2. Conceito:
Como se pode entrever do já exposto, ressoa difícil conter em uma frase concisa
a amplitude da responsabilidade civil. Opta-se, contudo, pelo conceito adotado por
Francisco Amaral, dada a clareza, profundidade e objetividade da explanação:
“Responsabilidade civil é obrigação de reparar o dano causado a outrem (Planiol, Ripert
& Esmein, Traité pratique de droit civil français. Paris. LGDJ, 1952, v. 6. 475).
Apresenta-se como relação obrigacional cujo objeto é a prestação de ressarcimento
(Orlando Gomes, Obrigações, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1976, n. 181). Decorre de
fato ilícito, praticado pelo agente responsável (fato próprio), ou por pessoa por quem ele
responde (fato de terceiro), ou por alguma coisa a ele pertencente (fato da coisa), ou de
simples imposição legal (responsabilidade objetiva)” (AMARAL, Francisco.
Enciclopedia. França-São Paulo: Saraiva. Ed. Saraiva. 1977, 347).
Válido também sublinhar que para Caio Mário da Silva Pereira “a responsabilidade civil
consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito
passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o
binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina
a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano”. Portanto, “não importa se
o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde
houver a subordinação de um sujeito passivo `a determinação de um dever de
ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil” Caio Mário da Silva Pereira, In
Responsabilidade Civil, 10ª Edição, atualizador: Gustavo Tepedino, Editora G Z, Rio de
Janeiro, 2012, pág. 15).
É dizer, o conceito não assume nenhum compromisso com as duas correntes
(responsabilidade civil subjetiva e objetiva), as quais inclusive não são excludentes, pois
a rigor, se complementam, devendo conviver harmonicamente, já que visam o mesmo
objetivo: a reparação do dano.
José de Aguiar Dias revela que a responsabilidade civil é a “situação de quem, tendo
violado uma norma qualquer, se vê exposto às consequências desagradáveis decorrentes
dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de vela pela
observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar
previstas” (Da Responsabilidade Civil. 10ª ed, 2ª tir, rev. e aument. Rio de Janeiro:
Forense, 1995, v. I, p.3.).
Após essas considerações, por fim, pode-se concluir , como Alvaro Villaça que a
“responsabilidade civil é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial,
decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por
lei, ou, ainda, decorrente do risco para os direitos de outrem” (Responsabilidade Civil,
Revista Jurídica, ano 55, março de 2007, n. 353, pág. 14)
6. Conclusão:
As relações jurídicas são relações de adaptação (Pontes de Miranda), e portanto,
relativas. Tal relatividade é a projeção da relação jurídica fundamental que é a de
respeito recíproco entre as pessoas (base sobre a qual são elaboradas as noções do
contrato e de todos os direitos subjetivos), como bem explicou Hegel: “sê uma pessoa e
respeita os outros como pessoas” (COSTA, Judith Martins. Os Fundamentos da
Responsabilidade Civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. Ano 15 –
Outubro 1991. V. 93. p. 48).
– A vida real (social) repercute na vida jurídica, pois “a atribuição de um direito leva
consigo a condicionalidade de não ofender os direitos dos outros” (alterum non laedere
e neminem laedere social.
– Assim, o retorno ao equilíbrio social (epicikia) com base em um pacto social pode ser
identificado nos chamados deveres secundários ou acessórios em matéria contratual
(boa-fé, dever de informação e dever de colaboração).
– A imputabilidade (se culpa ou fatos fortuitos) tem papel importante na
responsabilidade aquiliana – mas é o próprio equilíbrio que vai fundamentar no campo
contratual o direito à resolução (necessidade de respeito recíproco, estabelecida pessoa a
pessoa, satisfazendo anseios de cooperação da vida social – base comum às
responsabilidades).
Aguiar Dias, ao desenvolver o tema ressalta:
“O que o tempo, o progresso, o aparecimento de novas e febris atividades industriais
determinam é o ajustamento daquela regra às necessidades atuais. Nem sempre, porém,
pode o legislador fazê-lo, porque as leis devem ter caráter, tanto quanto possível,
estável. Basta que, em termo razoável, recomponham as normas de acordo com as
exigências de prática. Aos tribunais é que compete extrair dos preceitos fundamentais o
pronunciamento que seja, na ocasião, o mais apto a realizar o fim do direito. O
sentimento de justiça, nos que o têm, não é, por certo, mais refinado hoje do que
anteriormente. Sucede, porém, que ele é agora, muito mais solicitado a manifestar-se e a
intervir, do que antigamente. É por isso que se tornou mais acentuadamente uma
concepção social, em lugar de noção caracterizadamente individual. Mas, ainda que se
não queira aceitar uma retração do egoísmo, em face da civilização atual, ao menos se
deve reconhecer que também ele tem contribuído para a extensão da responsabilidade
civil. A multiplicação dos infortúnios, derivada da vida moderna, induz, com efeito, o
mais egoísta a pensar que amanhã será o seu dia de experimentar a desgraça, razão
utilitária, decerto, mas nem por isso menos eficiente, para que aceite e sustente a
necessidade de reparação com mais frequência do que antigamente” (José Aguiar
Dias, in Da Responsabilidade Civil, 12ª Edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2011, pag. 11).
Assim, Gaston Morin advoga a inserção, na lei, não somente de conceitos renovados,
mas de normas suficientemente maleáveis para permitir ao Poder Judiciário larga
autonomia para agir, obedecendo a essa moldura, mas individualizando as disposições
legais, conforme a necessidade do momento (José Aguiar Dias, in Da Responsabilidade
Civil, 12ª Edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2011, pag. 11). Isto porque é
inviável exigir do legislador prever tão espantoso desenvolvimento técnico em face da
pujança da evolução da sociedade. Há que se ter uma readaptação das normas jurídicas
às situações modernas a fim de proporcionar verdadeira reparação do dano, requisito
fundamental da responsabilidade, tanto que a indenização, em princípio, mede-se pela
sua extensão (art. 944, caput, do CC).
Sob esse prisma, bem resume o professor Roberto de Abreu e Silva:
“As grandes teorias que fundamentam a responsabilidade civil no Direito pátrio e
comparado podem ser sintetizadas em duas: responsabilidade por culpa e sem culpa
(objetiva e risco). Observa-se que, na tradicional teoria subjetiva, não existe
responsabilidade civil sem fundamento na culpa, que traz em si o elemento moral e
jurídico justificante da sanção do responsável. Essa teoria, por si só, no entanto, não é
suficiente para fundamentar toda a responsabilidade civil, notadamente os campos de
atuações das teorias objetivas, do risco e nos danos injustos causados por fatos lícitos.
As teorias do risco e a objetiva, por sua vez, prescindem da pesquisa da culpa e se
satisfazem, tão somente, com a prova do fato danoso e do nexo de causalidade. Estas
teorias têm por escopo a proteção das vítimas inocentes de danos provenientes das
múltiplas e complexas relações sociais impulsionadas pelo progresso tecnológico e
científico na era moderna” (Grifos nossos. SILVA, Roberto de Abreu e. Pressupostos da
responsabilidade civil. Revista Forense, V. 377, Janeiro – Fevereiro 2005, 175 p.).
– Acima dos interesses individuais devem estar os interesses de ORDEM SOCIAL
(necessidade de socialização do direito), pois a a teoria do risco é nitidamente
democrática (a justiça social e a dignificação da pessoa humana).
Em verdade ambas as teorias se completam, uma não dispensando a outra, de acordo
com o pensamento de Miguel Reale, transcrito por Carlos Roberto Gonçalves, e
mencionado por Arnaldo Rizzardo:
Para tanto se indagaria: “Responsabilidade subjetiva, ou responsabilidade objetiva? Não
há que fazer essa alternativa. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se
conjugam e dinamizam. Deve ser reconhecida, penso eu, a responsabilidade subjetiva
como norma, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em princípio, por sua ação ou
omissão, culposa ou dolosa. Mas isto não exclui que, atendendo à estrutura dos
negócios, se leve em conta a reponsabilidade objetiva. Este é um ponto fundamental”
(RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Ed. 4ª. Rio de Janeiro: Ed. Forense,
2009, p. 32).
Indubitavelmente estamos diante de um processo cada vez mais rápido de objetivação
dos fundamentos da reparação civil no Brasil, o que se pode averiguar “não só nos
vários dispositivos do Código de 2002, e leis especiais, mas, principalmente, pela
adoção da cláusula geral que prevê o ressarcimento dos danos para todos os casos de
atividades que ponham em risco, por sua natureza, os direitos de outrem (parágrafo
único do art. 927)”( Teresa Ancona Lopez, Principais Linhas da Responsabilidade Civil
no Direito Brasileiro Contemporâneo, Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, v. 101, p. 111-152, jan/dez 2006, pag. 148).
Como, em síntese magistral, aponta Louis Josserand (L’évolution de la responsabilité,
in Évolutions et actualités, Paris, 1936, p. 49), “a responsabilidade moderna comporta
dois pólos, o pólo objetivo, onde reina o risco criado, o pólo subjetivo, onde triunfa a
culpa, e é em torno desses dois pólos que gira a vasta teoria da responsabilidade”
(VILLAÇA, Álvaro. Enciclopedia. França-São Paulo: Saraiva. Ed. Saraiva. 1977. 335).
E quando à vítima nada pode se censurar, por haver desempenhado seu papel passivo e
inerte em um acidente, sentimos até mesmo institintivamente (dores da alma) a
necessidade da devida reparação a fim de evitar um mal-estar moral e conformar nossa
consciência jurídica.
Isto porque, o direito não é indiferente ao destino da humanidade e às injustiças sociais,
preocupando-se com a necessidade de construção de uma sociedade mais igualitária, em
que os valores éticos sejam resgatados e efetivamente empregados nos dilemas
presentes, dentre os quais destaca-se a evolução da responsabilidade civil, objeto do
presente estudo. Afinal, o que se procura é escolher quem deve suportar o dano. A culpa
e o risco não são mais que critérios possíveis, mais ou menos frequentes. A distribuição
do ônus do prejuízo atende, primordialmente, ao interesse da paz social.
Portanto, apesar da ideia de culpa não poder ser totalmente abolida da problemática da
responsabilidade civil, ela é hoje insuficiente para abranger todo o plano da reparação,
dada a necessidade de se acompanhar a nova realidade social, a fim de se realizar os
valores da Justiça, com a vítima no centro da responsabilidade civil, e não mais o
ofensor, substituindo-se, definitivamente, a idéia de sanção pelo ilícito pela de reparação
do dano injusto (Teresa Ancona Lopez, Principais Linhas da Responsabilidade Civil no
Direito Brasileiro Contemporâneo, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, v. 101, p. 111-152, jan/dez 2006, pag. 119).
É como ponderou Alvaro Villaça: “tanto o instituto jurídico da culpa, como o do risco
devem coexistir para que se fortaleça a ideia de que a responsabilidade civil
extracontratual, com ou sem culpa, deve ser a cidadela de ataque a todos os prejuízos,
que se causam em sociedade” (Azevedo, Álvaro Villaça, Proposta de classificação de
responsabilidade objetiva: pura e impura…pag. 30 – apud Fernando Gaburri –
Responsabilidade Civil nas Atividades Perigosas Lícitas – Curitiba – Juruá Editora,
2011, Capítulo 3 – O Fenômeno da Objetivação da Responsabilidade Civil – pag. 53).
Assim, também “já afirmava Georges Ripert que ‘o direito progride à medida que as leis
impedem o dano ao próximo e garantem a cada um o que lhe é devido’(Evolução e
Progresso do Direito. Conferência na Universidade de Pádua. A Crise da Justiça. Trad.
Hiltomar Martins Oliveira)”(STOCCO, Rui. Capítulo I – Noções básicas sobre a
responsabilidade civil, In Tratado de Responsabilidade Civil Ed. Revista dos Tribunais,
7ª ed., p. 113).
Esta é a tendência do direito contemporâneo.