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Dalmo de Abreu Dallari

DA IDADE MÉDIA AO SÉCULO XXI

2^ edição
2013

Editora
Saraiva
Editora
1978-S5-02-19114-3
Saraiva

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Dallari, Dalmo de Abreu
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A Consliluíção na vida dos povos: da Idade
De2i'a6>,iliB8:30Bl9:30 Média ao Século XXI7 Dalmo de Abreu Dallari. —
2. ed. ~ São Paulo:Saraiva, 2013.
Acesse: mv.áli>nis(inri>oxoin.lir/ilich
I. Constituições - História 2. Direito - História I.
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kUepenlteO-SelgtAea^ Sewmàprm 1. A Constituição em diferentes sentidos; sociológico, político e
te(62)3225-2882/32142806
FE(62)3224116-6iinii
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A Constituição em sentido sociológico ij
HllUSOBUlS
lliailtolM],449-lqiiÉi A Constituição em sentido político 22
te(31}3429«-Fi]c(31134298310-BAMte Capa ikiMItmpm/Cmiéeláeias
mi/mi Píâiwsrêca AWtop/ra A Constituição em sentido jurídico 28
tamitoqés,Í86-BiiliOoGiips
te:(91)32224034/32249038
F(«:(91)324H1499-B(l9« ícéamentaÈsâãÊca 2. Etapas históricas do constitucionalismo 45
iMiS/siuincnn
l!uo(jiiisdte[iiijM,2895-Mydo Constitucionalismo medieval: legitimação do direito e fundamento de
te/ta(41)33324894-Oiilta (
FSI)UWO(»/r)llUlBA/lLG.I101iOI!18/AUGOAS privilégios
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HiaiíOlKIOlSÃOMljlOl : :
Constitucionalismo e absolutismo: histórias paralelas 64
àFinto)in|m,1255-Ce*)
te:(16)36105843-101:(|6)36108284-lieiãl5eli Versão inglesa do absolutismo
810DEJI»e>0/E5rf!II05A)ni) Data de fechamento da edição: 19-4-2013
toyÉi)n)ei45iiilolsdiitll3all9-ViilsoU Versão francesa do absolutismo gg
te(2l)2577-9494-Foi:(21)25778867/2577-«5
ISideliim Dúvidas?
Acesse viiww.edítorasaraiva.com.br/díreíto
Constitucionalismo liberal-burguês: do humanismo ao mero
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te/ta(51)337)-()lfll /3371-1467/3371-1567 formalismo
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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS


Estados Unidos da América;o constitijcionalismo republicano

e a república só é mencionada no artigo IV, que trata das relações dos Estados Muitas décadas depois de posta em vigor a Constituição, ainda havia resistên
entre si e com a União, dispondo a Seção IV que "os Estados Unidos garanti cias ao federalismo dentro dos Esrados Unidos, mas afinal, depois da chamada
rão a cada Estado da União uma forma republicana de governo". Mas o meca guerra da secessão ,confronto armado dos Estados do sul contra os do norte
nismo de governo adotado não deixa dúvida de que houve opção por um sis que durou de I86I a 1865, desapareceram as resistências e ficaram bem defi
tema republicano, havendo aí grande aproximação entre as idéias de república nidas as características básicas do federalismo.
e de democracia representativa. Desde o início da divulgação dessa Constitui
Em sentido mais amplo,federação, palavra que vem do latim "foedus", sig
ção deu-se a ela o significado de opção política ílmdamental, republicana,
nifica aliança. É com tal sentido que ela aparece com mais freqüência em sua
contra a monarquia, passando a Consrituição estadunidense a ser modelo e
I

origem latina. Em termos de uniões políricas, são muiros os casos de alianças
inspiração para Estados que rejeitavam a monarquia e a aristocracia e busca
de povos e de governantes celebrados em diferentes épocas e lugares, desde a
vam fundamento em princípios democráticos. Como se verá mais adiante, o fí-
antigüidade. Mas tais alianças tinham alcance limitado quanto aos objetivos e
conjunto das circunstâncias, sobretudo as limitações à participação nas deci
à interferência nos poderes e interesses de cada participante. Do ponto de vista
sões políticas e ao acesso a cargos públicos, bem como ao exercício de funções
formal, havia o pressuposro de que cada celebrante da aliança mantinha sua
públicas, mostra que o sistema político e social implantado com a Constitui
independência para todos os assuntos, embora na prática não fosse raro que o
ção dos Estados Unidos da América estava longe das modernas concepções de
aliado mais poderoso acabasse exercendo maior influência nas ações do conjun
democracia, mas,sem dúvida,teve e tem ainda hoje grande importância como
to dos integrantes da aliança. Em épocas mais recentes, a palavra "aliança",
inspirador de movimentos que, por meio da forma republicana, buscam obje
aplicada a associação de Estados, acabou tendo uma espécie de bifurcação. Em
tivos democráticos.
muitos casos, ela continuou e continua significando uma associação para fins
limirados, preservando-se a independência dos celebrantes. A par disso, entre
Federausmo
tanto, aliança acabou tendo o sentido de federação, uma forma especial de
A criação da Constitui^ dos Estados Unidos da América,em 1787, signi aliança, que resultou no federalismo e hoje tem, para os teóricos em geral, um
ficou a instituição de uma nova forma de organização política, o Estado Fede sentido básico, embora apresentando diversas variantes, havendo ainda algu
ral, produto de propostas de caráter político, pouco precisas, e cujas caracterís mas formas de associação que suscitam duvidas quanto a configurarem ou não
ticas essenciais foram sendo definidas paulatinamente, a partir da experiência. uma federação.

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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS
Estados Unidos da América: o constitucionalismo republicano

Muitos autores consideram que o antecedenre mais remoto de uma aliança


P Unidos da América foi a continuação das Cartas Régias coloniais, pelas quais a
ampla e duradoura de unidades políticas originariamente independentes foi a
% Inglaterra implantou os governos das colônias, concedendo-lhes autonomia,
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criação, em 1291, da Confederação Helvética, na região europeia dos Alpes,
mas com a exigência de fidelidade à Coroa britânica'".
quando três cantões celebraram um pacto de aliança e amizade com o compro 0 fato é que, por vários motivos, como, por exemplo, as circunstâncias de
misso de apoiarem-se reciprocamente. Os integrantes da Confederação manti
I ordem prática e os objetivos e intetesses de lideranças das colônias,foram sen
veram integralmente sua independência, e não se criou um governo central. do introduzidas muitas inovações. E assim, sob influência dos bons resultados
•t
Essa aliança foi duradoura e se ampliou gradativamente, com a adesão de ou obtidos pela Confederação da Nova Inglaterra, reuniu-se pela primeira vez,em
i-M-
tros cantões. Mas os termos da aliança foram sendo alterados até que em 1848, 1754, um Congresso intercolonial. Nessa oportunidade, Benjamin Franklin,
sob a influência de fatores internos e internacionais, ocorreu sua transformação deputado da Pensilvânia, que anos depois exerceria enorme influência na vida
em Estado Federal. Nesse ano foi adotada uma Constituição federativa para a política dos Estados Unidos, apresentou proposta no sentido da união perma
Suíça,com um governo central sediado em Berna. Na Constituição foi manti nente das colônias, o que foi então rejeitado. A apresentação dessa proposta é
da a denominação "Confederação Suíça", e isso foi mantido nas novas Consti- sinal de que a idéia de criação de uma unidade política reunindo todas as colô
tmções, de 1874 e 1999, mas os termos da aliança configuram um Estado nias então existentes já se tinha colocado, o que, necessariamente, suscitava
Federal.
também a idéia de uma conjugação e convivência de poderes políticos, que
Como já foi exposto anteriormente, em linhas gerais, e agora se passa a exa evoluiria para o federalismo. Essas idéias foram sendo divulgadas e amadureci
minar com mais pormenores,o antecedente mais próximo da união federativa das,conquistando adeptos. O Congresso reuniu-se outras vezes, influindo para
foi a criação, em 1643, da Confederação da Nova Inglaterra. Naquele ano, maior aproximação entre as colonias e contribuindo significativamente pata
quatro colônias inglesas da América celebraram uma aliança, tanto para atua que em 1776 as tteze colônias assinassem a Declaração de Independência,
rem juntas nas guerras contra os indígenas quanto pata tesistir às ameaças de livrando-se da tutela da Inglatetra e transformando-se em Estados.
absorção pela Holanda, que já ocupava alguns territórios na América. Parale Tendo em conta a nova tealidade e considerando a necessidade de se estabe
lamente a ISSO, as colônias, praticamente obrigadas a procurar, com seus pró lecerem novas regras de convivência, os Estados, ex-colônias, voltaram a se
prios meios,a solução para os seus respectivos problemas,foram criando meca reunir, identificando-se a reunião como "Os Estados Unidos da América
nismos de decisão e ação política. ParaJames Bryce,a Constituição dos Estados
10 ]3raesiryct.TheAmericanCmsmutm. NewYork: I93I,p.297.

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A
A constituição na vida dos povos
Estados Unidos da América: o constitucionalismo repubucano

Reunidos em Congresso". Um passo muito importante foi dado no dia 15 de muito expressivo foi a fixação de regras segundo as quais as relações internacio
novembro de 1777,quando o Congresso aprovou um documento que formali nais dos membros da Confederação, tanto para objetivos pacíficos quanto as
zava uma aliança permanente de todos e que foi denominado artigos de Confe referentes a assuntos de natureza bélica, só poderiam ser estabelecidas com o
deração. Esse documento,que teve sua ratificação final em 1781,quando atin consentimento dos Estados Unidos e respeitados os tratados firmados pelo
giu o número mínimo de Estados exigido, tinha a natureza de um tratado, e, Congresso.
apesar das limitações quanto à possibilidade de garantir sua efetiva aplicação, Finalmente, chegando muito perto da criação de um governo central, foi
■r
era mais do que uma obrigação moral, tendo o caráter de compromisso jurídi disposto que, a fim de que os interesses gerais dos Estados Unidos fossem diri
co assumido pelos Estados. O exame do conteúdo do tratado deixa evidente a gidos e conduzidos de modo mais conveniente, haveria um Congresso perma
intenção de ir muito além de uma aliança limitada quanto aos objetivos e à nente, reunindo delegados dos Estados, eleitos anualmente em cada Estado,
•4.
duração, ficando também óbvias a criação de uma autoridade central com atri fixando-se por um critério de proporcionalidade, tomando por base o número
buições e encargos relevantes e a preocupação com a estabilidade das regras. O '( de eleitores de cada Estado, o número de representantes, sendo limitado ao
preâmbulo dos Artigos de Confederação já proclama, expressamente, a inten mínimo de dois e ao máximo de sete o número de delegados por Estado. Essas
ção de que a União seja "perpétua", o que é ainda confirmado pelo artigo 13, características, influenciadas pelas circunstancias políticas e geográficas, bem
segundo o qual "a União será perpétua e as alterações nos Artigos só poderão como pela extrema diversidade das atividades econômicas, já evidenciam que
ser feitas pelo Congresso,devendo ser confirmadas em seguida pela legislatura se estava caminhando para uma nova especie de organização político-jurídica,
de cada Estado".
sem precedentes na história e bem diferente das alianças celebradas na Europa
desde o final da Idade Média.
A par disso, o artigo 2° estabelece que "cada Estado conserva sua soberania,
A aplicação dos Artigos de Confederação consolidou a aliança dos Estados,
sua liberdade e sua independência, como também os poderes, jurisdições e
mas ao mesmo tempo foi revelando a existência de falhas e imprecisões e de
direitos que não forem expressamente delegados aos Estados Unidos". Ao mes
monstrando a necessidade de um poder central com maior autoridade, para
mo tempo,entretanto,ficou assegurada a plena liberdade de circulação de pes
impedir desvios, solucionar conflitos entre os Estados e também exigir que
soas e de comércio entre os Estados, tendo os Estados Unidos reunidos em
todos cumprissem as obrigações estabelecidas no tratado. Assim, por exemplo,
Congresso o direito e o poder de fixar,com exclusividade, os títulos e os valores
, "
vários Estados não pagavam a contribuição devida para formação do fundo
da moeda posta em circulação sob sua autoridade ou dos Estados. Outro ponto destinado a defesa comum. E havia serias divergências quanto à navegação no
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Estados Unidos da América:o constitucionausmo republicano

Rio Mississipi e à utilização e exploração de suas riquezas, havendo, também, Constituição, o que teria afastado alguns Estados, como também não foi refe
conflitos quanto às fronteiras de alguns Estados. As relações comerciais entre rida a criação de um novo Estado, que resultasse da fusão dos então existentes,
os Estados não eram totalmente pacíficas, pois vários competiam entre si e es pois eram freqüentes as manifestações defendendo a preservação da indepen
tabeleciam dificuldades ou barreiras para que produtos de outros Estados atra dência e da soberania dos Estados. Conforme o noticiário dos jornais da época,
vessassem suas fronteiras.
previa-se que aquela reunião teria maior alcance do que as anteriores, tanto
Tudo isso a par de profundas diferenças relacionadas com a formação e a assim que alguns falavam na Grande Convenção de Filadélfia. Mas, como ob
mentalidade, alguns priorizando de modo absoluto os objetivos econômicos, serva Bowen,alguns jornais noticiavam a realização de uma "Foederal Conven-
mas com sérias divergências entre os "plantadores" do sul e os "fazendeiros" da
tion , aparecendo sempre esta expressão com a forma latina,foederal, porque
Nova Inglaterra, assim como entre os ruralistas e os comerciantes. Em alguns ainda estava longe do uso corrente qualquer referência a "federal" e "federalis
Estados tinha grande peso o fator religioso, chegando-se a exigir qualificação 1:
mo . Assinale-se, ao lado disso, que, embora não houvesse uma explicação
religiosa para ocupar um cargo público, havendo discriminação contra católi
pormenorizada do que pudesse significar a substituição da Confederação por
cos, judeus e ateus declarados. Embora desde cedo tenha começado a ganhar uma Federação, havia já quem sustentasse essa hipótese. Foi o caso de Benja-
força o princípio da separação entre Igreja e Estado, nos primeiros tempos ha min Franklin, que em vários escritos menciona uma União Federal como a
via predominância,com efeitos práticos, de anglicanos na Virgínia, de purita
melhor solução para superar as divergências entre os Estados e instituir um
nos em Massachusetts e de ^uãksrs na Pensilvania. Por todos esses motivos,
governo cjue superasse as resistências em nome da soberania e pudesse agir
muitos dos líderes de diversos Estados estavam convencidos da necessidade de
com eficácia.
rever em profundidade os Artigos de Confederação, para fixar novas regras de Durante a discussão, às vezes muito acesas, das propostas apresentadas, foi
convivência entre os Estados, no beneficio de todos. Eoi com essa convicção
bastante enfatizada, sob vários aspectos, a questão do federalismo, ou para
que se convocou a reunião de Filadélfia.
considerar, diretamente, os problemas da Confederação e de seu aperfeiçoa
No mês de fevereiro de 1787 o Congresso reuniu-se em Nova York, e nessa
mento ou, mais do que isso, a criação de uma nova forma de aliança, ou então
oportunidade decidiu convocar uma convenção, a ser realizada em Filadélfia a
para discutir a formação de um governo com maior autoridade e mais eficaz,
partir de maio,"com o propósito único e expresso de rever os Artigos de Con
surgindo a disputa entre a instituição de um governo nacional ou, em lugar
federação", nos termos da convocação enviada aos Estados. Não se falou em
disso, um governo federal. Alguns, tanto dos Estados em que se concentravam
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-V
i ••

A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS Estados Unidos da América:o consutucionalismo republicano

grandes proprietários de terras como também dos que tinham uma atividade o que se conseguiu,com grande habilidade,foi manter a denominação,con
comercial muito intensa, temiam não só a perda da independência e da sobe tinuando a chamá-los de Estados sem que isso correspondesse à nova realidade.
rania, mas também a formação de um governo centrai excessivamente forte, Na Constituição não aparecem as expressões "Estado Federal" ou "Federação",
que acabasse restringindo sua liberdade econômica. Houve delegados que fala havendo sempre menção aos Estados Unidos, que são referidos, invariavelmen
ram admitindo a conveniência de uma federação, mas com a preservação da te, com esta última designação. As unidades federadas integrantes da aliança
soberania dos Estados,enquanto alguns rejeitavam peremptoriamente a fede federativa são referidas como Estados, e em relação a estes ficou estabelecido,
ração, por considerarem que ela significaria, inevitavelmente, a eliminação da no artigo IV,Seção 4,que os Estados Unidos deverão garanrir a cada Esrado da
soberania dos Estados.
União uma forma republicana de governo. Ficou também disposto, por este
A conclusão, depois de amplos e acalorados debates, foi a adoção da aliança
ultimo artigo. Seção 2,que os cidadãos de cada Estado terão direito a todos os
federativa,com a institui^ de uma unidade política soberana, o Estado Fede
privilégios e imunidades dos cidadãos dos diversos Estados. Esta última dispo
ral. Graças à clarividência e à grande habilidade política de lideranças esclare
sição foi alterada pela Emenda Constitucional n. XIV,incorporada à Constitui
cidas, foram contornados os problemas relativos à soberania dos Estados,
ção em 28 de julho de 1868, e segundo ela todas as pessoas nascidas ou natu
estabelecendo-se dois níveis de poder político. Indo muito além de uma des
ralizadas nos Estados Unidos, e submissas à sua jurisdição, são cidadãs dos
centralização administrativa, o que se consagrou foi uma descentralização po
Estados Unidos e do Estado em que residem. No tocante às atribuições, houve
lítica, preservando-se a independência dos Estados quanto a determinados as
um acréscimo esclarecedor, por meio do artigo X da Primeira Emenda,ficando
suntos, que são as competências próprias e exclusivas das unidades federadas e
estabelecido que "os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constitui
a formação de seus próprios governos, escolhidos pelo povo de cada unidade e
ção, nem retirados dos Estados por ela, são reservados aos Estados respectiva
não subordinados ao governo central. Na realidade, os Estados componentes
mente, ou ao povo"".
dos Estados Unidos da América deixaram de ser soberanos, o que tem como
conseqüência que, pata os que consideram a soberania um atributo essencial e
Com isso foram superadas muitas resistências e a Constituição foi, afinal, apro
inseparável do Estado,eles deixaram de ser Estados. Essa era, aliás,a concepção
vada pela Convenção de Filadélfia, sendo depois confirmada pelos Legislativos
corrente nas colônias inglesas da América, tanto assim que imediatamente
dos Estados. O resultado da aprovação da Constituição foi o nascimento de um
após a proclamação da independência elas passaram a identificar-se como Esta
Estado Federal soberano, composto por unidades políticas autônomas, dotadas
dos soberanos e independentes. 11 Os artigos I a X da Primeira Emenda foram incorporados à Constituição em 15 de dezembro de 1791.

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Estados Unidos da América:o constitucionalismo republicano

de competências próprias e exclusivas. Cada unidade escolhe seu próprio gover em outras a designação é unidade federada ou então Estado-membro. Com
no,sem qualquer ingerência do governo central, e os governos estaduais desem essas e outras variações, o que se tem nesses casos é a aplicação do modelo fede
penham as atribuições que a Constituição reservou às unidades federadas ou não rativo de Constituição criado na Convenção de Filadélfia.
lhes interditou. Por essa inovação fundamental, que significou a criação de uma
nova forma de Estado, o Estado Federal, resultante da aliança permanente de
Separação dos Poderes tripartida
Estados que substituiu a Confederação até então existente, pode-se afirmar que o
Desde a antigüidade grega, com Aristóteles, foi assinalado o inconveniente
federalismo é uma das características básicas do modelo constitucional estaduni
dense. Esse modelo, estabelecido em suas linhas fundamentais pela Convenção
da concentração dos poderes nas mãos de uma só pessoa, por ser injusta e peri
gosa mas também pela impossibilidade de que uma só pessoa possa conhecer
de Filadélfia de 1787,foi e continua sendo inspirador de novas Constituições ou
de mudanças constitucionais, que em muitos casos se definem, expressamente,
todas as necessidades dos governados e dar atendimento a elas'l Mais tarde, no
como federais ou federativas e que nem sempre designam como Estados as uni
século XIV, o tema foi retomado por Marsílio de Pádua na obra De/mor Pacis,
dades pohticas integrantes da aliança que produz a União Federal.
aparecendo também com grande relevo no Príncipe, de Maquiavel, publicado
em 1513. Depois desses antecedentes teóricos, e já mais próximo dos criadores
No caso dos Estados Unidos da América a manutenção do nome "Estados"
foi evidente artifício político, pois vários dos Estados participantes da Conven
da Constituição dos Estados Unidos da América, o mesmo tema foi objeto de
ção tinham forte resistência a mudanças que pudessem implicar a perda de sua minuciosas considerações na obra de um notável teórico inglês, John Locke,
independência e soberania e por esse motivo queriam continuar sendo Estados.
que em seu Segundo tratado sobre o governo, de 1690, afirma a existência de qua
E assim eles são referidtB em vários artigos da Constituição. Mas o conjunto de tro Poderes diferentes no Estado, que são o Executivo, exercido pelo rei com as
normas relativas à organização da nova forma de aliança, aos tipos de governos limitações estabelecidas pelo Parlamento e pelas normas costumeiras tradicio
que ela consagrou e à distribuição das competências não admite dúvidas de que nais; o Legislativo, exercido pelo Parlamento; a Prerrogativa, também exercida
eles deixaram de ser verdadeiros Estados. Nas Constituições que se inspiraram pelo rei e consistente no poder de fazer o bem público sem se subordinar a re
■! -I gras, e o Poder Federativo, que consiste no poder de decisão sobre a guerra e a
na dos Estados Unidos tfo América as denominações das unidades integrantes
da união federatira variam, encontrando-se em algumas Constituições a paz, também confiado ao rei.
ítéw m
expressão "Estado Federado", para diferenciá-lo do Estado Federal, enquanto 12 Aristóteles trata desse tema na Potítica, Livro III, &p. XI.

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Estados Unidos da América:o constitucionalismo republicano

Esses antecedentes podem ter tido algum peso, mas foi, sem dúvida, Mon- dos trabalhos da Convenção por Edmund Randolph,governador daquele Esta
tesquieu o autor que exerceu maior influência sobre os criadores da Constitui
do e um de seus delegados. Um ponto muito interessante que deve ser ressal
ção dos Estados Unidos da América, para que adotassem a separação dos Pode-
tado, e que ajuda a compreender o contexto da Convenção, é que alguns anos
res como requisito essencial do bom governo. É importante observar que,além
depois Madison revelou que o Plano,embora apresentado por um delegado da
da influência do notável filósofo-político, esteve presente a criatividade de lí
Virgínia, tinha sido discutido e elaborado por sete políticos, de diferentes Es
deres republicanos e federalistas da América, que, além de proporem um tipo
de governo que, por sua configuração, impedisse a concentração dos poderes
tados, todos eles designados posteriormente como delegados de seus respecti
vos Estados à Convenção de Filadélfia. Segundo o Plano, deveria ser instituído
políticos nas mãos de uma única pessoa ou num só órgão, ressaltaram a impor
tância de um Judiciário também independente, o que levou a uma separação um governo nacional, com um Executivo nacional, um Legislativo nacional e
de Poderes tripartida. também um Judiciário nacional. Com relação ao Legislativo, todos estavam de
Um dos problemas mais difíceis e mais graves da Convenção de Filadélfia foi acordo quanto a necessidade de um órgão nacional independente,com atribui
a questão do governo do conjunto resultante da nova aliança de Estados. Era ções legislativas e composto por eleições de representantes. Entretanto, os de
ponto pacífico a necessidade de um governo com mais autoridade do que a do legados do Sul - onde havia grandes plantações exploradas por meio do traba
Presidente do Congresso, instituído pelos Artigos de Confederação, e vários lho escravo e onde os escravos, tratados como coisas, eram parte substancial do
delegados assinalaram que a falta de um governo efetivo era uma das razões da patrimônio - perceberam que, pela representação proporcional, o Norte, ma-
fragilidade da Confederação. Vários delegados reconheceram a necessidade de jotitariamente abolicionista, teria maior representação no Legislativo e conse
um "governo vigoroso" para todo o conjunto, observando que os governantes guiria aprovar uma lei abolindo a escravatura. Por isso, impuseram,como con
dos Estados,denominados governadores ou presidentes, agiam com mais eficá dição para continuarem juntos,que fosse criada uma Câmara Revisora,em que
cia. Mas como deveria ser composto esse governo central? Seria o governo de todos os Estados tivessem igual número de representantes e cuja aprovação
um homem só ou de um órgão colegiado? A concentração de poder num órgão seria necessária para que uma decisão da Câmara de Representantes tivesse
central não poderia ser um risco para a liberdade e a soberania dos Estados, que força de lei. E assim foi criado o Legislativo bicameral,podendo-se afirmar que
muitos consideravam indispensável preservar? ii o Senado foi criado para impedir a abolição da escravatura, o que foi possível
A questão do govemo eta objeto de um dos quinze "Resolves", componentes
durante oitenta anos. Quanto ao Executivo, houve também acesas discussões,
do Plano da Virgínia, extremamente abrangente, aptesentado logo no início mm como se verá em seguida. E o Judiciário foi menos temido, porque era conce-
■ 'í X
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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS
Estados Unidos da América: o constitucionalismo REPUBLICANO

bido como um fiscal do respeito à legislação, fraco por natureza por não ter "o forte porque isso dava mais segurança aos negócios e convinha mais às compa
cofre nem as armas", mas sobre ele também houve algumas divergências,como
nhias que negociavam terras. Na defesa de Wilson e da proposta do Executivo
se verá mais adiante.
■f..
forte, Roger Sherman, delegado de Connecticut, explicou que a Magistratura
Nos registros dos debates, assim como em artigos da época e na correspon
Execuriva seria nada mais do que uma instituição encarregada de pôr em prá
dência de alguns delegados,fala-se na necessidade de um vigoroso Executivo,
tica a vontade do Legislativo. Acrescentou que a pessoa incumbida do Execu
referido como Chefe Executivo ou Executivo Nacional. Mas,ao mesmo tempo,
tivo seria escolhida pelo Legislativo e responsável perante este, que é o reposi
fica evidente o temor de atribuir excesso de poder a um homem só, o que, para
tório da vontade suprema da sociedade. A proposta do Executivo nacional
alguns, poderia ser o embrião de uma nova monarquia. A idéia de um governo
unipessoal, que só no final da Convenção se definiria como Presidente da Re
feàralfoi facilmente acolhida, mas houve enorme resistência à proposta de que
se criasse um governo nacional e supremo, entregando o Executivo a uma única
pública, acabou vencedora, estando nesse debate a raiz do sistema de colégio
pessoa. Argumentou-se,em defesa da proposta, que em vários Estados o gover
eleitoral para escolha do Presidente, consagrado no texto da Constituição dos
no era exercido por um Executivo unipessoal, mas a isso respondeu-se que nos
Estados Unidos aprovado em 1787 e persistente ainda hoje, apesar de muito
V-
Estados os legislativos eram supremos e vistos como a voz do povo,com a pos
questionado, por teóricos esradunidenses, o caráter democrático dessa forma
de escolha'^
sibilidade prática de exercer o controle diário dos atos dos governantes. Foi
Um dado importante e bastante significativo é que, a partir do modelo esta
especialmente importante nessa discussão a participação de James Wilson, de
legado da Pensilvânia que, nascido na Escócia, tinha sido um dos signatários
dunidense de Constituição e por sua influência, foi adotado em grande número
da Declaração de Independência das colônias americanas. Tendo estudado Di
de Estados o sistema de República Presidencial, geralmente apontado como
padrao de sistema democrático de governo, que, segundo muitos estudiosos
reito na SaintAndrews University, em Edimburgo, Wilson analisou as conveni
ências e os riscos do Executivo forte, considerando a organização e o desempe
das questões políticas, deverá substituir gradativamente as monarquias ainda
remanescentes. Entretanto, a não ser nos Estados Unidos da América, em ne
nho do governo, concluindo que energia, operatividade e responsabilidade
eram as características necessárias do bom Executivo e que o vigor e a operati
nhuma outra Constituição foi adotado o sistema de colégio eleitoral para esco
lher o Presidente da República. Por tal sistema, os eleitores votam num
vidade seriam melhores num Executivo unipessoal.
Adversários de Wilson e dessa proposta acusaram-no de ter estreita ligação
com grandes especuladores de terras e de estar defendendo o governo central J 13 Sobre essa cüsa>ssão,veja-seaobm de CkherineDrinkerBowen. Aí, Boston-^
BrownandCo., 1986,p. 54es.

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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS
Estados Unidos da América:o coNSTiruaoNALisMo REPÜBUCANO

candidato à presidência, mas quem realmente escolhe o Presidente é um colé propostas de reforma na Câmara de Representantes, sem nenhum sucesso".
gio eleitoral formado por eleitores indicados pelos Estados da federação, cada Em síntese, a República Presidencial, com a Chefia do Poder Executivo exer
Estado tendo direito a um número de eleitores igual à soma do número de seus cida por uma só pessoa, escolhida por meio de eleição e independente em rela
Senadores e de seus representantes na Câmara dos Deputados. Na grande maio ção aos demais Poderes,é uma das características fundamentais do modelo es
ria dos Estados quem indica os membros do colégio estadual é o Legislativo do tadunidense de Constituição, acolhida em grande parte do mundo por ser
Estado, o que, na prática, tem levado à escolha de eleitores fiéis aos partidos, identificada como forma democrática de governo. Note-se, entretanto, que,
sem nenhuma consideração por seus méritos ou qualquer outra característica por ironia, somente nos Estados Unidos da América é adotado um processo de
pessoal. Esse ponto é analisado com bastante minúcia por Robert Dahl, que escolha que, por si mesmo, compromete o caráter democrático da chefia do
toma como ponto de partida o fato de que nas eleições do ano 2000 acabou Executivo, permitindo que seja declarado eleito um candidato que não foi o
sendo declarado vencedor George Bush,que havia recebido menos votos popu mais votado pelo povo.
lares do que o seu opositor. Segundo Dahl, isso não ocorria pela primeira vez, Alem da questão do governo federal ou nacional,outro aspecto particular das
pois em dezoito eleições anteriores o mesmo havia acontecido.
discussões sobre o governo foi a questão da separação tripartida dos Poderes,
A forma de escolha do Chefe do Executivo foi um dos pontos mais debatidos
havendo muitas dúvidas sobre a conveniência da criação de um Judiciário fe
na convenção de Filadélfia. Era óbvio o consenso quanto à rejeição da monar
deral,que coexistiria com o dos Estados, bem como sobre o papel do Judiciário
quia, mas havia grupíK de convencionais que temiam um Executivo excessiva
im no sistema de governo nacional. Depois de intensos debates,ficou evidente que
mente forte ou, então, por demais submisso ao povo se a escolha fosse por
a maioria era favorável à proposta do Executivo nacional vigoroso, mas o tema
eleição popular direta. Aventou-se a hipótese de eleição pelo Congresso ou pelo
continuou em discussão, pois alguns consideravam contraditório propor a ins
Senado, mas também essas propostas encontraram fortes opositores, pelo argu
tituição de um Executivo vigoroso e, ao mesmo tempo, acolher a separação de
mento básico de que o Chefe do Executivo não teria independência. A conclu
são de Robert Dahl é que acabou vencendo a proposta do colégio eleitoral,
Poderes tripartida, que também constava do Plano da Virgínia. Quanto a esse
porque foram eliminadas todas as alternativas aventadas. Em sua opinião, o
aspecto das discussões, é oportuno assinalar que na obra de John Adams, A
sistema de colégio eleitoral é essencialmente antidemocrático e deveria ser al
Defme ofthe Comtitutions ofG<wemment ofthe UmíedStates ofAmérica,publicada
terado por meio de tefiirma constitucional, o que, reconhece ele, será extrema
14 Robert A. Dahl.
mente difícil, considerando-se que já foram apresentadas mais de setecentas itutim?, 2. ed New Haven: Yaíe University Press,
2003.

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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS
Estados Unidos da América: o constitucionalismo republicano

em Londres antes da realização da Convenção de Filadélfia, já se encontra uma


governo nacional. Talvez se possa dizer que para grande número dos delegados
explanação clara e consistente sobre a instituição de um sistema de governo
o Judiciário não tinha a mesma importância dos outros Poderes, porque não
com separação de Poderes, idéia defendida por Adams. Com isso, fica fora de
teria um papel político, cabendo-lhe atuar apenas na esfera jurídica. Um dado
dúvida que Adams influenciou a redação do Plano da Virgínia, assim como a
importante, que deve ser lembrado, porque, obviamente, deve tet exercido
decisão final dos delegados à Convenção.
influência, é que, dos cinqüenta e cinco delegados presentes à Convenção de
Defendendo expressamente a separação tripartida dos Poderes, escreveu ele Filadélfia, trinta e quatro eram advogados. O ponto que despertou maiot deba
naquela obra; "três ramos de poder têm um inalterável fundamento na nature te foi uma das propostas constantes do Plano da Virgínia, segundo a qual "o
za, eles existem em toda sociedade natural e artificial; se todos eles não são re Judiciário deveria juntar-se ao Executivo no controle da legalidade", quando
conhecidos em alguma constituição de governo, verifica-se que ela é imperfei este quisesse exercer o poder de veto. Benjamin Franklin já se manifestara con
ta,instável e logo é submetida pelas autoridades;o legislativo e o executivo são tra o poder de veto do Executivo, dizendo considerar absurdo que uma só
naturalmente distintos;a liberdade e as leis dependem inteiramente da separa pessoa pudesse anular uma decisão do Legislativo. Rufus King, delegado de
ção deles no esquema de governo; o poder legislativo é naturalmente e neces Massachusetts, foi o principal objetor, dizendo-se contrário à participação do
sariamente soberano e supremo sobre o executivo..."", Um dado expressivo, Judiciário no processo legislativo. Os juizes, quando examinarem os casos que
que foi lembrado durante as discussões desse tema,é que, embora alguns dis cheguem a eles, certamente irão fazer cessar a ação, se baseada em lei inconsti
sessem achar um absurdo a tripaaição do poder, ela já existia em seis Estados, tucional ,mas,acrescentou; os juizes não devem ter qualquer participação na
podendo ser considerada uma experiência bem-sucedida, apesar das diferenças elaboração das leis, nem mesmo exercendo o poder negativo do veto".
óbvias, sob vários aspectos, entre um governo nacional e os governos dos Madison havia suscitado a hipótese da criação de um conselho de revisão,
Estados-membros. integrado pelo Executivo e por juizes, para controle da constitucionalidade das
Quanto ao Judiciário como o terceiro dos Poderes do Estado, pode-se dizer leis, mas isso também recebeu veemente objeção de parte de vários delegados,
que houve resistência e alguns questionamentos, mas com poucas divergências que,entre outros argumentos, disseram que isso reduziria a independência do
acirradas, a não ser sobre aspectos políticos relativos ao papel do Judiciário no Executivo. Elbridge Getty, do Massachusetts,fez ironia, dizendo que não que
ria ver o Executivo acobertado pela sanção ou seduzido pela sofisticação dos
15 John Adams. A oj ofthe Umied States ofAmérica, agaimt th attack ofM. juizes . Essa observação, na realidade, revela dois temores presentes entre al
Targol. london: Ed.John Stockdale, 1794
guns delegados, um deles era o temor de que, tendo o apoio do Judiciário, o
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A CONSTITUIÇÃO NA VIDA DOS POVOS
Estados Unidos da América:o constitucionalismo
I REPUBLICANO

Executivo poderia tomar-se excessivamente fotte, abusando de seu poder para


Poderes. Embora alguns teóricos pretendam ver antecedentes do Judiciário
frear decisões do Legislativo; outro temor era o da criação de um Judiciário
independente em instituições anteriores da Inglaterra ou da França,na realida
excessivamente poderoso, que iria interferir nas decisões do Legislativo ou do
de nenhum sistema politico anterior compreendia um corpo de juizes verda
Executivo. Usando um argumento teórico,John Dickinson, do Delaware, ob
servou que era imprópria a mistura de juizes e Executivo num mesmo órgão,
deiramente independentes do rei ou do Parlamento e que exercessem a ativi
pois, esclareceu ele,"um é o intérprete e o outro é o executor da lei", exercen
dade jurisdicional como fiinção do Estado e não como privilégio pessoal.
do,portanto,funções diferentes. A par dessas questões,discutiu-se a conveniên
Assim,a tripartiçao dos Poderes, criação dos convencionais de Filadélfia e ino
cia da criação de juizes federais para atuarem onde já existiam jiuzes estaduais, vação de extrema relevância, é uma das características básicas da Constituição
criando assim uma despesa que consideravam desnecessária. dos Estados Unidos da América.

O que acabou prevalecendo foi a proposta de instituição de um Judiciário in


dependente,como um dos Poderes do Estado,criando-se, desde logo,um Supre Declaração dos Direitos Individuais
mo Tribunal, com atribuições especificadas na Constituição, deixando-se ao A afirmaçao da existência de direitos naturais da pessoa humana é muito
Congresso a incumbência de estabelecer regras mais minuciosas quanto à
antiga, havendo vários autores que efetuaram pesquisas e refletiram sobre o
Suprema Corte, inclusive fixando o número de juizes, bem como de criar, por
tema, chegando à conclusão de que o reconhecimento e a proclamação desses
meio de lei,tribunais federais inferiores, quando oportuno. Para garantir a inde
direitos ja se encontram claramente registrados em documentos legislativos da
pendência dos jmzes,decidiu-se que tanto os membros da Suprema Corte quan
Antigüidade. Em termos modernos,costuma-se indicar a Magna Carta da In
to os juizes inferiores conservarão os seus cargos "enquanto bem servirem" e que
glaterra, de 1215, como o antecedente mais remoto. Embora a Magna Carta
não podeião sofrer a redução de sua remuneração. É interessante observar que a não seja, propriamente, uma declaração de direitos, ela estabelece limitações
lei sobre o Judiciário, oJudiciary Aa,foi aprovada na primeira sessão do Con
para os governantes, visando proteger interesses dos governados, tratando tais
gresso dos Estados Unidos, em 24 de setembro de 1789, criando as condições
interesses como direitos. Com isso, criou-se a possibilidade de afirmação de
necessárias para a imediata instalação da Suprema Corte, composta de seis jui
direitos fundamentais que nenhum governo pode negar e que todos estão obri
zes, que foi o número inicialmente fixado, posteriormente alterado para nove.
gados a respeitar, o que ocorreu na própria Inglaterra por meio de atos emana
Assim foi decidida a criação de três Poderes, reciprocamente independentes,
dos do Parlamento a partir do século XIII, em várias ocasiões subsequentes.
completando-se a definido do tipo de governo com repartição tripartida dos Entre esse atos merecem especial referência a Lei do Hakas Corpus, de 1679,
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