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Objetivo da aula: Informar sobre o nascimento da filosofia a partir dos filósofos pré-socráticos

O mundo grego
A península grega foi ocupada pelos povos indo-europeus desde, provavelmente, o segundo milênio antes de cristo. A partir
de 1200 a.C., esses povos diversos (jônios, dórios, eólios) começaram a se instalar nas ilhas do mar Egeu ou no litoral da Ásia
menor. Mais tarde, por volta do século VIII a.C., os gregos passaram a criar colônias nas margens dos mares Mediterrâneo
e Negro.

Essa constante expansão é uma das características mais marcantes da civilização grega. A navegação e o contato com outros
povos foi fundamental para ajudar no desenvolvimento de certas habilidades de raciocínio entre os gregos. A esse respeito,
Xenófanes, filósofo grego
que viveu entre os séculos VI e V a.C., escreveu:
Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria... Os etíopes imaginam
seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os veem ruivos e de olhos azuis... Se as vacas pudessem
pintar e produzir obras como os homens, elas criariam e representariam suas divindades a sua imagem e semelhança: os
deuses dos cavalos teriam feições equinas, os das vacas se pareceriam com elas, e assim por diante.
(Xenófanes apud GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.)
Outra característica da civilização grega foi o fato de os gregos jamais terem se unido politicamente, ou seja, nunca existiu
na Antiguidade algo como um Império grego centralizado. Ao contrário, predominava a fragmentação política, com a
autonomia das cidades. Mesmo as colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo tinham o próprio governo. Chamamos a
cidade-estado da Grécia Antiga de pólis.
Na pólis grega, lentamente se desenvolveram práticas políticas participativas, que culminaram com o surgimento da
democracia (literalmente, Governo do povo). O significado dessas práticas foi bastante amplo, uma vez que, pela primeira
vez na história, as leis deixaram de ser consideradas como originadas dos deuses e passaram a ser vistas como iniciativa dos
seres humanos. Assim, o governante não mais seria considerado um representante de deus, ou mesmo um deus na terra,
como acontecia nas teocracias orientais, como Egito e Mesopotâmia.
O centro da cidade grega não era ocupado por um palácio imperial ou um templo a ele associado, mas sim pela ágora, a
praça pública, onde os habitantes das cidades, cidadãos, se encontravam para discutir os assuntos de interesse de todos.
Esses cidadãos, por sua vez, eram considerados iguais e, por meio do debate buscavam algum tipo de entendimento para
governar a cidade. O debate e a discussão faziam parte do dia a dia dos gregos. Nesse sentido, o pensamento racional foi
para os gregos uma técnica utilitária que acabou por substituir a mera contemplação passiva dos mitos.
Mais do que a democracia, os gregos inventaram a política enquanto uma atividade pública de interesse comum, separada
da vida privada e dirigida por pessoas, ou seja, independente de direção divina.
Pré-socráticos: a Filosofia da natureza
Algumas das narrativas mais antigas que conhecemos sobre o mundo grego são atribuídas a Hesíodo, um aedo que teria
vivido no século VIII a.C. Foi autor de uma grande obra poética, a Teogonia, em que narra o surgimento dos deuses. Na obra,
diz Hesíodo:
No princípio havia o Caos, depois a Terra provedora, base de todas as coisas [...] e depois o Tártaro [mundo subterrâneo] no
fundo do chão de amplas vias, e Eros [o Amor], o mais belo entre os deuses imortais [...] Do Caos nasceram Érebos [trevas]
e a Noite negra; do amor de ambos nasceram o Dia e o éter [parte mais brilhante do céu]. A Terra gerou o Céu estrelado,
igual a ela própria, para cobri-la e para ser morada dos deuses. Depois criou altas montanhas, belo abrigo das Ninfas [...] E
também criou a planície tempestuosa do Mar infecundo [...] Depois, junto com o Céu estrelado gerou o Oceano [rio que
circunda a Terra].
(Hesíodo. Teogonia: a origem dos deuses. Trad. TORRANO, J. A. A. São Paulo: Iluminuras, 2006. Adaptado.)
O texto acima corresponde a uma cosmogonia, ou seja, a uma narrativa sobre o surgimento do mundo, a partir da geração
divina. Na Grécia Antiga, a nascente Filosofia buscou respostas diferentes para a criação do mundo: a cosmogonia presente
nos mitos foi substituída pela cosmologia, uma explicação racional, fundada em hipóteses lógicas e argumentativas. Os
primeiros filósofos gregos se voltaram justamente para a natureza (physis, em grego) e para
sua interpretação, tentando estabelecer uma cosmologia. Eles são chamados pré-socráticos.
Tales de Mileto (aprox. VII–VI a.C.)
Tales foi um filósofo que viveu na cidade de Mileto, na Jônia (região litorânea da atual Turquia), local de intensa atividade
comercial, navegação e ponto de contato com culturas orientais. Não deixou escritos, e tudo que sabemos sobre ele deve-
se a referências de outros pensadores.
A constante mudança é um atributo de todas as coisas, como se elas tivessem uma alma, o que fez Tales afirmar que “todas
as coisas estão cheias de deuses”. Ao que parece, ele teria feito essa afirmação a partir da observação dos ímãs e de como
eles possuem algum atributo que os torna capazes de provocar movimento. As palavras “alma” e “deuses”, empregadas por
ele, não foram usadas estritamente no sentido religioso que geralmente atribuímos a elas, mas fazem referência, sobretudo,
a uma propriedade que todas as coisas possuem, ou seja, um princípio de unidade.
Tales disse que a água é a origem de todas as coisas, ou seja, é o princípio responsável pela vida. Ele certamente observava
as mudanças de estado da água (a maneira como evapora e sobe aos céus, o modo como cai dos céus sob a forma de chuva,
o congelamento no inverno), e percebia sua importância para os seres vivos. Tendo visitado o Egito, Tales viu como a água
do rio Nilo era capaz de dar vida ao deserto. Nesse sentido, a água também seria responsável
pelas mudanças e pela forma como as coisas se transformam.
A preocupação de Tales em encontrar uma explicação para a origem de todas as coisas era também uma preocupação do
mito. Porém, Tales busca essa explicação sem recorrer a fabulações, rompendo com a tradição mítica e inaugurando a
cosmologia. Ao mesmo tempo, ele reduzia a explicação sobre as mudanças do mundo a um princípio fundamental, e esse
princípio pode ser conhecido, deixando de ser privilégio de magos ou poetas ou de qualquer pessoa que seja considerada
capaz de entrar em contato místico com uma divindade. Vê-se aqui a passagem da cosmogonia para a cosmologia.
Pitágoras de Samos (aprox. VI a.C.)
Pitágoras nasceu na ilha de Samos e fundou uma associação filosófica-religiosa na cidade de Crotona. Teria sido o primeiro
pensador a empregar a palavra “filósofo”. Com base na observação dos céus e dos corpos celestes, os pitagóricos
concluíram que existia um kosmos, um bom ordenamento da natureza. O trabalho do intelecto, ao desvendar tal
ordenamento, aproximaria o ser humano desse ordenamento harmônico, e o resultado seria a possibilidade
de reconciliação da alma humana com a pátria celeste, livrando a alma da migração de corpo em corpo. Observe que
Pitágoras professava algumas ideias bem pouco comuns entre os regos, como a preocupação com a vida após a morte e a
existência de uma alma imortal que deveria ser “salva”.
Para Pitágoras, o ordenamento das coisas e das pessoas se expressava por meio dos números, com a Matemática assumindo
importância primordial em sua reflexão. Os números não eram
apenas símbolos para exprimir o valor de uma grandeza, mas o princípio por trás de todas as coisas, verdadeiras divindades.
Por exemplo, a música que ouvimos depende da extensão da corda sonora; a identidade e a alteridade se expressam
aritmeticamente nos números pares e ímpares.
Heráclito de Éfeso (aprox. VI-V a.C.)
Assim como Tales, Heráclito buscou encontrar um princípio que deu origem a todas as coisas, e foi no fogo que ele
identificou o elemento de organização e racionalização das mudanças ou trocas realizadas pela natureza.
De sua obra escrita conhecemos apenas fragmentos de difícil interpretação, mas entre eles se encontra a conhecida
afirmação: “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois novas águas sempre correrão”, ou seja, a natureza está em
constante modificação. Essas mudanças constantes são, por sua vez, resultado de um contínuo jogo de opostos que
caracteriza a natureza: quente/frio, seco/molhado, dia/noite, doente/saudável. Para Heráclito, esse jogo
se dá em harmonia e isso formaria a unidade dinâmica da natureza. “Deus” seria aquilo que está por trás de todas as
mudanças, embora Heráclito muitas vez preferisse empregar em seu lugar a palavra “Logos” (no sentido de princípio
racional do mundo real).
Parmênides de Eleia (aprox. VI-V a.C.)
Parmênides viveu na colônia grega de Eleia, na atual Itália, e foi autor de uma poesia intitulada Sobre a natureza, que contém
suas ideias filosóficas. Ao mesmo tempo em que percebia as mudanças na natureza, Parmênides observava que as coisas
tinham algumas características que as faziam permanecer sendo o que eram. Ou seja, uma árvore pode se incendiar, pode
ser
derrubada, pode ser pintada. Mas sempre existiram e sempre existirão árvores que continuarão sendo árvores. Nas suas
palavras: O que é, é.
Com essa formulação, Parmênides dizia que as mudanças percebidas pelos nossos sentidos são enganadoras, pois nos
afastam da formulação daquilo que é eterno, imutável e verdadeiro: o ser. O ser (aquilo que é) opõe-se ao devir (o vir a ser
ou tornar-se). No ser encontra-se a verdade (aletheia), enquanto dos nossos sentidos s— pode surgir a opinião (doxa) sobre
as coisas, que muda da mesma forma que as coisas mudam. “O que é, é” significa que aquilo que é pode ser pensado e dito,
e constitui o ser. Em oposição, “o que não é, não é” significa que aquilo que não existe (o nada) não pode nem ser pensado
nem dito.
Parmênides costuma ser considerado o fundador da ontologia, o estudo do ser, e foi com base em suas ideias que a Filosofia
deixou de ser considerada somente uma explicação da natureza e passou a se dedicar à busca de um conhecimento mais
abrangente.
Demócrito de Abdera (aprox. V-IV a.C.)
Demócrito talvez tenha sido o último dos grandes filósofos gregos da natureza. Concordava com Heráclito, segundo o qual
tudo muda, mas afirmava que as transformações que ocorriam
na natureza eram limitadas, uma vez que todas as coisas eram formadas por um número de pequenas partes, que ele
chamou de átomos. Segundo Demócrito, existiam átomos de vários tipos, que se agrupavam formando os corpos e as
substâncias mais diversas. Além disso, os átomos eram indivisíveis, caso contrário, a natureza se desmancharia. Para ele,
além dos átomos, só existia o vazio na natureza.
Pré-socráticos: os sofistas
Também s‹o considerados pré-socráticos os sofistas, intimamente relacionados com o desenvolvimento da democracia e
com a prática de discussões públicas, sobretudo em Atenas. Os filósofos sofistas negavam a possibilidade de um
conhecimento verdadeiro e incontestável,
ao mesmo tempo em que enfatizavam o uso da retórica e de técnicas de persuasão: a verdade de um discurso estaria na
sua adequação a um fim desejado. Portanto, ao invés de uma verdade a ser atingida existiam apenas opiniões a serem
apresentadas, cuja aceitação dependeria essencialmente da habilidade do orador. Górgias (aproximadamente 485-420 a.C.)
observava a maleabilidade do discurso, na medida em que podem ser ditas palavras sobre qualquer coisa, adequadas ou
não à realidade mas, seja como for, capazes de produzir efeitos sobre essa realidade. No discurso conhecido como Elogio
de Helena, afirmou: “O discurso é um senhor soberano que, com um corpo diminuto e quase imperceptível, leva a cabo
ações divinas. Na verdade, ele pode tanto deter o medo quanto afastar a dor, provocar alegria e intensificar a compaixão”
Em Protágoras (aproximadamente 490-415 a.C.), encontra-se a famosa afirmação segundo a qual “O homem é a medida de
todas as coisas”. Trata-se de expressão do relativismo sofista: se o ser humano é a medida, então as “verdades” do mundo
não têm existência autônoma, devendo ser adequadas aos desejos ou à vontade do grupo de humanos. Dada a diversidade
desses grupos, o que é verdadeiro em um lugar não o é necessariamente em outro.
1 – “O discurso é um senhor soberano que, com um corpo diminuto e quase imperceptível, leva a cabo ações divinas. Na
verdade, ele pode tanto deter o medo quanto afastar a dor, provocar alegria e intensificar a compaixão.
Górgias. Elogio de Helena.
a) Explique o significado do trecho “com um corpo diminuto e quase imperceptível”
b) Cite exemplos, extraídos de seu cotidiano, do poder das palavras de provocar os efeitos descritos no trecho.

2 - A Filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as
coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa
proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e, enfim, em
terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: “Tudo é Um”. A razão citada
em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e
o mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego.
NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. In: Pré-socráticos. Coleção Os Pensadores.
São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 10.
De acordo com o texto, por que Tales pode ser considerado o primeiro filósofo grego?

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