depressa.


A diferença primordial entre Professor e Educador é medida com uma palavra:

compromisso. O professor já o perdeu e pensa que todos os seus esforços são em vão e não se

preocupa com os resultados de sua ação (ou falta dela). Tem uma formação técnica, limitada

ao conteúdo que absorveu na Universidade, pensa que já aprendeu tudo que precisava saber.

Ou que não vale a pena se atualizar já que para ele, de acordo com afirmações registradas em

entrevistas, o aluno “não tem mais jeito”, “não tem interesse”, “a indisciplina tomou conta”,

“não tem base...”. O professor comporta-se de forma alienada, inerte, alheio aos

acontecimentos sociais, está preocupado em cumprir os objetivos traçados no currículo

mínimo, de forma mínima. Espera impacientemente pela aposentadoria.

O Educador mostra desejo em diminuir o desinteresse do aluno, procura torná-lo

consciente de seu contexto social, não quer limitá-lo a “decorebas”. Vai além do currículo.

Oportuniza descobertas: assume a postura de co-produtor do desenvolvimento, é um

investigador insaciável, que não se preocupa única e exclusivamente com os resultados e sim

com o desenvolvimento do aluno (com o aprender a aprender), o desvendar dos mistérios

contidos na aquisição do conhecimento na criação de hipóteses, na defesa de teorias, na

criatividade das respostas que fogem do lugar comum.

Em se tratando de educação, o “locus amoenus”3 é o indivíduo. É aquele que busca o

conhecimento independente do lugar: na escola, ou na vida. E o educador é aquele que faz a

estrutura formal destes lugares entrar em harmonia com o desejo de saber e conhecer...

Desta forma, a principal preocupação do professor universitário dos cursos de

formação de professores deveria ser: estimular o aluno a se comprometer com a educação;

3
Lugar ameno; lugar de prazer.
motivar sua capacidade de inovar, tornando-o consciente de que não basta aprender o

conteúdo programático, propondo a reflexão contínua do seu futuro papel de professor.

Capaz de perceber-se como um agente a serviço tanto da divulgação de uma visão de

mundo preconcebida e ideológica, quanto da construção, coletivamente, de uma nova visão,

em sala de aula, somando os valores “de quem ensina” aos valores de quem “aprende”, sem

estabelecer a tradicional linha divisória: o professor ensina, o aluno aprende. Neste caso,

quem aprende pode ser tanto o professor, quanto o aprendiz e vice e versa.

A capacitação técnica e teórica valoriza o profissional à medida que ele tem

habilidades de despertar no aluno o discernimento, a reflexão sobre o conteúdo ensinado,

compartilhando, dando-lhe condições de ir além dele. É preciso mudar a velha imagem do

professor reprodutor de conhecimento que trabalha com dificuldade por estar à frente de uma

classe e fazer com que o aluno “aprenda”. É necessário valorizar o papel social do educador e

definir suas funções.

O saber não fica parado, está se construindo o tempo todo. O cidadão deve buscar

inovações, procurar respostas, questionar... cobrar atitudes dos que detém o poder, uma vez

que, é o poder dominante que determina as políticas educacionais “O Estado é uma

“máquina”de repressão que permite às classes dominantes (...) assegurar a sua dominação

sobre a classe operária, para submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à

exploração capitalista)” (Althusser: 1985, 62). E de acordo com esta visão se estabelecerá as

políticas educacionais e sociais, cabendo ao educador estimular uma discussão maior deste

contexto, mostrar que o poder dominante, como gestor da política educacional, determina as

ações que lhes são favoráveis e que não coloquem em risco as determinações específicas para

a formação do indivíduo que esta classe deseja formar.


2. EDUCAÇÃO NA ERA DA QUALIDADE

“Todos os pedagogos reformadores procuram atacar a passividade


da educação tradicional. Opondo-se, portanto, à idéia de encher a partir do
lado externo e absorver como uma esponja”. (John Dewey)

Nunca se falou tanto em qualidade na educação como nos dias atuais. Existe uma

crença generalizada de que a educação básica irá preparar o aluno para o mercado globalizado

e que o governo irá promover maiores condições para que os professores atuem na educação

básica com maior propriedade e capacitação. Frases como: “Propor parâmentros

curriculares”, “Ensinar a partir de temas transversais”, “Grave os programas da TV Escola”,

“Conheça o Novo Ensino Médio – porque educação agora é para a vida...” são comuns e

reportam-nos a uma realidade que está longe desta qualidade propagada, porque as frases

acima, não foram proferidas pelo professor. Saíram de algum gabinete do Ministério da

Educação e Cultura.

Deste comportamento deriva a exclusão: ou o indivíduo estuda para conseguir ocupar

seu lugar no mercado, ou é excluído por ele. Assim, cada vez mais, os programas de educação

introduzem as normas e os conteúdos para atender às expectativas desse mercado e à

globalização e à chamada „educação para a vida‟.

Sabendo que é esta a „vida‟ que espera por seus filhos, os pais das classes mais

favorecidas, assumem a postura regulatória reinante e exercem seu poder de polícia impondo

o louvor aos treinos, à cópia à nota dez, à entrada precoce na escola, tornando seus filhos cada

vez mais competitivos, autênticas estrelas, com um invejável histórico escolar. Cabe aos pais
das classes menos favorecidas difundirem a idéia de que tirando o segundo grau o filho já faz

muito mais do que eles fizeram e se conseguirem ir além será por força de muito sacrifício.

Outro fato interessante é analisar: o professor em comparação ao operário de uma

fábrica: o professor não é o único trabalhador que precisa mostrar obediência ao “Padrão

Operacional”, mas, sem dúvida, é o único que não participa de sua elaboração. Na fábrica, o

operário discute com o encarregado da Área a sequência das ações, o tempo gasto na

execução de cada etapa da produção. Formula o padrão que passa a ser obedecido por ele, ou

por qualquer outro substituto, para desempenhar a operação – inclusive pelo gerente.

No Padrão Operacional fica previsto um tempo de observação para a solicitação de

mudanças na execução da atividade. Tudo em busca de rapidez e aperfeiçoamento do operário

e maior qualidade do produto. Fazer sempre “mais com menos”4.

Na escola, o Padrão Operacional, o Currículo, é elaborado e discutido apenas pelos

encarregados da Área, secretários, técnicos, consultores do Ministério da Educação. Ao

operário – ao professor, cabe apenas apresentar os resultados. Há uma inversão da máxima da

Qualidade Total: “Fazer o mínimo com o “máximo” – já que o Estado propicia esta

infinidade de “ferramentas” para ajudar o professor na sua simplória atividade de divulgador

de teorias.

As propagandas ajudam a política neoliberal a difundir a competição - só não ocupa

um lugar privilegiado no mercado de trabalho, o professor que não se utiliza das

“ferramentas” disponíveis; sendo assim, não está preparado para formar o aluno para

desenvolver as competências necessárias para também competir neste mercado globalizado e

repleto de tecnologias à disposição de quem busca a sua qualificação. É só querer! Mostra

4
Máxima da Qualidade Total
também, que quem se utiliza das ferramentas disponíveis, será premiado satisfatoriamente. Já

que:

 Os parâmetros curriculares nacionais são uniformizados para atender a diferentes

deficiências do ensino e são usados como panacéia, receita milagrosa ao combate

dos males mais comuns da Educação: analfabetismo, evasão, repetência, baixas

notas no ENEM, falta de qualificação profissional em função dos baixos resultados

na escola;

 Os temas transversais irão socializar o conhecimento rapidamente;

 Os programas da TV Escola irão suprir as deficiências técnico-pedagógicas e

preencher as lacunas de uma educação repressiva e repetitiva fornecida pela

Universidade.

 O Novo Ensino Médio ainda não saiu do papel promocional; e o Slogan:

“Educação agora é para a vida”, ainda carece de significados.

E a partir da análise de Maria Aparecida Segatto Muranaka e César Augusto Minto

que encontramos uma explicação à este procedimento:

“Hoje, as políticas em implementação não mais escamoteiam o


propósito de submeter o público à mesma lógica que permeia o privado, sob
o falacioso argumento de tornar as instituições „produtivas, eficientes e
democráticas‟. Na área educacional, o processo de globalização manifesta-
se através da adoção de uma lógica que considera a educação como
mercadoria a ser oferecida, preferencialmente, via concorrência privada,
que pretensamente atenderia à demanda e baratearia os custos com
qualidade (do ensino, da instituição, do sistema etc) controlada pelo „aluno-
consumidor‟”(1998:73).

Diante deste quadro, a função cultural da escola e da Universidade vai

perdendo sua significação em função do mercado.


“A função cultural da escola e da universidade continua sendo uma
função secundária, e em alguns casos, é simplesmente ignorada. Em
consequência, o ensino ministrado transmite um conhecimento formal e
técnico distanciado da realidade, apresenta conceitos vazios de significado
por se encontrarem distantes da cultura real do povo, longe da dinâmica dos
grupos sociais” (Frigotto, 1995:49).

Isto só é possível, porque o professor que saí da Universidade (mal preparado) terá que

lidar com instrumentos novos, idéias distintas, se desfazer das certezas “imutáveis” que

absorveu durante anos de aprendizagem universitária.

Assim, ele passa por dois momentos: primeiro encara com naturalidade a dicotomia:

de um lado o que ele “aprendeu”, de outro o que ele terá que ensinar. E o fará com muita

tranquilidade, pois já ouviu mais de uma vez a célebre frase: “O ideal é diferente do real”. E

continuará alienado; repetindo fórmulas, cobrando regras, reclamando do salário, do

governo... Um professor simplesmente!

Em um segundo momento, ele vai se inquietar e questionar a razão de ser

condicionado a fazer de um jeito e ser cobrado de outro... Irá tentar se atualizar, reconhecer

que o ensino universitário é insuficiente para quem se propõe educar. Terá que se despir de

suas certezas buscando novas formas de ensinar. Será um educador, sobretudo!

“A definição de escola em sua função de transmissão da informação


acumulada (definição tradicional) dissocia sua função de reprodução
cultural de sua função de reprodução social,(...), apresenta hierarquias
sociais e a reprodução dessas como se estivesse baseada na hierarquia de
“dons”, méritos ou competências, e não como hierarquia fundada na
afirmação brutal de relação de força. Convertem hierarquia sociais em
hierarquias escolares e com isso legitimam a perpetuação da ordem
social”(ORLANDI: 1996, 22).

A coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro educador é

imprescindível. O educador é um aprendiz. É um aluno da sua própria lição. De seu

compromisso, pois, à medida que ele se envolve com o processo ensino-aprendizagem do


outro, ele percebe a necessidade de saber mais e aprender ensinando, questionando suas

certezas, e as certezas alheias. As implicações desta descoberta definem o perfil do

profissional que a Universidade espera formar. Sua experiência como aluno, determinará seu

perfil: professor ou educador.


3. A EDUCAÇÃO DO EDUCADOR: PAPEL DA UNIVERSIDADE

“Vai-se à Universidade ensinar cultura, estudar o mundo” (Darcy


Ribeiro).

Se enquanto aluno, o professor não foi preparado para lidar com a inesgotável força

criadora do aprendiz, como irá trabalhar esta mesma força enquanto educador? Como

desenvolver, ou estimular, no outro aquilo que não está bem desenvolvido em si? Cabe à

Universidade o papel de desenvolver as competências necessárias ao professor para atuar na

educação básica da forma como está previsto na LDB, nas Diretrizes, nos Parâmetros e

Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Básica e nas “propagandas”.

É necessário, também, esquecer os modelos e enriquecer a prática docente com

situações de aprendizagem real: ensino, pesquisa extensão, colaboração. Ensinar, aprender,

pesquisar, co - operar... estão claramente colocados como premissas básicas do “Novo Ensino

Médio”, mas a Universidade continua elegendo modelos e sustentando paradigmas que não

formam professores para lidar com este universo, pois, os modelos são eleitos com a intenção

de atender a ideologia que a patrocina, se não atender aos seus preceitos, não há

investimentos, nem para atender as necessidades físicas do seu funcionamento. E,

consequentemente, não haverá nenhum incentivo à pesquisa, ou atos semelhantes. Assim,

política educacional e seus meios de materialização mais uma vez definem em nome

Universidade os rumos da discussão acadêmica.

Ela não está formando os profissionais para atuarem na Educação Básica? Torna-se,

então, necessário rever as concepções de aprendizagem, conteúdo e avaliação dos cursos de


formação de professores para que sejam condizentes com as recomendações da reforma da

educação básica. Caso contrário, as reformas continuarão com o „status‟ de paliativas.

Como o professor do Ensino Médio, por exemplo, poderá estimular a pesquisa

científica de seus alunos se ele não pesquisa? Não sabe utilizar procedimentos comuns aos

usados na investigação científica, como o registro, a sistematização de informações, a análise

e comparação de dados, o levantamento e a verificação de hipóteses? Um educador que

investiga novas possibilidades para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, mantém-se

atualizado. E isto lhe possibilita fazer escolhas fundamentadas com relação ao que ensina e ao

como ensina. Segundo Nóvoa:

“A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que


forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite
as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e aos
projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que também é
uma identidade profissional.”(1995:25)

E o conhecimento adquirido ajuda-o a concretizar a sua atitude de investigação

permanente em sala de aula, assim como, a produzir e a socializar conhecimento pedagógico

de modo sistemático. Livre de ritos, mitos, modelos, cópias, treinos... É incrível como o

“ideal” é diferente do real:

“O professor adota um livro e ali encontra tudo: teoria e exercícios


devidamente calculados para lhe ocupar todo e somente o tempo de que
dispõe, apresentados segundo uma metodologia própria, cuja adequação ao
seu trabalho o professor muitas vezes avalia no momento da adoção; por
vezes também encontra sugestões de atividades extra-classe e modelos de
avaliação. A realização de atividades experimentais, a leitura de um vídeo
ou de livros paradidáticos podem ser consideradas quase um avanço, mas
deixam de sê-lo quando se observa o modo como são mais frequentemente
trabalhadas: demonstração e comprovação de leis e teorias anteriormente
discutidas, no primeiro caso, aplicação de questionário, no segundo. Mapas
geopolíticos ou científicos funcionam mais como ilustração da fala do
professor que como texto. Assim, mesmo que contemplada alguma variedade,
o uso convencional dos materiais pouco acrescenta ao livro didático.”
(Campos: 2000, 3)
A educação é anterior à escola (com seus mitos, ritos, moldes...). Dessa forma,

lembramos novamente os dois “tipos” de profissionais que atuam no desenvolvimento de

atividades docentes: o educador e o professor - o educador nasce da necessidade de se

formar uma sociedade e enriquecê-la. Enquanto o professor é criado, é preparado (mal

preparado), para povoar o lugar onde, supostamente, o saber está: a escola. Esta diferença fica

mais clara ao nos reportarmos a Luís Carlos Menezes:

“A profunda crise na educação brasileira está associada à carência


de significado de boa parte da escolaridade básica. O professor formado no
ensino superior não sabe o que dizer a seus alunos além de repetir-lhes as
fórmulas feitas e mal compreendidas que ouviu na Universidade” (Menezes.
1987:120).

A sociedade atual tem um grande desafio a transpor: mudar o caráter formal e

ritualístico da escola. E esta mudança só será possível quando a Universidade formar

professores diferentes destes repetidores de fórmulas que conhecemos muito bem, quando dos

seus bancos saírem educadores comprometidos com a Educação, não simplesmente

envolvidos com a escola, o diretor, o livro didático, horários, notas ou sanções...

“Hoje, é preciso dar-lhe uma formação diferenciada. É preciso


privilegiar o licenciado numa formação que lhe é específica, que tenha a ver
com a função que ele vai desempenhar. É preciso repensar o curso. Repensar
o conteúdo mesmo, a disciplina, o jeito de ensinar essa disciplina. Como é
que podemos manter o licenciado na sala de aula, passivo, ouvindo o
professor que enche o quadro-negro de fórmulas, que ele tem que aprender,
fazendo lista de exercícios e provinhas mensais, e depois pretender, que
quando ele for professor, vá ter uma postura distinta?” (Menezes, 1987:120)

O grande desafio do professor universitário, em se tratando de resolver as dificuldades

na formação de licenciados, está em prepará-los para desenvolver habilidades que vão além

de fórmulas ou métodos, que passam pela formação de um ser consciente de seu papel

transformador e crítico dentro de uma sociedade que ainda acredita que somente pela
educação será possível promover mudanças significativas. Para que isto aconteça é

necessário:

“Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos


conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa
pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber ativamente ao longo
do seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o saber, como se
ele fosse trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A
noção de experiência mobiliza uma pedagogia interativa e dialógica”
(Dominicé, 1990: 159 apund Antônio Nóvoa, 1997: 25).

Precisamos estar atentos a “algumas características formativas do professor que a

Universidade deve preparar, para que possa, além de dominar o conteúdo, ultrapassar o

limitado papel de repetidor de aulas; para que o professor constitua efetiva liderança na

superação da dependência cultural e econômica do país” (Menezes, 1987:124). Só assim a

escola poderá ser diferente, ou melhor direcionada.


4. CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: COMPROMISSO DE QUEM?

“O pressuposto fundamental de qualquer trabalho educacional é


crer na possibilidade de mudança do outro. A atividade do professor está
relacionada à transformação do sujeito-educando; se não acreditar nesta
possibilidade, seu trabalho carece de sentido” (Celso Vasconcelos).

Nos inquieta a idéia que esta dicotomia nos apresenta: de um lado o saber que a

sociedade produz, que o indivíduo incorpora cedo ou tarde; de outro, a fragmentação de

conteúdos ministrados em um lugar específico, com hora marcada muitas regras e atropelos.

Gabriel O Pensador mostra um pouco desta prática:

“Eu tô aqui para quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra
aceitar, me acomodar e obedecer? Mas meus pais só querem que eu “vá pra
aula” e “estude”. Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (vai
pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar. Voltei louco
pra contar: Manhê! Tirei um 10 na prova. Me dei bem, tirei um cem e eu
quero ver quem me reprova. Decorei toda a lição. Não errei nenhuma
questão. Não aprendi nada de bom, mas tirei dez”. Boa filhão!” (Gabriel O
Pensador).

Papert mostra que “a instituição escola, com seus planos diários de lições, currículo

estabelecido, testes padronizados e outras tantas parafernálias, tende constantemente a

reduzir a aprendizagem a uma série de atos técnicos e ao professor, o papel de um técnico...”

e os fragmentos da música acima confirmam esta definição e mostram uma prática que

conhecemos muito bem: a avaliação quantitativa que valoriza a memorização de regras, lições

e fórmulas, a nota dez; o estímulo que a família e a sociedade dão a este procedimento; a

omissão do professor que aprendeu a repetir fórmulas... e não busca direcionar suas lições

para longe deste contexto e perto da descoberta do aluno enquanto aprendiz e produtor do

conhecimento.
Vivemos em um mundo que dispõe de uma incontável e sofisticada tecnologia, que

propaga os efeitos da globalização econômica e em um país que não prioriza a educação –

canal natural de produção e transmissão de conhecimentos e competências para lidar com este

universo.

Tais instrumentos não garantem a eficiência pretendida porque não estão relacionados

à formação do professor – agente dessa pretensa qualidade. Enquanto o governo propaga seus

feitos (paliativos) propondo uma escola de qualidade preparando o aluno da escola pública

para competir no mercado, a Universidade prepara professores para repetir fórmulas, decorar

regras, repetir conceitos, sentado, passivo, obediente...

“Poder político é, por definição, incompetente para exercer a


função educadora e tratar de assuntos doutra técnica que não seja a da
política. [....]. Um recrutamento de professores só pode ser feito por quem
conheça perfeitamente as necessidades do ensino. O recrutamento de
técnicos só pode ser conscientemente feito pelos seus iguais” (Adolfo Lima,
1915: 360 apund Antônio Nóvoa, 1997: 17)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), vigente desde 1996, traça

diretrizes que apontam a necessidade de se ressignificar as funções do professor. E pensando

na redefinição do papel do professor e a necessidade de torná-lo melhor a cada dia,

questionamos a política neoliberal e suas ações paliativas que propõem mudanças na

educação básica que são ineficientes e insuficientes para transformá-la de forma significativa.

Transformar esta realidade é um o desafio constante para o educador – aquele que está

realmente comprometido com a educação brasileira, que não quer continuar sendo mero

repetidor de regras, fórmulas... que deseja, que deseja ser para continuar sendo, que busca a

redefinição de seu papel e que jamais desejará ler a “Carta Bomba”que João escreveu:
Estudo na 5ª. Série e sou um aluno médio; nem craque nem
lanterninha. Sempre gostei da escola porque conheço muitas pessoas, os
professores ajudam a gente tem merenda e às vezes livro ou caderno. Mas de
uns tempos para cá estou com vontade de largar da escola porque não vou
passar de ano outra vêis. Convercei com a professora de regilião e ela mim
disse pra fala o poblema Secretada. Não tenho quem me leve e também não
sei se é serto falar com a altoridade. Diretora eu vou pra escola di manha de
tarde vou vender cafesinho na Lapa. Entreqo o dinheiro a minha mãe e
sempre tá tudo serto. Di noite faco lição quando tem o livro ou dever no
caderno. Os problemas de, matematica, não sei entender e nem para que
serve aquelas expressões tão grandes. Na vida da rua nunca precisei dessa
coisa e também nunca vi ninguém fazendo aquilo nem seu Antonio lã do
armazém. Quando vendo café faco o resiosinio na cabeça e não erro não
mas na escola não sei nada so tiro O ou 1 ou 2. A professora da a aula dela
la no quadro ou na carteira dela mas eu não entendo é nada e só tiro nota
baxa. A turma toda ta do mesmo jeito todo mundo vai leva pau. A pro dis que
com ela so pasa quem sabe que os burro que estude mais até aprender que
com ela é assim. Ela grita passa o esercisio no quadro pra nos copiar senta
na cadeira dela fica corrigindo prova das outras salas e agente não entende
nada. Será que a Secretaria não pode manda umas aulas a mais pra vê si
agente aprende? Ou então sera que não podia agente passa e no outro ano
agente dava conta da matematica com a ajuda,da_Secretaria? Diretora num
tem jeito de passa com essa pro. Eu não sou inteligente pro ensino dela. E
porque eu aprendo a mim virá na rua? Não sei si a senhora vai ajudar não
quero mais saber de escola. Vou virá na rua que insina mais que a escola.
João. (Chamada à ação 1998: 8).

Vimos que para o este aluno a escola é um lugar aonde ele vai para encontrar pessoas,

receber ajuda, se alimentar... não é para aprender o que o professor tem para ensinar, e muito

menos para absorver o que o livro guarda, pois o que ele ensina com dificuldade e

autoritarismo, a vida dá “show” de didática: prepara-o para sobreviver, se comunicar,

questionar... Ser gente!

Desta forma, a escola deixa de cumprir até mesmo a sua função de transmitir os

valores da ideologia dominante, deixando que outros aparelhos se encarreguem desta tarefa.

De acordo com Nildo Viana 5:

“O conhecimento escolar (Sarup) reflete os interesses dos


dominantes, exercendo o que Bourdieu e Passeron chamam de violência
simbólica, a imposição de um arbitrário cultural pela classe dominante aos
dominados. Mas, o que se impõe é ao mesmo tempo técnicas e conteúdos. O
saber cotidiano também não está isento destas deformações, pois a “ideologia
dominante é a ideologia da classe dominante” (Marx) e a escola é apenas um

5
comunicação pessoal via e-mail
meio de transmissão desta ideologia, pois também existe os meios de
comunicação de massas, a família, a cultura comunitária e regional, por
exemplo, e isto significa que o saber cotidiano também deve ser visto de
forma crítica. Em síntese, considero que não se trata de opor saber escolar e
saber cotidiano/popular e sim entre conteúdos de saber, críticos ou
conservadores – e ambos estão presentes tanto no saber escolar quanto no
saber cotidiano.”

Esta análise nos permite observar: desenvolver uma reflexão sobre aspectos da prática

educacional a que está envolvido o “João” é oportuna, porque mostra que a escola - como

guardiã do discurso das classes dominantes e tendo por finalidade a reprodução e

fragmentação do conhecimento, é incapaz de fornecer a este indivíduo um pouco daquilo que

ela se propõe dar.

João mostra-se capaz de articular conceitos e fazer raciocínio lógico matemático,

analisa a postura do professor, questiona o seu modo de ensinar, mostra a crença de que se a

escola melhorar, a sociedade melhora... e mais: que ele pode ajudar a mudar todas duas com

um instrumento muito precioso para ele: sua carta...


CONCLUSÃO

“É necessário ver não só o tecido determinista mas também as


falhas, os buracos, as zonas de turbulência, os cachões da cultura onde,
efetivamente, brota o novo” (Edgar Morin)

Durante a execução desta pesquisa questionamos as “certezas” que o professor tem ao

se propor ensinar. Comparando-as com a postura que o educador assume ao semear a vontade

de construir o saber junto ao educando... a necessidade de se construir uma escola diferente:

“É preciso romper com a lógica estatal da educação e com a


imagem profissionalizada das escolas: o papel do Estado na área do ensino
encontra-se esgotado, a vários títulos, sendo urgente legitimar novas
instâncias e grupos de referência do domínio educativo: simultaneamente,
impõe-se questionar o papel exclusivo dos professores na organização e
direção do trabalho escolar, e sua subordinação às autoridades estatais.
Após a fase de hegemonia da igreja (séculos XVI-XVIII), é provável que
estejamos agora a assistir ao fim do período de monopólio do Estado sobre a
educação (séculos XVIII-XX): os homens da “desescolarização” já tinham
anunciado este desfecho, ainda que contrariamente às suas previsões, não
estejamos caminhado para uma “sociedade sem escolas”, mas antes para a
definição de novos poderes e regulações no seio das instituições escolares.
(Nóvoa. 1995)

É por este motivo que a formação de educadores é tão importante. E dessa forma que

se estabelece a diferença entre professor e educador. Pois, “um professor sem formação

humanística e social é um professor incompleto” (Menezes, 1987:122). Não é um educador!

Neste contexto, pensar a educação dos educadores torna-se imprescindível. Assim

como é urgente rever as políticas educacionais neoliberais que consideram o ensino um ponto

de partida para criar estrelas para concorrerem neste mercado. (globalizado apenas pelas

diferenças...).

Este é o “produto” de nossas universidades? Ensinar para atender o mercado? Educar

para o estrelato? “A resposta neoliberal é simplista e enganadora: promete mais mercado


quando na realidade, é na própria configuração do mercado que se encontram as raízes da

exclusão e da desigualdade” (Gentili:1996, 41). Atendendo o „mercado‟, a escola nega o

desenvolvimento contínuo do indivíduo que precisa se esforçar em ser astro... Ele é orientado

para a competitividade, para ocupar seu lugar de destaque no sistema solar, para que ele seja o

centro desse sistema, ou pelo menos atinja algum brilho, aumentando ainda mais as

diferenças, dificultado entrada de alunos das classes populares na Universidade, premiando

aqueles que gozam de privilégios econômicos.

A educação não é um jogo de cartas marcadas que podem determinar a derrota ou a

vitória de um ser. Porém, há cartas que precisam ser descartadas, mas que insistem em

permanecer no jogo: a política educacional atual que não visa o desenvolvimento do

indivíduo, mas a sua preparação para o mercado; os métodos que não valorizam o que o aluno

pensa, ou o que ele traz de bagagem para a escola; o comodismo do professor e sua resistência

a mudanças - que não acredita que o ensino possa ser diferente, ou melhor direcionado... a

visível separação teoria/prática na universidade...

Mudar as regras desse „jogo‟ não é tarefa das mais fáceis... mas, cabe à Universidade

promover tais mudanças... Redimensionar o papel do professor. Fazer dele um educador!

Retirar aquela velha „carta‟ que o coloca como mero expositor de teorias, fórmulas, regras...

Torná-lo consciente de seu papel transformador e crítico a fim de que o indivíduo possa

atingir metas significativas no campo da cooperação mútua, na manifestação de opiniões, na

defesa de convicções perdidas em favor do mercado.

Coisa que a universidade ainda não está preparada para orientar, pois os cursos de

formação de professores, em sua grande maioria, não permitem questionar a necessidade de

mudança, estão ligados a técnicas, ritos, ditos, mitos, instrução, lição, fixação, provão...
aliados do discurso oficial da competitividade... que continua formando professores... que

formam estrelas, cometas, planetas... que necessitam urgentemente aprender...

Aprender a ser “João” - que luta não por um mercado competitivo, mas para a

educação de qualidade para todos, que questiona a ação do professor e os resultados

ineficientes desta ação; que compreende o indivíduo como um todo participativo e nunca,

limitado às paredes do conhecimento sistematizado que a escola impõe; que acima de tudo, é

um ser capaz de propor mudanças individuais, sociais e até históricas...

É urgente que se faça a renovação do pensar pedagógico que ainda conserva algumas

crenças que depõem contra a descoberta do aprendiz e acabam expulsando-o da escola,

porque ela não oferece a ele um espaço para esclarecer suas dúvidas e vencer suas

expectativas. Como João ilustra perfeitamente em sua carta: para ele, a escola “detém” o

saber mas, priva-o de seu encontro com o indivíduo que anseia por ele...

É necessário mudar o caráter formal e ritualístico da escola, dando-lhe a possibilidade

de tomar rumos diferentes em direção à construção do conhecimento. Um esforço em torná-la

pública, (realmente voltada para o indivíduo), dando-lhe a possibilidade de encontrar novos

caminhos. “Mudar é a ruptura do hábito e da rotina, a obrigação de pensar de forma nova

em coisas familiares e a de tornar a pôr em causa antigos postulados” (Huberman, 1973:18).

Diante destas observações apresentamos algumas conclusões:

 Ressignificar o papel do professor é colocar em causa antigos postulados e isto não

depende apenas de uma vontade individual: A construção do educador é um ato

coletivo;
 A melhoria na qualidade do ensino público não virá por projetos idealizados em

uma mesa da Secretária da Educação ou de uma consultoria técnica: será real

quando a Universidade deixar de formar professor para formar educador.

 Em se tratando de Educação mudar é mais do que romper com o estabelecido, é

questionar por qual poder se estabelece o quê, em função de quê.

 A família deixou de ser a principal instituição encarregada de transmitir e

consolidar entre os jovens os valores de cidadania e moral que a sociedade requer:

esta deverá ser uma tarefa realizada em parceria com a escola;

 O contexto social do jovem deve ser objeto de interesse da escola: seus anseios,

suas atividades esportivas, seu trabalho, suas iniciativas, suas questões familiares e

tudo o mais precisa ser trabalhado, discutido, orientado e debatido na escola;

 Mais do que nunca a Universidade deve se preparar para formar um profissional

completo: passando pela preparação técnica, cognitiva até a social, afetiva,

emocional, moral, estética e ética;

 O que se espera do educador é que ele não se limite a esperar pela mudança: que

ele caminhe junto com o aprendiz em direção à construção de uma escola

diferente, uma sociedade nova...

Destas conclusões é possível afirmar: refletir sobre o que é o educador, e como ele

deve ser. Em oposição ao que é, e como é, o professor; serve de instrumento para suscitar uma

reflexão mais profunda sobre as reais condições de formação do profissional da educação...


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Graal: Rio de Janeiro.1989.


CAMPOS. Maria Tereza Rangel Arruda. Materiais didáticos e formação do professor.
Programa 3. Série Ensino Médio. In: http://www.tvebrasil.com.br/salto/

ECO, Umberto. Como se faz uma Tese. 14º edição, São Paulo, perspectiva, 1998.

FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Básico da Língua Portuguesa. Nova


Fronteira. Rio de Janeiro. 1988

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática. 3ª. edição . 1997.

FRIGOTO, Gaudêncio. A educação como campo social da disputa hegemônica, São Paulo:
Cortez, 1995.

GENTILI, Pablo. “Neoliberalismo e educação: manual do usuário” In Escola S.A, (org.)


DA SILVA, Thomas Tadeu & GENTILI, Pablo. CNTE: Brasília, 1996.

HUBERMAN. A. M. Como se realizam as mudanças em educação – subsídios para o estudo


da inovação. São Paulo: Cultrix, 1973.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.346, de 20 de dezembro de 1996.

MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos uma tentativa de


interdisciplinaridade. Petrópolis: Vozes. 3ª. edição. 1988.

MENEZES, Luís Carlos. Formar professores: tarefa da Universidade. In: Catani, Bárbara
Denice eti alli. Universidade, Escola e Formação de Professores. São Paulo; Brasiliense,
1987.

MEC. Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em


cursos de nível superior. Brasília, maio de 2000.

MEC. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais do


Ensino Médio.1999.
MEC. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Unidade de Coordenação de Programas.
Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio. Projeto escola Jovem. Março.
2000.

NOVOA, Antônio, (coord.) Os professores e sua formação. Lisboa, Portugal: Publicações


Dom Quixote: 1997.

ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento. Campinas: Pontes. 1996.

PELIANO, José Carlos. Acumulação de trabalho e mobilidade do capital. Brasília:

Editora Universidade de Brasília. 1990.

PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

REVISTA: Chamada à Ação: Ministério da Educação e do Desporto. 1998.

ROSA, Sanny. S. Construtivismo e Mudança. E. ed. São Paulo: Cortez, 1995. (Coleção
Questões da nossa época; v. 29).

Você também pode gostar