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Talvez seu lugar seja justamente este: o da suspeita, pois como afirmam
Kelly Oliver e Marilyn Persal, na Introdução às Feminist Interpretations of
Friedrich Nietzsche,[1] foi justamente o perspectivismo deste o que
chamou a atenção de certas filósofas para o seu pensamento.
Se Baubo é aquela que, por meio do riso, desloca perspectivas e faz com
que Démeter desafie a autoridade masculina, Dionísio carrega a imagem
da gravidez na filosofia de Nietzsche, de tudo aquilo que é “prenhe de
futuro”.[11]Neste sentido, Nietzsche não veria Baubo como feminino no
sentindo de um ‘eterno feminino’, e Dionísio como uma espécie de
‘eterno masculino’, pois sua filosofia diz respeito justamente ao
ultrapassamento de tais dicotomias.
Dizer que ela não existe significa estarmos despertos para o fato de que
a “verdade-mulher, enquanto leveza e graça, simboliza o que há de
menos acessível, o que mais se furta à ridícula pretensão dogmática de
posse integral e permanente”.[14] O mesmo modo de tratamento se
deveria ter com a verdade e com a vida, pois
Ora, não teria sido justamente esta a maneira pela qual os filósofos
lidaram com a verdade-mulher, tal como Nietzsche a expõe no Prefácio a
Além do bem e do mal? Incapazes de acessá-la, preferiram, como Dom
José, assassiná-la. Dom José é incapaz de conviver com as diferenças
que se impõem entre o amor dele e o amor de Carmen, e acredita fazer
justiça ao matá-la. Ele não compreende que a ironia do amor é
precisamente a impossibilidade de haver tal justiça, dado que “homem e
mulher entendem por amor coisas diferentes”.[19]A única justiça
possível se daria, nesse sentido, enquanto manutenção e cultivo das
diferenças.
Segundo Thorgeirsdottir, quando Nietzsche se manifesta, em diversos
momentos, contrário às ideais de ‘igualdade’ entre homem e mulher,
isso deve ser entendido apenas na medida em que “ele não quer que
homem e mulher tenham os mesmos atributos e aparências, mas que
ambos sejam mantidos nas suas diferenças. Um tipo genericamente
andrógeno seria um horror para Nietzsche, dado que ele acentua a
pluralidade das diferenças”.[20]
Isadora Petry
São Paulo, Maio de 2018